• Nenhum resultado encontrado

DISCUSSÃO SOBRE NEXO CAUSAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "DISCUSSÃO SOBRE NEXO CAUSAL NA RESPONSABILIDADE CIVIL"

Copied!
11
0
0

Texto

(1)

DISCUSSÃO SOBRE NEXO CAUSAL NA

RESPONSABILIDADE CIVIL

FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE – PERIGO OU NECESSIDADE?

Jorge Wichrowski Krieger de Mello

Professsor: Marco Fridolin Sommer Santos

RESUMO: Este trabalho apresentará o instituto da responsabilidade civil e a importância do nexo de causalidade para efetivamente haver a possibilidade de ressarcimento por danos materiais e morais. Será feita uma retomada da importância desse conceito advindo desde o Direito Romano. Será discutida a ação genérica proposta pela Advocacia Geral da União (AGU) contra a indústria do cigarro. Neste contexto será analisado os perigos de se flexibilizar o nexo causal. Por fim serão propostas alternativas para custeio dos serviços de saúde públicos por danos causados pelo consumo de cigarro.

PALAVRAS-CHAVE: Nexo de causalidade, responsabilidade civil, responsabilidade indústria tabagista, responsabilidade por homicídio.

1 - INTRODUÇÃO

Inicialmente no Direito Romano a responsabilidade civil era objetiva, não necessitava a comprovação do elemento subjetivo. Percebendo-se que a não exigência do requisito de culpa acarretava situações injustas, a responsabilidade civil subjetiva passou a figurar como regra nas codificações privadas influenciadas pelo Direito Romano, como se observa no Código Civil de 1916 e no Código Civil de 2002 no Brasil.

A teoria subjetiva preconiza que o elemento culpa constitui, em regra, um dos pressupostos necessários para a responsabilidade civil. Em nosso Código Civil, pode-se depreendê-la da leitura do artigo 186:

(2)

“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Logo se pode diferenciar a responsabilidade civil subjetiva da objetiva na tabela 1:

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Conduta Conduta

Dano Dano

Nexo Causal Nexo Causal

Culpa/Dolo

Tabela 1: Responsabilidade Objetiva e Subjetiva

A regra é a Responsabilidade Subjetiva, entretanto a casos de Responsabilidade Objetiva preconizadas no nosso Código Civil, por exemplo, o parágrafo único do artigo 927.

“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.“

No artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.” No artigo 14 do CDC.

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Ou seja, para o código de defesa do consumidor aplica-se a teoria da responsabilidade civil objetiva, com algumas exceções como a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Importante ressaltar que em nenhum momento houve qualquer flexibilização do requisito do nexo de causalidade. O vínculo entre o causa e o efeito não pode assumir um condição genérica do tipo: “em algum momento ocorreu um dano e queremos a reparação”.

Exatamente essa flexibilização do nexo causal que propõe a AGU em face da ação civil pública contra a indústria tabagista, que tramita perante a Justiça Federal de Porto Alegre sob o número 50305683820194047100, visando o

(3)

reembolso do Estado pelos gastos do SUS com o tratamento de doenças relacionadas ao uso do cigarro.

Será discutido o significado dessa ação mais adiante e serão propostas alternativas para solução do litígio. Primeiro, para melhor compreender a questão, deve-se analisar mais a fundo o instituto da responsabilidade civil e seu requisito do nexo causal, num caso hipotético de homicídio cometido por segurança, funcionário de empresa terceirizada.

2 - RESPONSABILIDADE CIVIL DE HOMICÍDIO POR SEGURANÇA DE EMPRESA TERCEIRIZADA

Caso hipotético aonde um segurança de supermercado, funcionário de uma empresa terceirizada comete um homicídio a mão armada com um único disparo, no estacionamento do supermercado. O segurança alega legítima defesa. O que neste caso estaria configurada a culpa exclusiva da vítima. O local aonde ocorreu o homicídio não possuía câmeras de vigilância, logo se verifica apenas a palavra do segurança contra a vítima que estava desarmada. Não há nenhuma prova de qualquer outro delito cometido pela vítima que tenha sido alegado pelo segurança.

Na seara penal a dúvida pro réu por mais injusta que pareça deve ser observada pelo tribunal do júri. De posse somente dos fatos relatados, poderiam sim, absolver o réu por faltas de provas, veja bem, não há negação da autoria, muito menos inexistência do fato. Há apenas a absolvição por falta de provas.

Já na seara civil conforme preconiza o artigo 935 do Código Civil (CC) há independência da seara criminal.

“Art 935 A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

Todos os potenciais compradores do supermercado em questão são usuários do serviço de segurança, até aqueles que nunca comprarem nada, pois o serviço de segurança é indivisível, basta o seu potencial uso artigo 2 do CDC.

“Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

Neste caso, há a utilização por parte da vítima de um serviço prestado pelo supermercado através da contratação de empresa terceirizada. Então há a

(4)

aplicação do artigo 14 do CDC aonde o prestador de serviços responde independentemente de culpa. Ainda pode-se enquadrar a atividade de segurança armada na exceção do parágrafo único do artigo 927 do CC, como atividade que por natureza já implica riscos aos direitos.

Por fim o artigo 932 do Código Civil deixa claro, a responsabilidade objetiva dos funcionários da empresa nos exercícios de suas funções no inciso III.

“Art 932. São também responsáveis pela reparação civil...

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;“

Configurando claro o caso de responsabilidade civil OBJETIVA da empresa de segurança.

E com relação ao supermercado tomador do serviço terceirizado? Para saber a sua responsabilização é necessário determinar alguma participação do supermercado entre a conduta e o dano para haver nexo causal, conforme afirma nossa jurisprudência.

CASO A – Com relação à reclamação trabalhista a empresa contratante do serviço terceirizado é sempre responsável subsidiariamente não importando nenhuma situação particular conforme foi posto no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324 e o Recurso Extraordinário (RE) 958252.

CASO B – Com relação à responsabilidade civil, uma empresa que contrata serviço terceirizado que é prestado em local diverso da sede da empresa contratante. Via de regra, não há o ponto de contato entre os funcionários das empresas, de modo que a empresa contratante somente poderá responder solidariamente por responsabilidade civil SUBJETIVA, ou seja, é necessário demonstrar culpa ou dolo na contratação. Seja culpa ao não verificar os documentos da empresa que estava contratando, seja por não se atentar para ínfimo patrimônio da empresa contratada para cumprimento de suas obrigações. Seja dolo na contratação ao saber que a empresa contratada não atende os requisitos para fornecer um serviço adequado e mesmo assim a contrata para tentar se eximir de responsabilidade. Isso está de acordo com o Recurso Especial (RE) 1171939, julgado em 2011 pelo STJ.

CASO C – O funcionário da empresa terceirizada presta serviço em caráter habitual na sede da empresa que o contrata, como no caso do segurança do supermercado, aqui se tem manifesta subordinação jurídica do funcionário terceirizado à empresa contratante. Sendo esse um caso de responsabilidade civil OBJETIVA por parte do supermercado de forma solidária com a empresa contratada. Ainda falando-se em serviço de segurança se trata de uma prestação de serviço para o público em geral pelo potencial uso, conforme já discutido anteriormente, então de acordo com o CDC o autor da ação tem liberdade em propor ação contra qualquer um dos

(5)

réus, ou contra os dois solidariamente, pois este não pode ser prejudicado em função da dúvida, parágrafo único do artigo 7 do CDC.

“ Art. 7. ...

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente

pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.”

Ainda que a vítima não auferisse qualquer renda e não possuísse dependentes, os pais da vítima seriam parte legítima para pleitear reparação civil por danos materiais de futura prestação de alimentos que receberiam do filho e por danos morais da perda do ente querido contra o supermercado, conforme artigo 948 do Código Civil.

“Art 948 No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: I – no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família.

II – na prestação de alimentos as pessoas a quem o morto os devia, levando–se em conta a duração provável da vida da vítima.“

Os grifos mostram que o luto deve ser indenizado, ou seja, indiscutível o dano moral neste caso. O dano moral pouco importa a condição da vítima ou seus pais, pois é o mesmo para ricos e para pobres. Nesse caso específico estamos falando da morte de um familiar de primeiro grau que possuía ampla convivência. A cifra de 200 mil reais em 2019 em danos morais parece plenamente compatível com a maioria dos seguros de vida oferecidos no mercado.

A vida de uma pessoa é de valor imensurável, mas nesse momento temos que buscar alguma fonte para quantificar a indenização, do contrário estará na afirmação de valoração da vida a justificação para desvalorizá-la completamente, pois se de valor imensurável nenhuma quantia a ser paga, logo seria o mesmo que não valesse nenhum valor.

Por isso é preciso a fim de Justiça quantificar aqui o dano moral pela perda do ente querido, parece adequado a utilização da média de valor pago pelos seguros de vida no Brasil.

I – Se uma das empresas pagar sozinha a indenização devida, poderá perante o outro devedor propor cobrança numa ação de regresso com base no artigo 934 do Código Civil.

“Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.”

II - Se condenado o segurança por homicídio doloso pode haver ação de regresso contra o funcionário.

(6)

III - Cabe aqui ressaltar que a quantia de regresso deve ser comportada financeiramente pelo réu. Caso o supermercado seja uma empresa muito maior que a empresa de segurança e essa não tenha condições de indenizar, aquele ao contratá-la assumiu o risco, por isso terá que comportar a maior parte da indenização sozinho. O mesmo vale para empresa de segurança em relação ao funcionário. Aqui se entende a aplicação do princípio geral do Direito da proporcionalidade.

IV - Ainda analisando o espectro do funcionário, se absolvido na esfera criminal ou condenado por homicídio culposo não caberá nenhuma ação de regresso contra o mesmo com base no primeiro parágrafo do artigo 462 da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), que faz justiça ao proteger o elo mais fraco da relação.

“Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo.

§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

(Parágrafo único renumerado pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)”

Com relação aos danos materiais devem ser verificadas nesse caso as questões pessoais da vítima e de sua família. Se é os pais que pleiteiam a indenização deve o inciso II do artigo 948 ser interpretado com a duração provável da vida dos pais da vítima, pois esses em tese faleceriam antes do filho em condições normais. O maior ou menor grau de dependência atual dos pais. O maior ou menor grau de dependência futura dos pais da vítima.

Nesse exemplo foi analisado um caso de responsabilidade civil objetiva por parte da contratante de serviço terceirizado de segurança. Caso que independe de dolo ou culpa. Entretanto a conduta, o dano e o nexo de causalidade precisam estar presentes.

Ainda que o autor da conduta seja absolvido por falta de provas, fato que beneficia a esfera criminal, tal fato não enseja dispensa da responsabilização civil. Pois temos com base no CDC artigo 6 no inciso VIII a possibilidade de inversão do ônus da prova na esfera civil, ficando os réus com ônus de provar que o homicídio decorreu exclusivamente da culpa da vítima.

Esse é um caso clássico aonde o benefício da falta de provas pro réu na esfera criminal acaba por representar um benefício para a vítima na esfera civil.

3 - RESPONSABILIDADE CIVIL DA INDÚSTRIA TABAGISTA PELOS GASTOS DO SUS

Com o exemplo anterior ficou provada importância do nexo causal para a reparação das vítimas.

(7)

É nobre o trabalho do professor Facchini em “A Responsabilização da Indústria do Cigarro pelos Danos à Saúde do Consumidor – Ensaio de Direito Comparado”, em que propõe a flexibilização do nexo de causalidade em favor do serviço público de saúde. Nobre também a AGU ao propor ação que visa melhorar os serviços de saúde com o aumento da arrecadação através de indenizações judiciais.

A causa é nobre, mas flexibilizar o nexo causalidade não. Da forma como está sendo proposta, a ação de caráter genérico se obtiver êxito estará criando jurisprudência que deverá ser estendida a outros casos em nosso ordenamento jurídico.

O caso mais clássico é do homicídio em que não se descobre o culpado. Nesses casos caberia a responsabilidade da União ou dos estados membros pelo dano moral e material, uma vez que o cidadão quando paga os impostos, espera que a segurança pública funcione. Então ao flexibilizar o instituto da responsabilidade civil iremos arrecadar de um lado, mas possivelmente haverá enormes e vultosas saídas de dinheiro em outros casos.

Mesmo argumentando que a responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, bastará provar que não havia policiamento na rua em que ocorreu determinado crime para ficar configurada a culpa.

Faz-se um parêntese para esclarecer que a indenização em caso de homicídio não esclarecido em nossa sociedade deveria sim ser protegida, mas a exemplo de como é o DPVAT, deveria ser um seguro ou fundo financiado por todos e não através do instituto da responsabilidade civil.

Conclui-se desse primeiro argumento que como medida para arrecadar dinheiro a ação da AGU pode ter um resultado desastroso.

Ademais se o objeto da ação é a arrecadação de dinheiro, o que se tem aqui é a tentativa de se criar um tributo pela via judicial, sem o devido processo legislativo. Algo incompatível com nosso ordenamento jurídico.

Tanto a AGU quanto o professor Facchini sustentam suas teses utilizando de casos que ocorreram nos Estados Unidos da América (EUA). De imediato refuta-se essa comparação, pois os EUA é um país essencialmente Common Law, enquanto o Brasil é um país essencialmente Civil Law. Nos últimos anos, juízes com postura Common Law alcançaram a popularidade no Brasil, fato que não serve para falar a favor do Common Law, pelo contrário, isso seria prova contra o sistema do Common Law, já que o Judiciário para bem desempenhar suas funções é essencialmente um poder contramajoritário, que tem primazia em decidir pela via incidental, para fazer Justiça ao caso concreto.

Outro fator preponderando para se evitar a comparação com os EUA se extrai da tabela 2. A carga tributária nos EUA é muito menor sobre bens e serviços, inclusive sobre os cigarros, diferente do que ocorre no Brasil.

(8)

BRASIL ESTADOS UNIDOS Cigarro 83,32% 44,3% Cerveja 42,69% Champanhe 59,49% Caipirinha 76,66% Água Mineral 37,44% Arroz 17,24% Carga Média Tributária Total Sobre o PIB 32,29% 26% Sobre Bens e Serviços 51% 17%

Tabela 2: Diferenças na Carga Tributária

(FONTES: https://impostometro.com.br/home/relacaoprodutos http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2017.pdf https://taxfoundation.org/2019-state-cigarette-tax-rankings/ https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/opiniao/2018/07/637564-carga-tributaria-nos-estados-unidos.html)

Observa-se uma carga tributária de 83% contra 59% na média das bebidas alcoólicas, sendo que a cerveja tem apenas 43% de carga tributária, quase a mesma porcentagem para o preço da água mineral.

Logo se há alguém sendo injustamente taxado pelos prejuízos causados é indústria do álcool. As mortes causadas por doenças relativas ao álcool ou por acidentes e homicídios decorrentes de seu uso são incontáveis. Além disso, nesse caso tem-se um enorme prejuízo não só para o SUS, mas também para o INSS, pois as mortes decorrentes do álcool atingem cidadãos preponderantemente mais novos, gerando inúmeros pagamentos de pensões.

Com apresentado neste ponto se pretende defender que os prejuízos que determinado produto pode causar a sociedade, em geral, já são levados em conta na hora de tributá-los. Nem sempre essa taxação é justa como podemos ver na relação entre cerveja e a água mineral. Mas no caso do cigarro, no Brasil, a tributação parece que já está ajustada para efetivamente tentar conter o seu uso ou para compensar os seus prejuízos.

Se ainda assim a opção para compensar os prejuízos for por aumento de tributos, uma hipótese para que o tributo tenha destinação específica é a instituição de uma contribuição de intervenção de domínio econômico (CIDE) pela União, através de lei complementar, conforme preconiza o artigo 149 da Constituição Federal.

(9)

Outra opção para que a indústria de cigarros suporte os custos do tratamento de seus usuários é criação de fundos para custeio dessas demandas, além de dinheiro, esses fundos podem ser formados até por instalações hospitalares próprias para atender aos usuários. Tais fundos poderiam ter participação das indústrias de bebidas alcoólicas.

Uma linha mais rigorosa indo na direção da proibição de seu consumo levaria a sua comercialização através de traficantes, favorecendo esses grupos que atuam fora da lei e que não conhecem limites em fazer o mal, de forma que circularia mais dinheiro entre facções criminosas de traficantes.

O professor Marco Fridolin Sommer Santos em seu trabalho “Acidente de Consumo entre a Seguridade Social e a Responsabilidade Civil” faz a correta análise pela improcedência da legitimidade da União em propor ação contra empresas de cigarros por conta das vítimas que não sejam determinadas caso a caso. Quebrando o nexo de causalidade entre o dano sofrido por determinado cidadão que o SUS teve que arcar e a conduta da indústria de por o produto em circulação.

Para ter nexo de causalidade é preciso saber quem é a vítima, pois de modo genérico e indeterminado estamos alterando um instituto que vem do Direito Romano, importantíssimo para reparação civil de danos. O que abre diversos precedentes perigosos.

Quanto ao aspecto do dano moral que possa ser cobrado até mesmo em face de vítimas específicas do cigarro, só restará configurado se a pessoa começou a consumir o produto anteriormente ao ano de 2011, pois a partir desse ano a Lei 9.294 em seu artigo 3 proíbe qualquer propaganda de cigarros em comerciais.

4 - CONCLUSÃO

Pelo apresentado neste trabalho conclui-se que a AGU tenta criar um novo imposto sobre o cigarro, pela via judicial, amparada na flexibilização do nexo causal no instituto da responsabilidade civil, algo totalmente incompatível com nosso ordenamento jurídico nos dois aspectos.

Se os cigarros causam danos ou prejuízos, existem outros caminhos para combater e ressarcir os prejuízos:

1 – Sua proibição de consumo pelo poder legislativo, medida que aumentará o poder dos cartéis de drogas, mas não deixa de ser uma medida constitucional.

2 – O artigo 149 da Constituição Federal estabelece a possibilidade e a competência privativa da União por meio de lei complementar em instituir uma

(10)

Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE) sobre o cigarro para sustentar os custos que a rede pública de saúde tem que suportar. Essa hipótese parece viável de ser aplicada, não somente para os cigarros, mas também para as bebidas alcoólicas que causam inúmeras mortes e acidentes, seja diretamente ou indiretamente por seu consumo. Relembrando que para os cigarros a tributação já está em 83%, enquanto que para as cervejas alcança apenas 43%.

3 – No caso específico da AGU, o melhor caminho seria procurar pessoas que tenham adquirido doenças por consumo de cigarro e em nome desses cidadãos ajuizarem ações contra a indústria do tabagismo para custeio em hospitais particulares, ou ainda o ressarcimento dos gastos específicos de cada indivíduo.

4 – A fim de que a indústria de cigarros suporte tais custos advindos do item 3, surge a importância de criarem fundos para custeio dessas demandas, além de dinheiro, esses fundos poderiam ser compostos até por instalações hospitalares próprias para atender aos usuários. Tais fundos poderiam ter a participação das indústrias de bebidas alcoólicas.

Quando se fala de responsabilidade civil não há como desvincular do indivíduo que efetivamente sofreu o dano da conduta, do contrário, estará sendo banalizado o instituto da responsabilidade civil, abrindo espaços para injustiças para ambos os lados, ou de não reconhecer a responsabilidade civil propriamente como definida, ou de reconhecê-la em casos de inexistência absoluta do nexo de causalidade.

Por mais nobre que seja a ação proposta pela AGU verifica-se ausência de pressupostos básicos, sendo uma propositura teratológica. Busca-se amparar sua argumentação em outros sistemas jurídicos, com peculiaridades distintas, as quais conduzem a um caminho incompatível para êxito da questão. O nexo causal é indissociável da responsabilidade civil desde os primórdios do Direito Romano.

REFERÊNCIAS

Facchini, Eugênio. A RESPONSABILIZAÇÃO DA INDÚSTRIA DO CIGARRO PELOS DANOS À SAÚDE DO CONSUMIDOR – ENSAIO DE DIREITO

COMPARADO

Ferreira, Osiel. Responsabilidade CIVIL SUBJETIVA E

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. Publicado em 02/2018.

Fridolin, Marco. ACIDENTE DE CONSUMO ENTRE A SEGURIDADE SOCIAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL

(11)

Receita Federal. CARGA TRIBUTÁRIA NO BRASIL 2017. Publicado em 11/2018.

Rosenvald. Dresch. Wesendonck. RESPONSABILIDADE CIVIL NOVOS RISCOS. Editora FOCO. 2019.

Links: https://jus.com.br/artigos/64351/responsabilidade-civil-subjetiva-e-responsabilidade-civil-objetiva http://receita.economia.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e- aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2017.pdf https://impostometro.com.br/home/relacaoprodutos https://taxfoundation.org/2019-state-cigarette-tax-rankings/ https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/opiniao/2018/07/637564-carga-tributaria-nos-estados-unidos.html https://www2.jfrs.jus.br/consulta-processual/?consulta-processual=1&txtValor=50305683820194047100&selForma=NU&selOrigem =RS&txtDataFase=01/01/1970&pagina=1 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4952236 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4620584 https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/

Referências

Documentos relacionados

CAMPINAS 2012.. Os capítulos preliminares são sobre o conteúdo necessário para a execução da pesquisa. A todo momento, as pessoas se deparam com situações em

A extração de folhagens na região da Encosta Atlântica do Estado do Rio Grande do Sul é uma atividade, tanto no que tange aos aspectos econômicos como sociais e ambientais,

Medidas a implementar em caso de desvio: informar imediatamente as entidades competentes, interrupção imediata dos trabalhos de exploração, avaliação dos vestígios

Também é abordado o nexo de causalidade, incluindo as concausas e os diversos tipos de prova do nexo causal, a discussão sobre as teorias de responsabilidade civil, desde a

Conclui-se que a calibração do sensor ECH2O, modelo EC-5, mostrou-se eficiente para Latossolo Vermelho distrófico de textura argilosa, contudo, variações na densidade do

10 A estrutura organizacional da organização é divisional ou matricial com sofisticado sistema de controle rejuvenescimento 11 A estrutura organizacional da organização é

Agora, com todas essas informações sobre situações e objetivos diferentes de leitura, em grupo, você deverá contribuir com os colegas para a construção de um painel de leitura

É a partir desses apontamentos que as atividades propostas foram embasadas. Por meio disso, o papel do professor foi o de auxiliar na assimilação e construção do conhecimento.