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Alessander André Alfaro Bastos

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Academic year: 2021

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Alessander André Alfaro Bastos

APLICAÇÃO DA POLÍTICA INDIGENISTA POMBALINA NOS ALDEAMENTOS DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO (1750-1798)

Santa Maria, RS. 2013

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Alessander André Alfaro Bastos

APLICAÇÃO DA POLÍTICA INDIGENISTA POMBALINA NOS ALDEAMENTOS DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO (1750-1798)

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Sociais e Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História – Licenciatura Plena em História.

Orientadora: Profª. Ms. Janaina Souza Teixeira

Santa Maria, RS. 2013

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Alessander André Alfaro Bastos

APLICAÇÃO DA POLÍTICA INDIGENISTA POMBALINA NOS ALDEAMENTOS DO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO (1750-1798)

Trabalho final de graduação apresentado ao Curso de História – Área de Ciências Sociais e Humanas, do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA, como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em História – Licenciatura Plena em História.

________________________________________________ Profª. Ms. Janaina Souza Teixeira – Orientadora (UNIFRA)

________________________________________________ Prof. Dr. Leonardo Guedes Henn (UNIFRA)

_________________________________________________ Profª. Ms. Roselâine Casanova Corrêa (UNIFRA)

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Agradecimentos

Agradeço...

A minha família pelo incentivo para a conclusão deste trabalho: os de sangue - minha Mãe Gladis; Alessandra, Andreus e Aldrei, meus irmãos; Ignácio meu sobrinho; os de alma - Nirce, Teleca, Nira, Deise, Guilherme, Pietro, Giusseppe e Alejandro.

Aos fiel hermano: Butis (Matheus), Batata (Thiago), Calovis (Guilherme) e Jam (João).

Os amigos de gauchadas: Luciano e Guilherme Nunes.

Aos professores do curso de História, em especial as professoras Janaina e Paula pelas boas conversas ao longo do curso.

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RESUMO:

Esta pesquisa tem por objetivo averiguar de que forma ocorreu a implantação do Diretório de 1757, no Rio Grande de São Pedro. Política indigenista formulada pelo Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo no reinado de Dom José I. Aos moldes iluministas, essa legislação buscou uma nova estruturação dos aldeamentos, em contraposição ao modelo empreendido pelos missionários religiosos. Do século XVI até metade do XVIII, houve um predomínio da administração missionária sobre os povos indígenas. Contudo a partir da segunda metade do século XVIII, o Estado português, encampou para si a tarefa de aldear os índios. Para alcançarmos o objetivo deste trabalho, optou-se metodologicamente em fazermos uma pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Diretório de 1757. Rio Grande de São Pedro. Indígenas.

ABSTRACT

This research aims to investigate how implantation occurred Directory 1757, in Rio Grande de São Pedro. Indian policy formulated by the Minister Sebastião José de Carvalho e Melo in the reign of Dom José I. Molds to the Enlightenment, this legislation sought a new structuring of settlements, in contrast to the model undertaken by religious missionaries. From the sixteenth century until the middle of the eighteenth century, there was a predominance of missionary administration on indigenous peoples. However from the second half of the eighteenth century, the Portuguese State, took over for himself the task of aldear Indians. To achieve our objective, we chose methodologically do a literature search.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...6

1. A CHAMADA “BANDA ORIENTAL”...8

2. POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL COLÔNIA...18

2.1 A ATUAÇÃO MISSIONÁRIA...19

2.2 ADMINISTRAÇÃO CIVIL E POMBALISMO...22

2.3 O DIRETÓRIO DE 1757 NO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO...27

3.CONSIDERAÇÕES FINAIS...34

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INTRODUÇÃO

Ao se pensar sobre o processo de colonização do Brasil é impossível não mencionar o papel desempenhado pelas sociedades indígenas nesse contexto.

Do discurso1 fundador das terras “além mar” aos dias atuais, a questão indígena sempre foi uma constante nos assuntos de Estado. Pois este sempre apresentou uma atitude paternalista em relação aos indígenas, concedendo a tutela desses sujeitos a entidades que melhor pudessem inserir nessas pessoas os pressupostos ocidentais de sociedade.

Nesse sentido, as legislações2 formuladas em relação à questão indígena, sobretudo no período colonial da história brasileira foram extremamente contraditórias. Sendo que a principal pauta dessas Leis era sobre quem administraria a mão de obra indígena, religiosos ou colonos.

Todavia, cabe salientar que as legislações, mesmo formuladas no sentido de “civilizar” os povos nativos, só conseguiram efetivar-se em virtude da aceitação destas pelos indígenas. Seria impossível para a Coroa portuguesa arregimentar, tamanho contingente populacional para seus núcleos coloniais, sem que houvesse um processo de negociação entre índios, colonos e missionários. Em muitos casos a aceitação dos índios em transladarem-se para as aldeias e missões colônias, configurou-se como um mal menor em relação à escravização, servindo esses locais como núcleos de resistência indígena.

Portanto, o intuito dessa pesquisa foi fazer um levantamento de como ocorreu à implantação de uma política indigenista na fronteira meridional da Coroa portuguesa, sob o contexto das reformas políticas, econômicas e sociais ocorridas

1

Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Pero Vaz de Caminha. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf>. Acesso em: 10 junh.2013.

2

Na sociedade do Antigo Regime, as leis definiam-se no cotidiano das relações entre os agentes sociais e conforme as situações que iam surgindo. Legislação e prática caminhavam juntas e muito freqüentemente a primeira era estabelecida para regulamentar o que já se praticava em larga escala, conforme os “usos e abusos da terra”. Essa expressão era, aliás, bastante utilizada para justificar comportamentos considerados ilícitos. As oscilações das leis eram típicas do poder no mundo colonial, onde as decisões legais dependiam em última instância, do arbítrio do monarca (ALMEIDA, 2010, p. 86).

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na Corte portuguesa a partir da segunda metade do século XVIII. Sendo que a política indigenista formulada nesse período por Sebastião José de Carvalho e Melo, visava uma estruturação dos aldeamentos, com uma administração direta do Estado sobre estes núcleos populacionais, divergindo dessa forma do modelo adotado pelas missões religiosas.

Para atingir esse objetivo foi feito um estudo bibliográfico sobre o tema. Com o propósito de traçar um panorama das relações de contato entre grupos sociais antagônicos, a partir do século XVII, na fronteira meridional, foi constituído o primeiro capítulo deste trabalho, sendo utilizados como principais subsídios bibliográficos para este fim os trabalhos de Kühn (2004), Neumann (2004) e Santos (2006).

Já no segundo capítulo, tratou-se das principais legislações formuladas pela Coroa sobre a questão indígena, do início do século XVI até a metade do XVIII e, suas constantes mudanças ao longo do tempo. Num primeiro momento foi feito um levantamento de como ocorreu à atuação estatal sobre os povos nativos. Em uma segunda parte deste capítulo foi tratada a questão da legislação que privilegiou em um primeiro momento a tutela dos indígenas aos missionários religiosos e posteriormente a administração civil desses povos. Sendo que os estudos de Beozzo (1983), Almeida (1997) e Moisés (1992), foram que nos serviram de embasamento, para tratarmos de tais assuntos.

Na parte final deste capítulo, o trabalho concentra-se na política indigenista aplicada na colônia meridional portuguesa, utilizando os estudos de Langer (2005) e Garcia (2007) com principais referências, para alcançar tal objetivo.

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1. A CHAMADA “BANDA ORIENTAL”

No território meridional3 da América do Sul encontrava-se o limite entre as duas coroas ibéricas. Um espaço de grande disputa entre Portugal e Espanha que constantemente, buscavam afirmar-se na região4. Mesmo, com o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, garantindo á posse deste território à Coroa espanhola, interesses econômicos levaram os portugueses a constantes investidas5 ao território espanhol.

Esses conflitos6 iniciaram-se quando em 1680, os portugueses fundam a colônia do Santíssimo Sacramento, entreposto comercial fortificado a beira do Rio da Prata, principal rota fluvial de escoamento da prata extraída da minas de Potosí, no alto Peru. É a partir da fundação da colônia do Sacramento, que as disputas territoriais entre Portugal e Espanha intensificam-se (REICHEL, 2006).

Do final do século XVII e durante todo o XVIII, o estado de guerra tomou conta da região, segundo Kühn “[...] ao longo de quase todo o século XVIII as coroas espanhola e portuguesa viveram em conflito na região platina” (2004, p.29).

Isso se evidenciou através da quantidade considerável de tratados que foram assinados, na tentativa de garantir possessões na região. Conforme Reichel:

Anos mais tarde em 1715, após a colônia do Sacramento ter sido tomada por tropas financiadas por comerciantes da província do rio da Prata, foi assinado o Tratado de Utrecht, que devolveu Sacramento aos portugueses[...] o Tratado de Madri, através do qual Sacramento era permutada pelo território dos Sete Povos [...]. Como os portugueses não entregaram Sacramento, os espanhóis e colonos de Buenos Aires [...] invadiram as terras ao sul do Brasil [...] São José do Norte (1763–1777). [...] invasão espanhola da ilha de Santa Catarina e da colônia do Santíssimo Sacramento e da invasão armada de Rio Grande [...] as Coroas ibéricas assinaram o Tratado de Santo Ildefonso (1777). Portugal recuperou a ilha de Santa Catarina e voltou a ocupar as terras ao sul do canal de Rio Grande, porém perdeu definitivamente a colônia do Sacramento (2006, p. 49).

3

Era a chamada “Banda Oriental”, correspondendo hoje aos atuais territórios do Uruguai e Rio Grande do Sul.

4

Segundo Reichel: [...] uma região se organiza a partir da relação que o homem estabelece com a natureza, principalmente através do seu trabalho, resultando dessa troca espaços geográficos, dotados de especificidades naturais, econômicas e humanas (2006, p. 44).

5

Segundo Bandeira: Estas incursões, facilitadas, a princípio, pela anexação do Reino de Portugal ao de Espanha, que durou 60 anos (1580-1640) e praticamente anulou a importância do Tratado de Tordesilhas [...] (1995, p. 24).

6

Investida do governador de Buenos Aires contra a colônia do Sacramento, reunindo uma tropa de quase quatro mil homens expulsando os portugueses do local, mas, por pouco tempo, em 1681 estes retornam (KÜHN, 2004).

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Foi no sentido de garantir a posse efetiva do território Oriental que a Coroa espanhola, permitiu a atuação dos missionários jesuítas nessa região e, segundo Santos “As Missões foram projetadas pela Companhia de Jesus, com o apoio do Estado moderno espanhol. Converteram-se na primeira experiência colonial do século XVII” (2006, p.103).

Nesse contexto temos a criação, em 1607, da Província Jesuítica do Paraguai, administrada pela Companhia de Jesus7, funcionando como uma extensão político-militar do Estado espanhol, que efetivou a posse da região através da atuação dos missionários jesuítas, com o índio reduzido, convertido a fé católica e juridicamente com status de vassalo espanhol. Logo, o papel desempenhado pela Companhia de Jesus foi de vital importância para a posse território.

Através do projeto reducional, os jesuítas incorporariam os índios à lógica ocidental de civilização8. Em conformidade com os interesses da Coroa espanhola, moldando o indivíduo as normas e condutas européias, com o objetivo de salvaguardar aquele espaço beligerante.

A conquista da América e a conseqüente inclusão de novos contingentes humanos as cadeias de relações entrelaçadas requeriam, na concepção das coroas ibéricas, uma atuação de agentes voltados, especificamente, á substituição dos costumes e códigos de pensamento e conduta tidos como inadequados às relações humanas nas redes que a Europa tramava sobre populações indígenas (LANGER, 2005, p.54).

Nesse sentido, “civilizar” pode ser entendido como uma conversão de valores e comportamentos indígenas às práticas ocidentais e “[...] corresponde a um processo de sincronização da conduta humana [...]” (Elias apud LANGER, 2005, p.54).

O processo de civilizar estaria pautado em como o eu vê o outro, criando formas de moldá-lo, separá-lo e distingui-lo. A visão do eu em relação ao outro, ocorre a partir do seu ponto de vista, sendo definido como o correto, mas, não

7

Ordem Religiosa fundada no ano de 1534, por Ignácio de Loyola.

8

A palavra civilização surge no vocabulário francês (civilization) no século XVIII, estando ligada à idéia de progressos coletivos, segundo Cuche: A civilização então é definida como um processo de melhoria das instituições, da legislação, da educação. A civilização é um movimento longe de estar acabado, que é preciso apoiar e que afeta a sociedade como um todo, começando pelo Estado, que deve se liberar de tudo o que é ainda irracional em seu funcionamento. [...]. Se alguns povos estão mais avançados que outros neste movimento, se alguns (a França particularmente) estão tão avançados que já podem ser considerados como “civilizados”, todos os povos, mesmo os mais “selvagens”, têm vocação para entrar no mesmo movimento de civilização, e os mais avançados têm o dever de ajudar os mais atrasados a diminuir esta defasagem (2002, p.22).

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imposto de modo verticalizado, o processo ocorre no plano horizontal, nas interações entre grupos sociais heterogêneos, que criam laços de interdependência entre si (TODOROV, 1999).

Logo, entende-se essas interações como processos cambiantes entre grupos sociais e, ocorrem a partir de relações de mestiçagem de práticas e crenças (GRUZINSKI, 2001). Ao mesmo tempo em que há uma imposição de uma forma de conduta, há também sua constante reformulação e modificação, segundo Gruzinski “[...] a improvisação venceu a norma e o costume” (2001, p. 78). Nesse sentido Todorov, nos traz como é visto o outro nesse processo:

Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo o individuo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: [...]. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, [...], ou desconhecidos, [...], tão estrangeiros que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie (1999, p.03) [grifo do autor].

Com isso pode-se redimensionar o papel das missões jesuíticas9 em relação aos povos nativos. Redimensionar no sentido que para sua efetivação houve concessões por parte dos jesuítas como também dos indígenas. Isso ocorre a partir do momento que se compreendem as relações sociais, como fluídas e imbricadas de interesses de ambos os lados. Segundo Kühn:

Quanto ao funcionamento interno das missões, deve-se lembrar que as instituições políticas básicas foram o cabildo indígena e o cacicado. Essa organização política foi influenciada por duas tendências, uma espanhola e outra guarani [...]. De um lado o cabildo indígena, em que os caciques, que eram membros da elite missioneira, exerciam um papel de comando, sob

9

Missão católica, em seu sentido moderno, consolida-se como modelo através do plano eclesiástico tridentino no século XVI. O mundo da Contra-Reforma foi caracterizado por um grande impulso missionário que surgiu como resposta aos urgentes problemas enfrentados dentro das próprias fronteiras culturais européias: consequentemente, “reconquista” (antes referida ao território hispânico e, agora, ressignificada diante da alarmante subtração de novos territórios europeus em favor da Reforma), “controle” dos territórios (ameaçados pela circulação das ideias reformistas e heréticas) e “missão” foram os termos mais significativamente presentes nas discussões conciliares. Mas a essas expressões estava prestes a juntar-se uma outra realidade que, ao longo do Concilio de Trento, estava batendo a porta: a Conquista das Américas. Essas realidades, em seu conjunto, dominaram a obra e as preocupações das novas ordens religiosas. [...]. Para além das diretrizes conciliares, as forças decisivas para a penetração do cristianismo tridentino entre as populações “idolatras” foram expressadas pelas ordens religiosas, e de forma especial pelos jesuítas . Se, de fato, nas reuniões conciliares, a “extirpação da idolatria” foi entregue aos inquisidores e aos bispos, foi graças aos missionários, atraídos pelo modelo apostólico de pregação, que o cristianismo penetrou em profundidade (AGNOLIN, 2006, p.478).

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coordenação dos padres jesuítas. [...]. O outro lado dessa moeda era formado pelos diversos caciques, que, atraídos pela prática missionária [...] eram os capitães do exercito guarani, membros do cabildo e líderes das tribos guaranis convertidas. Além disso, receberam na frente dos seus nomes, o titulo de Don, o que os transformou numa espécie de nobreza espanhola nativa [...] (2004, p.43) [grifo do autor].

Entendendo o processo de contato entre grupos sociais antagônicos como mestiçagens culturais, podemos notar suas peculiaridades.

No caso das missões jesuíticas fundados na Banda Oriental, Neumann (2004) nos traz uma interessante abordagem sobre as apreensões culturais ocidentais, pelos nativos reduzidos. O autor fala da existência, nas missões, de uma chamada elite missioneira, formada pelos caciques e seus descendentes, que exerciam o papel de intermediários entre a população reduzida e os religiosos.

Ainda, conforme Neumann (2004), essa elite era selecionada pelos padres, que apontavam os mais aptos para atividades especializadas, como a escrita. Tinham livre movimentação por todos os espaços da missão. No entanto nem todos eram letrados. Alguns atuavam como músicos, cabildantes e oficiais mecânicos. Havia enorme respeito por parte dos jesuítas aos corregedores, caciques, capitães e aos componentes dos cabildos das reduções.

Os que possuíam o domínio da escrita, frequentemente, estavam em contato com as autoridades coloniais, tratavam de assuntos como a organização das missões, ações bélicas e de paz. E, frequentemente, indicavam sua patente ou função nos documentos, levando a crer que havia “[...] uma valorização dessa hierarquia pelos índios” (NEUMANN, 2004, p.30).

A aquisição e uso da escrita, numa sociedade ágrafa, despertou novas formas de sociabilidade e de relações de poder. Através da escrita, mesclando formas de pensamento indígena e européia, os indígenas expressaram uma nova forma de pensamento, que já não era indígena nem européia (NEUMANN, 2004). Segundo Neumann:

Esses índios possuíam as condições de fixar acontecimentos através da escrita, expressando um pensamento que não é mais apenas indígena ou europeu, mas fruto da ocidentalização. As adaptações e reapropriações esboçadas pelos índios diante do fascínio do ocidente (escrita, livros e imagens) determinaram a reestruturação do imaginário, deflagrando a mestiçagem cultural (2004, p.30).

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Estudos10 mostram o protagonismo desempenhado pelos povos indígenas na constituição da sociedade colonial, demonstrando sua importância na definição das fronteiras ibéricas.

É a partir do início da década de 70 do século XX, sob influência da terceira geração da escola dos Analles11, que se tem uma gradativa mudança dos enfoques historiográficos, bem como uma nova percepção sobre os objetos de estudo. Como coloca Burke (1992) o policentrismo prevaleceu:

Esta geração, por outro lado, é mais aberta a idéias vindas do exterior. Muitos dos seus membros viveram um ano ou mais nos Estados Unidos, em Princeton, Ithaca, Madison ou San Diego. Diferentemente de Braudel, falam e escrevem em inglês. Por diferentes caminhos, tentaram fazer uma síntese entre a tradição dos Annales e as tendências intelectuais americanas-como a psico-história, a nova história econômica, a história da cultura popular, antropologia simbólica, etc. (1992, p.80) [grifo do autor].

Se num primeiro momento os enfoques voltados para os grandes homens e acontecimentos eram os principais atributos da escrita histórica, as rupturas ocasionadas por Marc Bloch e Lucien Fevbre, abriam precedentes imensuráveis no ofício do historiador. As mudanças nos objetos e nos enfoques de pesquisa, a partir dos Annales, ampliaram-se de maneira desmedida. O enfoque dos grandes feitos e homens foram sendo deixados de lado e, o aspecto social foi colocado no primeiro item da pauta (BURKE, 1992). Como coloca Bloch (2001, p.54), “são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas [...] um serviçal da erudição”.

Essa aproximação com outros campos do conhecimento propiciou o estudo sobre atores sociais relegados ao ostracismo e tidos muitas vezes como agentes passivos ao longo da história, sendo o caso dos povos indígenas brasileiros.

O atual estado do Rio Grande do Sul possuiu atuação jesuítica desde começo do século XVII. As primeiras reduções fundadas pelos padres jesuítas

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Dentre os muitos estudos destacam-se alguns: (ALMEIDA, 2010; CARNEIRO, 1992; GARCIA, 2007; LANGER, 2005; MELO 2011; MONTEIRO, 1994; NEUMANN, 2004).

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Segundo Burke: [...] foi fundada para promover uma nova espécie de história [...] Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema. Em segundo lugar, a história de todas as atividades humanas e não apenas história política. Em terceiro lugar, visando completar os dois primeiros objetivos, a colaboração com outras disciplinas [...] Em sua primeira fase, de 1920 a 1945, caracterizou-se por ser pequeno, radical e subversivo, conduzindo uma guerra de guerrilhas contra a história tradicional [...] Depois da segunda guerra mundial [...] segunda fase do movimento, que mais se aproxima verdadeiramente de uma escola, com conceitos diferentes [...] e novos métodos [...] [...] uma terceira fase inicia por volta de 1968. É profundamente marcada pela fragmentação (1992, p.12).

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nessa região, compreendiam a região denominada Tape, atual região central do Rio Grande do Sul, vales fluviais dos rios Jacuí, Ibicuí e Taquari, terras ao oriente do Rio Uruguai (SANTOS, 2006).

Essas reduções acabaram por serem destruídas, devido às incursões dos bandeirantes paulistas, para a presa dos índios reduzidos.

Uma vez completamente destruída a população guarani do Guairá, os paulistas voltaram sua atenção novamente para os Guarani do Sul. Passaram então a atacar as missões de Tape e Uruguai, situadas no atual território do Rio Grande do Sul (MONTEIRO, 1994, p.75).

No entanto, deve-se compreender essa investida paulista nas reduções não como aquisição de uma mão de obra já disciplinada para o trabalho, através da catequese jesuítica, mas, também, pelo fato de a maioria desses nativos reduzidos serem guaranis. “Na verdade, os portugueses interessavam-se pelos Guarani desde a primeira metade do século XVI justamente pelas notícias que tinham da agricultura praticada por este povo” (MONTEIRO, 1994, p.70).

Com os constantes ataques paulistas às reduções, os padres jesuítas acabaram migrando, juntamente com os índios, para o lado ocidental do Rio Uruguai, deixando nessa região o gado e suas estâncias. Formando o que se denominou Vacaria del Mar, manadas de gado xucro que proliferaram no local, sendo um dos fatores de incitação da cobiça lusitana sobre a região, a partir do século XVIII.

Contudo, essa migração não pode ser entendida como um arrefecimento da atuação jesuítica. Sendo que foi a partir dos ataques portugueses às reduções, que o espírito cruzadista tomou conta do projeto jesuítico. “Para muitos jesuítas e índios reduzidos, a guerra contra o bandeirante representava uma cruzada do fiel católico contra o infiel” (SANTOS, 2006, p.112). Além disso, os jesuítas fizeram forte campanha em defesa das reduções, relatando suas dificuldades ao Governador do Brasil, ao Rei de Espanha e ao próprio Papa (MONTEIRO, 1994).

Através de uma política armamentista, para proteção do território, implementada na redução com a chancela do Estado Espanhol, os indígenas reduzidos foram convertidos em soldados do império, tornando-se os guardiões das fronteiras beligerantes (SANTOS, 2006).

Nesse contexto, a redução jesuítica tornou-se um posto avançado de defesa do território espanhol na região. Nesse sentido, dois acontecimentos ajudaram na

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solidificação da atuação jesuítica, como posto de defesa dos interesses espanhóis na região. Em 1637, uma bandeira comandada por portugueses, dirigida à região do Tape, com o objetivo de apresar indígenas, é surpreendida por uma milícia nativa armada, que acaba entrando em confronto com os bandeirantes paulistas, sendo que alguns são capturados. Em 1641, outra bandeira é enviada a região a fim de libertar os prisioneiros, nos embates entre bandeirantes e índios acabou ocorrendo à vitória da milícia indígena (KÜHN, 2004).

Essa vitória denominada batalha do M’bororé, marcou uma nova fase do processo histórico missioneiro, demonstrando a capacidade de defesa da população reduzida (SANTOS, 2006).

O resultado dessa nova postura se refletiu na batalha de Mbororé (1641), na qual os paulistas foram derrotados pelos índios. Após um feroz confronto, os bandeirantes tiveram de bater em retirada, para depois serem aniquilados pela fome e pelas doenças. Como afirmou o historiador John Monteiro “o desastre de Mbororé marcou o fim de uma época” (KÜHN, 2004, p.42) [grifo do autor].

Foi a partir desse revés lusitano, que a atuação jesuítica sedimentou seu aspecto bélico. Podemos analisar esse evento a partir do papel desempenhado pelas missões, no sentido que garantiam as fronteiras geopolíticas daquele espaço, consolidando o Estado espanhol numa região em constante conflito. Além disso, a Coroa espanhola, juntamente com a Companhia de Jesus, com o fornecimento de armamento e a organização das milícias indígenas, conseguiu garantir a formação de um exército guarani, elemento armado, garantidor de suas fronteiras e por ventura as avançando quando necessário (SANTOS, 2006).

O índio reduzido, além de soldado, passou a ser utilizado como mão de obra em praticamente todas as atividades públicas na região do Rio da Prata, como por exemplo, a execução de obras nas cidades coloniais espanholas e, em atividades de transporte e construção naval. De acordo com Kühn:

Os índios missioneiros foram utilizados pelos governantes castelhanos principalmente em três atividades: em primeiro lugar, se destacavam as milícias missioneiras, utilizadas no combate aos índios infiéis, mas também contras os portugueses estabelecidos no Rio da Prata. Uma segunda ocupação importante era a execução de obras públicas nas cidades espanholas, como Buenos Aires e Montevidéu; eram empregados na construção de prédios, fortificações militares e outras instalações, visando assegurar a defesa desses núcleos urbanos. Finalmente também eram utilizados nas atividades de transporte e construção naval; não somente trabalharam nas embarcações que navegavam pelos rios da região, como

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foram alguns dos mais hábeis carpinteiros e calafates empregados na construção e no reparo das embarcações (2004, p. 42).

A institucionalização da missão, como projeto colonial, ocorreu a partir do momento que a coroa espanhola abarcou as terras dos índios e os integrou na sociedade colonial platina, através do projeto reducional jesuítico, consolidando sua ação no espaço territorial, político e econômico da região do Rio da Prata. A terra indígena foi transformada em território do império colonial e os índios reduzidos em súditos da Coroa espanhola (SANTOS, 2006).

No final do século XVIII, essa região já possuía grande importância econômica e Portugal expandia12 cada vez mais seu território. Logo, com o estabelecimento da colônia do Sacramento desde 1680, o império português já conhecia bem as potencialidades econômicas dessa região, que além das manadas de gado que possuía, havia também a questão comercial na bacia do Rio da Prata.

Em contrapartida a essa investida portuguesa, o Reino espanhol a partir do final do século XVII, estimulou os missionários da Companhia de Jesus a refundarem as reduções na margem oriental do Rio Uruguai, os chamados Sete Povos das Missões13.

Com a investida portuguesa em direção ao rio da Prata no final do século XVII, concretizada na fundação da Colônia de Sacramento (1680), iniciava uma nova fase de ocupação dessas terras orientais pelos guaranis missioneiros, determinando a reinstalação de reduções na margem oriental do rio Uruguai (NEUMANN, 2004, p.26).

Os Sete Povos encontravam-se em uma zona limítrofe entre as duas coroas. A constante movimentação portuguesa na região, ocasionada pela fundação da colônia do Sacramento, gerava inúmeros atritos entre a população reduzida e os portugueses. Os recorrentes saques e roubos de gado, empreendidos pelos portugueses às estâncias missioneiras, obrigavam os índios a periódicas vigias, contribuindo para formação de uma identidade em oposição aos lusitanos (NEUMANN, 2004). Segundo Ramos (1995), limites territoriais não são estranhos aos povos indígenas, é comum o conhecimento dos territórios de caça, coleta ou pesca entre um determinado grupo ou sociedades vizinhas. “O que existe, [...], é um

12

Ver BANDEIRA, Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos estados na Bacia do Prata: da colonização à guerra da tríplice aliança. Brasília: Editora da Universidade, 1995.

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Compreende as Missões jesuítas fundadas no atual território do Rio Grande do Sul: São Francisco de Borja, São Nicolau, Santo Ângelo, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São João Batista e São Lourenço.

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consenso partilhado por comunidades vizinhas de que é eticamente incorreto utilizar os recursos de outra comunidade sem consultá-la ou informá-la” (RAMOS, 1995, p. 15).

No entanto, a partir do final do século XVII e início do XVIII, as relações sócio-políticas, entre Igreja e Estado começariam a se deteriorar. Isso ocorreu pela influência do Iluminismo14, sistema de idéias heterogêneas que colocava como elemento central da existência humana a racionalidade, se contrapondo ao pensamento religioso, fundamentado em que Deus era o responsável por todos os acontecimentos da vida humana.

Até o século XVII era o chamado padroado régio15 que vigorava, no qual Igreja e Estado funcionavam basicamente como um mesmo corpo jurídico. É a partir dessa união que podemos compreender a formação e manutenção das reduções como elemento institucional na região do Rio da Prata, por mais de um século.

Tendo como base o ideal iluminista, teve-se na Europa várias reformas políticas e econômicas que buscaram se adequar a essa corrente de pensamento.

No caso das coroas ibéricas, do lado espanhol houve as chamadas Reformas Bourbônicas16 e, do lado português as, Reformas Pombalinas17, modificando profundamente as relações entre Estado e Igreja.

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O movimento mental das “luzes” repousa no pressuposto do avanço constante, historicamente necessário, de uma racionalidade que pouco a pouco “ilumina” as sombras do erro e da ignorância. A razão iluminista apresenta-se aos seus adeptos como um instrumento crítico que se dirige a cada indivíduo naquilo que possui de mais íntimo e essencial – sua consciência racional de ser humano. Mais que convencer ou persuadir, os argumentos racionais, trata-se de trazer a tona, em cada um, essa capacidade ou essência racional comum a todos: pensar por si mesmo, “sair da menoridade para a maioridade”, tal é a palavra de ordem (FALCON, 1991, p.37).

15

Regime instaurado por uma série de decretos papais promulgados entre 1456 e 1551, que davam ao grão mestre da ordem de Cristo (em seguida incorporada à Coroa) jurisdição espiritual sobre os territórios descobertos ou ainda a descobrir por Portugal. O rei era assim patrono das missões católicas na Ásia, na África e no Brasil. Através dele, o monarca tinha autoridade sobre todos os postos, cargos, benefícios e funções eclesiásticas nos territórios ultramarinos, além de recolher o dízimo e nomear seus prelados [...]. Contudo, esse conjunto de direitos e privilégios implicava também deveres: o rei deveria divulgar proteger e manter o catolicismo e suas instituições nos seus domínios. Assim, as conquistas portuguesas se fizeram sempre por meio de uma união indissolúvel entre a cruz e a Coroa. [...]. Esse sistema também existiu na América espanhola com o nome de patronazgo (FEILTER, 2006, p.481) [grifo do autor].

16

No século XVIII, sob a nova dinastia dos Bourbons, foram realizadas reformas administrativas e econômicas com o objetivo de aumentar as rendas reais. [...]. [...] o objetivo era organizar um aparelho estatal mais controlado pela Coroa (WASSERMAN, 2000, p.93).

17

[...] compreendo ainda o Pombalismo como uma primeira representação das ideias iluministas em Portugal, colocadas em prática por uma equipe, cujo maior expoente era Pombal, que visava, antes de mais nada, o reforço do poder do Estado, através de um processo de secularização do mesmo, promovendo o que parecesse útil a esse Estado (CARDOSO, 1999, p.37).

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Paulatinamente, as reduções foram perdendo espaço como instituição. As reformas advindas do Iluminismo reduziram drasticamente a influência da Igreja no controle político das coroas européias.

Em 1750, com o Tratado de Madri, com posteriores guerras, com a expulsão dos jesuítas e com a troca dos Setes Povos pela Colônia do Sacramento, as reduções já eram instituições obsoletas, o tempo já era outro.

No Brasil e em Portugal, as reformas Pombalinas foram implementadas para “modernizar” a Coroa portuguesa. Cardoso (1999), afirma que a política econômica implantada por Sebastião José de Carvalho e Melo, assumiu um caráter nacionalista, ou melhor, estatal, ampliando a atuação da Coroa em setores antes incipientes. Para promover essa modernização, o Estado português deveria estender essas reformas às mais variadas frentes, o que acabou entrando em choque com o poder eclesiástico, mais especificamente com o jesuitismo.

Diante dos pressupostos apresentados, foi feito um breve levantamento da política indigenista formulada pela Coroa portuguesa para a colônia brasileira, até a metade do século XVIII, mostrando suas modificações até a implementação do Diretório de 1757, por Sebastião José de Carvalho e Melo.

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2. POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL COLÔNIA

No Brasil desde o início de sua colonização, no século XVI, as políticas estatais referentes aos povos indígenas, foram extremamente contraditórias.

Se, num primeiro momento da colonização, se queria mão de obra escrava para a empresa colonial, num segundo o aspecto colonizador tomou conta do projeto, introduzindo novas atitudes em relação aos povos nativos. Nesse sentido, o aspecto jurídico destinado aos indígenas mudava constantemente, ora eram instituídas Leis que favoreciam sua liberdade, ora Leis que a cerceavam.

Devemos salientar a importância da Igreja nesse processo. A união entre Estado e Igreja foi parte integrante do escopo sócio-político das coroas européias até a metade do século XVIII, e, em virtude dessa relação, o Estado valia-se da Igreja como instrumento para a aplicação de sua política indigenista.

Dentro do projeto colonial, a dilatação do império e a da fé caminham geralmente juntas. O projeto exige, por vezes, que a ênfase recaia sobre a dilatação do império, apoiando-se o Estado mais de perto nos interesses mercantis e protegendo os colonos em desfavor dos índios. O projeto pede, outras vezes, que a ênfase se desloque para a dilatação da fé, voltando-se o Estado mais para os missionários e protegendo os índios contra a ganância de mercadores e colonos. Neste sentido alternam-se leis de escravidão e leis de liberdade de índios, administração civil e administração religiosa das aldeias, onde o temporal e o espiritual das mesmas ficam sob a jurisdição dos padres. Alternam-se ainda convites insistentes para que religiosos assumam a formação e administração das aldeias indígenas e perseguição violenta seguida de expulsão das mesmas aldeias com a proibição de se meterem em “negócios” de índios (BEOZZO, 1983, p.11).

A contradição prevaleceu em relação à política indigenista colonial, alimentada pela disputa entre colonos e jesuítas pela mão de obra indígena. Segundo Almeida, “O que, em verdade, estamos visualizando são graduações de um processo de aniquilamento da soberania do vencido dentro de uma lógica em que seu conquistador tem um propósito de preservá-lo fisicamente” (1997, p.29).

Nisso, a questão indígena sempre foi um assunto de Estado, no sentido que não se queria seu extermínio, mas, sua incorporação ao processo de colonização. As formas de como iriam inserir esse elemento na lógica colonial foram modificando-se e adequando-modificando-se a interesmodificando-ses estatais (ALMEIDA, 1997).

O enunciado é simples. Missionários de ordens regulares, párocos, procuradores-gerais, procuradores de aldeias, tesoureiros, clérigos,

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diretores de aldeias, diretores-gerais, inspetores, chefes de postos, sertanistas, enfim todas estas representações tutelares, só estiveram à frente de trabalhos de atração, civilização catequese e assistência aos índios mediante concessão do Estado. As prioridades e as exclusividades dadas a uma e outra destas representações tutelares e o trabalho em conjunto ou desenvolvido apenas pelo Estado é que deram tonalidades diferentes a história da tutela como instituição (ALMEIDA, 1997, p. 36).

A legislação referente à atuação do Estado português em relação aos povos nativos modificava-se constantemente, seguindo as necessidades da Coroa. Na colônia seguiam-se as leis da metrópole, sendo acrescidas legislação específica para assuntos locais, sendo o principal documento legal os Regimentos dos governadores gerais (MOISÉS, 1992). “Auxiliado pelo seu corpo consultivo18 sobre questões colônias, o Rei assinava Cartas Régias, Leis, Alvarás em forma de Lei e Provisões régias” (MOISÉS, 1992, p.116).

“Na colônia, os governadores emitiam Decretos, Alvarás e Bandos, aplicando a legislação emitida pela Coroa” (MOISÉS, 1992, p.116). Quando de solução específica de uma causa na colônia, exigindo conhecimento local que a Coroa não dispunha, o monarca autorizava a formação de Juntas, as decisões deveriam ser enviadas ao Rei para sua apreciação ou não (MOISÉS, 1992).

Nisso no período colonial, a política indigenista formulada pela Coroa legislou sobre quem controlaria a mão de obra indígena e podemos dividi-la em dois períodos. No primeiro período, de 1500 a 1755, a Coroa confiou aos cuidados dos missionários religiosos a administração dos indígenas. Já, num segundo momento, de 1755 a 1798, devido às transformações sócio-políticas que estavam ocorrendo na Coroa, houve o predomínio da administração civil sobre os povos indígenas (BEOZZO, 1983).

2.1 A ATUAÇÃO MISSIONÁRIA

No período de 1500 a 1755, a legislação indígena formulada confiou aos missionários religiosos o controle e a administração dos índios. “Enquanto o colono enxerga no índio apenas mão de obra que pode ser colocada a seu serviço, o missionário vê o índio sob o prisma da conquista espiritual” (BEOZZO, 1983, p. 20).

18

O primeiro desses conselhos foi a Mesa de Consciência e Ordens (1532), seguido do Conselho da Índia (1603) e Conselho Ultramarino (1643). Emitiam pareceres que costumavam ser validados pelo Rei, passando a ter valor legal (MOISÉS, 1992).

(21)

A legislação era formulada a partir dos relatos dos missionários, pequeno grupo social que sabia ler e escrever (ALMEIDA, 1997).

A primeira Lei, considerada uma das mais antigas, é a de 26 de julho de 159619 que assegurava a liberdade dos índios, atribuindo sua tutoria aos padres jesuítas (ALMEIDA, 1997). Segundo Almeida (1997), essa lei não tratava simplesmente de uma questão de tutela por parte dos missionários jesuítas sobre os povos indígenas, mas, da definição de um representante civilizado para exercer uma função de gerência sobre os índios. Aos missionários cabia dirigir os descimentos20 e fiscalizar a repartição da mão de obra indígena entre Estado, colonos e eles próprios.

Com a Provisão de 160521, tornou-se mais restritiva a escravização dos índios. Culminando com a Lei de 30 de julho de 160922, favorecendo a liberdade dos indígenas, confiando seus cuidados exclusivamente aos missionários jesuítas.

No entanto, em virtude das inúmeras queixas por parte dos colonos à Coroa portuguesa, pela falta de mão de obra para as atividades coloniais, em 1611 foi publicada Lei dispensando os jesuítas do serviço de aldear os índios,

[...] devendo-se na aldeia erguer-se uma Igreja e servir um Vigário e para cada uma delas ser nomeado um capitão para sua direção. Reconhece-se como lícito o cativeiro não só dos índios tomados em guerra justa, mas também dos resgatados quando cativos de outros índios (BEOZZO, 1983, p.18).

Pode-se compreender essa demanda por mão de obra indígena, em virtude de dois aspectos. Primeiro, o crescimento da economia açucareira no final do século

19

Provisão de 26 de julho de 1596 - A provisão aconselha o descimento dos índios para aldeias vizinhas às povoações de naturais do Reino; declara livres todos os índios e os confia aos cuidados dos Padres da Companhia de Jesus . [...] (Leite apud BEOZZO, 1983, p.99).

20

Constantes e incentivados ao longo da colonização (desde o Regimento de Tomé de Souza de 1547 até o Diretório Pombalino de 1757), os descimentos são concebidos como deslocamentos de povos inteiros para novas aldeias próximas aos estabelecimentos portugueses. Devem resultar da persuasão exercida por tropas de descimento lideradas ou acompanhadas por um missionário, sem qualquer tipo de violência. Trata-se de convencer os índios do “sertão” de que é de seu interesse aldear-se junto aos portugueses, para sua própria proteção e bem-estar (MOISÉS, 1992, p. 118).

21

Provisão de 05 de junho de 1605 – Provisão de Filipe III, por conveniência do serviço de Deus e o seu, declarando os índios inteiramente livres, para que em nenhum caso pudessem ser cativados (Freitas apud BEOZZO, 1983, p. 94).

22

Lei de 30 de julho de 1609 – Lei declarando e determinando: que ficavam livres todos os índios do Brasil, sem distinção entre batizados e não-batizados que vivessem ainda como gentios; que não eram obrigados nem podiam ser constrangidos a serviço algum contra sua vontade; que os que deles se servissem os pagariam como qualquer pessoa livre; que os padres jesuítas ficassem como seus curadores; que os capitães e donatários não tivessem sobre eles mais senhorio que sobre outras pessoas livres; que fossem postos em liberdade todos os índios antes cativados (Freitas apud BEOZZO, 1983, p. 94).

(22)

XVI, nas capitanias de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, ocasionou o surgimento de zonas de abastecimento de gêneros alimentícios, circunvizinhas a essas lavouras. Segundo, devido ao crescimento da população escrava e livre em portos marítimos e nos engenhos, houve sérios problemas de abastecimento de gêneros alimentícios nesses locais (MONTEIRO, 1994).

Como resposta, agricultores paulistas, juntos aos do Sul da Bahia, Espírito Santo [...], Maranhão, passaram a orientar suas atividades para este incipiente circuito comercial intercapitanias. [...] a partir da última década do século XVI, surtiram o efeito de estimular a produção para o mercado, intensificando, ao mesmo tempo, o recrutamento de mão-de-obra indígena. [...]. De modo geral, tanto os colonos quanto as autoridades portuguesas reconheciam a relação intima entre o trabalho indígena e a produção de um excedente que, mesmo não orientado para o mercado, poderia ao menos sustentar uma classe produtiva de colonos, funcionários públicos e eclesiásticos (MONTEIRO, 1994, p.100).

Contudo, a pressão dos missionários jesuítas sobre as autoridades coloniais e metropolitanas, fez com que em 1639 o Papa Urbano VIII publique para o Brasil a Bula de Urbano23 VIII. Com a publicação da Bula pelo Papa Urbano VIII, os ânimos entre colonos e missionários acirraram-se. No Rio de Janeiro, as atividades dos jesuítas foram restringidas e, em São Paulo, no ano de 1640, houve a expulsão dos missionários, da cidade por eles fundada (BEOZZO, 1983).

Entretanto, a linha mestra seguida por Portugal até o Diretório de 1757, em relação à atuação estatal sobre os povos nativos, foi a manutenção da administração dos índios pelos missionários religiosos. Como exemplificação destaca-se um trecho de uma das cartas do Padre Antônio Vieira, datada de 6 de abril de 1654:

Mas qualquer que seja a religião a que vossa majestade encomendar a conversão deste estado, se ela e os índios não estiverem independentes dos que governarem, vossa majestade pode estar mui certo que nunca a conversão irá por diante nem nela se farão os empregos que a grandeza da conquista promete, porque estas terras [...] [...] são brenhas sem caminho, cheias de mil perigos, e rios de dificultosíssima navegação, pelos quais os missionários não hão de ir nadando, senão em canoas, e essas muitas e bem armadas, por causa dos bárbaros e estas canoas, e os mantimentos para elas, e os remeiros, e os guias, e os principais defensores tudo são índios, e tudo é dos índios; e se os índios andarem divertidos [ entretidos]

23

Bula de Urbano VIII-22 de abril de 1639 – Reitera o Breve de Paulo III “Sublimis Deus”, de 1537, visando remover os obstáculos que se levantaram a evangelização e conversão dos gentios. Entre estes, figurava, em primeiro lugar, o cativeiro dos gentios e o seqüestro de seus bens. Proíbe, sob pena de excomunhão, reservada ao Papa, o cativeiro dos índios do Brasil (Leite apud BEOZZO, 1983, p.102).

(23)

nos interesses dos governadores, e não dependerem somente dos religiosos nem eles os terão para as ditas missões, nem estão doutrinados como convém para elas nem lhes obedecerão nem lhes serão fieis, se nem fará nada (Vieira apud ALMEIDA, 1997, p.39).

Tendo como base os pressupostos mencionados acima pelo Padre Antônio Vieira foi formulado os Regimentos de 1680 e 1686. O primeiro reproduz quase fielmente as recomendações de Vieira, sendo os índios liberados da escravidão, inclusive os prisioneiros de guerra. Exclusividade nas missões dos trabalhos jesuíticos e, substituição do administrador civil ou militar por um chefe indígena. Procurou introduzir escravos negros no trabalho, e dividiu o trabalho indígena em três partes: serviços na aldeia; para servir aos moradores e acompanhar os missionários nas missões (CARDOSO, 1999).

Já, o Regimento de 1686, procurou atender ao mesmo tempo interesses conflitantes dos colonos e jesuítas, em virtude das revoltas dos colonos provocadas pelo Regimento de 1680. A legislação de 1680 aumentou consideravelmente o poder político e temporal das aldeias sob administração jesuíta, devido à repartição da mão de obra indígena ficar a cargo exclusivamente dos religiosos (CARDOSO, 1999).

Para amenizar a situação o Regimento de 1686, regulamenta que “os moradores passam a ter voz por meio de duas pessoas eleitas pela Câmara [...]” (ALMEIDA, 1997, p.42), conjuntamente com o Governador ou Capitão-mor, o superior das missões e dos párocos das aldeias, passam a decidir sobre a repartição dos índios (ALMEIDA, 1997).

As aldeias devem ainda fornecer índias farinheiras e amas de leite para os brancos. Os jesuítas têm obrigação de cuidar do aumento da população das aldeias e de recorrer aos descimentos para remediar a escassez de mão-de-obra (Leite apud BEOZZO, 1983, p.112).

Nota-se que a legislação, com suas idas e vindas, relegou a administração dos índios aos missionários jesuítas. De fato a Coroa portuguesa via o jesuíta como um informante, relatando a situação colonial em torno dos embates sociais envolvendo a disputa, guerra e escravização dos índios pelos colonos.

(24)

Em virtude do predomínio missionário sobre a administração indígena, as ordens religiosas, sobretudo os jesuítas, detiveram certo monopólio sobre a mão de obra nativa, principalmente na região da Amazônia, onde a base da força de trabalho correspondia a esse grupo.

Entretanto, a partir do século XVIII, tem-se uma modificação desse quadro. Desde o reinado de Dom João V24, havia preocupação da Corte portuguesa com os desígnios do Reino, principalmente em relação a sua participação no sistema internacional. Logo, o centro das discussões na Corte sobre este problema era de como conservar e explorar os bens ultramarinos que Portugal controlava na Ásia, África e América (CARDOSO, 1999).

A economia portuguesa era excessivamente dependente em relação à Grã-Bretanha, fato esse agravado com o Tratado de Methuen, datado de 1703, que estabelecia o fornecimento de vinhos portugueses para a Inglaterra que, por sua vez, exportaria para Portugal produtos manufaturados.

Na metade do século XVIII, a crise econômica já se avolumava na Coroa, devido aos privilégios que desfrutavam os comerciantes ingleses em Portugal. Gradativamente o comércio externo português foi sendo absorvido pelos ingleses. Nesse contexto, assume a Coroa Dom José I25.

Na tentativa de mudar esse cenário, são aplicadas em Portugal as chamadas Reformas Pombalinas, comandadas por Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal), secretário de Estado do Reino. Essas reformas possuíram forte influência do Iluminismo, num contexto de Despotismo Esclarecido (Absolutismo ilustrado) 26 como forma de governo. Existindo, portanto, uma distinção entre o interesse do Rei e os interesses do Estado (CARDOSO, 1999).

As Reformas Pombalinas foram uma série de medidas governamentais aplicadas no sentido de modificar aspectos culturais, políticos e econômicos da sociedade lusa, a fim de “modernizar” o Estado português.

24

Reinado de 1° de janeiro de 1707 a 31 de julho de 1750.

25

Reinado de 31 de julho de 1750 a 24 de fevereiro de 1777.

26

: No Absolutismo Ilustrado a principal mudança no campo da teoria política do absolutismo clássico consiste na redefinição da natureza do poder do príncipe, ficando intacto o Estado em si. Trata-se de modificar os métodos e objetivos da ação do Estado através de ampliação da esfera da governabilidade, a qual se expressa, a nível ideológico, pela afirmação de que o príncipe é apenas “o primeiro servidor do Estado”, algo bem diverso, portanto, daquela afirmação geralmente atribuída a Luis XIV: L’Etat c’est moi”. Agora o Estado não existe apenas para o príncipe; ele existe, sim, para atender as necessidades, aspirações e interesses de todos os súditos, ideal esse que se traduz através da felicidade pública (FALCON, 1986, p.14).

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No campo econômico, o principal atributo da política Pombalina, foi à centralização dos assuntos fiscais, através da implementação do Erário Régio27 em 1761, e na colônia teremos a criação das Companhias de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e, Pernambuco e Paraíba em 1755, sob o domínio de comerciantes portugueses independentes (CARDOSO, 1999).

Contudo, era necessário estender essas reformas às mais variadas frentes para que houvesse o pleno domínio secular sobre o Estado, o que acabou entrando em choque com as ordens religiosas, sobretudo a jesuítica. “Para Carvalho e Melo era necessário não uma ruptura com a Igreja, mas uma subordinação desta aos ideais de um Estado secular’’ (CARDOSO, 1999, p.53).

De fato, os missionários desviaram-se da função de guias espirituais dos povos indígenas, as aldeias por eles administradas, tornaram-se verdadeiras empresas mercantis. Francisco Xavier Mendonça Furtado, irmão do Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, e Governador do Estado do Maranhão e Grão-Pará, no período de 1751 a 1759, em carta de 21 de novembro de 1751 relata que:

[...] praticamente, todo comércio havia escorregado para as mãos dos religiosos, pela facilidade que tinham de obter sejam os lavradores para as lavouras, sejam os remeiros para as canoas que adentravam a mata na coleta das drogas do sertão, seja ainda pela capacidade de arruinar os concorrentes, pois, estando isentos dos dízimos e de vários direitos alfandegários, chegavam a ter lucros 80% superiores aos demais comerciantes (Mendonça apud BEOZZO, 1983, p. 52).

Ainda, “o poder econômico e administrativo dos religiosos constituía por assim dizer, um Estado dentro do Estado” (Fragoso apud BEOZZO, 1983, p.52).

Nesse contexto, é consolidada na colônia uma nova forma de atuação estatal sobre os povos indígenas, tendo por base a secularização do Estado. O Estado tomou as rédeas do processo através de uma política assimilacionista, ou seja, de integração desses povos com uma administração civil (ALMEIDA, 2010).

27

O Erário Régio, criado no reinado de D. José I, por carta de Lei de 22 de Dezembro de 1761, após a extinção da Casa dos Contos do Reino e Casa simboliza o regime de centralização absoluta: todas as rendas da Coroa ali davam entrada e dela saiam os fundos para todas as despesas. Tentava-se, assim, evitar a dispersão existente das cobranças e despesas que tornava impossível uma gestão completa e sistemática das contas públicas. Com efeito, a fiscalização exercida, até aqui, sobre as rendas do Estado era pouco eficaz permitindo a fuga ao pagamento de impostos e o enriquecimento por parte de alguns oficiais do fisco. ERÁRIO RÉGIO (1761-1832). Erário Régio ou Tesouro Real. Disponível em: <http://www.tcontas.pt/pt/apresenta/historia/tc1761-1832.shtm>. Acesso em: 10 junh.2013.

(26)

Seu objetivo era transformar as aldeias em vilas e lugares portugueses, e os índios aldeados em vassalos do Rei, sem distinção alguma em relação aos demais. A nova legislação foi aplicada de diferentes formas, conforme as especificidades locais e as características dos grupos indígenas para as quais dirigiam [...] [...] em áreas de colonização mais antiga, a proposta era extinguir as aldeias, acabando com a distinção entre índios e não índios (ALMEIDA, 2010, p.108).

Têm-se como principais legislações advindas dessa política a libertação dos indígenas pelo Alvará de 6 de junho de 1755, abolição do poder temporal dos missionários através do Alvará de 7 de junho de 1755, secularização das aldeias através da figura do administrador com o Diretório de 1757 e por fim a expulsão dos jesuítas de Portugal no ano de1759 (CARDOSO, 1999).

A partir desse cenário, no que tange a política indigenista aplicada na colônia, a principal legislação que norteou essa política foi o chamado Diretório Pombalino de 1757, que vigorou até o final do século XVIII. Segundo Almeida:

Aplicado, primeiro, ao governo das povoações indígenas do norte e, depois, recomendado como expressão única do comportamento do colonizador em relação aos índios do Brasil, o Diretório foi lei geral até sua extinção pela Carta Régia de 12 de maio de 1798 (1997, p.152).

O século XVIII, no Brasil, foi marcado pela expansão territorial. Nesse ambiente, foi formulado o Diretório de 1757. Almeida (1997) relata que o documento, começa a ser escrito a partir de instruções de Sebastião José de Carvalho e Melo a seu irmão Mendonça Furtado, Governador do Grão-Pará, com o intuito de garantir as posses territoriais portuguesas nas fronteiras estabelecidas com o Reino espanhol, em virtude da assinatura do Tratado de Madri no ano de 1750.

De acordo com Rocha:

No norte, as Partidas espanhola e portuguesa deveriam se encontrar no aldeamento de Mariuá [...]. No que se refere ao sul da América Portuguesa/Espanhola, os termos do Tratado de 1750 garantiriam à Coroa lusitana a posse de Sete povos das Missões [...] pertencente a Espanha [...] os lusitanos cederiam a Colônia do Sacramento. No norte [também no sul], o principio do utis possidetis (a terra pertence a quem ocupa) e os limites naturais (rios e canais), [...] assegurariam aos portugueses grande porção da Amazônia (2009, p. 19).

Segundo Almeida (2010), o Diretório manteve a maioria das formulações das legislações anteriores, sobretudo do Regimento das Missões de 1686. Destaca que entre as continuidades estavam: divisão dos índios entre mansos e selvagens,

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obrigação do trabalho compulsório entre os índios aldeados, a sua administração ficaria a cargo de diretores (antes dos missionários) e garantia das terras das aldeias para os índios.

Entretanto, Almeida (2010) coloca como a maior distinção em relação às outras legislações, o fato dessa lei ter um caráter de integração dos índios à sociedade colonial, diferenças entre índios e colonos não mais deveriam existir.

[...] algumas medidas foram inovadoras: a proibição dos costumes indígenas nas aldeias, incluindo a imposição do português que deveria substituir a língua geral, o forte incentivo à miscigenação e o fim da discriminação legal contra os índios, que deixavam de estar sujeitos a limitações impostas pelos estatutos de limpeza de sangue (ALMEIDA, 2010, p. 110).

O Diretório se divide em 95 parágrafos. Ao longo de seus parágrafos nos deparamos com críticas ao modelo missional precedente e também com as novas atribuições que deverão ser seguidas pelos aldeamentos a partir daquele momento. Destaca-se algumas passagens: introdução do idioma do diretor, pois segundo o Diretório era a melhor forma de tirar povos rústicos da barbárie; política agrícola que além de fomentar a cultura do trabalho no nativo, ajudaria para o estabelecimento do Estado e política fiscal, os nativos sendo equiparados aos brancos em sua condição social e jurídica, de agora em diante deveriam pagar impostos (BEOZZO, 1983).

Nesse sentido, ressalta-se como era percebido o elemento indígena aos olhos dos religiosos e iluministas do século XVIII. Primeiramente, havia um ponto de congruência entre o pensamento dos religiosos e o homem do século XVIII em relação aos povos nativos. Ambos os viam como um “selvagem”, preceito esse referendado pela legislação que sempre impunha a necessidade de um administrador para esses povos, o elemento “civilizado” não poderia estar fora do processo. Os jesuítas acreditavam que o índio, antes da conversão ao cristianismo, era um “mau”28 selvagem, no sentido de que como não tinham religião, só a cristandade seria boa. O projeto jesuítico foi formulado numa perspectiva teológica, ou seja, a integração do índio ao mundo colonial só seria possível se esse se

28

Segundo Woortmann apud CARDOSO: A própria concepção de selvagem ou bárbaro advém da Grécia Antiga e do mundo Romano Antigo. Na tradição hebraica encontram-se formulações a respeito de selvagem. Supõe-se, inclusive que o atributo mau ao selvagem, incorporado pelo pensamento cristão no período medieval, procede dessa tradição em que o selvagem opõe-se ao bem aventurado, enquanto este prospera e faz as coisas crescerem (é agricultor sedentário), o selvagem maldito destrói (caçador), é errante (nômade), feio e violento. Feiúra e violência são provas de maldição (1998, p. 57) [grifo nosso].

(28)

convertesse aos valores ético-cristãos. Com isso, a prática jesuítica estava em conformidade com os preceitos medievais, que vinham o índio selvagem como um pagão, desconhecedor da palavra de Cristo. Para civilizar o índio era necessário evangelizá-lo (CARDOSO, 1999).

Já os que aceitavam as formulações iluministas, atribuíam o estatuto “bom” ao selvagem, baseados, sobretudo, na teoria da bondade natural do homem de Jean Jacques Rosseau (1712-1778).

Segundo Cardoso (1999), a teoria de Rosseau conferiu aos povos primitivos o status de “bom”, no sentido que o homem no seu estado natural não possuiria nenhuma noção de bem ou de mau, viveria num estado de inocência.

O índio seria naturalmente ingênuo, o inocente, que sofre nas mãos dos missionários, no entendimento do Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo. Para a inserção dos indígenas no processo de colonização, caberia ao Estado uma atitude paternalista em relação a esses, isto é, o Estado garantiria a proteção do índio, através da tutela. No texto29 do Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, publicado em 1757, procura-se mostrar como os missionários se aproveitaram da bondade natural dos índios através de uma falsa catequese. Para o Ministro, é após a catequese que o indígena torna-se mau, onde os missionários deturpam os ensinamentos cristãos para beneficio próprio (CARDOSO, 1999).

A inserção do indígena na sociedade colonial, a partir do Diretório de 1757 teve como objetivo levar a civilização, conforme molde europeu-iluminista, aos povos nativos, transformando-os em homens livres, podendo servir dessa forma ao projeto colonial português.

2.3 O DIRETÓRIO DE 1757 NO RIO GRANDE DE SÃO PEDRO

Com o propósito de efetivar a posse portuguesa no território meridional, e colocar em prática o Tratado de Madri, “[...] a coroa portuguesa designou [...] o

29

Por outra parte, catequizando os índios a seu modo; e imprimindo na inocência de todos, como um dos mais invioláveis princípios da religião Cristã, a que agregavam a ilimitada e cega obediência a todos os preceitos dos seus respectivos Missionários, sendo tão duros, e intoleráveis, como logo direi, conseguiram conservar por tantos anos aqueles infelizes racionais na mais extraordinária ignorância e no mais duro, e insofrível cativeiro que se viu agora [...] Perguntando-se-lhes a razão com que matando algum português lhe cortam logo a cabeça, disseram, que os seus Beatos Padres lhes asseguravam, que os portugueses, posto se lhes dessem muitas feridas, muitos deles ressuscitavam, e que o mais seguro era cortar-lhes a cabeça (Carvalho e Melo apud CARDOSO, 1999, p.71).

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governador do Rio de Janeiro, General Gomes Freire de Andrada [...]. Para execução desta tarefa, Gomes Freire permaneceu durante sete anos na América meridional, de 1752 até 1759” (GARCIA, 2007, p.02).

Assim como no norte da colônia, no sul os objetivos do Tratado não foram alcançados. No norte as Comissões espanhola e portuguesa não chegaram nem a se encontrar. Os portugueses esperaram alguns anos até a Comissão espanhola aparecer30. Já ao sul, deveria se fazer à troca dos Sete Povos das Missões, de posse espanhola, pela Colônia do Sacramento, posse portuguesa. Contudo as coroas ibéricas não esperavam pela resistência dos jesuítas espanhóis e dos índios missionados, resistência que se denominou guerra guaranítica31 (1754-1756) (ROCHA, 2009).

Entretanto, antes do início da demarcação, Gomes Freire de Andrada foi instruído pelo Ministro José Sebastião de Carvalho e Melo como deveria tratar os índios reduzidos, a fim de atraí-los para os domínios portugueses. “O intuito de tal incentivo era transformar os índios em súditos do Rei Fidelíssimo, garantindo assim vassalos para a ocupação do território em disputa” (GARCIA, 2007, p.03). Segundo Garcia (2007), esta instrução a Gomes Freire de Andrada foi feita através de uma carta designada como secretíssima, pelo Ministro José Sebastião de Carvalho e Melo.

Na carta, Carvalho e Melo expunha que a melhor forma de conservar os domínios ultramarinos, principalmente nas regiões de fronteira, era a existência de um contingente populacional capaz de povoá-las. Considerando a incapacidade demográfica de Portugal em povoar seu amplo Império, o ministro propunha a atração dos índios das missões para o território português, a fim de transformá-los em vassalos do Rei Fidelíssimo. Esta atração deveria ser desenvolvida através do oferecimento aos índios de condições melhores daquelas que eles usufruíam nas missões jesuíticas espanholas. Como incentivo à vinda dos missioneiros, Carvalho e Melo estipulava o fim de todas as distinções existentes entre índios e brancos características do Antigo Regime. [...] incentivar de todos os modos os casamentos entre brancos e índias, pois esta seria a melhor forma de integrar os índios a sociedade luso-brasileira e, por conseguinte, adquirir vassalos para o Rei português (GARCIA, 2007, p. 14).

30

Somente em 1760 os lusos entraram em contato com a Partilha castelhana (ROCHA, 2009, p. 20).

31

[...] em julho de 1753 os guaranis externaram seu ponto de vista, por escrito, na sua língua, procurando anular ou impedir a execução do Tratado de Madri. Argumentavam os cabildantes quanto aos seus direitos históricos sobre essas terras, direitos reconhecidos pelo próprio Rei de Espanha [...]. Como as reivindicações dos índios principais das reduções não foram atendidas, esses decidiram pela insurreição armada. Em 1754 eclodia uma rebelião colonial conhecida na historiografia como guerra guaranítica (1754-1756). Essa era uma guerra em defesa do interesse indígena em detrimento das prerrogativas metropolitanas [...] (NEUMANN, 2004, p.31).

Referências

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