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MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO DA LUTA DE CLASSES NA PERSPECTIVA DA OBRA MURALISTA DE DAVID ALFARO SIQUEIROS

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MEMÓRIA E REPRESENTAÇÃO DA LUTA DE CLASSES NA PERSPECTIVA DA OBRA MURALISTA DE DAVID ALFARO SIQUEIROS

Andreza Silva Prado1 RESUMO:

Marca indelével da história do México, a questão agrária – e a luta de classes advinda das relações que a envolvem – atinge seu ápice no governo de Porfírio Dias, que governou o México ditatorialmente por mais de 30 anos (1876 – 1911). Com a chegada de Dias ao poder em 1876, as desapropriações de terras das comunidades camponesas e indígenas ocorreram de maneira massiva, marcando o espraiamento das relações capitalistas no México de então, de forma a integrá-lo ao mercado mundial. Desempossados de suas terras, os trabalhadores do campo viram-se obrigados a vender sua força de trabalho nas minas, indústrias têxteis e ferrovias em troca de salários baixíssimos. Tais circunstâncias foram prognósticos para a deflagração da primeira Revolução do século XX: A Revolução Mexicana, ocorrida em 1910, cujos objetivos vislumbravam o derrube do Estado Oligárquico, o que implicava, por sua vez, o enfrentamento da burguesia agroexportadora, com destaque para a luta pela reforma agrária. Fato é que a Revolução Mexicana se sagrou como um dos movimentos de luta de classes de maior impacto social, cultural e político não só na América Latina, como também no mundo naquele início de século. Em meio ao processo revolucionário, as artes no México, sobretudo as artes plásticas, passaram por transformações radicais, de modo que o Muralismo Mexicano é considerado “filho” da Revolução, apresentando uma essência revolucionária e transgressora. O presente artigo objetiva analisar a memória e representação da luta de classes sob a perspectiva dos murais de David Alfaro Siqueiros e sua conexão com as transformações provocadas pela Revolução Mexicana, partindo do pressuposto de que a obra de Siqueiros consiste em pinturas com intervencionismo político, crítica à sociedade capitalista e que defendia os ideais comunistas, tendo, assim, um caráter eminentemente marxista que conduz seu trabalho artístico como instrumento de militância política, no qual a classe trabalhadora mexicana era retratada como protagonista da luta contra a exploração e opressão burguesas. Sob tal ótica, a luta de classes conduziria à revolução proletária e a consequente destruição do sistema do capital. A pesquisa ampara-se no método do materialismo histórico-dialético, compreendendo que suas categorias centrais e seu método respondem, necessariamente, às pretensões de compreensão do processo aqui evocado, com tudo o que representa no mundo cultural, social e político do México de então.

Palavras-Chaves: Muralismo, Revolução Mexicana, Luta de Classes, David Alfaro Siqueiros.

INTRODUÇÃO

É inegável o fato de que toda e qualquer produção artística é reflexo dos acontecimentos históricos e sociais vigentes, de modo que o artista é um produto do contexto histórico no qual encontra-se inserido. A produção artística faz-se, por consequência, um

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fenômeno cultural humano, sendo também o resultado de um grupo social estabelecido em um dado período e lugar na História (CAMARGO, 2015, p. 1). No entanto, os fenômenos culturais e intelectuais de uma sociedade se dão através da sistematização dos homens acerca do reflexo de sua vida material, estando, portanto diretamente relacionadas às forças produtivas, bem como à maneira como esse grupo social personifica e edifica sua vida material. Sobre isso, Karl Marx (1965, p. 93) aponta que “o que é a sociedade, qualquer que seja sua forma? O produto da ação recíproca dos homens [...] suponhamos um nível determinado de desenvolvimento das forças produtoras do homem, e teremos uma forma determinada de relações humanas”. Marx (1965, p. 21) ainda diz:

A produção de ideias, de concepções, e da consciência liga-se, [...] diretamente e intimamente à atividade material e ao comércio material dos homens, como uma linguagem da vida real. [...] O mesmo ocorre com a produção intelectual, tal como se apresenta na linguagem política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc., de um povo. Os homens é que são produtores de seus conceitos, de suas ideias etc., mas os homens reais, ativos, condicionados por uma evolução definida de suas forças produtivas e pelas relações correspondentes a elas, inclusive as formas mais amplas que estas possam tomar.

Diante de tal fato, para a total compreensão acerca das correntes artísticas existentes, é necessária a avaliação da conjuntura da produção material de determinado período. É necessário também investigar como os pensamentos relativos ao mundo dos homens se desenvolvem e se transformam de acordo com o contexto no qual se está inserido. Segundo Benjamin (2000, p. 169):

No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. A época das invasões dos bárbaros, durante a qual surgiram as indústrias artísticas do Baixo Império Romano e a Gênese de Viena, não tinha apenas uma arte diferente da que caracterizava o período clássico, mas também uma outra forma de percepção. Os grandes estudiosos da escola vienense, Riegl Wickhoff, que se revoltaram contra o peso da tradição classicista, sob o qual aquela arte tinha sido soterrada, foram primeiros a tentar extrair dessa arte algumas conclusões sob a organização da percepção nas épocas em que ela estava em vigor.

Tomamos como exemplo a Revolução Mexicana, ocorrida no México entre 1910 – 1917, é inegável o fato de que seu impacto tenha estabelecido mudanças sociais, políticas e econômicas naquele país, e tenha exercido influências incontestáveis no âmbito sociocultural

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da sociedade mexicana. Diante de tal fato, deduz-se que essa conjuntura repleta de transformações nos mais variados campos causaria impactos nas artes. Nesse contexto, o Movimento Muralista destaca-se e ganha visibilidade na América Latina e no mundo.

Partindo da conexão existente entre a sociedade, seu modo de produção e sua manifestação cultural e artística e tendo em vista que o artista deveria ter uma participação ativa, buscando a transformação dessa realidade, analisamos o pintor muralista mexicano David Alfaro Siqueiros, um dos mais notáveis expoentes (e o mais politicamente ativo) do movimento muralista.

O presente artigo objetiva analisar a representação da classe trabalhadora mexicana sob o olhar de David Alfaro Siqueiros, de modo que o presente texto pretende-se panorâmico, agregando o que há de mais geral a fim de edificar um raciocínio que dê conta de enxergar questões mais amplas ao demonstrar as maneiras como a classe trabalhadora foi representada na Obra Siqueriana. Para tanto, serão consideradas três obras que exprimem tal representação: os murais Nuestra Imagen Actual (1947), Lucha por la Emancipación (1961), e as alegorias La

Huelga de Cananea, Los Precursores Ideologicos de la Revolución e El Pueblo Toma a las Armas, sendo os três últimos fragmentos do mural Del Porfirísmo a la Revolución (1966).

DAVID ALFARO SIQUEIROS: ARTE, MARXISMO E LUTA DE CLASSES

Filho de Cipriano Alfaro e Teresa Siqueiros, David Alfaro Siqueiros2 nasceu em 28 de dezembro de 1896, em Chihuahua, México. Siqueiros, em sua adolescência, já revelava suas inquietudes sociais, a essência ativista e o caráter político de sua arte e personalidade, quando, em 1911, aos 15 anos, começou a pintar e frequentar a Academia de Bellas Artes de San Carlos, segundo Sampelayo (1970, p. 79) “seu temperamento contestador [de Siqueiros], se manifesta pela primeira vez em 1913, quando tinha 17 anos, ao se envolver em um combate contra guardas, durante um movimento contra o ditador Victoriano Huerta”.

Siqueiros deu continuidade aos seus estudos de arte na Europa, onde conheceu e recebeu grande influência da obra do artista naturalista Francisco de Goya (1746 – 1828), um dos maiores pintores espanhóis da história. De modo que as temáticas e a estética da guerra retratadas nas obras de David Alfaro Siqueiros lembram muito às desse pintor. Outras correntes

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artísticas que influenciaram as obras de Siqueiros foram a arte clássica, a renascentista italiana e o futurismo italiano.3

Quando retornou ao México em 1922, fundou, ao lado de Diego Rivera e José Clemente Orozco, o Sindicato dos Operários, técnicos, pintores e escultores, onde exerceu a função de Secretário Geral do mesmo, além disso, Siqueiros compôs o comitê executivo do “El Manchete”, jornal que consistia no veículo informativo do sindicato e que em 1924 converteu-se no órgão informativo do Partido Comunista Mexicano, do qual Siqueiros e Rivera fizeram parte.

Em 1923, Siqueiros lança um manifesto no qual o início de uma nova arte no México é decretada, uma vez que a proposta era a socialização da arte através da produção de obras monumentais que alcançariam as massas, criação de uma estética que sugerisse e refletisse a luta, ao passo que negava e repudiava as manifestações individuais e burguesas da pintura de cavalete.

Nuestra meta estética fundamental debe ser socializar la expresión artística y borrar el individualismo burguês. Repudiamos la pintura de caballete y todo el arte de cenáculo ultra-intelectual por aristocrático y exaltamos las manifestaciones del arte monumental por ser de utilidad pública... Proclamamos que sendo nuestro momento social de transición entre el aniquilamento de uma orden envejecido y la implantación de un orden nuevo, los creadores de belleza deben esforzase porque su labor presente um aspecto claro de propaganda ideológica em bien del pueblo, haciendo del arte [...] una finalidade de beleza para todos, de educación y de combate (SIQUEIROS, 1923 apud. ROCHFORT, 1993, p. 39).

Marxista-estalinista convicto, David Alfaro Siqueiros militou no Partido Comunista Mexicano. Também combateu contra as tropas de Franco na Guerra civil espanhola (1936 – 1939), onde recebeu o apelido de “coronelato”. Ao longo de quatro décadas dedicadas à militância, trabalho sindical e ideais comunistas radicais, Siqueiros foi preso inúmeras vezes. Em maio de 1940, ao lado de seu cunhado, tentou assassinar León Trotsky, fato que levou o pintor a ser preso e em seguida ter de deixar o México para viver em exílio no Chile. Segundo Biondo (2005, p. 55), Siqueiros foi exilado no Chile graças à complacência do escritor Pablo Neruda (cônsul no México naquela época), de quem o muralista era grande amigo. No período em que esteve exilado, o artista escreveu livros, viajou por diversos países da América Latina para apresentar palestras, pintou murais em países como Cuba, Chile e Estados Unidos. Quando retornou ao México em 1944, pintou célebres obras como “Nossa imagem atual” (1947).

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Em “Nossa Imagem Atual”, Siqueiros nos contempla com uma alusão direta à posição

dos povos que se encontram na América Latina, África e em locais segregados da Ásia em relação a países imperialistas. A crítica é voltada a uma situação recorrente ao longo da história: As nações ditas de “terceiro mundo” estando sempre na humilhante posição de pedintes, estendendo as suas mãos aos “senhores” de seu destino. A estética da figura central que não possui um rosto alude os povos que ignoram e não conhecem sua própria identidade e essência.

Não pedem apenas o alimento da sobrevivência. Negam também suas culturas locais, tão ricas, e buscam uma cultura globalizada, enlatada, pronta apenas para ser digerida. Uma cultura que tem o interesse puramente de fazer girar a grande roda da economia capitalista que escraviza e oprime (ROSÁRIO, 2011).

Figura 1: Nossa Imagem Atual

SIQUEIROS, D. A. Nuestra Imagen Actual. 1947. Piroxilina sobre masonite, 220 x 172. Palácio das Belas Artes - Cidade do México.

Siqueiros era fortemente influenciado pela estética dos povos indígenas do México e pelos movimentos e técnicas advindos da Europa em suas criações. Trabalhou com pintura de cavalete, mas destacou-se pela pintura mural, onde inovou intensamente em termos técnicos, já na concepção do artista, uma arte revolucionária deveria ser concebida com técnicas igualmente revolucionárias. Diante disso, Siqueiros se empenhava muito na busca por novos materiais e

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novas técnicas de pintura para elaborar suas obras, como demonstra Vasconcellos (2007, p. 180).

O pintor realizou propostas inovadoras dentro do movimento muralista mexicano, como empregar novos materiais (piroxilina, sílica, cimento, acrílicos, celotex), e recorreu também a ferramentas próprias da época, empregando-as criativamente na arte; por exemplo, o uso do aerógrafo, do projetor elétrico e da câmera fotográfica [...] para o qual propõe a realização de uma pintura fotográfica, quer dizer, uma pintura que favorecesse uma reprodução fotográfica apropriada, para dar ao mural não somente o caráter de uma arte pública, mas também de uma arte multireprodutível.

Devido ao seu posicionamento político-ideológico, Siqueiros era o mais radical de “Los Tres Grandes” e buscava a construção de uma identidade nacional para o México após a Revolução Mexicana através de suas pinturas, retratando as dificuldades e o sofrimento das camadas mais pobres da sociedade mexicana, principalmente o proletariado, tal qual podemos conferir na alegoria A Greve de Cananea (Figura 2).

Figura 2: Greve de Cananea – Seção 2 do mural do Porfirísmo a Revolução.

SIQUEIROS, D. A. Del Porfiriato a la Revolución (fragmento). 1957-1966. Acrílico e piroxilina sobre madeira forrada com tela, 419 m². Museu Nacional de História, Cidade do México, México.

Na segunda seção do mural “Do Porfirismo a Revolução”, Siqueiros retrata a Greve de Cananea, ocorrida em 1906. Tal tema ganha centralidade na obra, por estar na parede central que liga os lados esquerdo e direito nos quais o mural se estende na sala. O acontecimento é aludido pelos sombreros dos trabalhadores em greve, que se perdem no meio dos camponeses que surgem para dar suporte às forças reacionárias à repressão. Alguns personagens que comandam a repressão estão presentes na obra, a exemplo de Rafael Izcába (governador de Sonora) e Ramón Corral (Vice-presidente da República).

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No canto esquerdo, vemos outra imagem que demostra a indignação dos operários à repressão, representada na figura de três revolucionários carregando um operário morto. Há também uma representação da luta de lados rivais entre William C.Green, da Green

Consolidated Cooper Company of America, e Fernando Palomares, do Partido Liberal

Mexicano, na qual eles disputam, simbolicamente, a bandeira do México. Sobre esse fragmento em específico, Vasconcellos (2007, p. 185) afirma que:

Siqueiros criou uma imagem que pode ser interpretada não somente com uma referência histórica, mas como uma metáfora da natureza inconclusa da Revolução Mexicana e da dominação contínua pelos interesses econômicos dos Estados Unidos. Por que outra razão Siqueiros representaria a bandeira nacional mexicana como se ainda estivesse de posse de William Green? O fato de que esse tema ocupasse um lugar predominante em sua mente é evidenciado por muitos de seus discursos e escritos políticos dessa época de criação do mural.

Siqueiros foi também o pintor que mais se prontificou a divulgar a ideologia marxista através de sua arte. Em sua ótica, a arte coletiva e mural iria instruir a classe operária para a ideologia marxista, culminando emrevoluções sociais. Não por acaso, dedicou uma alegoria de uma de suas mais famosas e monumentais obras, Del Porfirismo a la Revolución (1966),4 àqueles que para Siqueiros eram os precursores ideológicos da Revolução Mexicana (Figura 3).

Na imagem, o artista retratou Mikhail Aleksandrovitch Bakunin (1814 – 76) e atrás dele, da esquerda para a direita, Karl Marx (1818 – 83), que porta em suas mãos um exemplar do Manifesto do Partido Comunista (1848), Pierre Joseph Proudhon (1809 – 65) e Ricardo Flores Magón (1874 – 1922), o que denota o caráter totalmente subversivo em relação à exploração do sistema capitalista, ao passo que afirma que a ideologia marxista deveria guiar a Revolução (e toda a luta proletária a partir dali). Atrás de Marx, ainda é possível ver José Guadalupe Posada, (1852 - 1913), um gravurista e cartunista mexicano, que inclusive foi considerado por Diego Rivera como o estereótipo do artista do povo, simbolizando que a partir daquele momento, a arte deveria ser popular.

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SIQUEIROS, D. A. Del Porfiriato a la Revolución (fragmento). 1957-1966.

Suas obras ilustravam camponeses e operários lutando contra os considerados inimigos do povo: a exploração e opressão capitalistas, simbolizadas principalmente pelas desapropriações de terras de camponeses e indígenas e a conversão das mesmas em propriedade privada. De modo que, nas obras muralistas, o herói é sempre a classe trabalhadora. Em seu artigo “Muralismo e Identidades Representações Pré-hispânica Em Siqueiros”, Barbosa (2008, p. 10) deixa claro que:

Ao pintar a população, Siqueiros estava consciente de que o camponês, o índio e o operário eram sujeitos históricos ativos no processo revolucionário e que ainda precisavam defender seus direitos, exigindo o cumprimento de suas reivindicações. Seus murais mesclam a ideia de uma revolução feita pelo povo; nesse sentido, as figuras do índio e do mestiço se fundem na imagem do operário, agente da revolução e síntese do povo mexicano. A tradição pré-colombiana aparece em sua obra, não como um resgate dessa cultura por si só, mas como uma tradição que legitima a resistência à dominação não mais espanhola, mas imperialista e burguesa nos aspectos sociais e artísticos.

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Figura 4: O Povo pega em armas – Seção 4 do mural “Do Porfirismo à Revolução”.

SIQUEIROS, D. A. Del Porfiriato a la Revolución (fragmento). 1957-1966.

No fragmento de Del Porfirismo a la Revolución acima, Siqueiros ilustra as lideranças políticas da Revolução, que se diferem entre si através dos chapéus que usam. À esquerda vemos o exército revolucionário de Madero, representado pelo chapéu adornado por uma faixa com as cores da bandeira do México, de sombreiro vermelho, Emiliano Zapata e à direita, Francisco Villa, de quepe verde. A mulher retratada a extrema direita da pintura simboliza a nação em chamas, tal conotação advém de seu vestido avermelhado e cujos traços e cores fortes lembram o fogo.

É importante notar o protagonismo dado à participação popular na Revolução Mexicana, “na qual diversos grupos lutaram por objetivos muito similares, capitaneados por seus respectivos líderes” (BARBOSA, 2009, p. 89). Ainda, segundo Barbosa (2009, p. 90 – 91) Ao representar as figuras de Villa e Zapata nesse mural, Siqueiros ratifica a simbologia concernente à imagem destes heróis populares [...]. Se o pintor insere esses elementos é porque já havia forte identificação desses ícones como personagens legítimos do panteão nacional, ou seja, eram reconhecidos pela população. [...] neles as pessoas se sentem representadas por meio do que é considerado mais sublime e mais emblemático, a dedicação a uma causa maior que a própria perspectiva individual [...]. Entretanto, cabe ressaltar que na acepção de Siqueiros, essas pessoas, mesmo sendo líderes, estão inseridas em meio à multidão, numa alusão à ideia de que a Revolução Mexicana foi feita pelo povo, com todas as contradições e antagonismos que se encerram nesses grupos [...]. É sob essa mesma perspectiva que os demais grupos apresentados pelo artista, como as “soldaderas”, mulheres participantes da Revolução, por exemplo, estão representados, apontando para a ideia de que a Revolução Mexicana foi feita por distintos segmentos sociais mexicanos. A própria historiografia já transitava em direção oposta a uma História política

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tradicional, centrada nos grandes líderes, valorizando a força do povo em armas para mudar o rumo dos acontecimentos.

Ao longo de sua carreira como artista, Siqueiros, com uma entrega artística passional, dedicou-se assiduamente a exaltar em suas obras as injustiças cometidas à população indígena, mestiça e à massa proletária do México, bem como denunciar e combater a exploração (e opressão) cometida pela elite burguesa em prol do sistema capitalista (CAMARGO, 2015, p. 2). “Um engajamento que o fez pintar a dor e a luta de muitos numa sociedade de poucos, donos do poder” (NUNES, 2013).

Enquanto Rivera operava todo um resgate da cultura pré-hispânica – silenciada historicamente – através de cenas cotidianas, cultura material, costumes, tradições, hábitos alimentares, datas do calendário, complexidade de seus centros urbanos, ciências, religiosidade etc.; e enquanto Orozco desromantizava a Revolução mexicana, Siqueiros estava fitado nos dilemas das massas operárias, na dilaceração social como produto da guerra, no fascismo, nos desafios da revolução do proletariado a nível interno e internacional. O mundo moderno era seu objeto por excelência (SANTIAGO, 2018, p. 103).

Na alegoria “Luta pela Emancipação” de 1961 (Figura 4), o artista materializou uma aglomeração de pessoas desarmadas usando branco, ao passo em que se lançam contra uma parede de militares munidos de proteção e armas. A imagem demonstra, diante do paradoxo dialético de condições de luta em que ambos os lados se encontram, um confronto injusto e desigual, no entanto, extremamente necessário. Uma vez que a massa popular impõe sua insatisfação, força e desejo de mudança diante de um sistema que os oprime e explora

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Figura 5: Luta pela emancipação (1961)

SIQUEIROS, D. A. Lucha por la emancipacíón. 1961. Acrílico, 76 x 61 cm. Coleção privada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo e análise específicos das obras de David Alfaro Siqueiros nos mostra como sua influência marxista foi refletida em seus murais, denotando que sua arte servia como um instrumento de intervenção política, manifestando críticas à sociedade capitalista, defendendo os ideais comunistas e concedendo protagonismo de suas obras à classe trabalhadora.

A arte muralista concebida por David Alfaro Siqueiros uniu força estética, didática e caráter idealizador da luta do proletariado contra a opressão, exploração e dominação da burguesia e que possibilitou o despertar do ímpeto de sujeito ativo naquele que contemplava a sua arte, consistindo na principal maneira de transmitir os valores revolucionários à classe trabalhadora mexicana, educando-a para a ideologia marxista e direcionando-a para a revolução proletária e consequente derrubada do sistema capitalista.

A dialética existente entre a História, os pincéis e os murais de Siqueiros segue sendo extremamente eficiente em seu objetivo de tocar na sensibilidade dos observadores e admiradores dessas obras artísticas, nos fazendo perceber que a história do México, bem como a Revolução Mexicana e as lutas diárias dos trabalhadores por emancipação ao redor do mundo possibilitaram que a arte siqueiriana, que as ilustram de maneira única e que tem como principal função transmitir ideais revolucionários, encorajadores e transformadores, fosse imortalizada não só no México, mas em cada recanto de toda a América Latina.

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REFERÊNCIAS

BARBOSA, Luciana Coelho. Muralismo e Identidades Representações Pré-hispânica em Siqueiros. In: I SEMINÁRIO DE PESQUISA DA PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, 1. Goiânia: UFG, 2008. Disponível em:

https://pos.historia.ufg.br/up/113/o/31_LucianaBarbosa_MuralismoEIdentidades.pdf. Acesso em 19. Jun. 2020.

BIONDO, Delson. Neruda e o México: Encontros e desencantos. Revista Letras. Curitiba: v. 6, n. 65, p. 43-69, jan./abr. 2005.

CAMARGO, Marcia Helena Domingues. Arte e Política: A trajetória e o muralismo de Diego Rivera. Revista Aurora. Marília: v. 8. n. 8. 2015. DOI 10.36311/1982-8004.2015.v8n2.4154 Disponível em:

http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/aurora/article/view/4154/3655. Acesso em 19 jun. 2020.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia alemã. Tradução: Waltensir Dutra e Florestan Fernandes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1965.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: ADORNO

et al. Teoria da Cultura de massa. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Paz e

Terra, 2000. p. 221-254.

NUNES, Homero. David Alfaro Siqueiros, Lucha por la Emancipación, 1961. In: Isso Compensa. Belo Horizonte, 18 jun. 2013. Disponível em:

http://issocompensa.com/arte/david-alfaro-siqueiros-lucha-por-la-emancipacion-1961. Acesso em 10 jul. 2020.

ROCHFORT, Desmond. Pintura Mural Mexicana: Orozco, Rivera, Siqueiros. México: Limusa, 1993.

ROSÁRIO, José. Nossa Imagem Atual. In: José Rosário. Dionísio, 11 ago. 2011. Disponível em: http://joserosarioart.blogspot.com/2011/08/nossa-imagem-atual.html. Acesso em: 20 jul. 2020.

SANTIAGO, Maycom Pinho. México mural: Rivera, Siqueiros e Orozco em perspectiva decolonial. 2018. 128 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Universidade de Brasília, Brasília – DF. 2018.

VASCONCELLOS, Camilo de Mello. Imagens da Revolução Mexicana: O Museu Nacional e História do México 1940 – 1982. São Paulo: Alameda, 2007.

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1 Graduada em História (Licenciatura plena) pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Vitória

da Conquista, BA, Brasil / E-mail: andrezapradohist@gmail.com.

2 David Alfaro Siqueiros consistia em um nome artístico. O nome verdadeiro do artista era José de Jesus Alfaro

Siqueiros.

3 Conferir David Alfaro Siqueiros In: Encyclopedia Britannica Online. 2011. Disponível em:

http://kids.britannica.com/scholars/article/David-Alfaro-Siqueiros/67975. Acesso em 15 jun 2020.

4 Del Porfirismo a la Revolución é um mural de dimensões monumentais pintado por Siqueiros entre 1957 e 1966,

localizado no Museu Nacional de História do México, na sala XIII, que recebe o mesmo nome do mural. A obra retrata o período entre 1906 a 1913 da história do México, sendo uma síntese imagética da Revolução Mexicana. É dividida em seis seções e estende-se por três das quatro paredes da sala.

Referências

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