Uma Nuvem De CALÇAS,
Uma Nuvem De CALÇAS,
W. Maiakovski
W. Maiakovski
..
Por andré nogueira, Por andré nogueira, 2012. 2012.
(Prólogo): (Prólogo):
VOSSO PENS VOSSO PENSAR AR ,,
meditabundo no miolo mole, meditabundo no miolo mole,
igual a um lacaio gordo largado no imundo e
igual a um lacaio gordo largado no imundo estofadostofado irei fustigar, com farrapos de coração ensangüentado, irei fustigar, com farrapos de coração ensangüentado, até fartar cascando o bico descarado.
até fartar cascando o bico descarado. Na alma comigo não trago
Na alma comigo não trago um só fio branco
um só fio branco nem meiguice vo
nem meiguice vovozinha vozinha ..
O mundo eu ab
O mundo eu absurdosurdo quando a voz retumbo quando a voz retumbo
e, lindo, desfilo e, lindo, desfilo
sexy
sexy , não sexagenário., não sexagenário.
Miguchos, Miguchos,
o amor ao violino vós deitais o amor ao violino vós deitais os brutos o deitam no bumbo. os brutos o deitam no bumbo.
Não podeis desrosquear igual eu faço Não podeis desrosquear igual eu faço ininterruptos lábios serdes, nada mais? ininterruptos lábios serdes, nada mais? Vinde aprender,
Vinde aprender,
das salas de visita sintas-liga das salas de visita sintas-liga e da liga angelical con
e da liga angelical condecoradas decoradas funcionárias, funcionárias,
e aquela folheando lábios que mitiga e aquela folheando lábios que mitiga igual cozinheira a receitas culinárias. igual cozinheira a receitas culinárias. Quereis
Quereis – –
e serei carne rábica e serei carne rábica –
– e, igual o céu, nuançando de tons e, igual o céu, nuançando de tons – – Quereis
Quereis – –
e serei de impecável meiguice, e serei de impecável meiguice, não homem, mas
Não dou crédito a que haja a florida Nice! Não dou crédito a que haja a florida Nice! Comigo de novo tamburibularão
Comigo de novo tamburibularão
os homens, largados, como macas de hospitais os homens, largados, como macas de hospitais e mulheres, gastadas, como palavras proverbiais. e mulheres, gastadas, como palavras proverbiais.
1. 1.
VÓS PENSAIS VÓS PENSAIS
que isto é um delírio de malária? que isto é um delírio de malária? Isto
Isto foi foi ,,
foi em Odessa. foi em Odessa. « Chego às quatro »
« Chego às quatro » – – Maria falara. Maria falara. Oito. Oito. Nove. Nove. Dez. Dez.
Eis que anoitece Eis que anoitece e às trevas do uivo e às trevas do uivo
travesso a janela do quarto, sombrio travesso a janela do quarto, sombrio macabro...
macabro...
Dos ombros recurvos Dos ombros recurvos relincham de rir
relincham de rir candelabros. candelabros.
Ninguém poderia imaginar: Ninguém poderia imaginar: quase ele chora, torcendo quase ele chora, torcendo a tencionada imensidão. a tencionada imensidão.
Qual intensão que uma rocha dessas poderá? Qual intensão que uma rocha dessas poderá? Mas esta rocha está é cheia de
Mas esta rocha está é cheia de tesãotesão!!
Não se arroga de ser badalado Não se arroga de ser badalado este feito de bronze
este feito de bronze o coração de ferro frio. o coração de ferro frio. Quando às onze a escuridão Quando às onze a escuridão quero guardar este badalo quero guardar este badalo em lugar tenro e feminil. em lugar tenro e feminil.
E eis – imenso,
corcovado na fenestra o vidro fundo com a testa. Será amor ou não? Eu penso: e qual – grande? minúsculo?
Grande de que jeito, tanto músculo que tenho? Terá de ser pequeno,
um amorzito dócil, par-de-meias:
Espantam-na os apitos dos carros; já, dos carrosséis
as sinetas a comovem. Chove-chuva
e gotas dágua que ela cataputa cataporas de seu rosto
no rosto meu, e eu: agua rdo.
Ei-la – a noite-meia: capturou,
decaptou,
do último segundo espada.
A hora décimo-segunda despencou igual do cepo a cabeça decepada. As gotas cinzas da vidraça
que vidram
em careta de derrame,
como uivo vindo de fantasmas da catedral de Notre Dame .
Maldita!
Então não basta disto tudo? Logo a boca soltará um grito.
Escuto:
como, da cama, o doente, um nervo que salta, silente. E eis –
deu, bambo, de andar
e logo, bam bam bam , de acelerar.
Enervado,contável
já um terço deles sem conter-se arrasta em celerado tchá tchá tchá .
Desandou no andar debaixo a argamassa. Grandes,
pequenos, pelo menos cem!
É a rábia – bamboleiam e, a seguir bambeiam os braços também. No lodo não nada de olho pesado, a noite a se infiltrar pelos batentes Súbito, retinem as portas
como se todo o hotel batesse os dentes. Entras, dizes: « Espera aí...
... Eu vou casar »,
e as luvas de camurça esganas. Vai, casa! E daí?
Não ligo e não vou te ligar.
Não vês quanto estou sossegado? Não pulsa o defunto na cama. Lembras?
Dizias assim –
« Jack London, grana, amor e paixão » –
e eu, que só via a ti, Gioconda a qual se podia furtar
Mais uma vez malabarista neste jogo arder na labareda enamorado.
E daí? Eu acostumo:
foi a casa consumida pelo fogo e há desabrigados vagabundos os quais nela têm morado! Tu atiças? « Estas tuas
esmeraldas de loucura valem menos
que uns trocados que não tens ». Te cuida: esse teu « vale » soterrando
o Vesúvio dá o troco se Pompéia desavém. Ei, senhores!
Diletantes – do delito, amadores – dos tumultos,
amantes – violando túmulos sagrados, vós já vistes algo tão aterrador
quanto o rosto meu quando eu
estando
absolutamente sos segado?
E sinto – « mim »
que já não basta – bestas minhas que se alastram.
Quem liga? ... Alô?? Mãma?
Mãma!
Teu filho está super doente! Mãma!
Ele tem, no coração, um incêndio! Diga às manas, Liúdia e Olga: já não tenho onde meter-me.
Cada palavra, até a lorota,
pula (do puteiro, que está pelando a toda pelada puta)
pela boca crepitante que a enxota. Já o povo sente o cheiro
que exala, de fritura.
Resgatar alguma coisa, vão ou coisa alguma –
Capacete!
É proibido entrar de botas! Falai aos bombeiros:
ao coração mais cálido de todos só com carícias se escala.
Arregala-se o olho da cara
como o tonel do caminhão-pipa. (Tenta nas costelas sustentar...) Vou saltar! Vou saltar! Vou saltar!
(... e desabam-se elas:
do coração não te chispas!) Dos lábios cavernosos um beijinho sujo de carvão
espiralou até o rosto que chamusca. Mamãe!
Cantar não posso.
Na igrejinha do coração todo um coral faz música.
Figuras centelhas de números e nomes do crânio
como, do arranha-céus que fulgura, toda a prole
que cai.
Assim o medo
de agarrar-se ao céu vai a pino, quando
do « Lusitânia » em brasas os braços se levantam. Para a gente que treme
à parte, no silêncio dos apês,
já uma clarão de olhos cêntuplos explode do cais.
Grito último,
-tu, pelo menos, vai dizer
que eu ardo é pelo século dos levantes!
2.
GLORIFICAI-ME!
Não sirvo de par nem para os grandes. Eu estaco o meu « nihil »
sobre tudo já feito antes de mim.
Eu nunca nada quis ler. Livros?
Que livros o que! Eu antes pensava – os livros são feitos assim: Chegou o poeta
e, à guisa da boca de favas aberta já logo se põe a cantar
Ah, faz o favor! Descoberta: antes que logo se punha a cantar os punhos torcia, longamente andando pra lá e pra cá
e já não pode respirar
no entupido coração de lodo
da imaginação o estúpido peixe-beta! O nada a nadar, enquanto vervem de todo guisado
quaisquer rouxinóis e donzelas...
vemver: que a rua murmura, analfabeta –
não há que conversar ou levantar a voz a ela. Da cidade as babilônicas torres,
cheios de vãglória,
outra vez nóssoer guemos
e, rastelando as migalhas do castelo, Deus dá termo
embaralhando os termos.
A rua, sem reclamar, arrastava o seu calvário, até que o grito saltou em pé da glote.
Só que se aglomeraram,
socados na goela em transversal, roliços taxis e ossudas passarelas perambulâncias pelo tórax
e perda total. Era a cidade
interditando a estrada em suas trevas... E quando - apesar de tudo –
a turba pela praça expectoras
empurrando a arruaça ao campanário da garganta, se dizia – a sedição,
nos coros coralinos de arcanjas
E a rua, lá debaixo, igual o crocodilo escancarado para a janta,
disse: « É hora de encher a barriga! » A cidade é nestes termos descrita
pelos Krupp e sua trupe,
supercílios termômetros da ameaça. E, no meio da boca
palavras falecidas decompõem-se igual cadáver;
duas delas vivem, só
e cada vez mais gordas – « miserável » e qualquer coisa
como – « s.o.p.a ». Os poetas, desfalecidos
ensopados de pranto e soluço escapulem da rua
desalinhando o penteado: « Como, usando deste duo, cantaremos
as señorinhas o amor
e as florezinhas ao sereno? » E saem, atrás dos poetas – os glutões da rua:
de suas maletas, mercadores dos puteiros, putas
e estudantes das escolas. Auto lá, senhores!
Deixa disso, truta! Não sois mendigos,
Vós, estirpe de sadios, com passadas espaçadas,
já não tendes de escutar, mas extirpar o mal – os malas , carrapatos de suplementos gratuítos
agarrados a todas as camas de casal! Acaso a eles pedir servilmente
« Acudi! », e dobrar a cervical rogando hinos, oratórios? Vós mesmos sois os criadores
ao reger ardentes hinos, estes:
o fragor das fábricas e laboratórios! Que tenho eu com o fantástico Fausto em fo guetões de artifício
deslizando com Mefistófeles no palanquete? Eu sei –
o prego do meu sapato é mais terrífico
que a imaginação de Goethe! Eu,
Cri sostomíssimo,
de cuja cada palavra re(cém-)nasce a alma
dizendo ao corpo: « aceito! » digo-vos:
o átomo mais ínfimo de vida mais vale
do que tudo o que eu já tenha feito! Escutai!
Está a pregar
raios emana dentre os dentes o Zaratustra dos dias atuais! Vós
da cidade-leprosário dependentes de ouro e lama, ataduras e ais;
Vós
De faces, dependuradas, como lençóis de lábios, dependurados, como lustres Vós, mais límpidos e ilustres
que o azul, depois, veneziano
de lavado por cem- sóis,cem- oceanos, Sois !
Eu me lixo que não haja em Ovídio, em Homero gente igual a gente,
da fumaça a fuça tomada de bexiga.
Eu duvido que o sol, vendo as nossas almas cheias de valiosíssimos minérios,
não se extinga.
Músculos, tendões, ao invés de orações cheias de sofreguidão!
Ora, vós, proletários, implorando por menos coléricos futuros? Cada um de vós – guidão,
entre o dedão e o dedinho sustentando o cabo teleférico dos mundos!
A mim viéram auditórios do Gólgota: Odessa,
Kiev, Petrogrado, Moscou,
e não houve um só que não gritasse: « pregai-o,
pregai-o na cruz! »
Só que, a mim, a gente, até essa a que ultrajou
sobre todas as coisas, Vós Sois – o meu raio
de luz.
Viram o cão
Ridente da raça de hoje, igual fosse comprida, escabrosa anedota,
eu, sobre a montanha, já vejo os dias vindouros que não vês;
onde o rabo de olho da gente se enrosca na crista onda das hordas dos esfomeados,
a coroa de espinhos que traga a revolução dos anos dezesseis.
Eu sou – convosco.
Eu, seu precursor, convoco-vos. Estou em qualquer canto aonde doa. Na cruz eu me coloco
se a lágrima queda da bilha.
Nunca mais a coisa alguma se perdoe. Eu passo a foice nas almas
aonde brotou o milharal da ternura. E esse passo
é mais difícil que tomar milhares de bastilhas! E quando ele chegar, anunciadainssurreição,
saíde para a salva, o salvador –
eu tiro, eu saco a minha alma para vós e, para que seja maior,
em minhas mãos esmagarei-a e ensangüentada a dou,
3 AI!
Para que isso? De onde isso?
Para o clarão alegremente os punhos sujos agitá-los! Surgiu,
e mutila o pensamento a idéia do, de loucos, internato.
E –
como, quando afunda o couraçado, à escotilha aberta
as almas se atiram eletrocutas –
sobre eles, eclodindo o olho no gogó, galgou, enlouquecido, Burliúk.
Quase estatelou a jugular dos séculos
pisando-os na nuca contra o chão; escalou,
levantou foi
se bem que gordo, imprevistamente terno ele pegou e disse:
« Isso é bom! »
É nada mal, quando revistas
tua alma interna no, de couro, macacão! É nada mal, quando
(estão falando nas revistas) já ao cadafalso se berrou: « Beba Van-guten cacau! » E, esse segundo fatal estridente-de-sabre eu não trocaria por... eu não trocaria nem...
Mas, da fumaça de cigarro e do pigarro de licor
já se esticou o rosto do ébrio Severianine. Como pode? Tanto brio denominar-se de poeta e, mole como um colibri, chilrar!
Hoje necessita na marreta
a moleira deste mundo arrebentar! Vós,
do pensamento bento, só pensais: « É de gala, nesta valsa, este passo? »
Arre! Vede como, galinhão, eu me divirto – sem virtude, e virtuose cafetão
nas cartas que trapaço! De vós arredo o pé, bodas do século de ouro que de lágrimas regados. Eu, o sol como monóculo coloco-o
no olho arregalado.
Inverossimilmente trajado,
viajando pelo mundo pra agradar farei verão.
E, adiante, como a um poodle
em rédias curtas guiarei Napoleão. Toda a terra tremerá
como uma mulher, querendo dar, as carnes sacudindo;
as coisas bailarão
os lábios delas em sussurro: « lindo, lindo, lindo! »
E, do nada, urro:
toda a extensão nublada levantou-se em turbulência como, sublevados contra o céu de todo o mundo os operários declarando greve em escarcéu. Soa o trovão – se endireita, por um segundo segurando-se, o rosto celeste a se crispar, e as narinas dilatadas assoa, vira o cão:
a carranca de lata do Bismark. E alguém
embrenhando o braço pela bruma faz menção para o café –
É suave igual a pluma terno igual a mulher
qual um fuzil engatilhado. Vós pensais
que isto é um gentil raio ensolarado a puxar a alça da xícara de café?
É, de novo, a metralhar os sublevados o general Galifet!
Descruzai, cabaços, os braços! Pegai a pedra, a faca ou a granada! E quem não tiver braços
vinde dar que seja cabeçadas!
Vós, talher em mãos, sem prato que cortar e mordidos pelas pulgas!
Esfomeados, esfumaçados, esfarrapados, baixai, agora, às ruas!
De sangue ressacadas, declarai segunda e terça-feiras, feriados! No corte da facada, a terra inteira
se recorde de quem ela quis ver rebaixados. A terra, gorda e humilde
igual aquela amante, depois que a largou Rotschild.
Os estandartes tremulem no tiroteio – cada fanfarra, nos dias desta grande festa, que passar pela pista.
As carcaças, lá no alto, hasteiem, postes de luz, em suas setas sujas de sangue dos capitalistas! Xinguei,
abri a matraca carquei a faca
subi atrás de alguém morder o músculo do ombro inimigo.
No céu, rubro-Marselhesa, até morrer o crepúsculo, para as sombras, míngua até quando enlouqueça
e pedra sobre pedra não haver. A noite circula, encontra, morde
e forrará a barriga. Olhai –
o céu, outra vez, tramando a morte como Judas, que trai
estrelas trazendo na concha das mãos! Ela chegou, como Mamai sentando a bunda
sobre a populenta imensidão: esta noite, negra como Azef olho algum agüenta olhá-la.
Num canto de taberna me encolho,
em aguardente a alma debulhando e a toalha, e vejo:
Do canto, olhos envoltos num manto, coração adentro, Santa Maria dardeja. A quem, a auréola pela moldura vulgar
a esta galera da taberna, divulgarás? Olha – como antes, agora
ao suplicante do Gólgota eles preferem Barrabás! Eu, talvez,
meio o amálgama humano, o rosto meu cobrindo esteja. E eu, talvez,
de todos filhos teus, o mais bendito seja. A eles,
estragados pelo prazer, dai, de pronto, a hora grave, para que as crianças,
quando estiverem prontas, venham a ser,
os garotos – pais, as garotas – grávidas.
Para que sejam grandes e professos, como os cabelos brancos dos magos, os novos rebentos dessa prole;
para que sejam, pelos nomes dos meus versos, batizados, Santa, olhe.
Eu, que idolatro
as máquinas e a Inglaterra, aposto:
neste, de hábito, evangelho, sou o décimo-terceiro apóstolo.
E quando minha voz, hora após hora
e dias após, expirar de tanta ofensiva,
talvez venha, Jesus Cristo, farejar a minha alma inesquecível.
4
MARIA! Maria! Maria! Deixa entrar, Maria, deixa! Não quero dormir na rua. Não desejas?
Queres, arreganhadas
as covinhas das bochechas, provado por todos,
já sem gosto, que eu chegue
e, desdentado, gagueje: “Sou, hoje,
de pureza à toda prova”? Maria, veja:
já surge em mim a corcova!
Nas ruas, olhinhos uns despontam
pregados do quadragésimo mal-dormido ano, quando a gente brita a gordura
no quarto andar da papada – tirar uma onda
que, outra vez, sujando a dentadura, farelos das carícias ontem consagradas.
Eis, carpideira da calçada a chuva, Ave!
Larápia lacônica, ela lambe
oprimido como um paralelepípedo das ruas
o cadáver.
E, dos sobrolhos grisalhos – sim – como geleiras,
lágrimas dos olhos
sim – dos olhos paralapsos
dos encanamentos com goteiras! A tromba dágua chupa os transeuntes
adentro. Nas carruagens
que os ginastas da gordura se bezuntem e a gente, de tão gorda, se arrebente
até, da dobradiça, a banha que ressumbre igual, da carruagem, riacho barrento e, junto aos pãezinhos sem fermento, a dobradinha de costume.
Maria, me diga:
como, nesta orelha gordurenta, enfiaremos uma palavra gentil?
A avezinha
desfiando canções, mendiga beberando pio-pios –
reclamações de fome; e eu, Maria, um homem que não presta
escarro da estrela tuberculosa na concha das mãos
da via Présnia.
Maria, um tipo desse quererás? Maria,desce , vá!
Os dedos convulsos, vou apertá-los na garganta de lata da campainha!
Maria! Na rua
o mato alto segue a lei do « matarás » e, no pescoço, o vulto dos dedos da dileta companhia.
Maria, dói!
Igual o dente-de-leão, estoura e, nas meninas dos olhos, alfinetes de chapéu de senhora!
Deixou, já entro! Meu tesouro! Não te assustes,
em minha nuca de touro, a cordilheira chuvosa
de mulheres que se sentam – Isto pela vida se armazena: milhões de grandes companhias puras, limpas, como a sua
e, milhões vezes milhões, de pequenas...
companheiras
que suam.
Não te assustes
que, outra vez, na intempérie da traição eu tenha, nos rostos
dessas lindas meninas,
meu consolo: « Amantes de Maiakovski ». Esta série, no coração deste louco,
é uma dinastia – entronadas tzarinas em estoque.
Dá-me o sésamo dos lábios Dá-me o sésamo dos lábios seja de tesão despido
seja de tesão despido ou de terror, o
ou de terror, o arre arre pio.pio.
É que meu coração É que meu coração jamais chegou a maio jamais chegou a maio mas, a vida vivida, mas, a vida vivida, um só centésimo abril. um só centésimo abril. Maria! Maria! O poeta pia O poeta pia supersticiosamente supersticiosamente seus sonetos a Tiana. seus sonetos a Tiana. E eu,
E eu,
como os cristãos conjugam como os cristãos conjugam “dai
“dai-nos hoje-nos hoje
o pão de cada dia”, o pão de cada dia”, cônjuge supérstite, cônjuge supérstite, inteiro carne humana. inteiro carne humana. Maria, dai!
Maria, dai! Maria! Maria!
Receio esquecer o nome teu Receio esquecer o nome teu como o poeta receia
como o poeta receia
esquecer de Deus na santa ceia! esquecer de Deus na santa ceia! Maria, sai! Maria, sai! O corpo teu O corpo teu vou amá-lo vou amá-lo
e cuidá-lo tão bem e cuidá-lo tão bem quanto um soldado quanto um soldado mutilado da guerra, mutilado da guerra, inútil, inútil, sem ninguém, sem ninguém, cuida cuida
de sua única perna! de sua única perna!
Maria! Maria! Não queres? Não queres? Sim? Sim? Não queres! Não queres! Que assim seja Que assim seja – – como o cão como o cão arrasta arrasta pra casinha pra casinha
a pata atropelada pelo trem, a pata atropelada pelo trem, arrastarei o coração
arrastarei o coração que lágrimas goteja que lágrimas goteja arrasado
arrasado
outra vez, amém. outra vez, amém.
Das pétalas grudadas em minha bata Das pétalas grudadas em minha bata o sangue atapeta a pista.
o sangue atapeta a pista. Mil vezes dançará o sol Mil vezes dançará o sol em volta da terra em volta da terra como Salomé como Salomé em volta em volta
da cabeça de João Batista. da cabeça de João Batista. Dançai
Dançai
os anos da minha carne os anos da minha carne para o fim
para o fim
e, para a casa de meu pai e, para a casa de meu pai pelas varizes
pelas varizes
são milhares de caminhos carme são milhares de caminhos carme sins.
sins.
Que eu deslize Que eu deslize
enlameado (de pernoitar na fossa) enlameado (de pernoitar na fossa) e, lado a lado, possa
e, lado a lado, possa
lhe dizer ao pé do ouvido: lhe dizer ao pé do ouvido:
- Senhor Deus, ouve: - Senhor Deus, ouve: não te estafas no céu não te estafas no céu nesse pudim de nuvens nesse pudim de nuvens descansando
descansando
teu olhar dominical? teu olhar dominical?
Construamos um carrossel Construamos um carrossel na árvore
na árvore
do conhecimento do bem e do mal. do conhecimento do bem e do mal. Omnipresente, cada armário te hospede! Omnipresente, cada armário te hospede! Serviremos sobre a mesa aquelas vinhas Serviremos sobre a mesa aquelas vinhas de propósito, que incitem
de propósito, que incitem a dançar a « garrafinha » a dançar a « garrafinha »
para o rabugento Pedro Apóstolo! para o rabugento Pedro Apóstolo! Novas Evas nós traremos para o Éden: Novas Evas nós traremos para o Éden: uma palavra tua
uma palavra tua
e, do jardim, eu trago para ti e, do jardim, eu trago para ti as mais belas das mulheres. as mais belas das mulheres. Queres?
Queres? Não queres? Não queres?
Tua cabeça pendes para o lado? Tua cabeça pendes para o lado?
Fazes cara feia para mim, senhor? Fazes cara feia para mim, senhor? Consideras
Consideras
que esse aí, atrás de ti, que esse aí, atrás de ti, de asas, entende
de asas, entende
o que é isto, chamado o que é isto, chamado de “amor”?
de “amor”?
Eu também sou anjo, já
Eu também sou anjo, já fui fui um um – –
açucarado e pastorinho, todo cupido. açucarado e pastorinho, todo cupido. Mas já chega de ser este
Mas já chega de ser este que serve
que serve
às éguas, de presente, às éguas, de presente, nuns vasinhos de Sèvres, nuns vasinhos de Sèvres, os meus suplícios esculpidos. os meus suplícios esculpidos.
Todo-poderoso, déste a cada um
uma cabeça sobre o torso e inventaste o par de mãos; tu désses que pudéssemos beijar, a outro par, sem a dor da paixão!
Criador omnipotente, já se nota que, deuzito pequerrucho,
és um incompetente... Espia aqui:
do cano da bota
tiro, quando me curvo, uma faca de trinchete... Agachai-vos no paraíso!
Espichai os rabichos, arrepiai as plumas, velhacos de asas!
Eu os destrincho,
os que do incenso se defumam, daqui até o Alasca.
Abre alas, vou entrar! Seguro?
Não me seguram! Certo
ou errado,
eu não posso sossegar. Vem ver só – outra vez,
no céu, ensangüentado igual um açougue, as estrelas se decapta.
Ei vocês! Céu!
Tira o chapéu
Não me ouve. Dorme o universo e a orelha enorme
cheia de carrapatos de estrela encostada sobre a pata.
1914/1915.
Notas:
“Vagar en las tierras de otro y encontrarse a sí mismo en la tierra natal”.
→ Colhidas palavras de Marina Tsvetaeva; “Vladimir Maiakovski e Boris Pasternak” ...
(?) (a linha de cima já prestes a arrebentar, juntados esses três nomes!), de 1932: ( http://hablardepoesia.com.ar/numero-25/vladimir-maiakovski-y-boris-pasternak-epos-y-lirica-en-la-rusia-contemporanea/ ). Mais outro caso em que venho sido ajudado por amigos, alimentado espiritual e materialmente (tenho andado na corda bamba!). Mesmo dia quando recebi a notícia da publicação de um poema inédito de Maiakovski “na tradução contida e sóbria de Zóia Prestes (filha de Luis Carlos Prestes ...
. . .
),” [despencou!] “... que a dedicou ao PC russo” (no Estadão de hoje, 7 de Setembro, 2012). Bernardini termina o artigo dizendo que “notas de rodapé mais extensas seriam bem- vindas”. Estas minhas notas eu as dedico, do fundo da minha sobriedade, a todos aqueles amigos já mencionados (só não citados, para o bem destas linhas).
Advertência :
Um dado da minha biografia vou citar, não por vaidade de tradutor, e sim advertindo estas traduções, sobre de onde as estou advertendo. Muitos, neste
mundo, perdem as mães; poucos perdem a língua materna. Se poesia foi por não saber língua nenhuma, crescer fazendo testes e gerando textos... As traduções não necessitam ser atestados de experiência na outra língua; sejam
testes , experimentos desta “minha”. Admitindo toda a deficiência, faço-me apto
à ad missão do emprego. Além da minha , não sei falar a língua de
Maiakovski... (faço o melhor que posso...). Depois das primeiras notas de rodapé, apresentadas em estrofes de todo cheias de hipotéticas, estas notas de agora são segundos rodapés. Mas não deixem de experimentar desta cozinha, só por não ser ela típica. Estas traduções poderão ser estudadas junto aos meus poemas que estão vindo (posso o melhor que faço!)
p.s.: „ Ad‟, em russo “Aд” = inferno.
(Sub-nota assustada: rolei para as estrofes russas, disposto a pescar o caracter “д” da palavra primeiro saltada aos olhos... Caiu “душу вытащу” ( “a alma esmagarei-a”... ). Saltar, um pedacinho da alma, e já... para o inferno? Cuida!
Bem sei: cada palavra que testo me testa. Sejam vistos olhOs arregalados por trás de cada frase destes textos).
(Prólogo):
→ (12/7/12) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Presta atenção, quando compões uma oração, nas torturas, nas coisas enfiadas pelos buraquinhos das letras. Que a palavra “composição” não passe a falsa sensação de que se trata de quebra-cabeças, de encaixes horizontais. A magia poética se faz por instrumentos de
amarração. E, a eficácia da oração, “o que atares ou desatares na Terra será atado e
desatado nos Céus” – que a sintaxe vire simpatia. Itálicos são sinais de que a palavra está submetida à tortura. Dividi-las ao meio? Só se as valises dessas palavras forem coisas abrindo-se – na realidade, foi encontrado um zíper da palavra. De jeito nenhum a tradução poderia se dar pela transfusão até a palavra mais conveniente do português a partir de uma russa posicionada bem de frente (no caso de um livro fechado) – geralmente, em edições bilíngües, nas páginas esquerdas. Até as sílabas das palavras perguntam se têm ali direito de estar, e olharão para os lados , entrando
em esquemas de delação. A harmonia da estrofe não se dá pela relação de harmônica vizinhança; pelo contrário: as lutas faladas no poema vão sendo desempenhadas pelas palavras poéticas e, que algumas delas se torturem, é sinal de que pela amarração está passando a corrente das forças. A palavra torturada está posicionada no local da decisão. Por último, há o itálico da insinuação, quando a palavra arqueia a sobrancelha. Leitor algum deve ler o poema sem desconfiar e investigar que, além dos explícitos dos conceitos falados na palavra, haja implícitos aquém dela. Veja “carna rábica” ( мяса бешеный ), que significa, no explicito:
tomada/infectada pela raiva (podendo “raiva” ser aquele afeto espiritual... [mas, afinal, “carne” é palavra carnal ]); no implícito estamos ajudados pelos “meditabundos ” ( мечтающую...) ou “bumbos ” ( литавры ), nos quais se deita o
amor, e outras insinuançadas palavras, como “desrosquear” ( вывернуть ). Pois em “rábica” está contido o rabicó (“Rabcors ”, M. Poética , pág.51) e, inclusive em
“nua nçando”, está-se abrindo um zíper.
→ (30/7) Requisitei de alguns amigos, entendedores dos radicais gregos, ajuda para solucionar este problema, da dimensão da palavra: “двадцатидвухлетний”, um adjetivo para “22 anos”. Não capta e capa a ironia libidinal o simples “aos 22 (anos (de idade))”. Cheguei a pensar em “22 anos de alta idade”; Alfredo sugeriu “do alto
dos meus 22”. Tal ironia só poderia ser transmitida pelo sufixo, equi valente a “de (alta) idade”, “... genário”, anteposto de um correspondente (como aos 80 em “octogenário”) aos 22. A potência de Maiakovski – deidade . Os radicais gregos
que necessitava de outra radicalidade . Esta surgiu pelas mãos do Acaso; eu respeito e
acrescento à minha tradução, sem contestar (e acasos desses são, é verdade, dos meus principais critérios), as palavras proferidas pelo amigo que, além de tudo, se chama Wladimir – Wladimir Vaz, a quem não falta a libido revolucionária, e sequer sabia estar dizendo as palavras de minha salvação poética (ele pretendia homenagear o amigo Divino, patriarca de nós ali reunidos, pelo sexagésimo aniversário dia desses completado): “Sexy , não sexagenário!”.
1 → (14/7)
“Onde queres ternura sou tesão” –
Gostaria de ver esta frase, anotada de uma música do Caetano (talvez “Chove-chuva [e gotas dágua que ela cataputa]” tenha daí alguma influência) tomada como segunda e mais importante epígrafe destas notas. As duas palavras, “intensão” e “tesão” (“Qual intensão que uma rocha dessas poderá? Mas esta rocha está é cheia de
tesão! ”), são o mesmo verbo (“хотеться”, simplesmente: querer), empregado nos
dois versos, correspondendo ao adjetivo “жилистая”, “tencionada”. A conversão da intensão no tesão é operada pela mudança de pontuação, de um verso (?) a outro (!); pela mudança de uso do verbo, de um verso (poderá querer?) a outro (quer!); e a relação transcendental destas mudanças (passagens de um estado a outro) com a
tensão (“tencionada”) e, enfim, a contorção (корчится). Isto, afirmando e negando o que, no prólogo, é afirmado e negado: a meiguice (нежности/ “ternura” ). Antes de
Maiakovski dizer “Se quiseres, então serei meigo”, diz não ter um só fio de meiguice.
A estrutura do poema seguinte está inscrita nesta fórmula “se, então”, a revoluta (e que acaba dizendo algo sobre a revolução) tentativa de o não-meigo ser meigo. Deste modo a pergunta: “que intensão que uma rocha destas poderá?” é feita por um Maiakovski-fingidor e a resposta: “Mas esta rocha está é cheia de tesão! ” é dada
pela sua consciência vulcânica de si (Maiakovski sabendo-se Vesúvio). Assinala-o na mudança do vocabulário em questão – a resposta sobre o tesão conclui um silogismo ternário, guardando implícita uma segunda pergunta entre os dois versos: “Que intensão pode haver num vulcão?”
→ (14/7) Entre estas traduções, que estou a fazer, de Maiakovski, e aquelas de Iessiênin, as quais há pouco fiz, encontra-se o dia (*1) em que descobri a sua Poética
(Ed. Global, 84). Em toda a segunda parte de sua Poética , Maiakovski se utiliza,
ilustração prática de “como fazer versos” (estas notas estão influênciadas deste subtítulo da Poética ), do causo de sua resposta ao poema de suicídio de Iessiênin.
“Finalidade: paralisar de modo refletido a ação dos últimos versos de Essenine, tornar a morte de Essenine desinteressante, fazer preceder no lugar da fácil beleza da morte uma outra beleza, porque todas as forças são necessárias à humanidade operária para prosseguir a Revolução, que exige – apesar das dificuldades encontradas no caminho, apesar dos contrastes da N.E.P. – que nós glorifiquemos a vida, a alegria da mais difícil das caminhadas: a que conduz ao comunismo” (pág.39). A briga entre a “pulsão de morte” (ele-Iessiênin) e a “glorificação da vida” (Eu-Maiakovski) foi a frincha por onde entrou Maiakovski, acordando a felicidade de ser Maiakovski – já estes pré-soviéticos poemas têm, como principal incisão, a afirmação revolucionária da vida invés da repressão (dos impulsos e dos povos). Especialmente lá onde Maiakovski diz não gostar de ler [“eu estaco o meu „nihil ‟”/
“[está a pregar] o Zaratustra dos dias atuais”], Maiakovski demonstra conhecer as palavras letradas da literatura filosófica a este respeito.
Foi nos idos destes dias, em visita ao amigo e poeta Tomaz Amorim e seus amigos de proa, dianteira da luta política na sua cidade. No ônibus, perto das quatro, escrevi “Chego às quatro” duas vezes: uma avisando Tomaz da minha chegada; outra, pois eu chegava trazendo Maiakovski na bolsa (“ - Maria falara”). Dia de panfletagens e reuniões... A tradução, na qual até então prosseguia em paz, ganhou caráter de urgência: terminar ao menos até o dia das eleições. Das flores de Iessiênin senti ligeira vergonha. Iessiênin representa, igualmente neste caso, o anti-mandato social (ver Poética , pág.25, etc.). Pelas minhas mãos, depois de por elas voltar a negatividade
de Iessiênin, irrompeu outra vez Maiakovski, pela vida do comunismo (eterno retorno do não-mesmo). A solução da urgência (“Substituir a lentidão no tempo por uma mudança de lugar”, pág. 42) foi o que sucedeu pelo Acaso, igualmente na
Poética : “Eis o motivo por que adiantei mais o poema sobre Essenine durante o
caminho entre o Lubianski Proezd e a Direção do Chá , na Mianitskaia (...) [que] foi
o contraste violênto necessário depois da solidão de um quarto de hotel”. Enquanto, eu, antes: “Os mesmos quartos de hotel, os mesmos tubos, a mesma forçada solidão” (pág.40). A leitura deste “poema de amor” (?) de Maiakovski, o qual vai da intensão ao tesão, estará ajudada pela transposição político-revolucionária da passagem “de um estado para outro” até “de um Estado para outro”.
(*1) Por volta de 2011, um daqueles aforismos sobre “o milagre da multiplicação dos parênteses”, alguns de meus escritos ainda não conhecidos: “(Um susto no trânsito): A não-existência de algo furtado, ao final da frase, pelo aparecimento de um
um parêntese-ratoeira, apontando a direção para onde ele terá fugido”. Embaixo: “Esta frase foi integralmente capturada de um sonho e recuperada, desde sua palavra final, „fugido‟, seguindo a verdade de seu conteúdo, a partir de uma cauda encontrada! ”
Dias atrás estou abrindo o livro de Maiakovski, Poética. Estas palavras, dali
transcritas, dão agora de apresentação à Nuvem de Calças :
“Por volta de 1913, ao regressar de Saratov a Moscou, querendo provar a pureza das minhas intensões a uma mulher jovem que viajava comigo no mesmo comboio, disse-lhe que não era um homem, mas uma nuvem de calças. Mal pronunciei estas palavras pensei que poderiam ser úteis a um verso e que me arriscava a vê-las repetidas, gastas. Terrivelmente inquieto comecei a interrogar a mulher durante cerca de meia hora, fazendo-lhe perguntas pérfidas, e só me acalmei ao ficar com a certeza de que as minhas palavras já lhe tinham saído pela outra orelha./ Dois anos mais tarde a “nuvem de calças” serviu-me para título de um poema. / Durante dois dias meditei nas palavras de ternura que um solitário dirige à sua única bem amada./ Como vai ele olhar pra ela, amá-la?/ Na terceira noite fui deitar-me com dores de cabeça, sem nada ter descoberto. Por fim achei uma definição:/ O teu corpo/ hei-de cuidá-lo e amá-lo/ como um soldado mutilado na guerra/ inútil, sem ninguém,/ cuida/ de sua única perna. / Saltei da cama, meio acordado. Na escuridão, com a ponta
de um fósforo queimado rabisquei na caixa de fósforos: “perna única”, e adormeci. De manhã demorei bem duas horas para me lembrar do significado dessa “perna única” apontada na caixa de fósforos e como ela tinha ido ali parar./ Uma rima que estamos quase a agarrar pela cauda...” ( pág. 30) (!)
→ (17/7) CUBA: A busca pela tchetchetka (tchetchiótka?) ( чечеткой ) termina no tchatchatchá . Começou pelos vídeos, díspares entre si, achados na internet. Pensei em
“tango”, tentação de terminar em “tango down ”. Mas tango não pode ser a três e
talvez não celerado, apesar de Schnittke. Fui levado a “tchá tchá tchá ” pela fonética, os
repetidos chás , o que o russo pode representar numa só letra, o ч. Talvez a fala de
algumas onomatopéicas rastreie a coisa de que se fala, aquele tanto que tchetchetka e tchatchatchá , por menos palpáveis que sejam ao não-russo ou ao não-cubano, vêm a
combinar pela palpitação. A confirmação está na fotografia do verbete (“Chá-chá-chá (dança)”, na wikipédia): “Competição júnior de (“Chá-chá-chá-(“Chá-chá-chá-(“Chá-chá-chá na... República
Tcheca ” (!)
( http://pt.wikipedia.org/wiki/Ch%C3%A1-ch%C3%A1-ch%C3%A1_%28dan%C3%A7a%29 )
→ (17/7) “Tchiotkii” ( четкий ), ou seja: legível (pela nitidez), é diferente de “tchiotki” ( четки), ou seja: rosário, terço... Contudo, já vem sido prenunciada a vinda divina. Fazer, então, do legível, o contável . Além do mais, o verso é, em tempo
real, coincidente ao ato de contar (um, três, muitos... ). Razão da alteração do verso seguinte, literalmente: “Depois ele e mais dois”, fazendo o três deles de um terço deles ,
adiantando, então, o “cem” (muitos, многие ) de seis versos além. É que, logo pela
manhã, antes de dar com este verso, fiz uma impressão dos poemas de Isabela Vieira e, abrindo em página aleatória, li: “Conta de rosário – cravo no desgarrado
coração”.
→ (23/7) A amiga Júlia Teles escreve: “Estou na Rússia. Vou ficar mais 15 dias. Tem algum pedido deste lado de cá do mundo?”. – Tenho, sem dúvida (tendo uma dúvida): talvez aí alguém saiba o que significam estas 15 letras: “звоночки коночек”!
→ (25/7) VALE: É isto o que convém ao tradutor fazer: “„Estas tuas/ esmeraldas de loucura/ valem menos/ que uns trocados que não tens‟./ Te cuida: este teu „vale‟ soterrando/ o Vesúvio dá o troco/ se Pompéia desavém” – versos suados estes, “trabalho muito fatigante” ( Poética , pág. 43)... Para o texto ser poético, as palavras
têm de ser as protagonistas da luta. O “troco” do Vesúvio é, antes, a troca de valores definidos pelas palavras – neste caso exemplar, a troca de valores de “troca” e “vale”. O “vale”, perante o qual o poeta não tem um trocado, é o “vale” sobre o qual o poeta-vulcão pode dar o troco. O caminho do poeta ao poeta-vulcão se faz pela subversão dos conceitos, um poder sobretudo declarativo – a luta de classes da palavra é contra a classificação.
→ (26/7) De jeito nenhum “prole” é a palavra mais adequada para “дети”, que quer dizer, apenas – crianças. Fui levado à prole pela necessidade de palavra no singular, provocar a rima entre “cai” e “cais” e, aproveitando, uma ante-rima: “prole” e “explode”. Um minuto depois noto a até então oculta razão da eleição – a explosão... é do prole tariado!
→ (26/7) Tentação de escrever “Lusitânia brasil ”... (isto é, em brasas: “... um tal de
Brasil... ” ( Maia kovski, Minha Descoberta da América , Pág.52, M.Fontes).
2
→ (27/7) CUBO: Quem poderá dizer, da foice, “ foi-se ”? Continuará havendo
marxistas, nos períodos de férias das universidades, reunidos em congressos e, na frente das salas de auditórios, banquinhas de livros, foices nas capas de todos eles. Será questão de preenchê-los de conteúdo realmente explosivo? Num destes seminários de arte e revolução, acreditei que a máxima de Luka fosse de um Lukacs mal-transliterado: “As pulgas não são más; todas elas são negras, todas saltam” (...) Anotei duas interrogações no papel:
1) Porta-voz, discutis com umas portas? 2) Respublicas
para deixar cair ao rés-do-chão?
“Os fracos não conseguem avançar e esperam que o acontecimento passe, para refleti-lo; os fortes ultrapassam-no de modo a arrastar o próprio tempo” ( Poética ).
No Brasil a palavra “realista” significa (acepção de igual influência prática dentro e fora da academia literária) estar e agir conforme (conformado a) uma realidade dada. Toda a realidade, para esse realista, que não está dada, é dadá . O “seja”, do “seja
realista” do realista, é repressivo: ( seja ( tu ...) real ). Mas o “seja” do poeta não cheg a
reprimindo; uma vindoura realidade desejada se põe ao lado deste “seja”, para se
realizar (seja real isso ( tudo )). Senão tomarás por parede o que é porta – para entrar.
A temporalidade do arrastar é contada por um ponteiro que tem a forma da foice do “vai ser ”. Para o cubo-futurismo não terminar no vã guarda-roupa de conceitos,
[cubo] no qual se guardar , invés de cubo3 ao qual se elevar! A linha do tempo, na qual o
presente assinala o ponto futurista ao cubo, é arrastada , como que pela passagem da
seta em alta velocidade. Se não é desse jeito, o ponto futurista no cubo pode ser
guardado a qualquer “altura” (uma altura horizontal! Pois aqui não falamos de um inseto que saiba saltar do plano do chão) da linha, e temos um tempo que se arrasta –
molenga, gordo, etc. O gênero preferido de Maiakovski, os versos de “agitação”, para ler... em auditórios? ( “ Auditórios do Gólgota” ). Poesia é a língua libertadora; fora dela, onde não há suficiente agito, acidula-se a crítica, vira corrosão pela corrosão – e, institutos além, arte pela arte. Tudo só há enquanto balança... Já no discurso estacionado entre estes estacionamentos, a gente manobra suas bagagens, e desse jeito tem de ser, quadradinho, para caber nessa vaga. A vaga poética é onda... pra que venham mais vagas. Esta onda tem, em seu rodamoinho, a mantra “Om ”; a
aspiração, na palavra vaga, que a tragamos, vagando lugares e vagalhando sentidos – e direções a seguir. Quando for para mover a montanha, seja realista – para realmente mover a montanha. Dentro da fórmula há, de fato, um explosivo, a explosão da
geração, para encarnar o mundo das plausibilidades infinitas. A teoria lógica do Ex Contradictione Quodlibet
( http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_de_explos%C3%A3o ) , Da contradição obtem-se o que se queira, fez-se carne em Virgem-Mãe, e realizou-se o
milagre. Politicamente é a contradição das classes que dará a brecha, e então será hora de a geração saber enunciar-se. E que a fé reaja ao estado de coisas, não esperando, e sim almejando e obtendo (pois estamos de esperanças do dever ser).
→ (2/8) “Nos coros coralinos de arcanjas ”/ “в хо рах архангелова хорала”... Como
reproduzir esta redundância e não desmatar as aliterações? (Supondo que eu não tenha mal-interpretado “в хо рах” (“хор” [coro] no prepositivo plural) e “хорала”
(“хорал” [coral] no genitivo singular). “Coro coral” teria sido a minha precipitação... na pobreza. “Coro coralino” surgiu do pulso de cada palavra, o qual a remete ao assunto central, o mesmo da Poética : a poética revolucionária contraposta à poética
daquela ternura, a lírica das “florezinhas ao sereno”. Ignoro se Cora Coralina corresponde a algum destes planos (de fato, talvez a mais distante referência desta fagulha de idéia seja o dia no qual encontrei, na estante de literatura russa desta biblioteca, o livro Kyra Kyralina, Panaït Strasti ). Seja como for, ter escrito “coros coralinos” na folha de papel, além de qualquer explicação, fez surgir uma canja em
“arcanjos”. (Dias depois surgiria uma última confirmação desta escolha: a entrevista de Paulo Azeviche por Cara Caralina, http://xavante.art.br/2012/09/04/cara-caralina-entrevista-paulo-azeviche/ )
→ (2/8) 2008, eu compunha o Bestiário, álbum de animais . O poema A MOSCA
surgiu fruto da compreensão da bela ambigüidade existente na palavra, em português, “decomposição” (разлагаются). Por isso, apesar dos “aderentes e vibrantes conteúdos acessórios”, o poema destaca “sobretudo os seus dois olhos/ no compor e decompor cartesianos/ nos cárceres de seus meridianos/ não há nada que lhe escape à inquisição/ arctectônica no óptico fenômeno/ nas carnes faz panópticos sardôneos/ assaz apaixonada pela decomposição”. Nesta poética uma
qualidade positiva da palavra será cruzar, copular as acepções do “carnal” e do espiritual, destes decompor cartesiano e a decomposição das moscas. São palavras lógicas ( até as palavras “cruzamento” e “cópula” estão hora nos domínios do léxico tradicional da lógica, hora dominadas pela carne); suas acepções não são, contudo, assépticas. Uma felicidade para as nossas experimentações é ser Maiakovski usuário de aspas – “miserável”, “s.o.p.a” – , ajuizador de palavras – “já falecidas (que) decompõem-se... igual cadáver ”. Chegou a ocasião, na meta-poesia da Nuvem , de,
decompondo “sopa” (борщ), redimir os Anonymous (e Sua Online Piracy Activity ) de
não ter usado “tango down ”. Abrindo mão do “кажется” (“parece”), o “como” de
“qualquer coisa como” (expressão que, sozinha, já é interessante...) devolve a sopa para a sua decomposição fora da frieza de geladeira das siglas. A seguir, isso me possibilita usar a palavra “ensopa dos” (размокшие), o que me libera acrescentar
“des falecidos ”, como se estivesse só a prefixar. “Pазлагаются” guarda perfeitamente,
de “decomposição”, a sua dupla face de dois cortes. É universal, já previsto pelos olhos quadriculados da varejeira: a defunção natural nada é além da divisão de
aquela história da arte burgusa, quando não funciona às intenções aos tesões proletários, ser chamada de “degenerada ”.
→ (2/8) A idéia de escrever “fantástico Faustão” (Фауста,
феерией ракет) e, deste modo, colocar todo o horário nobre dominical da televisão, junto a “Mefistófeles, deslizando no palanquete”, tendo sido represada, contudo vazou e, vazando, torturou a palavra “fo guetões ”. Assim, quando citado o
nome de Goethe, talvez induza ao aumentativo dos nomes próprios ao redor. Isto foi alguns dias depois de eu ter recusado ( Idem Ibidem, por causa do “trabalho
fatigante” ) um convite para ver, na séde sindical dos acadêmicos demingueiros, um filme chamado “Fausto”.
→ (3/8 ) Uma violência ao poema: a fim de que “sois” fosseis “Sóis”, tive de trocar “nós (мы)” por “vós (вы)” ao longo de algumas estrofes. Esta pira sacrificial, na qual bem-sucedidamente produziu-se o sol, não é preciso realimentar.
→ (3/8) Revelei ao amigo Alfredo onde fica a cabine, no fundo da biblioteca (vale, igualmente na biblioteca, a regra de que o oriente e, com ele, a grande literatura russa, estejam geograficamente a postos o quão distante se vá), onde estudo; e ele veio convidar a um café, falar de boas novas – lutier e helenista, segue aos
finalmentes da fabricação de sua lira. Dias atrás, noticiaram que morreu o último espécime daquela espécie de tartarugas, de Galápagos, da qual Darwin se alimentava,
comendo – “sopa” . Um capacete de operário, encontrado na calçada entre a biblioteca
e aquele, fazendo sombra nela, imenso cubo em construção, autorizou-me fazer a seguinte indagação: “Os esforços da lutieria, esticando neste capacete certas tripas, conseguiriam transformá-lo em uma lira ?” A lenda da criação da lira, Hermes e a
tartaruga, explica Alfredo, acha-se em Homero, “antes das relações capitalistas de produção e da Classe Operária” – (Retratando-me ao Alfredo: justo a parte entre aspas foi a que ele não disse). De volta à minha cabine, no fundo da biblioteca, dando marcha ao combio de versos a traduzir, procedo na estrofe seguinte: “Não me lixo que não haja/ em Ovídio, em Homero/ gente igual a gente”. (!)
→ (4/8) “O cabo teleférico dos mundos...” – “миров приводные ремни”, ao pé da letra: “a correia de transmissão dos mundos”. Os cinco dedos ligam uma corrente que, serpenteando entre eles, põe em funcionamento um sistema, como no motor do automóvel. Já os mundos estão sendo levados ou trazidos (desrealizados ou realizados) pelo teleférico – não é o movimento da alimentação do sistema. Esta imagem foi para ser acessível – entrevistei algumas mulheres, descobri nem todos terem idéia do que seja uma correia de transmissão. Protejo-me pela primeira cena de Kárhozat , Béla Tarr: o prelúdio de Shostakovich e o teleférico, soviético por
excelência, transportando carvão, e não turistas, pela Sibéria, e não pela “cidade das crianças”. A escolha me permitiria, além do mais, fazendo dois os cinco dedos,
transformar a sofreguidão em guidão – aos operários, não só a força; a direção. Só me decidi pela alternativa, a qual sei insuficiente, quando, entrando no escritório de meu Pai, ouço: “Мы шли, мы просили работы”.
http://www.youtube.com/watch?v=7AR-A32mEZk
http://www.youtube.com/watch?v=gTHiP1uvhHk
→ (6/8) VALE: “Vale” se desenvolverá para o vale aquele dos “valiosíssimos minérios”, de que estão cheias as nossas almas. (“O átomo mais ínfimo de vida/ mais vale/ do que tudo o que eu já tenha feito”) – equivalamos “tudo o que eu já tenha feito” a “esmeraldas de loucura”, cifras versus cifrões. O ouro da alma está
acima até dessa vala. “Vale”, nós o dizemos desta forma: “mais vale (a vida)”; o “vale da sombra e da morte” é o lugar onde predomina a realidade realista, “Jack London, grana...”, onde o que “mais vale” mais valia .
→ (6/8) CUBA: Fala-se de uma revolta acontecendo, neste instante, no México. Minhas leituras de Minha Descoberta da América estão surtindo efeito. Justamente, fui
levado a ler o capítulo “México”, para rebater a acusação de que seja montagem a fotografia ( a qual colei na minha “linha do tempo”) de Frida Kahlo, segurando um revolver... ao lado de Maiakovski. Maiakovski diz: “Diego Rivera me encontrou na estação. Por isso, a pintura foi a primeira coisa que conheci na Cidade do México. Antes eu apenas ouvia dizer que Diego era um dos fundadores do Partido
Comunista, que Diego era o maior artista mexicano, que Diego acertava uma moeda no ar com um (revólver) Colt. (...) Naquele dia almocei na casa de Diego. Sua mulher é uma alta beldade de Guadalajara. Comemos só coisas mexicanas (...) depois passamos à sala de estar. No centro do sofá, o filho de um ano, largado, enquanto na cabeceira, em uma almofada caprichada, jaz um enorme Colt” (págs. 23-26). Seguindo silogisticamente, não importa qual a coisa mexicana, se dorme com Diego, dorme na companhia de um Colt. Nesta linha do tempo cujo layout azul é o
céu, o lugar demarcado, onde o revólver-Maiakovski pode tornar a ser segurado, renovadamente chega. E talvez não tenhamos de passar pelos auditórios do Gólgota, tais palavras combinadas em algum lugar do mundo. 25 anos depois da rápida passagem de Maiakovski pela ilha de Cuba, para comprar ananases (pág.15), não terá derivado daquele “Viva o bolchevique!” (“... e apenas no fim disse macarronicamente, para me safar: „I am rrãchã! ‟. Essa foi a atitude mais precipitada.
O mendigo apertou minha mão entre as suas e pôs-se a vociferar: - Viva o Bolchevique! I am bolchevique! Viva, viva! Esquivei-me sob olhares transtornados e
temerosos dos transeuntes”) o dia em que a ilha toda decidiu gritar: “Come ananás/ mastiga em paz/ seu último dia chegou, burguês!”? ( Poética , pág. 22).
→ (4/8, 18 da tarde, praça da Sé, São Paulo): “Cadê a chave do carro?” – perguntou, calibre debaixo da jaqueta, o assaltante... Espantado do forró ali debaixo,
agora estou sentado ao pé da catedral. Saco Maiakovski da bolsa, e chego à frase seguinte: “Só que, a mim, a gente, até essa/ a que ultrajou/ sobre todas as coisas, Vós Sois, o meu raio/ de luz” ). Pai, as coisas desejadas sobre todas as coisas estejam sobre todas as Giocondas e chaves de carro, as quais se pode furtar, pouquinho acima
do teto de Tua catedral. ( “Acima das cruzes e dos topos/ Arcanjo sólido, passo firme/ Batizado a fumaça e fogo/ Salve, pelos séculos, Vladímir!” – Marina Tsvetaeva, A Vladimir Maiakovski , trad. de H. Campos). É que a gente está tendo as
sacadas erradas. Maiakovski ( salva , pelos séculos, Wladimir!) – calibre versus colibri.
E, apenas enquantoversus , versos.
→ (8/8) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Não basta puxar setas da estrofe russa e, impecavelmente, transportá-las à estrofe portuguesa, de modo a ter tudo ligado entre elas, a segunda algo como o conjunto imagem da outra. Cada verbo
tenha seu verbete e, acima das definições de cada um, esteja a definição do princípio (“Não perca de vista seu ponto de partida”) – a poética? Veja lá como vais definir. O pecado inevitável deve deixar de ser chamado “pecado”. Disso já sabíamos: o texto, na realidade, não é em português; mesmo se apresentado for, cada uma das palavras portuguesas não significa o que significa. Achar palavras-vaga ( “tiro”, ou “liro”; “tira”, ou “lira”), onde está preservado o seu “nada é”, e de onde muito pode ser. “Eu tiro, eu saco a minha alma”... A alma, a qual eu saco, é quase arma e, logo, tiro. E, porq ue “salva” é salva de tiros ou de palmas , desta salva é o Salva dor. Tomo
a liberdade, de canto de olho no dicionário, de substituir a definição do verbo выжечь, “Я выжег” (reduzir a cinzas, “Eu... fulminei”), pela do verbo выжaть (ceifar/ “Eu... passo a foice! ) – estas duas expressões, fulminar e ceifar, no plano das
almas, não descrevem o mesmo evento? A foice, raio de luz desta fulminação prestes surgirá na última linha: “Como se fosse uma bandeira”/ “как знамя”...
→ (9/8) O poeta, na foto, ao lado de Frida Kahlo, não é Maiakovski! Em letras grandes, ali ... ao lado da fotografia, a ruina de todo este projeto: ... enlouqueci!
3
→ (11/8) Oculta num livro de desenhos díspar, a palavra “Colt”, tocada sem querer, disparou esta terça parte.
→ (13/8) CUBO: “Na Escola apareceu Burliúk. Ar insolente. Lorgnon. Sobrecasaca. Caminha cantarolando. Pus-me a provocá-lo. Quase chegamos às vias de fato./ Sala de Reunião da Nobreza. Um concerto. Rakhmaninov. A ilha dos mortos. Fugi da insuportável chatura melodizada. Instantes depois, também Burliúk. Soltamos gargalhada, um na cara do outro. Saímos para vadiar juntos” (Ed.
Perspectiva, pág. 39). Não é isto, saltar para fora de um concerto de Rakhmaninov para, de uma noite de vadiagem (“...), fundar o futurismo, a introdução da terça parte da Nuvem ? – Burliuk, ao escapulir do naufragante século XIX, pisa-o na nuca,
para ser um ativista desse naufrágio – tem de afundar o real para fundar realizável (... Da chatura rakhmaninoviana, passamos à da Escola, e da escolar a toda a chatura clássica. Em David [Burliúk] havia a ira de um mestre que ultrapassara os contemporâneos, em mim – o patético de um socialista, que conhecia o inevitável da queda das velharias. Nascera o futurismo russo”) (pág. 40).
→ (23, 24, 25, 26, 27, 28/8) MISTÉRIOS DOLOROSOS DA ESTROFE: Burliúk surge “с нежностью, неожиданной в жирном человеке” ( “com ternura inesperada numa pessoa gorda”)... “[foi] se bem que gordo, imprevistamente terno”. R etiro, de “imprevistamente”, não “ternura”, mas “terno”, e “imprevista mente”
sofre uma tortura. Ela prevê uma dicotomia do vestuário – de um lado, “terno” ( “Lorgnon. Sobrecasaca...” ); de outro, “macacão”/ “желтую кофту”, ao pé da letra: “a blusa amarela” – a maior perda desta tradução, deixar de mancionar o inverossimilmentre trajado Maiakovski ( “A Blusa Amarela/ Eu nunca tivera um terno. Tinha duas blusas, de aspecto miserável. Método já experimentado: enfeitar-me com uma gravata. Não tinha dinheiro. Apanhei com minha irmã um pedaço de fita amarela. Amarrei. Fiz furor. Quer dizer: o mais aparente e bonito numa pessoa é a gravata. Logo: se você aumenta a gravata, também aumentará o furor. E visto que as dimensões das gravatas são limitadas, lancei mão de esperteza: fiz da gravata uma blusa e da blusa uma gravata. Uma impressão irresistível”, pág. 41). A “vista ”, torcida
dentro de “imprevista mente terno”, saltou de lá, produzindo vagas – “revistas/ [tua
alma interna no, de couro, macacão]”/ (“в желтую кофту/душа от осмотров
укутана”). “ V ista” que é vistoria (осмотров, de “revistar”) e, ainda, questão de vestuário (de revestir), e “interna” no interior da vestimenta e (inevitável, ainda
quando o sujeito de “interna” é a alma eletrocuta), do internato. Depois dependeu de eu ter quebrado a cabeça, sem entender o significado de “брошенный в зубы” e, além disso, de, tendo ido buscar ajuda na nota de rodapés sobre Van-Guten, tomar esta nota, como parte integrante da estrofe, para preencher a lacuna não-entendida – “(estão falando nas revistas)”. A nota diz: “ Маяковский имел в виду факт, о котором писали тогда газеты: приговоренный к смерти согласился крикнуть в момент казни: «Пейте какао Ван Гутена!» За это рекламное выступление фирма Ван Гутен обещала большое вознаграждение семье казненного”; isto é: “Maiakovski tinha em mente o fato,
sobre o qual escreviam os jornais de então: um condenado à morte concordou em gritar no momento da execução: „Beba cacau Van-Guten!‟ Em troca deste aparecimento propagandístico a empresa Van-Guten prometera grande recompensa à família do executado”.
A atuação deste poema continua sendo o combate contra o “mole” ( “Vosso pensar, meditabundo no miolo mole, ... irei fustigar/ “Denominar-se de poeta e, mole como um colibri...” ), o tema desta Nuvem , ou seja: нежность, ternura, meiguice ou, se
quiser, “molice”. Tive que dar um jeito de fazer minha marreta (para não usar as palavras “soco-inglês” ou “soqueira”/ кастетом ) bater/entrar “миру в черепе”/ “no
crânio do mundo” – ... é que o soco de soqueira bate/entra . O jeito é fazer ele
bater/entrar (e aqui eu acerto justo o objeto combatido) pela moleira do mundo, para
o mal da molice; poesia do poeta-calibre, para o mal do poeta-colibri. Traduzirei bater/entrar por “arrebentar”... Esta palavra se dividirá em duas, pois estas duas,
“bento” e, em resposta, “arre!”, são, novamente, a cisão-tema desta Nuvem . Esta
cisão, a partir de um “arrebentar” bem sucedido, ecoará até o fim do poema: o “arre!”, em relação ao “bento” (“É de gala, nesta valsa, este passo?” ), arre da o pé
(“уйду я”); o “arre!”, em relação ao “bento” (“que de lágrimas regado” ), (“солнце
моноклем/ вставлю в широко растопыренный глаз”) o sol como monóculo/ coloca-o/ no olho arre galado, para incinerar o “de gala”. A “g ala” logo há de
conhecer seu oponente: a “galera” da taberna. É a palavra-vaga, “arrebento”, gerando rebentos – “os novos rebentos dessa prole”. A explosão dentro de “arrebento”, igual a que existe dentro de Virgem-Mãe, a prole daquele proletariado: “um clarão de olhos cêntuplos explode/ do cais”... é o Rex Contradictione .
→ (28/8) Alguns dias de meditação febril até descobrir: a alça da xícara é o tal elo,
longamente perseguido, entre “café” e “Galif et” – é o gatilho dos fuzilamentos. Esta
sugestão ficou boiando na sopa de possibilidades, pois tinha forma de gancho e exigia ser puxada sem reflexão de conseqüências. E puxei-a, para ela assumir inteiramente a palavra “щечке”.
→ (10/9) “Ela chegou, como Mamai,/ sentando a bunda/ sobre a populenta imensidão:/ esta noite, negra como Azef...”. As notas, as que acompanham o poema, estão aqui transcritas: Mamai – “ A fala remete aos vencedores que se banqueteavam sentando-se em tábuas colocadas sobre os corpos dos vencidos. Na realidade, este vencedor não é o khan da Horda Dourada, Mamai, e sim o chefe militar Genghis Khan, depois de conquistado o Cáucaso no ano de 1223”; e Azef – “Provocador, trabalhou na espionagem socialista-revolucionária. Seu nome tornou-se sinônimo de traição”. Cume da depressão, a bunda de Mamai encobre agora a terça-parte da Terra. Maiakovski depara a proporção universal da Batalha: esta noite “olho algum agüenta olhá-la”/ глазами не проломаем, ao pé da letra: “não haveremos de fender com os olhos”. Reverberam as palavras ditas por Burliúk no
dia da criação (“Isso [o futurismo] é bom!”) e aquelas outras surgidas ao fim deste
estágio da luta: “e pedra sobre pedra não haver” (“Ничего не будет”/ ao pé da letra: “Nada haverá/restará”). “Olho algum agüenta olhá-la” inverte a fórmula
apocalíptica da vinda do Salva dor: “todo olho O verá”. Na espiritualidade e na
fisiologia, o “todo olho O verá” só acontece no limiar a partir de onde “olho algum agüenta olhá-la”. Esta idéia pressupõe uma desigualdade das forças e aposta na vitória dos oprimidos, a qual só pode ser de virada, possibilitada pela fé, justo na ocasião em que tudo está perdido. Herda desta disposição a crença de que a intensificação das contradições favoreça a vinda do levante. O batalhador, ao provar da aguardente (вином/ vinho), enxerga – a Virgem-Mãe. Há não-pedra sobre pedra e, diante disso, quando, debulhando-se sobre a toalha, a toalha vira manto, naquele instante em que o círculo passa pelo quadrado (“a auréola pela moldura vulgar”, “a coroa de espinhos que traga”... ), torna-se plausível explodir a montanha. As próximas e últimas estrofes desta terça parte serão uma oração, na qual Maiakovski conjugará, enunciará a geração por vir, a fim de que a gestem as forças celestiais, a oração sintática feita apelação extrema. Maiakovski dissera: “Músculos, tendões, invés de orações...”; a mudança de patamar, contudo, chega pela oração, encolhidas palavras ditas baixinho na solitude da taberna e tanto mais decisivas que as gritadas aos auditórios.
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→ (29/8) “O sistema dos sete conhecidos (setimal). Dei início a sete relações de jantar. Aos domingos, „janto‟ Tchukovski, às segundas, Ievriéinov, etc. Às quintas, era pior: comia os capinzinhos de Riépin. Para um futurista de estatura quilométrica, era inadequado. Ao anoitecer, vagueio pela praia. Escrevo a „Nuvem‟. Fortaleceu-me a consciência da proximidade da revolução” ( Idem, pág. 43). Foi ontem, quando tirei da bolsa o livro de Maiakovski para ler esta passagem às novas amizades que fiz no instituto de artes – Todos os dias, depois de uma tarde trabalhando nesta mesma
Nuvem , quando bate a hora da refeição, o estômago já roncando, ando por aí, alma
penada dos corredores desta universidade, à espreita de obter um cartão emprestado para entrar no bandejão. Cortam abruptamente a comida dos formandos para conscientizar, pelo choque, de que chegou a hora da miséria. Ao começar a fala de Maiakovski em voz alta, pela fração do segundo entrou a questão: incluir ou não a frase sobre a proximidade da revolução? E saiu pela boca. Estas orações são, eu o digo, estômagos-vaga. Hoje pela manhã o sindicato soltou a seguinte nota: “Há um ano, os trabalhadores do RU precisaram cruzar os braços para forçar a reitoria a trocar a antiga máquina, etc. (...)Por isso, na tarde de ontem, o STU comunicou à Fundação que, caso não sejam reconhecidos o direito aos 30 minutos de folga (...)
etc., os bandejões da UNICAMP terão o funcionamento interrompido a partir de amanhã (29/08)”. (!)
→ (10/9) “Inferno”, de onde adverto esta poesia: a influência desse livro de Strindberg
(Ed. 34)e seus cyclamen verifica-se hoje quando, no crivo do crível, dou valor e o
maior valor aos sinaisinhos, pequenas piscadelas recebidas. Dado que venho descrevendo até aqui, dispenso explicar o que são essas piscadelas. Exemplifica a almôndega extra recebida hoje e o ponto-e-vírgula que se desenhou – se não fosse a piscadela da, concha nas mãos, trabalhadora, talvez não tivesse notado, à tarde, indo aos versos seguintes, algo de significativo no verbete: “котлетa: croquete, almôndega, costeleta”, as “dobradinhas de costume”. A piscadela será, então, um sinalzinho delgado, senão não penetra até a pontuação, e não é trazido por anjo, e sim encontrado junto a um duende que habita os buraquinhos das letras. Sinais são sempre de pontuação, para direcionar o trabalho. Podemos nos sentir acalentados: este sinal vem do Mesmo que o pão nosso nos dá hoje e dará amanhã.
→ (7 de Outubro): Esta quarta parte foi sofrida. Volto agora a estas notas, atestado-as eu ter me afatestado-astado nestes últimos dias (duas palavras carregadas) – pois as notas
vão se manifestando como compreensões – , como alguém que acaba de compreender. O principal, até então: de que jeito não se condenar, o tradutor, pelas afirmações do traduzido? Depois do acidente burocrático que me salvou de prestar o juramento da colação de grau (“Não jureis nem pelo céu nem pela terra nem façais qualquer juramento”, Tiago 5:12), dei-me conta. Foi uma angústia real que me fez entrar naquela cabine de banheiro do instituto de artes, a meio caminho do salão nobre. O violinista, que praticava embaixo das escadas, entoando o hino nacional, quis dizer: “Vai lá, pra tua formatura; está tudo resolvido!”. Uma angústia dessas foi o que me manteve afastado destas notas por alguns dias – os da gestação desta última parte da Nuvem ... - ; além da entranha, o inferno é a outra coisa que borbulha.
No dia 19/9 escrevia: “Os dedos convulsos, vou apertá-los/ na garganta de lata da campainha./(...) Na rua o mato alto segue a lei do „matarás‟/ e, no pescoço, o vulto dos dedos/ da dileta companhia”. Suado ainda destes versos, adentro a sala escura onde já está rolando a sessão de cinema do escontro de estudos literários – ... um “me dá! não dou!” de casal, homenagem a Nelson Rodrigues, e que dá... em estrangulamento! Já q uando traduzi “arrasta, pra casinha, a pata atropelada pelo trem”, encontrava-me na plataforma, embarcando de volta a Poá, onde esta tradução teve seu início. Chamado a participar do sarau, leio “Pedágio” pela primeira vez. De volta a Campinas, noutro sarau, por conta da presença estonteante das dançarinas de dança do ventre, um dos participantes pronunciou, por três vezes, em alta voz: “Por você eu traria, agora, a cabeça de João Batista!”. Os versos seguintes da Nuvem a traduzir foram: “Mil vezes dançará o sol em volta da terra/