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A expansão capitalista no Nordeste e o dilema da sustentabilidade

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Academic year: 2021

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A expansão capitalista no Nordeste e o dilema da

sustentabilidade

Maria Cleide Bernal

Economista aposentada do BNB e professora da UFC

A chamada questão regional ficou superada no Brasil desde o início do século atual, com a expansão capitalista no Nordeste nunca vista na história do nosso país. O esgotamento da fronteira de expansão do capital no Sudeste, com o encarecimento do preço da terra e da força de trabalho, a redução das economias externas ao lado das condições favoráveis no Nordeste (incentivos fiscais, baixos salários, áreas rurais e urbanas ainda pouco exploradas) foram os principais fatores que contribuíram para a expansão econômica nas bases atuais. Acrescente-se a isto mudanças na estrutura social com o crescimento da renda média dos estratos de classe media. Entretanto, o Nordeste cresce economicamente, porém sem qualidade, do ponto de vista da sustentabilidade e da estabilidade social.

O Plano nacional de desenvolvimento regional do Ministério da Integração nos anos 90 se fundamentava na premissa de que a política regional deveria ser de base nacional. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, seguido pelo governo Lula, que os critérios de políticas regionais por regiões político-administrativas foram abandonados. Desde aquele período a única política de relevância para o Nordeste, específica para a região é o PRODETUR, destinado a promover o turismo na costa nordestina.

Outro fator importante para a expansão do capital no Nordeste foi o crescimento do salário médio dos segmentos intermediários da população, o que a mídia denomina de classe C, que teve maior impacto no Nordeste, gerando crescimento e uma mudança na estrutura do consumo, que repercute, naturalmente na estrutura da oferta de bens de consumo corrente. A política lulista de reajustes do salário mínimo acima dos índices inflacionários contribuíu enormemente para isto, tendo o Nordeste se beneficiado mais do que outras regiões, por causa da

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2 estrutura social de menor poder aquisitivo nos Estados do Nordeste. Assim, percebe-se a presença nas grandes cidades nordestinas de grupos econômicos vindos do Sudeste, nos ramos da construção civil, supermercados, grandes magazines, shopping centers e outros.

A estratégia de desenvolvimento capitalista adotada coloca-se para o Nordeste sob três óticas: a) adoção do turismo imobiliário nas áreas litorâneas como mola propulsora do crescimento econômico, com a parceria de capitais nacionais e internacionais; b) inclusão de áreas do Nordeste em grandes projetos nacionais, especialmente de infra-estrutura, como ferrovias, integração de bacias hidrográficas, portos, aeroportos e outros; c) desenvolvimento de polos de agronegócios e industriais e áreas de livre comércio. Estas estratégias têm produzido impactos ambientais consideráveis, sem a preocupação dos poderes públicos com o futuro da sociedade nordestina.

Nesta direção, observa-se a ausência de ênfase no desenvolvimento e preservação dos biomas naturais do Nordeste, a exemplo da caatinga, que está se exaurindo com a desertificação, assim como integrar a agricultura familiar com as necessidades de expansão do mercado interno, direcionando o pequeno produtor para adoção de práticas agroflorestais que restaurem os ecossistemas naturais e desenvolvam tecnologias apropriadas para o clima, solo, temperatura e condições pluviométricas próprias do Nordeste semi-árido. Este se apresenta com crescente fragilidade diante dos efeitos do aquecimento global e das secas que voltam a atormentar os nordestinos.

Embora tenha havido uma redução da pobreza e uma melhoria no salário médio da população do Nordeste, os estudos do Ipea e do Ipece indicam que ainda existe um nível elevado de desigualdade interregional, ao lado da persistência da pobreza extrema.

Neste artigo não temos a pretensão de analisar o desenvolvimento do Nordeste em todos os seus aspectos, mas focar as questões mais cruciais, que se colocam em dois opostos de uma pretensa intervenção do Estado, focando na principal ou única política específica para a região, com base

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3 no turismo de praia, e por outro, tecer considerações em torno da ausência de políticas para a região semi-arida.

Turismo imobiliário nas áreas litorâneas

A atividade turística no final dos anos 1980 recebeu especial atenção dos governos nordestinos. Por meio do PRODETUR, projeto de dimensão nacional, porém direcionado para o Nordeste, foram alavancadas políticas públicas evidenciadoras do turismo como atividade econômica geradora de renda e emprego para a região. A crença nos benefícios do turismo provocou no Nordeste um boom de valorização das zonas litorâneas e capitais nordestinas. De acordo com esta lógica, as cidades litorâneas nordestinas foram transformadas em pontos de recepção e de distribuição do fluxo turístico, colocando estes espaços sob a dependência direta dos capitais e sem a mediação de outros centros urbanos intermediários.

Esta lógica de ocupação transforma as zonas de praia, com o surgimento de novas práticas marítimas ligadas ao veraneio e ao turismo, uma zona marcada pela presença dos portos e dos vilarejos de pescadores, que é afetada pela construção de suntuosos estabelecimentos turísticos e residências secundárias, em toda a costa. Aparecem novos atores, com a expulsão dos antigos habitantes, bem como o fortalecimento dos movimentos de resistência. No Ceará, Rio Grande do Norte e Alagoas, especialmente, esta transformação é empreendida a partir das capitais, Fortaleza, Natal e Maceió, cidades litorâneas marítimas que se justificam na descoberta do turismo como atividade rentável, sob o signo do marketing “Cidade do Sol” em conformidade com os projetos de planejamento que as transformam, gradativamente em importantes destinos turísticos.

Procurando inserir estados do Nordeste na rede mundial turística, seus governadores definem objetivos a atingir, reforçando a competição das suas metrópoles por capitais externos sob as formas de empreendimentos e de investimentos especulativos.

Esta racionalidade implica na entrada de grande volume de capitais estrangeiros, especialmente portugueses e espanhóis, nas áreas costeiras das regiões metropolitanas e praias, contribuindo para a formação de

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4 “enclaves” que ameaçam a sustentabilidade destas áreas, ricas em comunidades de pescadores remanescentes de quilombos e de aldeias indígenas. Os estados de Bahia e Pernambuco já integravam o circuito turístico nacional, entretanto, estão hoje inseridos nesta mesma estratégia turística, como forma de inserir o Nordeste na financeirização global. Estes grandes projetos turísticos veem se estabelecendo em terras da União, dunas e falézias, sem o controle dos governos central e estaduais.

Numa concepção de desenvolvimento sustentável, deve-se ressaltar que existem outros nichos de mercado dentro de tipos diferentes de turismo que oferecem sustentabilidade ao meio ambiente, porém necessitam de uma visão mais ampla das instituições estaduais e federais. Estas potencialidades, entretanto, necessitam de parcerias do setor público com o setor privado para torná-las projetos concretos atrativos. São exemplo disto o turismo religioso, o turismo rural, o turismo ecológico e muitos outros. Estes também produzem riqueza e geram emprego, minimizando o enfoque no turismo de praias, que é extremamente degradante sob o aspecto ambiental, cultural e social e provocam evasão de renda para fora do país.

A Sustentabilidade do Semi-árido

O sertão semi-árido, que ocupa 10% do território brasileiro e abriga 23 milhões de pessoas, se constitui de uma área estimada em 966 mil quilômetros quadrados, dos quais 850 mil é formado pelo bioma caatinga. É uma região de clima quente, com chuvas escassas e elevada propensão às secas. O Ceará, cujo território está inserido quase totalmente (92%) no bioma caatinga, já apresenta um elevado nível de desertificação, calculado em 40% desta região natural, que se localiza principalmente no sertão dos Inhamuns, na região Jaguaribana e no município de Irauçuba, situação que vem se agravando com o aquecimento global.

Com a desertificação aumentam os problemas de abastecimento e de escassez de água e alimentos. O corte de lenha ainda é uma das fontes de renda dos agricultores que vivem na caatinga. Portanto, planos de manejo para extrair a lenha de forma sustentável são necessários para dar o

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5 tempo necesssário para a mata se recuperar. O polo gesseiro e o da cerâmica, fontes de renda da região, demandam muita lenha, também demandam um manejo sustentável. Neste contexto, os bancos públicos, especialmente o BNB, beneficiam com o crédito os agricultores familiares da caatinga, sem fiscalização sobre os impactos destes empréstimos aplicados em queimadas e uso da terra para a produção de lenha sem manejo adequado. As queimadas ainda são praticadas, pelos agricultores em geral assistidos pelo crédito rural, assim como o desmatamento descontrolado. O Banco do Nordeste é o principal fornecedor de crédito para o setor rural nestas condições.

Em nossa compreensão a convivência com o semi-árido demanda uma gama de políticas públicas, dentre elas a gestão democrática dos recursos hídricos e a utilização adequada do uso do solo, com manejo sustentável e educação ambiental do agricultor para a utilização de tecnologias de agroflorestamento, permacultura, mandalas de cultivo e muitas outras que estão surgindo por iniciativas das próprias comunidades rurais, com o apoio de entidades não governamentais. Uma das iniciativas incentivadas é a agricultura familiar com o cultivo de produtos orgânicos e outra é a mudança do tipo de energia utilizada pelas fábricas de cerâmica para que não provoquem o desmatamento, a exemplo da energia do biodiesel.

Tornar o semi-árido sustentável é garantir terra e água para as famílias que lá residem, especialmente os pequenos agricultores que produzem para a sua subsistência e para o mercado interno. É também criar uma nova cultura de formas adequadas de utiização do solo. Pensar planos de recuperação dos recursos hídricos e da biodiversidade, recuperação de áreas degradadas e reflorestamento com espécies resistentes são algumas

das sugestões recomendadas pelos especialistas.

Função dos bancos regionais de desenvolvimento

Para garantir a continuidade da existência dos bancos regionais de desenvolvimento e instituições de desenvolvimento regional é necessário que assumam funções diferentes dos outros bancos federais, do tipo Banco do Brasil. Uma sugestão para que isto ocorra é direcioná-los para o financiamento de projetos de desenvolvimento sustentável para as

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6 regiões Norte e Nordeste, respeitando as potencialidades econômicas e culturais, a diversidade regional, os valores históricos e culturais da população e preservando os ecossistemas naturais e o manejo adequado dos recursos naturais.

Neste sentido, é essencial que a principal política de desenvolvimento para o Nordeste – o turismo - seja reavaliada dentro dos parâmetros da sustentabilidade ambiental e redirecioná-lo para um aproveitamento mais racional dos recursos costeiros, visando benefícios econômicos e sociais para a população nordestina e criar outros nichos de mercado para o turismo, oportunidades ainda não exploradas, diante da ampla e variada vocação turística que apresenta as várias regiões naturais do Nordeste.

É de extrema importância a atenção para a valorização do semi-árido nordestino, no sentido de preservá-lo da desertificação e dotá-lo de condições econômicas para a sobrevivência da população rural, especialmente, produtores de alimentos voltados para o mercado interno, com ênfase na agricultura familiar.

Assim, o papel dos bancos regionais de desenvolvimento, a exemplo do Banco do Nordeste, deveria ser o de oferecer financiamento, planejamento e acompanhamento de atividades necessárias para o desenvolvimento sustentável da região, em termos econômicos, sociais e ambientais.

Referências

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