Chapecó, 2014 Gilberto de Castro
Discurso citaDo e memória
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801 Castro, Gilberto de
C355d Discurso citado e memória : ensaio bakhtiniano sobre Infância e São Bernardo / Gilberto de Castro.
– Chapecó : Argos, 2014. 158 p. ; 23 cm. - (Debates ; 13) Inclui bibliografias ISBN: 978-85-7897-141-0
1. Literatura – Filosofia. 2. Análise do discurso literário. 3. Bakhtin, M. M., 1895-1975 – Crítica e interpretação. 4. Ramos, Graciliano, 1892-1953 – Crítica e interpretação. I. Título. II. Série
sumário
13 Apresentação Beth Brait
21 Introdução: Encontrando autores 29 I – Encontro de vozes: o discurso
citado para o Círculo de Bakhtin
63 II – A voz abrangente: o discurso citado em Infância e São Bernardo
127 III – O discurso da memória: do controle da voz à impossibilidade da polifonia
149 Conclusão: Em busca de alguns acordos vocais
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apresentação
Graciliano e o discurso citado:
uma história dialógica entre língua e literatura
Este livro é, assim, reflexo de três das minhas grandes afeições intelectuais: o gosto pela narrativa que trago desde a infância, a admiração especial pelo estilo da narração de Graciliano, com especial predileção pelas obras narradas em primeira pessoa, e a grande identificação que fui adquirindo ao longo dos anos pela heurística humana das ideias e do pensamento do Círculo de Bakhtin sobre linguagem e estética.
Gilberto de Castro
Não resisti ao impulso de colocar como epígrafe desta apresentação o trecho da obra Discurso citado e memória: ensaio bakhtiniano sobre Infância e São Bernardo, no qual o autor, Gilberto de Castro, oferece algumas motivações vitais que o levaram (finalmente!) a publicar esse trabalho. Ele não diz exatamente isso, mas eu digo. Pela vivência de longa data com Gilberto, conhecendo seu percurso acadêmico e seu envolvimento teórico e literário (seria melhor dizer sua postura
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ética e estética), arrisco uma provocação: essa obra povoa as gavetas intercambiáveis da memória desse autor-pesquisador há quase três décadas. Exagero? Então vejamos.
Pela leitura prazerosa que acabo de fazer, a qual me levou a um reencontro com Graciliano e, especialmente com um produtivo diálo-go estabelecido entre singularidades narrativas desse escritor e certas lentes bakhtinianas de análise, tive a certeza de que o livro estava, há tempos, desenhado em algum lugar entre a escrivaninha, a memória e o coração. E mais: durante essa longa gestação, veio aparecendo aos poucos, ganhando forma no decorrer da vida e da arte representada pelo casamento entre o pesquisador, o professor e as tramas literárias que os envolvem.
Não por acaso, a Introdução trata de encontros, resgata começos, pontua continuidades, ensaia uma linearmente possível da narrativa vivida... O autor, entre narrador e pesquisador, deixa escapar: já em meados dos anos 1980, tropeçou (ato confesso) em Marxismo e filosofia
da linguagem (Mfl) e caiu sem resistência nos braços de Problemas da Poética de Dostoiévski. Nada mais sintomático para a compreensão
da gênese de Discurso citado e memória: ensaio bakhtiniano sobre Infân-cia e São Bernardo, obra madura que, de maneira pertinente e eficaz, entrelaça ensinamentos contidos nessas duas obras do Círculo.
O núcleo da análise desenvolve-se basicamente a partir da ter-ceira parte de Mfl, ou seja, momento em que o trabalho de reflexão, desenvolvido sobre a linguagem nas duas primeiras partes, ganha consistência metodológica e analítica, recaindo sobre formas concre-tas da língua em uso (literário ou cotidiano). Essa encorpada sintaxe
enunciativa, elaborada no quadro de uma teoria enunciativo-discursiva
está assim explicitada no final do capítulo 8 de Mfl, intitulado Teoria da enunciação e problemas sintáticos:
15 Acreditamos que um fenômeno assim altamente produtivo, “nodal” mesmo, é o do discurso citado, isto é, os esquemas lin-guísticos (discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre), as modificações desses esquemas e as variantes dessas modificações que encontramos na língua, e que servem para a transmissão das enunciações de outrem e para a integração des-sas enunciações, enquanto enunciações de outrem, num contexto monológico coerente. O interesse metodológico excepcional que apresentam esses fatos ainda não foi apreciado na sua justa medida [...] Dotar de uma orientação sociológica o fenômeno de transmissão da palavra de outrem, tal é o problema a que nos vamos consagrar agora. Através desses problema, tentaremos traçar os caminhos do método sociológico em linguística [...]. (Bakhtin; Voloshinov, 1997, p. 143).1
E é esse fenômeno produtivo, nodal, que desencadeia uma leitura possível e esclarecedora de um dos aspectos expressivos do estilo de Graciliano Ramos: formas inusitadas de discurso citado e sua singular relação com a memória. O tropeço inicial de Gilberto (seria o beliscão de Memórias de um sargento de milícias...), portanto, tornou-se o tema (não apenas no sentido bakhtiniano, mas provavelmente psicanalíti-co) que retorna articulando a paixão teórica e a literatura, esta última confundida com a infância, surpreendida em Problemas da poética de
Dostoiévski, continuada na vida adulta e acadêmica. Não se trata, é
preciso enfatizar, de uma aplicação de estudos do Círculo à literatura brasileira. Muito ao contrário. A inspiração teórica e metodológica, embrenhada na perspectiva de vida e de trabalho do pesquisador, ganha dimensões que, de fato, concretizam a ideia apresentada em Mfl e
1 Bakhtin, M. M.; Voloshinov, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997.
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em PPD, ou seja, de que as formas do discurso citado têm a ver não apenas com um determinado momento de uma língua, sua história, mas também, e consequentemente, com determinados estilos, literários ou não. E isso se evidencia na obra como um todo e, especificamente, num dado trecho do primeiro capítulo:
Portanto, é preciso ter cuidado para não confundir tendências
dominantes da apreensão do discurso de outrem com formas sintáticas abstratas (ou esquemas de base). Para descrevermos as formas
sintáticas já gramaticalizadas, a sociedade e o contexto imediato onde elas estão inseridas dizem muito pouco, uma vez que seu in-ventário já está pronto. Contrariamente, no entanto, se tentarmos perceber o discurso citado pelo seu caráter avaliativo/apreciativo inovador – como tendências –, é preciso que prestemos atenção à nova representação que as formas do discurso direto e indireto estão executando nas relações de interação discursiva. Afinal, como reitera Voloshinov, “O mecanismo desse processo [discurso citado] não se situa na alma individual, mas na sociedade, que
escolhe e gramaticaliza – isto é, associa às estruturas gramaticais da língua – apenas os elementos da apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente pertinentes e constantes.”
(Bakhtin; Voloshinov, 1997, p. 146).
E é isso que vamos encontrar nessa belíssima análise de Gilberto de Castro, a qual, depois desses dois encontros pontuais, deparou-se com outras obras do Círculo em que a ideia do discurso no discurso, da
enunciação na enunciação ganha fôlego, consistência, articulação entre
materialidade enunciativo-discursiva e valoração (para não dizer ideo-logia, palavra tão escorregadia...). Esse é o caso de A teoria do romance, assim destacada por Gilberto:
[...] tentei traçar a contribuição dos autores russos sobre o tema pouco estudado no conjunto dos estudos linguísticos e literários – mesmo os mais contemporâneos – relativamente aos modos
17 e às possibilidades de aparecimento das vozes de narradores e personagens dentro da literatura de prosa.
O primeiro capítulo de Discurso citado e memória: ensaio
bakhtini-ano sobre Infância e São Bernardo merece bastante atenção, na medida
em que apresenta, com clareza e cuidado, a teoria do Círculo, pinçada e discutida por Gilberto no que se refere ao discurso citado no âmbito da literatura, dimensão que vai fundamentar e permitir a compreensão dos dois capítulos analíticos e, também, do terceiro. Neste último, o autor dedica-se, a partir das análises empreendidas e de suas especi-ficidades, a certa
[...] generalização sobre as circunstâncias narrativas da literatura autobiográfica [...] entendida como sendo aquela que contempla um narrador (o próprio autor ou um personagem) que se dedica a contar sozinho o seu próprio passado.
É talvez nesse momento, mais claramente que em outros, que o trabalho recorre diretamente ao estudo de Bakhtin sobre o gênero romance polifônico (PPD) para, de maneira ousada, consequente e coerente com o que foi apresentado no conjunto do estudo, defen-der uma tese, que pode ser resumida da maneira que segue, mas que para ser compreendida exige a atenção do leitor e sua participação responsiva no que se refere aos romances estudados e ao conceito de polifonia destacado:
[...] estabelecendo um contraponto conceitual com as pos-sibilidades de equipolência vocal das personagens em textos polifônicos de Dostoiévski apontados por Bakhtin, verifiquei em que medida uma possibilidade como essa seria imaginada, se é que poderia sê-lo, em se tratando de um texto contado na solitária perspectiva de um único narrador do mirante do seu presente.
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À apresentação não cabe mais que aguçar a atenção do leitor, sinalizando principalmente a pertinência, a importância da obra e sua coerência com os trabalhos desenvolvidos por um autor/pesquisador ao longo de sua vida pessoal e profissional. Penso ter cumprido minha missão, partindo da história verdadeira e verossímil da gênese da obra, que aconteceu no momento em que o canto de uma sereia travestida de professora de literatura conduziu o pesquisador ao universo dialógico, continuou pelo Mestrado e ancorou num doutorado que agora vem a público como livro revisto, ampliado, atualizado, como não poderia deixar de ser.
Para finalizar, enfatizo que os estudos da linguagem, quer lite-rária ou não, tem muito a ganhar com esse livro, em que a teoria está respaldada por uma forma de se posicionar diante do mundo, contri-buindo, dentre outras coisas, para o debate sobre a educação linguística e literária. E recorro a palavras finais do autor, para confirmar minha ênfase sobre a importância da obra e a abertura que ela deixa para que outros imprimam continuidade à pesquisa:
Nesse sentido, o estudo do discurso citado na literatura de um modo geral tem na prosa romanesca o seu melhor documento. Os mais variados gêneros de romance se constituem, assim, em imenso depositário de formas de enunciar, incluindo nessas for-mas as inúmeras maneiras utilizadas para a referência à palavra do outro, seja quem esse outro represente neste ou naquele ro-mance. O romance é, portanto, uma valiosa fonte empírica para estudos sobre a interação verbal nas suas características gerais, o que pode gerar, além de contribuições de ordem estética, índices interessantes a respeito de nossos comportamentos socioverbais ao longo de períodos diversos de nossa história, do passado e do presente.
No caso específico do estudo dos processos de citação, acredito sinceramente que, depois da experiência desenvolvida aqui, um inventário dessas formas na literatura contemporânea – mas não
19 necessariamente só nela, é claro – poderia trazer boas contri-buições não só para o estudo estético-literário propriamente, mas também para os estudos linguísticos e discursivos de uma maneira geral. Um estudo desse tipo, ao mesmo tempo em que dessacralizaria um pouco o romance e seu estudo, uma vez que o enfoca centralmente pelos modos alteritários de articulação da linguagem no seu interior, poderia nos ajudar também a com-preender as ideias gerais sobre as ordens verbais e discursivas a que todos em sociedade estamos sujeitos, dando mais clareza e nitidez às possibilidades empíricas e heurísticas do pensamento do Círculo de Bakhtin. De quebra, isso talvez ainda nos ajudasse a romper um pouco as barreiras nem sempre nítidas entre os estudos da linguagem e os de literatura.
Beth Brait (PUC-SP, USP, CNPq)
Sobre o autor
Gilberto de Castro: Graduado em Letras Português pela Universidade
Federal do Paraná, mestre em Linguística pela Universidade Federal do Paraná e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor Associado da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Metodologia do Ensino de Linguagem e de Língua Portuguesa, atuando princi-palmente nos seguintes temas: ensino de língua portuguesa, Análise do Discurso, Círculo de Bakhtin, leitura e formação de professores de língua materna. Atua como professor do Programa de pós-graduação em Educação, orientando trabalhos que debatem os problemas da educação linguística brasileira, inspirados nas ideias do Círculo de Bakhtin e da Análise do Discurso Francesa. Desde janeiro de 2009 passou a dirigir a Editora da Universidade Federal do Paraná.
Título Autor Coleção Coordenador Assistente editorial Assistente de vendas Secretaria Distribuição e vendas Divulgação Projeto gráfico e capa Diagramação Preparação dos originais
Revisão Formato Tipografiia Papel Número de páginas Tiragem Publicação Impressão e acabamento
Discurso citado e memória:
ensaio bakhtiniano sobre Infância e São Bernardo Gilberto de Castro
Debates, n. 13 Dirceu Luiz Hermes Alexsandro Stumpf Neli Ferrari
Marcos Domingos Robal dos Santos Neli Ferrari
Andressa Cazalli
Joice Juliana Godoi de Oliveira Alexsandro Stumpf
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Setembro de 2014
Gráfica e Editora Pallotti – Santa Maria (RS) Argos Editora da Unochapecó