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Literatura Oral Tradicional: conceito e características

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Academic year: 2021

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Literatura Oral Tradicional: conceito e características

João David Pinto Correia

Convirá, em jeito de esclarecimento, referirmo-nos ao que significa para nós a designação Literatura Oral Tradicional para o vasto objecto do nosso trabalho de investigação e que constitui o material de estudo e de sistematização do ADLOT. Conceito de Literatura Oral Tradicional

A Literatura Oral e Tradicional ou tão simplesmente Literatura Oral Tradicional já se encontra institucionalizada como designação de área de investigação, de disciplina de cursos universitários, de especialidades em áreas de pós-graduação, etc. Nas instituições universitárias portuguesas, foi introduzida por ocasião das reformas do Ensino Superior após o 25 de Abril de 1974.

Apesar de se poder contrariar o emprego da palavra “Literatura” (derivada, como sabemos de “littera”, letra grafada), aplicada a uma realidade que é “oral”, ela foi pouco a pouco aceite pela comunidade académica e científica no seu significado mais lato de “conjunto de práticas linguístico-literárias” (pensemos no uso que a palavra tem em expressões como “literatura médica” ou “literatura infantil”). “Oral” significa que se privilegia a sua transmissão pela oralidade, pela voz e não pela escrita, embora esta seja necessária no registo das composições ditas / ouvidas de boca a ouvido e vice-versa. “Tradicional” indica que este manancial de produção linguístico-literária (cantigas, adivinhas, contos, lendas, etc.) se transmite pela memória sem preocupação com a autoria original, atravessando épocas, continuando-se e efectivando-se pela performance ao vivo, nas diferentes situações sócio-culturais das comunidades; há composições que se transmitem há vários séculos, outras só há alguns anos. Nessa transmissão, vão adquirindo pormenores na sua variação, verificando-se a produ-transmissão, isto é, no processo realizado ao longo do tempo, os agentes da transmissão vão moldando com diferentes, por vezes acentuadas, outras mínimas propostas de alteração da expressão e do conteúdo que podem ter a ver com adaptações ao contexto de vária natureza (social, geográfico, moral) ou mesmo a pormenores diferentes da intriga

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narrativa ou a entendimento erróneo de elementos da expressão ouvida; no entanto, os principais garantes da temática e da estrutura permanecem, garantindo a identificação da composição, apesar da sua variação.

Distinguimos as “tradicionais” das “tradicionalistas”: estas são produção identificável nos seus autores (poetas populares) ou aproveitamento das propostas da literatura oficial ou institucionalizada. Mas não nos podemos esquecer de que as tradicionalistas também se podem tradicionalizar, isto é serem aceites e adoptadas pelos indivíduos e pelos públicos, que as transmitem como se pertencessem à tradição. Como é evidente, interessam-nos principalmente as primeiras, embora tenhamos também registado as que referimos em último lugar. Compreende-se que Luís Filipe Lindley Cintra tivesse sintetizado a sua concepção deste corpus, quando afirmou que a Literatura Oral Tradicional pode identificar-se e caracterizar-se por ser “uma forma de expressão particularmente concisa e densa, consequência de uma longa elaboração que tem quase sempre como resultado uma redução ao essencial – do que, de uma “história” que se conta, de uma emoção que se sente ou de uma situação dramática que se evoca, é indispensável comunicar”.

A Literatura Oral Tradicional: “texto”, versão, variante

A noção de “texto” é muito complexa na LOT, visto que, realizando-se na performance, sendo sempre “actualizada” em repetidos tempos e lugares, a prática expressiva e significante não é nunca a mesma. A ocorrência no tempo e no espaço é a “versão”, com as suas invariantes naturalmente em relação ao tipo ou modelo de conteúdo e de expressão, mas sobretudo com transformações devidas à iniciativa individual do transmissor, por sua vez susceptíveis de se tornarem colectivas por influenciar pouco a pouco a comunidade, ou então comportar o registo de pormenores de contexto (social, cultural, geográfico, etc.).

A transmissão em performance de indivíduo para indivíduo ou mesmo de indivíduo ou grupo para a comunidade acarreta não só a permanência das características modelares invariantes como também as pequenas ou grandes

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transformações de expressão / conteúdo, que acentuam a variação textual. Dessa acção da transmissão ficam para cada “texto” as marcas, como acontece com as pedras, os calhaus que vão sendo moldadas pelo tempo e pelo movimento. É o que podemos chamar de “produtransmissão”.

Cada um dos transmissores (no nosso caso, informantes) apropria-se do “texto” numa realidade concreta com particularidades e diferenças (desde as paralinguísticas, entoação, gestos e mesmo observações da sua iniciativa de maior ou menor importância) num contexto geográfico, temporal, sócio-cultural específico (Vide documento “O texto na Literatura Popular…”, de Pinto Correia) Literatura Oral Tradicional: características

Podemos apontar mais esquematicamente como principais as seguintes características para as composições da Literatura Oral e Tradicional:

- Oralidade, naturalmente

- na produção que pode ter origem numa composição escrita ou oral, mas principalmente na transmissão;

- a transmissão é concretizada em performance oral e contextual;

- segundo a poética da memória e da voz (Zumthor); por isso, como fica mais adiante desenvolvido, apresenta tendência para as “expressões e estruturas formulísticas” (“Era uma vez”, “Que é, que é…”, etc.).

- Variação

- as composições - ocorrências são as “versões” concretas em performance de um “texto”; correspondem, para aproveitarmos a opinião de Jakobson e Bogatyrev, a uma espécie de “parole” em relação a uma “langue” (que corresponderia ao que considerámos “texto”); enquanto a “literatura canónica” ou “institucionalizada” toma como principal esteio o “texto fixo” e “único”, a LOT funda-se nas suas realizações diferentes (as “versões”), se bem que estas mantenham um conjunto invariante de elementos de

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conteúdo e também de expressão que as identifica como manifestações de um mesmo “texto”.

- Anonimato de produção

- na LOT, se bem que tivesse havido autores que produziram o(s) primeiro(s) texto(s) oral ou escrito, as versões transmitem-se anónimas, de indivíduo para outro indivíduo, dentro de uma comunidade e passando, por vezes, de comunidade a outra comunidade, o que se designa como “tradicionalização”.

- Natureza colectiva

- pela tradicionalização, as composições tornam-se “colectivas”, embora em cada performance possa registar as marcas do transmissor que, assim, se torna em parte produtor (nas versões e nas variantes); note-se que, quando se aponta esta característica da natureza colectiva das composições da LOT, não se pode entender como tendo sido compostas em grupo na sua produção original, mas antes como aceites pelos indivíduos da comunidade ou comunidades, os quais deixam marcas mais ou menos ligeiras ou profundas na sua transmissão (chamamos a este processo a “produtransmissão”), aliás bem patente na expressão popular de “quem conta um conto acrescenta um ponto”.

- Estruturas simples e tipificadas

- as estruturas narrativas das composições da LOT são sempre muito simples e tendem para modelos tipificados, com programas narrativos esquemáticos ou de segmentação narrativa pouco complexa.

- Expressão simples

- a expressão encontra-se centrada nos substantivos e verbos e comporta adjectivação escassa e de certo modo pouco original e muito menos figuras elaboradas de retórica.

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- Existência de “expressões formulísticas” ou “estruturas de natureza formulística”

- estas expressões podem servir para identificar o género (por exemplo, “Era uma vez…” ou “Que é, que é…?”), mas também podem servir para apoiar o trabalho da memória (“Quedos, quedos, cavaleiros…”, “À entrada duma vila, à saída dum lugar”, “de calçada em calçada”, “de palavra em palavra”, etc.); alguns estudiosos consideraram-nas mesmo como a característica maior das composições da LOT.

- Economia e elementaridade do universo semântico

- os agentes figurativos (pessoas, animais, plantas, objectos, etc.) não precisam de ser caracterizados em pormenor; eles ganham a sua densidade semântica interna nas composições sem necessidade de adjectivação, graças à sua representatividade por vezes elementar ou de modo mais complexo (jogo de relações significantes internas ou tão-só expressividade importada do imaginário colectivo); pense-se em motivos simples, mas de intenso significado como “princesa”, “floresta”, “lobo”, etc., sem haver a preocupação de grandes caracterizações, descrições, retratos, etc.

- Densidade simbólica

- além da característica anteriormente referida, há que reforçar a que tem a ver com a densidade simbólica, devido ao contributo dos “motivos tópicos” e das “leis tradicionais da narrativa, sobretudo épica” (leis de Olrik):”): o “pente”, o “anel”, os lugares da presença feminina (interiores, “varanda”, “janela”, por exemplo) ou da presença masculina (exterior, de combate); o emprego do número “três” ou “sete” (“três irmãs”, “sete castelos”), etc.

- Confluência, nas performances, de várias práticas discursivas (linguísticas, gestuais, musicais, etc.)

- ao contrário da Literatura Canónica ou Literatura-Instituição, que só permite para a sua legitimação a prática linguística (sempre escrita e de um

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só texto), a LOT admite ou mesmo exige nas suas ocorrências de performance uma confluência de práticas discursivas outras, como as paralinguísticas, os gestos, as suspensões, a melodia, etc., que não se sobrepõem, mas atravessam, conferem realização às composições linguístico-literárias: pense-se no complexo de práticas que se exige para se “realizar” uma cantiga, uma oração, uma benzedura, ou simplesmente para comunicar de modo adequado, performativamente, um romance tradicional ou um conto.

Referências

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