• Nenhum resultado encontrado

O profissional que está no fio - entre a vida e a morte: vivências, concepções e estratégias de enfrentamento psicológico de médicos oncologistas

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O profissional que está no fio - entre a vida e a morte: vivências, concepções e estratégias de enfrentamento psicológico de médicos oncologistas"

Copied!
192
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CURSO DE MESTRADO

O PROFISSIONAL QUE ESTÁ NO FIO – ENTRE A VIDA E A MORTE: VIVÊNCIAS, CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

PSICOLÓGICO DE MÉDICOS ONCOLOGISTAS

FLORIANÓPOLIS 2008

(2)

DÉBORA STAUB CANO

O PROFISSIONAL QUE ESTÁ NO FIO – ENTRE A VIDA E A MORTE: VIVÊNCIAS, CONCEPÇÕES E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

PSICOLÓGICO DE MÉDICOS ONCOLOGISTAS

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Curso de Mestrado, Centro de Filosofia e Ciências Humanas.

Orientadora: Prof. Dra. Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré

FLORIANÓPOLIS 2008

(3)

Aos meus pais: a minha mãe, minha melhor mestre na escola da vida, e ao meu pai, modelo de profissional da saúde, quem me ensinou sobre a arte do cuidar e olhar o outro.

(4)

AGRADECIMENTOS

Aos profissionais, oncologistas clínicos, que somente não têm seus nomes mencionados neste trabalho, por questão de ética, mas que merecem todo meu agradecimento; principalmente por compartilharem suas práticas, vivências e histórias pessoais, possibilitando-me olhar a realidade com os “óculos” que eles a olham.

À minha orientadora, Profª. Drª. Carmen L. O. Ocampo Moré pela acolhida e, especialmente, por ter aberto espaço ao meu aprendizado, aceitando as diferenças de idéias e opiniões. Sou grata pela sua pessoa tão doce e afetuosa.

À minha família pelas ausências e, acima de tudo, por ser o motivo de boas risadas e momentos de descontração, tão necessários durante esta caminhada.

A minha mãe, que apesar da minha ausência, suportou a distância, para que juntas pudéssemos crescer.

Ao meu irmão Felipe, pelo apoio, companheirismo e reflexões de vida, tão importantes e necessárias para o nosso crescimento, enquanto irmãos e acima de tudo, enquanto gente.

Ao meu pai por me incentivar desde pequeninha a escrever e a acreditar.

À Jackie, grande colega e amiga, que sempre esteve ao meu lado, nos tombos e nas conquistas, muito obrigada.

Ao Cleiton pelo incentivo e por apostar nesta conquista.

À Vivi por me ensinar que a vida é leve e flexível, e a Babi por todos os momentos.

À minha “irmã” Lelê, pessoa abençoada que Deus colocou na minha vida, presente em todos os momentos, minha estratégia de enfrentamento, amiga de todas as horas e, principalmente, por me ensinar sobre a complexidade e os valores da vida. Você é muito especial, obrigada.

(5)

Aos colegas: a Iza pelas trocas durante essa caminhada e também pela afinidade, a Nai pela amizade, leitura atenta e muitas dicas, a Bia pelo auxílio, e ao João pelo coleguismo, amizade e torcida sempre.

À Lucilda Cerqueira Lima, pela disponibilidade, acolhida e por abrir portas bem importantes, possibilitando meu aprendizado.

À Profª. Drª. Maria Aparecida Crepaldi, pelos ensinamentos enquanto docente e também pelas trocas de idéias e incentivo desde a minha entrada no campo da pesquisa.

À Janete Bromer, pelo excelente trabalho desenvolvido na secretaria de Pós-Graduação em Psicologia, sempre solícita e disponível a auxiliar aos alunos.

Aqueles que auxiliaram na correção daquilo que eu não via mais: ao Rogério por olhar com os olhos de fora da área psi, à Andrea por dividir comigo todo o seu conhecimento de português, à Eve pelo olhar aguçado, e à Renata, por todas as sugestões.

Aos alunos de graduação em Psicologia que me possibilitaram aprender como docente e também por dividirem suas experiências comigo.

Aos professores, Dr. Luiz Antonio Nogueira-Martins e Drª. Jadete Rodrigues Gonçalves por aceitarem o convite para participar da banca.

A todas as pessoas do centro oncológico pesquisado, que de alguma forma possibilitaram e auxiliaram a concretizar esta pesquisa.

À Capes, pelo apoio financeiro que possibilitou a dedicação necessária para a realização e conclusão deste trabalho.

Em especial a Deus, e ao universo que conspirou para que tudo isso acontecesse, desde a vinda para Florianópolis, a oportunidade de conviver com todas as pessoas que me cercam e com as quais eu pude aprender muito. Muito obrigada!

(6)

“As palavras aí estão, uma por uma: porém minha alma sabe mais”. Cecília Meireles

(7)

SUMÁRIO RESUMO... ii ABSTRACT... iii 1. INTRODUÇÃO... 1 2. OBJETIVOS... 5 2.1 Objetivo Geral... 5 2.2 Objetivos específicos... 5 3. REVISÃO DE LITERATURA... 6

3.1 Delineamento epistemológico da pesquisa... 6

3.2 A profissão médica – Um panorama atual... 7

3.3 A oncologia enquanto especialidade... 11

3.4 O médico e a sua profissão... 15

3.4.1 A escolha pela medicina e a construção da identidade do médico... 15

3.4.2 Aspectos presentes no cotidiano médico... 19

3.4.3 Especificidades da oncologia... 22

3.5 O estresse em profissionais da oncologia... 25

3.6 Estratégias de enfrentamento psicológico (coping)... 29

3.7 Estratégias de enfrentamento psicológico: pesquisas no contexto médico 32 4. MÉTODO... 37

4.1 Caracterização da Pesquisa... 37

4.2 Caracterização do local... 37

4.3 Participantes... 38

4.4 Coleta de dados... 39

4.5 Técnicas e instrumentos de coleta de dados... 39

4.5.1 Técnica da observação participante... 40

4.5.2 Entrevista Semi-estruturada... 41

4.6 Procedimentos de coleta de dados... 43

4.7 Análise dos dados ... 45

5. RESULTADOS... 47

5.1 Apresentação das categorias, subcategorias e elementos de análise das entrevistas... 47

(8)

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS... 50

1. EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS ACERCA DA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL... 51

1.1 Escolha pela medicina... 51

1.2 Escolha pela oncologia... 54

1.3 Sentimentos associados ao contexto... 59

2. A TRAJETÓRIA PROFISSIONAL SOB A ÓTICA DA HISTÓRIA DE VIDA... 67

2.1 Ressonâncias do Ciclo Vital individual e/ou familiar x vivências profissionais... 67

3. CONCEPÇÕES SOBRE SER E FAZER ONCOLOGIA... 74

3.1 Aspectos facilitadores da prática... 74

3.2 Aspectos dificultadores da prática... 82

3.3 Considerações sobre a profissão, formação médica e preparo para a prática da oncologia clínica... 92

4. CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICO... 106

4.1 A oncologia no sistema público... 106

4.2 Prioridades do sistema de saúde... 109

5. ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO PSICOLÓGICO... 115

5.1 Focalizada no problema... 116

5.2 Focalizada na emoção... 122

5.3 Religiosidade/Espiritualidade... 128

5.4 Suporte social... 132

5.5 Estratégia combinada... 138

5.6 Auto-avaliação de estratégias utilizadas... 141

6. METÁFORAS SOBRE A ONCOLOGIA E O ONCOLOGISTA CLÍNICO... 143

6.1 Relacionadas ao ser oncologista... 143

6.2 Relacionadas ao sistema de saúde... 145

6.3 Relacionadas ao contexto... 146

6.4 Relacionadas à perspectiva pessoal... 147

7. RESSONÂNCIAS E AVALIAÇÃO SOBRE A PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO DA PESQUISA... 149

(9)

7.1 Considerações sobre a observação participante e a entrevista... 149

7.2 Considerações sobre a psicologia no contexto da oncologia... 153

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 156

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 164

9. ANEXOS... 173

Anexo 1. Roteiro de Entrevista Semi-Estruturada... 174

Anexo 2. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido/Consentimento Pós-Informação... 176

10. APÊNDICE... 177

Apêndice 1. Definição das categorias, subcategorias e elementos de análise das entrevistas... 178

(10)

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Quadro referente às categorias, subcategorias e elementos de análise... 48

(11)

CANO, Débora Staub. O profissional que está no fio – entre a vida e a morte: Vivências, Concepções e Estratégias de Enfrentamento Psicológico de médicos oncologistas. Florianópolis, 2008. 180 p. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina.

Orientadora: Prof. Dra. Carmen L. O. Ocampo Moré Defesa: 14/03/08

RESUMO

A pesquisa teve como objetivo caracterizar as vivências, concepções e estratégias de enfrentamento psicológico de médicos oncologistas clínicos. O estudo de natureza exploratório-descritivo se desenvolveu sob a perspectiva da metodologia qualitativa e realizou-se em um centro de atendimento e pesquisa em oncologia, serviço de atenção terciária, referência no sul do país. Os participantes foram 12 médicos oncologistas clínicos e a coleta de dados foi realizada através de observação participante com registro em diário de campo e entrevista semi-estruturada. Os resultados da análise foram sistematizados em sete categorias, as quais representam as regularidades e aspectos diferenciais presentes nos dados, e que tentaram abarcar a dinâmica e complexidade da prática profissional dos participantes. Constatou-se que a escolha pela medicina e oncologia foi perpassada por questões pessoais, influenciadas pela família; por profissionais de referência na área e por noções idealizadas. Observou-se a forte presença de sentimentos ambivalentes, diante do paciente, do contexto institucional, e do sistema de saúde pública. Percebeu-se que o uso das estratégias de enfrentamento psicológico despontou como tentativa, mais individual, do que coletiva, para melhor lidar com este universo. Entre estas, encontraram-se a utilização de estratégias: a) focalizadas no problema, relacionadas ao manejo, tentativa de resolução e reavaliação da situação; b) focalizadas na emoção, tais como o uso de medicação/álcool, recurso de evitação da emoção, atividades de lazer e práticas de auto-cuidado; c) estratégias voltadas à espiritualidade, muito mais do que a adoção de uma prática religiosa e, d) de suporte social, caracterizando-se mais por um suporte voltado as questões pragmático-profissionais, do que pessoais. Constatou-se que a prática do oncologista clínico, muitas vezes, coloca o profissional diante de constantes situações de imprevisibilidade, dor, morte e sofrimento humano. Isto deixou em evidência as lacunas da formação médica que ao enfatizar os aspectos orgânicos e físicos da doença, relega a segundo plano, tanto os aspectos individuais e intersubjetivos presentes na prática, como as ressonâncias desta na vida pessoal/familiar do médico e vice-versa. Assim, considera-se necessário um real investimento institucional e de políticas de saúde do trabalhador, no intuito de melhor acolher estes profissionais que, metaforicamente, no seu cotidiano, se encontram no fio que divide a vida e a morte.

Palavras-chave: Oncologia clínica, prática médica, saúde do trabalhador, estratégias de enfrentamento psicológico.  

(12)

CANO, Débora Staub. The professional between life and death: Living, Conceptions and Psychological coping strategies of oncologists. Florianópolis, 2008. 180 p. Dissertation (Master in Psychology) – Program of Post-Graduation in Psychology. Federal University of Santa Catarina.

Person who orientates: Prof. Dra. Carmen L. O. Ocampo Moré

ABSTRACT

This work aimed to characterize living, conceptions and psychological coping strategies of clinical oncologists. It is a descriptive-exploratory study that has been analyzed under a qualitative method and developed in an oncology center, “third attention health service”, reference in south of Brazil. The participants were 12 clinical oncologists, and data was collected through participant observation with diary registration and semi-structured interview. The results were divided in seven categories, which represent regularities and differential aspects of data, trying to include the dynamics and complexity of professional practice. It was verified that both medicine and oncology chosen was influenced by personal issues, like family; a reference professional in the area and idealized notions. Strong ambivalent feelings were observed in the professionals when in front of the patient, in the institutional context and in relation to the public health system. Coping strategies were used more as an individual than a collective choice to deal with this universe. Among them, there are strategies: a) focused on the problem, related to handling, solution trial and situation reassessment; b) focused on emotion, as medication and alcohol use, emotion escape, leisure and self-care practices; c) linked to spirituality, more than religious practice adoption; and d) of social support, more related to pragmatic-professional than personal issues. It has been shown that the oncologist practice several times allocates the professional into unexpected, painful, deathful and human suffering situations. It enhances the faults in medical graduation for emphasizing organic and physics aspects of diseases and leaving the individual and intersubjective characteristics besides, as well as its influence in the physician personal and familiar live, and vice-versa. Thus, it is considered necessary a true institutional investment and an employee health policy in order to better welcome these professionals who, metaphorically, are daily in the line between life and death. Keywords: Clinical oncology, physician practice, worker’s health, psychological coping strategies. 

(13)

A história da profissão médica remonta à época dos gregos, sendo o juramento Hipocrático um marco de referência que a acompanha, tendo sido construída à luz de diferentes momentos histórico-culturais, que influenciaram, de certa maneira, distintos modos de atuação do profissional, bem como a representação dessa profissão, pela sociedade.

A medicina, nesse percurso histórico, considerada como a ciência e a arte de curar (Maciel-Lima, 2004), desenvolveu-se com base no paradigma positivista, baseado na controlabilidade, objetividade e previsibilidade. A fragmentação disciplinar, fruto deste modelo, elevou o corpo e suas partes anatômicas ao centro das questões e atenção médica e se constituiu num dos parâmetros principais da formação médica, relegando nesse processo, as questões subjetivas do indivíduo e da alma, tão presentes no início dessa profissão (Grosseman & Patrício, 2004b).

Desse modo, ancorada no modelo de ciência positivista, a medicina sustentou um processo de dicotomização entre mente e corpo, entre saúde e doença. Essa formação implicou uma valoração do “bom” e do “mal”, daquilo que é almejado e daquilo que não é preterido, ou seja, de um lado a saúde e a vida, de outro a doença e a morte. Assim, se por um lado, essa separação possibilitou aprimorar conhecimentos sobre o ser humano e as doenças que o acometem, por outro, trouxe uma carga extra ao profissional da medicina, outorgando-lhe uma posição de grande responsabilidade, de vir a responder contra o “mal”, entendido como a doença e a morte.

Por sua vez, visualiza-se, nessa trajetória, que a estruturação dos cursos de formação médica, sustentada ainda por um conjunto de aspectos sociais, políticos e econômicos, favoreceu uma “posição” privilegiada desse profissional que acompanha a profissão médica nos seus diferentes períodos. Associa-se a isto a presença de um modelo de saúde assistencialista, que contribui para uma relação médico/paciente1 assimétrica, no sentido de ser o médico aquele que determina os caminhos tanto da saúde como da doença, sendo o paciente figura passiva nessa díade.

Assim, observa-se, no cotidiano da prática médica, a tendência dos pacientes de investirem no profissional com propriedades poderosas e onipotentes, delegando a estes       

1

O termo paciente utilizado no decorrer deste trabalho se mantém, haja vista que o mesmo é mais usual em contextos de saúde, entretanto cabe salientar que a opção por este não justifica-se na idéia implícita, de que o paciente seja alguém que deva ter paciência, ou deva estar a mercê do profissional.

(14)

a responsabilidade por eles e o seu cuidado (M. C. F. Nogueira-Martins, 2001). Percebe-se que não responder a este papel coloca o profissional em uma situação de quebra de ideal, desestruturando inclusive a imagem que tinha de si próprio.

Conforme preconizado por Balint (1984), existe a necessidade de estudar o médico, uma vez que o remédio mais utilizado e administrado na medicina é o próprio médico, que deve ser conhecido em sua posologia, reações colaterais e toxidade. Afinal, vê-se que em função dessas expectativas, de corresponder a este lugar e dominar o “mal” (lê-se doença e morte) o médico acaba sobrecarregado em sua ocupação, estando mais predisposto a cobranças e exigências que se configuram em encargos excessivos, tanto no nível físico como no emocional, o que leva implícito, também, estresse e problemas de saúde.

Essas exigências, que envolvem desde o contato freqüente com situações de doença, sofrimento e morte, bem como lidar com incertezas e angústias, fruto da fragilidade humana, acrescido da necessidade de responder à mobilização emocional que isto acarreta (M. C. F. Nogueira-Martins, 2001, 2003, Pitta, 2003, Campos, 2005) colocam o profissional da medicina diante de situações que lhe exigem estratégias e manejos psicológicos a fim de conviver e lidar com sua prática cotidiana.

Neste trabalho, toma-se a especialidade da oncologia como objeto de análise, uma vez que esta lida com dilemas de vida e morte, os quais resultam na convergência de aspectos comportamentais e emocionais, que vão desde a expectativa de cura, sentimentos que são transferenciados2 ao profissional, até situações de frustração frente a tratamentos sem “sucesso” ou a pacientes que não aderem ao tratamento.

Conforme Kovács (1992), a diferença entre os profissionais de saúde e as pessoas em geral é que, para os primeiros, a morte faz parte do cotidiano, podendo tornar-se companheira do trabalho diário. Neste sentido, a morte, muitas vezes, faz-se inerente à atividade clínica de médicos oncologistas, e conforme relatado, pelos profissionais que participaram da presente pesquisa, o preenchimento de atestados de óbito é prática corriqueira.

Diante desta realidade, M. M. Carvalho (2002) ressalta que os profissionais da saúde que são responsáveis pelos tratamentos oncológicos, sendo por natureza tratamentos invasivos, mutiladores e agressivos, lidam com grande sofrimento. Nem sempre estes têm a recuperação ou cura como conseqüência, de modo que os       

2

O termo alude ao conceito psicanalítico “Transferência” que designa transferir/ projetar expectativas, sentimentos, valores, desejos, medos em outra pessoa, no caso específico no médico (Laplanche, 1992).

(15)

trabalhadores da oncologia apresentam alto nível de estresse e necessitam de apoio psicológico, em função da peculiaridade de suas atividades.

Aliado a isso, observa-se que, de maneira geral, os médicos não estão sendo preparados para lidar com esta realidade, pois sua formação, baseada no modelo biomédico, vem negligenciando os aspectos que envolvem a formação humana do profissional e os “conteúdos” emocionais de suas práticas (Sá, 2000, Quintana, Rodrigues, Goi & Bassi, 2004, Rossi & Batista, 2006). Assim, sedimentado pelos autores, salienta-se a necessidade de re-avaliar a formação médica, no sentido de subsidiar elementos que ancorem atividades de suporte e apoio ao profissional, para que possam lidar de maneira saudável com o cotidiano de suas práticas sem negar a dimensão de que são humanos, que também possuem limites e sentimentos, e que podem, acima de tudo, expressá-los.

Por outro lado, pesquisas indicam a baixa procura, dos médicos, pela especialidade da oncologia (Silva & Arregi, 2005), observando-se, ainda, o grande impacto em termos da saúde mental a que estes profissionais estão sujeitos (Penson, Dignan, Canellos, Picard & Lynch, 2000; Kash, K. M. et al., 2000; Graham, 2000; Grunfeld, et al., 2000; Allegra, Hall e Yothers, 2005; Shanafelt, Chung, White e Lyckholm, 2006; Tucunduva, et al., 2006; Glasberg et al., 2007). Neste sentido, conforme demonstrado, o médico oncologista encontra-se entre um grupo de risco, estando bastante suscetível à Síndrome de Esgotamento Profissional, que se caracteriza por estresse crônico decorrente de suas atividades laborais. Evidencia-se maior incidência desta nos médicos oncologistas clínicos, por serem estes os profissionais responsáveis pelo contato direto e acompanhamento do paciente. Isso passa a acarretar sintomas físicos, problemas emocionais e comportamentais que apresentam influência direta na vida profissional e pessoal (L. A. Nogueira-Martins e M. A. N. Ramalho, 2007).

Graham (2000) aponta para o desenvolvimento de atividades e pesquisas que sustentem a busca pela qualidade de vida do profissional da oncologia, enfocando a necessidade de programas de atenção à saúde profissional, bem como à de explorar e conhecer os recursos de que o médico dispõe para lidar com aquilo que é sua realidade cotidiana.

Pesquisas envolvendo médicos e suas estratégias de enfrentamento psicológico têm sido desenvolvidas em diversos países (Congrains, 1998; Escribà-Agüir & Bernabé-Munôz, 2002; Blandin & Araujo, 2005; Zonta, Robles & Grosseman, 2006; Bentata,

(16)

Quintana, Venegas, Gutiérrez & Bentata, 2007). Estas evidenciam a necessidade e a relevância do assunto, haja vista as demandas do trabalho médico, o impacto e as vicissitudes deste meio na saúde do profissional.

Desse modo, considerando que cada especialidade médica se faz distinta uma da outra, em termos de prática e exigências, compartilha-se, com L. A. Nogueira-Martins (2003), a necessidade de pesquisas que desvendem estas especificidades, a fim de que se possa detectar precocemente os grupos de risco. Assim, esta pesquisa tem como proposição conhecer as vivências, ou seja, as experiências e sentimentos que são vivenciados na prática clínica; as concepções, referidas neste como o entendimento que os médicos têm sobre sua prática profissional e idéias a ela relacionadas, bem como as estratégias de enfrentamento psicológico de médicos oncologistas clínicos. Os resultados aqui apresentados se constituem em importantes bases, para refletir sobre a práxis médica, sob a perspectiva da prevenção, e também para subsidiar a efetivação da atenção e cuidado a este profissional.

Para isso, tendo em conta o fenômeno e as peculiaridades do estudo, a perspectiva de análise do mesmo ancora-se na visão epistemológica da teoria da complexidade, pois a mesma permite contextualizar os fenômenos estudando-os a partir de suas interconexões (Morin, 1996). Assim, conhecer aspectos sobre a formação e as vivências destes profissionais auxilia na compreensão dos elementos dinâmicos que compõem esta realidade e que não podem ser descartados nesta análise. Neste espaço de práticas formula-se a seguinte pergunta de pesquisa: “Quais são as vivências,

concepções e estratégias de enfrentamento psicológico utilizadas por médicos oncologistas em sua prática cotidiana?”.

(17)

2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

• Analisar as vivências, concepções e estratégias de enfrentamento psicológico de médicos oncologistas na sua prática profissional.

2.2 Objetivos específicos

• Identificar os sentimentos presentes no contexto de trabalho e nas práticas de médicos oncologistas;

• Identificar as concepções e idéias que os médicos oncologistas atribuem a sua prática profissional;

• Identificar aspectos no cotidiano que facilitam e/ou dificultam a prática profissional do oncologista;

• Caracterizar as estratégias de enfrentamento psicológico, utilizadas pelos médicos oncologistas no cotidiano de suas ações;

(18)

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1 Delineamento epistemológico da pesquisa

Para conhecer o campo das práticas profissionais de médicos oncologistas é necessário delinear os aspectos epistemológicos que ancoram este projeto de pesquisa. Assim, para estudar a amplitude do contexto e das relações que se estabelecem no cotidiano de suas ações, há que se considerar a totalidade deste universo e evidenciar a matriz a partir da qual se construirá o conhecimento.

Desse modo, a teoria da complexidade favorece uma visão integradora, no sentido que possibilita agrupar diversos olhares que compõem a totalidade do fenômeno estudado. O termo complexidade deriva do latim complexus, que significa “tecido em conjunto”, e, se tomarmos como referência o léxico, uma das suas primeiras definições remete que “complexo” designa “abranger muitos elementos ou partes”. Assim, de acordo com Morin (1996), o termo complexo refere-se a todo evento que não pode ser explicado apenas por fórmulas simples e/ou leis de causa e efeito.

Em decorrência desse pressuposto epistemológico, princípios considerados fundamentais para a ciência tradicional/positivista passam a ser revistos. Afinal, o que se pensava como conhecimento objetivo e absoluto passa a ser concebido como decorrente de uma cultura e contexto social específico (Najmanovich, 2002). Desse modo, a ciência contemporânea caminha no sentido de integrar os achados da ciência tradicional, contemplando fenômenos que eram deixados de fora, lançando sobre estes um novo olhar (Vasconcellos, 1995). Assim, considera-se que todos os eventos estão inter-relacionados e cada parte conserva sua singularidade e sua individualidade, ao mesmo tempo em que contém o todo (Morin, 1996).

Uma das conseqüências de trabalhar a partir da complexidade é que a construção do saber se focaliza nas relações entre as disciplinas, e não na sua compartimentação. O fenômeno estudado é visualizado a partir de suas relações, sem que para isso o cientista tenha de isolá-lo ou mesmo separá-lo de sua realidade (Vasconcellos, 2002). Isto implica repensar o sujeito que conhece, ou seja, contrariar a visão positivista na qual o mundo é des-subjetivado e a crença de que o observador é uma pessoa neutra e objetiva. A construção do saber científico, sob a ótica da complexidade, é relacional e construir-se-á através da relação entre o objeto de estudo e a subjetividade do pesquisador, daquilo que será pesquisado, ou seja, constrói-se intersubjetivamente,

(19)

intercambiando saberes (Vasconcellos, 1995). Essa idéia altera a compreensão sobre o sujeito, a postura do pesquisador e também o modo de produzir conhecimento. Este último não é apenas um produto separado de seu meio, mas sim o resultado da interação global do homem com o mundo a que pertence. O observador, na atualidade, é considerado participante e criador deste conhecimento (Najmanovich, 2002).

A premissa da ciência clássica de reduzir a totalidade à soma de suas partes é inviabilizada, pois o todo não pode ser reduzido às partes, nem mesmo ser compreendido isoladamente (Santos, 2005). Desse modo, tudo aquilo que se passa no contexto, na totalidade dos eventos, interfere e tem relação direta com o indivíduo. Em se tratando de seres humanos, não há regras de funcionamento que expliquem os fenômenos sociais a partir de leis universais. Na psicologia, prever situações e eventos é uma tarefa difícil, pois se entende que a mente e os processos mentais, conectados com seu meio ambiente, acrescido de reações biológicas, geram uma série de variáveis instáveis, sendo praticamente impossíveis de medir por qualquer previsão determinista (Ramirez, 2004).

Para conhecer as estratégias de enfretamento psicológico dos médicos oncologistas, quais suas experiências, sentimentos e idéias, há que se considerar o contexto em que estão inseridos, o que favorece a compreensão multidimensional dos fenômenos. Assim, tendo em vista as proposições trazidas por Ramirez (2004), não há como ignorar que a realidade dos médicos oncologistas encontra-se conectada a diversos aspectos, que interagem e influenciam este fazer profissional. Dessa maneira, para contextualizar e visualizar as variáveis presentes no seu cotidiano, introduz-se no próximo capítulo alguns aspectos principais da formação médica, por considerar que é a partir dessas bases que se estrutura a profissão, na qual estão implícitos também muitos dos valores, posturas e olhares que vão constituindo o profissional

3.2 A profissão médica – Um panorama atual

A formação da maioria dos profissionais de saúde desde o início do século XX tem sido orientada pela visão do modelo biomédico, de cunho positivista, calcado na fragmentação das disciplinas, na previsibilidade, na objetividade e na controlabilidade. Dentro desse modelo, a medicina desenvolveu-se voltada ao tratamento das doenças, muitas vezes relegando a um segundo plano as questões éticas e subjetivas, buscando o conhecimento científico a qualquer preço e custo (Sá, 2000).

(20)

Maciel-Lima (2004) utiliza-se da divisão histórica proposta por Lakatos e Brutscher (2000) e propõe que a medicina se divida em dois períodos históricos. No primeiro período, pré-capitalista, as práticas são ligadas a “saberes esotéricos” e seus procedimentos ainda são de natureza desconhecida pela população em geral, o que propicia poder e status a quem os possui. Por outro lado, há o segundo momento, o período capitalista, em que a medicina se associa à esfera produtiva, sendo responsável pela adaptação e conservação da força de trabalho, perdendo sua conotação religiosa/mística.

No início de suas atividades, percebe-se que a figura do médico, está ligada à idéia de um curador dotado de poderes que além de salvar almas, cura o corpo (Grosseman & Patrício, 2004b). Desde então, a medicina é uma profissão que provoca muitas idealizações, tais como: o altruísmo, a mentalidade de pesquisador e a idéia de que o profissional possui poder sobre a vida e morte - qualidades comumente associadas a esse papel (Ramos-Cerqueira & Lima, 2002).

Os autores Millan, De Marco, Rossi e Arruda (1999) dão destaque a adoção do modelo flexeriano, proposto nos Estados Unidos e que enfatiza a separação entre o ensino básico (teórico) e a parte prática (clínica), o uso de aulas expositivas (com ênfase na informação, ao invés da formação), bem como a especialização precoce do aluno. Esse modelo conduziu a um padrão de ensino em que o estudo das doenças ganha maior relevância do que a assistência aos enfermos.

Assim, Grosseman e Patrício (2004b) salientam que, a partir do desenvolvimento das tecnologias médico-industriais, somada aos interesses do capitalismo, a medicina acabou perdendo a visão do ser humano como um todo. E, ao assumir uma visão fragmentada do ser humano, sendo influenciada pela divisão social do trabalho, começa cada vez mais a dividir-se em especialidades. Millan et al. (1999) complementam que a fragmentação do ser humano, imposta pelo modelo reducionista cartesiano, levou à fragmentação da medicina, em torno de 65 especialidades, aproximadamente, criando um puzzle3 que ninguém é capaz de juntar.

A formação dos profissionais de saúde, enquanto centrada e fundamentada no modelo biomédico, que considera a doença como um desvio de variáveis biológicas em relação à norma, analisando o corpo como uma máquina, encontra-se impossibilitada de considerar a dimensão humana do sofrimento como parte integrante de suas práticas       

3

A palavra puzzle, em inglês significa quebra-cabeça, o termo encontra-se entre aspas, pois é de autoria de Millan et al. (1999).

(21)

(Caprara & Franco, 1999). Isto, além de influenciar o modo como são vistos os pacientes, tem relação direta com a formação, pois a dimensão humana, inclusive dos profissionais que estão aprendendo, é, na maioria das vezes, deixada de lado.

Nesse sentido, Ramos-Cerqueira e Lima (2002) salientam que na formação médica não há espaços para dúvidas, nem mesmo para a expressão de sentimentos ou emoções. O futuro médico, para não ser acusado de frágil ou sensível demais, é instigado a esconder tais aspectos, sob o receio de não ser considerado capaz.

Ao centrarem-se no corpo e nas suas partes anatomopatológicas, as escolas médicas enfatizaram o conhecimento orgânico-tecnicista. A formação “conduziu a um saber no qual as diversas disciplinas científicas eliminaram o homem enquanto problema determinante e fundamental, ponto de partida e de chegada do conhecimento” (Sá, 2000, p. 47). A este respeito, Millan et al. (1999) ressaltam que um dos problemas mais sérios da medicina está associado à crescente tendência à desumanização, em que a anamnese e os exames físicos são, muitas vezes, dispensados. Há a realização de uma dissociação mente-corpo, e os aspectos emocionais e psicológicos do paciente são ignorados, como se não existissem ou não estivessem presentes na gênese, evolução e manifestação da enfermidade.

A adesão a este modelo de atuação, calcado na objetividade científica e na fragmentação disciplinar, traz à tona a discussão sobre a relação médico-paciente. Nesse sentido, diversos temas têm sido abordados: a assimetria na relação médico-paciente, os fatores envolvidos nessa e os modos de humanização (Fernandes, 1993; Caprara & Franco, 2004; Caprara & Rodrigues, 2004), além de, aspectos e atributos necessários, presentes na comunicação e na relação médico-paciente (Morinaga, Konno, Aisawa, Viera & Martins, 2002; Oliveira, Oliveira, Gomes & Gasperin, 2004; Rossi & Batista, 2006). Esses trabalhos ressaltam que o desafio atual da medicina está em humanizar essa relação, reconhecendo a alteridade do paciente, sua possibilidade de autonomia e acima de tudo, a capacidade do profissional se desenvolver e sensibilizar-se para a escuta da totalidade do ser humano.

Outra implicação da divisão disciplinar, além da fragmentação do ser humano, como se o mesmo fosse dividido em partes, encontra-se na dissolução da responsabilidade médica. Ou seja, se, inicialmente, o médico é a única referência do paciente, respondendo frente ao doente, com essa divisão, isso acaba se dissolvendo, acarretando o que se denomina de “Conluio do Anonimato”. Cada profissional responsabiliza-se apenas pela parte que cabe a sua especialidade, haja vista que o

(22)

paciente passa de médico em médico, fato que corrobora para que se perca a compreensão da totalidade humana (Balint, 1984).

Caprara e Rodrigues (2004) apresentam alguns paradoxos que acompanham a recente história da medicina, que são trazidos por Le Fanu (2000) em sua obra. Ressalta-se, assim, que seria de se esperar que os sucessos da medicina fossem acompanhados por um aumento da satisfação dos médicos em exercê-la. Entretanto, percebe-se o crescente número de profissionais insatisfeitos e desiludidos. Outro paradoxo seria que os benefícios derivados dessas práticas e adventos tecnológicos da medicina deveriam reduzir os medos e ansiedades das pessoas. Porém, observa-se uma crescente preocupação atrelada aos estilos de vida, em busca da saúde perfeita. Por fim, o último paradoxo, estaria associado ao fato de que os sucessos da medicina moderna deveriam vir acompanhados pelo desaparecimento de outras formas de medicina. Mas o que se presencia é que, apesar dos sucessos, os custos com a saúde continuam aumentando, e há uma explosão no crescimento de práticas alternativas e medicinas não-convencionais.

Nessa mesma ótica, Rosselot (2006) ressalta que, ao considerar o aperfeiçoamento da medicina, em termos tecnológicos, observa-se uma discrepância, que não corresponde a estas melhorias. A satisfação das pessoas e a qualidade de vida dessas não refletem esse progresso, que talvez seja fruto de muitas das frustrações do profissional. O autor aponta, ainda, que seria paradóxico pensar que muitos dos valores e competências exigidas dos profissionais da saúde não foram ensinados e nem estavam contemplados no momento de aprendizagem.

Diante desses paradoxos, percebe-se certa “falência” no modelo biomédico, sendo que as críticas à formação médica têm sido objeto de estudos e crescente discussão na literatura, demonstrando a necessidade de visitar e refletir sobre a formação médica (Caprara & Franco, 1999, Sá, 2000, Maciel-Lima, 2004, Caprara & Rodrigues, 2004, Quintana et al., 2004, Rossi & Batista, 2006).

Conforme Sá (2000), existe uma necessidade em se fazer uma escuta apurada do que acontece com as pessoas nas suas práticas, buscando uma aproximação emocional e afetiva acerca das vivências do ensino da prática médica e, acima de tudo, sobre aquilo que estas têm de perturbador. Será fundamental desvelar essas falas reprimidas e o silêncio institucional, que escondem distorções, preconceitos, e ocultam uma formação

(23)

“antipedagógica4”, para que se possa construir um processo educacional técnico-ético-humanístico e socialmente comprometido.

O conjunto de aspectos históricos, culturais e de formação apresentados acima constituem parte da história da formação médica. Esse processo de construção da medicina perpassa a prática e a vivência dos profissionais, imprimindo modos de ser e agir cotidianamente. Muito embora cada profissional seja único e tenha sua especialidade própria, há de se considerar que estes valores e práticas foram constituindo a formação médica no decorrer dos anos. Dessa maneira, considera-se que esses fatos favorecem uma aproximação à realidade de trabalho dos médicos oncologistas. Assim, na seqüência, serão apresentados alguns dados sobre a especialidade da oncologia.

3.3 A oncologia enquanto especialidade

A origem da palavra “câncer” nasce com Hipócrates, “pai da medicina”, que viveu entre 460 e 370 a.C. e usou os termos “carcinos” e “carcinoma” para descrever certos tipos de tumores, que, em grego, querem dizer “caranguejo”. O termo faz referência ao aspecto do tumor, uma vez que as projeções e os vasos sanguíneos ao seu redor lembram as patas do crustáceo. Alguns séculos depois, entre 130 e 200 d.C. Galeno passa a ser referência no tratamento de câncer, e, nesta época, determina que o câncer é uma doença incurável e que, após diagnosticada, pouco havia para se fazer (Hands5, 2002)

De acordo com os dados desta revista (Hands, 2002), a partir do século XVIII, John Hunter, um cirurgião escocês, começa a mudar o tabu desta doença, quando o mesmo sugere que alguns cânceres podem ser curados por cirurgia. Neste mesmo século, um médico italiano aponta para o fato de que os hormônios podem ter influência sobre a doença. Já na Inglaterra existem registros de um médico alertando para os perigos do tabaco, e outro que percebe a grande incidência de câncer na bolsa escrotal de limpadores de chaminé. Entretanto, somente no século XIX, com a descoberta da       

4

O termo antipedagógico, entre aspas, é empregado pelo autor (Sá, 2000), ao problematizar o modelo, de educação médica, centrado no saber fragmentado/reducionista e focalizado no corpo anatomopatológico. 5

A Revista Hands atualmente (desde Abril de 2005) foi sucedida pela ABCâncer, publicação bimestral da Associação Brasileira do Câncer. A mesma, tem uma tiragem média de 28 mil exemplares por edição, distribuída gratuitamente em todo Brasil, sendo a única revista em linguagem leiga sobre câncer no país. Disponível em: http://www.abcancer.org.br/revista

(24)

célula, é que a oncologia moderna, com o médico alemão Matthias Schleiden em 1867, sugere que o câncer seria resultado da divisão de células doentes. Já a partir da II Guerra Mundial, com o desenvolvimento da medicina nuclear, a radioterapia surge como um tratamento rotineiro para o câncer.

Ainda, durante a II Guerra (1940-45) através de estudo do sangue de soldados expostos a gás mostarda, verifica-se uma baixa dos leucócitos ou glóbulos brancos. Assim, o exército americano, na busca de um gás mais poderoso, desenvolve a mostarda nitrogenada, que veio a se revelar eficiente contra certos linfomas, o que leva mais tarde, ao desenvolvimento da quimioterapia. Nessa mesma década, o médico Sidney Faber testa os primeiros quimioterápicos em crianças com leucemia. Em função disso, em 1956 acontece a primeira cura de um câncer metastático com a ajuda da quimioterapia. A partir de 1960, intensificam-se estudos que levam à teoria dos oncogenes, ou seja, à tese de que o ser humano possui genes normais responsáveis por controlar o crescimento e a divisão celular (os protoncogenes), os quais por algum motivo, podem sofrer alterações, mutações, que os fazem mudar de lugar, sendo ativados e/ou desativados, alterando assim sua função. E esta mutação implicará a base do câncer, que se caracteriza por uma reprodução anormal das células (Hands, 2002).

Atualmente, cada vez mais, a oncologia passa a se desenvolver como uma especialidade separada, que congrega estudos na área da genética, da biologia molecular e da medicina. Conforme Silva e Arregi (2005), no século XIX, instauram-se nos Estados Unidos as residências médicas um sistema de instrução que utiliza a rede hospitalar como espaço de treinamento, unindo a prática com a modalidade de um curso de pós-graduação, com o intuito de formarem especialistas.

No Brasil, as primeiras experiências em residências médicas, são registradas na década de 1940, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Especificamente na área da oncologia, também referida como cancerologia, a primeira modalidade de residência surge em 1946, no Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Câncer (INCA). Entretanto, apenas em 1954 o INCA passa a dividir a residência em seções especializadas, para atuarem em distintas áreas da cancerologia (Silva & Arregi, 2005).

Contudo, é somente no ano de 1977, através do Decreto nº 80.281, que se institui, no Brasil, a Residência Médica, a qual passa a ser normatizada enquanto modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a formar especialistas e funcionando em instituições de saúde sob a orientação de profissionais já qualificados e experientes.

(25)

Apesar disso, no referido decreto, os programas a serem desenvolvidos não compreendem especificamente, a área da oncologia.

O reconhecimento das especialidades, em sua grande maioria, incluindo a cancerologia, foi oficialmente declarado através da Resolução do Conselho Federal de Medicina – CFM Nº 1.763/05, publicada em Março de 2005. Em 2002, porém, é criado o Relatório de Comissão Mista de Especialidades, e dá-se vazão à Resolução do Conselho Nacional de Residência Médica (CNRM N.1º, de 14 de maio de 2002) que regulamenta a duração e os pré-requisitos para realização das residências médicas.

Desse modo, fica determinado que a especialidade da cancerologia deveria ter a duração de dois anos, tendo como pré-requisito dois anos de especialização/residência em clínica médica. O programa deve contemplar o mínimo de 35% da carga horária anual em unidade de internação, o mínimo de 35% em ambulatório e 10% em atividades de urgência e emergência. A residência deve compreender ainda estágios obrigatórios em Radioterapia, Patologia e Cirurgia de Câncer, sendo considerados estágios opcionais a Cancerologia Pediátrica, a prevenção e outros que ficam a critério da instituição.

Uma das tendências presentes em outros países que está em discussão e ascensão no Brasil refere-se à criação de unidades específicas de cuidados paliativos, dentro dos serviços oncológicos, de forma a que se considere esta, uma subespecialidade da oncologia clínica. Conforme Melo e Figueiredo (2006), o termo palliare do latim, designa “proteger, amparar, abrigar, cobrir”. Assim, o foco principal é o cuidar, e não apenas o curar. Nesse sentido, em 1990, a Organização Mundial da Saúde conceitua cuidados paliativos, como os cuidados ativos e totais voltados ao paciente, quando a sua doença não responde mais a tratamentos curativos. O controle da dor e de outros sintomas (psicológicos, sociais e espirituais) passa a ser prioridade, pois alcançar uma melhor qualidade de vida é o objetivo principal.

A formação de um profissional da área da oncologia ou cancerologia dura em torno de dez anos, uma vez que a graduação tem o mínimo de seis anos, aos quais se soma especialização clínica e oncológica. Trata-se, pois, um período bastante amplo até que o profissional possa se tornar um especialista na área.

Atualmente, de acordo com dados de pesquisa realizada por Silva e Arregi (2005), existem no Brasil 38 programas de residência médica em oncologia, sendo que estes estão distribuídos da seguinte maneira; 22 na região Sudeste, 10 na região Sul, 3 na Centro-Oeste e outros 3 na região Norte-Nordeste. Com base em dados da citada

(26)

pesquisa, evidencia-se que a distribuição desses programas é bastante desequilibrada, sendo que a maioria se concentra nas regiões Sul e Sudeste.

Outro dado relevante diz respeito ao desequilíbrio percebido entre as vagas ofertadas e as realmente ocupadas. Para ilustrar, tem-se, por exemplo, na região Nordeste, um percentual de vagas desocupadas de 88,5%, fato que também ocorre no Distrito Federal, em que o número de vagas livres chega a 50%. Os autores Silva e Arregi (2005) cogitam que isso pode ter origem numa falta de interesse pela área, até mesmo porque muitos cursos de graduação ainda não oferecem disciplinas específicas na área, tendo em vista que o assunto é tangenciado por outras disciplinas.

Os dados da pesquisa de Silva e Arregi (2005) apontam, ainda, em concordância com os resultados encontrados por Caneiro e Gouveia (2004), que, em 1995, os médicos residentes em cancerologia representavam 1% do total de residentes no país, e que em 2002, numa pesquisa patrocinada pelo Conselho Federal de Medicina, apenas 1% dos médicos declarou a cancerologia como especialidade principal, sendo que, dentre os portadores de certificados de Residência Médica, 0,7% apontou a especialidade.

Desse modo, evidencia-se a necessidade e qualificação de recursos humanos na área. É preciso considerar que, em decorrência dos avanços tecnológicos produzidos pela medicina, aliados ao movimento higienista6 e à medicalização7, há uma tendência que aponta para a redução dos problemas decorrentes de enfermidades infecto-contagiosas, além do aumento da expectativa de vida e a redução da mortalidade. Por outro lado, encontra-se uma tendência ao crescimento das doenças crônicas degenerativas, como o câncer8 por exemplo. Este fenômeno é denominado por Singer, Campos e Oliveira (1978) de “Revolução Vital”.

Assim, tomando os dados da pesquisa de Silva e Arregi (2005), as incidências de crescimento do câncer, conforme demonstrado anteriormente em estimativas, e as idéias da Revolução Vital (Singer et al., 1978), evidencia-se a necessidade de debruçar-se       

6

“Movimento Higienista” refere-se ao controle exercido pelo Estado, através do poder médico, que a partir da segunda metade do século passado, passou a impor normas de comportamento e higiene, tendo em vista a defesa da saúde da população (Singer et al., 1978).

7

O termo medicalização alude ao desenvolvimento das chamadas tecnologias médicas (aparelhagem de tratamento e diagnóstico, bem como o incremento da indústria médica e farmacêutica), que auxiliaram no controle das enfermidades e problemas de saúde (Singer et al., 1978).

8 

Para situar as proporções do problema do câncer e refletir sobre a necessidade de qualificação de recursos humanos na área faz-se relevante trazer as "Estimativas da Incidência de Câncer no Brasil" (INCA, 2008), que juntamente com o Ministério da Saúde, estimam que em todo Brasil, no ano de 2008 e 2009, ocorrerão 466.730 casos novos de câncer, sendo que em 2008, são esperados, 231.860 casos novos para o sexo masculino e 234.870 para sexo feminino.

(27)

sobre a especialidade da oncologia, buscando conhecer suas especificidades. Nesse sentido, busca-se aproximar dos objetivos desta pesquisa, sobre as estratégias de enfrentamento psicológico, as vivências e concepções de médicos oncologistas. O próximo eixo teórico que constitui o próximo capítulo aprofunda a caracterização do universo profissional do médico no desempenho de seu trabalho.

3.4 O médico e a sua profissão

O ensino médico que não reflete sobre o ser humano que há no médico participa de modo altamente prejudicial das deformações adaptativas do futuro profissional. (L. A. Nogueira-Martins, 2003, pg 66)

A medicina, enquanto profissão calcada nos ditames da objetividade, da ciência positivista, enfatiza, já na sua formação, a separação disciplinar, que, como conseqüência, resulta em um olhar fragmentado do corpo humano. Assim, já na sua formação, encontram-se algumas questões que perpassam os profissionais e que merecem ser destacadas. Os fatores implicados na escolha pela profissão, as tarefas inerentes ao cotidiano médico, bem como aquelas específicas da prática oncológica devem ser consideradas para que se tenha uma melhor compreensão dos aspectos que têm influência tanto na vida pessoal como na profissional do oncologista clínico.

3.4.1 A escolha pela medicina e a construção da identidade do médico

O exercício da prática médica exige diversas habilidades (Hoirisch, 2006), porém se observa que o processo seletivo, para entrar em um curso de medicina, enfatiza características cognitivas em detrimento das habilidades do indivíduo para ser médico. Portanto, este critério de seleção não considera se estas pessoas possuem aptidão pessoal e capacidade social para o trato com os pacientes e a lida com as situações que a prática impõe (Millan, Azevedo, Rossi, De Marco, Millan & Arruda, 2005; Soria, Guerra, Gimenez & Escanero, 2006).

Millan et al. (1999) ressaltam que, muitas vezes, compreender o motivo que leva uma pessoa a escolher viver tão próxima da morte (sendo que, por outro lado, é isso o que mais teme ela própria) é bastante instigante. Os autores apontam que a angústia e a impotência frente à morte são dignas de nota quando se fala em escolha profissional pela medicina. Afinal, esta encontra-se associada à incapacidade de tolerar limites, fato

(28)

que corrobora para a aquisição de uma postura onipotente de negação frente à condição humana.

A vocação médica pode ser analisada, do vértice psicológico, tanto pelas motivações conscientes, como pelas inconscientes. Algumas das razões mais citadas para a escolha da profissão encontram-se relacionadas à idéia de salvar vidas, ajudar, tratar, ser útil ao próximo. Entretanto, inconscientemente, as razões mobilizadas são a necessidade de reparação, a negação da dependência e a busca por onipotência, além das defesas contra a própria doença, o sofrimento e a morte. Assim, a escolha, muitas vezes, está ligada a experiências passadas, tais como doença na família e perda de entes queridos, que foram vivenciadas como de difícil resolução ou reparação (Meleiro, 2005; Mello Filho, 2006).

Em pesquisa realizada com alunos do quarto e quinto anos de medicina, em quatro escolas médicas mexicanas, relatada por Fajardo-Dolci, Laguna- García, León-Castañeda e Gutiérrez (1995), constatou-se que metade dos alunos tinha algum familiar atuando no campo da saúde destes, 83% eram médicos. Isto corrobora a idéia de Lucchiari (1993), quando a mesma salienta que a escolha pela profissão é perpassada pelo contexto que a pessoa vive.

Um estudo descritivo realizado na Espanha, com os alunos de medicina da Universidade de Zaragoza (Soria et al., 2006), buscou identificar as razões pelas quais os estudantes haviam optado pela medicina, e constatou que 68% deles, definiu em primeiro lugar, as razões denominadas altruístas, ou seja: pelo desejo de ajudar aos outros e o de ser útil ao próximo. As razões consideradas intelectuais, que se referem aos desafios da profissão e ao fato de ser esta uma área científica e estimulante, que lhes exige intelectualmente, foram apontadas por 25% da amostragem. Em terceiro e quarto lugares foram apontados motivos pessoais (pressão familiar, contato com doença, familiares médicos), e instrumentais tais como prestígio, status, nível socioeconômico e boas perspectivas profissionais.

As diferenças entre os gêneros foi também considerada em pesquisa realizada por Millan et al. (2005), sendo que as razões apontadas para a escolha pela medicina apresentam similaridade entre os homens e as mulheres. Porém, quando pesquisados alguns fatores de personalidade, as mulheres tendem a apresentar maior sensibilidade e menos características imaginativas, bem como demonstram mais maturidade emocional do que os homens. Estes têm maior tendência à competição e características ligadas à ambição, se comparados com o grupo de mulheres.

(29)

Hoirisch (2006) avalia que a decisão de ser médico deve ser analisada através de uma focalização multidimensional, pois várias são as dimensões questionadas sobre a razão para esta escolha. Entre as mais focalizadas, encontra-se a afinidade com as ciências biológicas, o amor ao próximo, o desejo de praticar o bem para com os semelhantes e o de contribuir para o bem-estar da humanidade. Entretanto, o autor destaca que há quem afirme que um dos pontos mais decisivos é a busca do poder e justifica esse ponto fazendo referência aos documentos médicos (atestados, certidões, laudos ou pareceres) que podem deflagrar interdição judicial, anulação de casamento, bem como atestar frente à justiça, constituindo formas de poder outorgadas ao médico.

Em um estudo qualitativo realizado com médicos, que objetivava resgatar as dimensões sobre a construção cotidiana de “ser médico”, Grosseman e Patrício (2004a) verificaram que, muitas vezes, a formação acadêmica vivenciada por estes profissionais acaba limitando parte da expressão de seus desejos. Assim, conforme esses autores, o desejo de curar, salvar ou cuidar dos seres humanos é muitas vezes limitado pela ênfase da formação centrada no diagnóstico e no tratamento de doenças, o que pode precipitar a reflexão sobre os ideais da escolha profissional.

Nesse sentido, Fajardo-Dolci et al. (1995) constataram, que, em um grupo de 1.044 estudantes de medicina, um quarto dos alunos, manifestou arrependimento por ter optado pelo curso. Entre os motivos apontados, referem principalmente, a decepção frente a tanto sacrifício e ao futuro incerto oferecido pela profissão. Entretanto, desse grupo, apenas 21% manifestou o desejo de seguir outra carreira. Sob este aspecto, Azevedo, Tollendal, Nogueira, Bartels, Paula e Beraldo (2005) ressaltam que o aluno, ao ingressar na faculdade de medicina, incitado pelas crenças de caráter onipotente, acredita que todas as suas expectativas serão alcançadas. Não obstante, como estas não se concretizam da maneira idealizada, surge o desejo pela desistência e pelo abandono do curso.

Desse modo, conforme exposto, o jovem médico passa, na maioria das vezes, a incorporar os ditames e o modelo a ele “imposto”, cristalizando comportamentos que lhe são passados e, que, nas palavras de Meleiro (2005), podem ser entendidos tanto no sentido de assumir um comportamento frio, científico e de neutralidade, quanto uma postura brincalhona e jovial. Esses comportamentos acabam sendo generalizados para todas as situações e, independente do paciente que está a sua frente, a postura passa a ser sempre a mesma.

(30)

O médico, então, geralmente comporta-se como se conhecesse tudo o que se passa com o seu paciente, incluindo o que eles podem esperar até o que devem suportar. Essa postura caracteriza o que Balint (1984) denomina de “Função Apostólica”. Em outras palavras, é como se o médico tivesse de converter seus pacientes à sua própria fé, normas e credos. Assim, a sua postura acaba generalizando-se para todos os pacientes, e estes, por sua vez, devem aderir ao que é imposto, comportando-se como se fossem apóstolos, diante do profisional.

Assim, pode-se fazer uma analogia ao modelo de formação positivista, pensando que, do mesmo modo que os cursos da saúde aderiram ao modelo biomédico, acabaram também por reproduzir o saber de modo mecanicista. Como se formar médicos fosse equiparado a uma linha de montagem, em que as pessoas entram e saem modeladas no padrão científico e “frio”, citado anteriormente (Meleiro, 2005).

A formação ao enfatizar os aspectos físicos, não permite encarar o tratamento como algo além das enfermidades físicas e reais (Balint, 1984). Nesse aspecto, são bem antigas e fundamentadas as críticas feitas à medicina organicista. Mesmo assim, ainda hoje, constata-se uma grande resistência em romper com essa prática e buscar um modelo mais comprometido com o ser humano (Sá, 2000).

A identidade assumida pelo médico passa, muitas vezes, a ocultar preocupações, anseios, incertezas e hesitações, como se a formação acabasse por dicotomizar também ao médico, rechaçando aspectos de sua personalidade e humanidade. Meleiro (2005), utilizando as palavras de Hoirisch (1976), diz que a armadura profissional caracterizada pela roupa branca, jaleco, e estetoscópio no pescoço passa a representar símbolos de defesa contra a doença, o sofrimento e a morte, ao mesmo tempo em que oculta a pessoa do médico e seus aspectos “humanos de ser”.

Sobre esta postura, Quintana et al. (2004), em pesquisa desenvolvida com professores médicos, de um curso de medicina do sul do país, buscavam identificar quais são habilidades que, segundo os professores, devem ser desenvolvidas pelos futuros médicos durante sua formação. Os autores constataram que os professores esperam que o aluno desenvolva o que denominaram de “calosidade emocional”. Ou seja, a idéia presente é de que o estudante aprenda a reprimir sentimentos e emoções, criando uma couraça que o fortaleça frente a situações geradoras de emoção, na tentativa de tornarem-se imunes a esse tipo de afeto.

Os professores da medicina entrevistados nesse mesmo estudo referiam que, para aprender a controlar as suas emoções, o aluno não deve refletir sobre seus

(31)

sentimentos, mas sim reprimi-los. E que a repressão dos sentimentos deve começar entre eles, de modo que esse controle inicie por não deixar transparecer as emoções geradas pelo confronto com a morte e o sofrimento entre colegas e professores. O método adotado para que os alunos desenvolvam essa “couraça emocional” é a dessensibilização, que consiste em submetê-los repetidas vezes a situações de morte, sofrimento e dor. Diante disso, considera-se que houve aprendizagem quando se evidencia a ausência de manifestações emocionais e a habilidade em contê-las (Quintana et al., 2004).

Esse aspecto, de que a exposição às situações estressantes eliminaria a carga emocional a qual os estudantes estão expostos, pode ser também percebido na frase de um médico oncologista, quando relata o desfecho de um caso grave: Afirma que o sentimento de tristeza, de abatimento, é rapidamente compensado pela entrada do próximo paciente (Paulo, 2004). Nesta afirmação, encontra-se presente a idéia de que a exposição a mais um paciente eliminaria o abalo anterior, idéia presente na aprendizagem por dessensibilização.

O reconhecimento da emoção gerada muitas vezes ocorre através do que se denomina “sintoma vagal”, o qual pode ser caracterizado por bradicardia, sudorese, palidez, hipotensão. Entretanto, todos estes sintomas são interpretados como relacionados ora à carência alimentar naquele momento, ora à debilidade decorrente de alguma doença; ambas justificativas vinculadas à condição física. A ocasião e o contexto em que os sintomas ocorrem são desconsiderados, por exemplo: aulas de anatomia frente ao cadáver, intervenções cirúrgicas. Assim, desconsidera-se a carga emocional que é suscitada diante dessas vivências (Quintana, et al.; 2004).

3.4.2 Aspectos presentes no cotidiano médico

A magnitude do estresse9 da formação médica, especialmente durante o período de residência médica, é descrito por Nogueira-Martins e Jorge (1998). Esses autores salientam que a residência exige que o profissional aprenda a lidar com sentimentos de vulnerabilidade, desamparo e impotência, fazendo um balanço sobre o desejo de cuidar e o de curar, aliado às cobranças em nível profissional. Desse modo, entende-se que os residentes estão submetidos a uma gama de situações estressantes na sua formação e       

9

A palavra estresse deriva do latim stringere, que significa apertar, cerrar, comprimir (Houaiss, 2001). Nesta pesquisa, compartilha-se a conceituação de Stacciarini e Tróccoli (2001), de que o estresse é qualquer situação ou evento que gera sentimentos de tensão, ansiedade, ameaça ou medo.

(32)

que, se estas situações não forem trabalhadas, poderão produzir efeitos danosos, tanto para o residente, como para quem ele presta seu serviço.

Entre os fatores estressantes associados ao exercício profissional, referem-se que, inerentes à tarefa médica, estão presentes o contato íntimo e freqüente com a enfermidade, com a dor e com o sofrimento, incluindo o lidar intimamente com o corporal e o emocional, o atendimento a pacientes terminais, pacientes difíceis, que não aderem ao tratamento, queixosos, rebeldes, cronicamente deprimidos. Ademais, devem ser citadas as situações de incerteza e limitações do conhecimento médico e do sistema assistencial, que muitas vezes se contrapõem às demandas e expectativas dos pacientes e familiares que buscam certezas e garantias (L. A. Nogueira – Martins, 2002).

Neste sentido, conforme apontam Krebs, Garrett e Konrad (2006), existem demandas que são responsáveis por maiores níveis de frustração profissional. Em pesquisa realizada com médicos, consta que esses profissionais referem maior frustração diante de pacientes mais jovens, com sintomas de depressão, estresse e ansiedade, bem como aqueles com problemas de ordem psicossocial e abuso de substâncias. A frustração profissional relaciona-se, ainda, com uma carga horária extensa de trabalho, médicos que trabalham mais parecem apresentar menor tolerância, o que eleva os níveis de frustração.

L. A. Nogueira-Martins (2004) refere pesquisa realizada por Machado (1997) sobre o perfil sociológico dos médicos no Brasil, e aponta que 80% destes considera a atividade médica desgastante. Entre os motivos atribuídos a isso, encontram-se fatores, tais como excesso de trabalho, múltiplos empregos, baixa remuneração, más condições de trabalho, nível alto de responsabilidade profissional, dificuldade na relação com os pacientes, cobrança da população e perda de autonomia. Além disso, o médico estaria entre as classes profissionais que menos valoriza e considera esses fatores de risco.

Já em pesquisa realizada com médicos na posição de pacientes, Meleiro (2005) constatou que os médicos são “mestres” em ignorar e negar os avisos que dão aos próprios pacientes. Esses profissionais, quando doentes, ignoram a própria dor, desconforto ou exaustão, optando por se automedicarem, realizando eles mesmos seus diagnósticos. O mito e a crença de que os médicos são imunes à doença está por toda parte. E, quando este admite que está doente, indo procurar outro profissional, tem dificuldade de revelar o fato de que ele mesmo vinha sendo seu médico. Sente-se, muitas vezes, envergonhado, como se tivesse falhado, e ainda culpado por ter de deixar suas tarefas para outro profissional sem “aviso prévio”.

(33)

Sobre o impacto da prática da medicina na saúde mental dos médicos, Meleiro (1998) coloca que os sentimentos de culpa e de fracasso, bem como de onipotência frente a situações em que não há o que fazer, situações que são limitadas pela própria realidade, acabam favorecendo quadros depressivos e maior incidência de suicídio nesta população. O risco de suicídio entre médicos, em todo mundo, é superior ao da população geral, e, dependendo da especialidade, este risco pode aumentar.

Deste modo, deve-se destacar o caráter altamente ansiogênico do exercício profissional do médico. Como regra geral, apesar de pequenas variações, intrínsecas à tarefa médica, está a exposição, ao que L. A. Nogueira-Martins (2003) denominou de “radiações psicológicas”, ou seja, conteúdos emocionais que são emanados do contato íntimo com o adoecer. Associados a estes conteúdos, ainda são descritos fatores como: muito ou pouco envolvimento, a dificuldade em pedir ajuda, a falta de tempo para realização de outras atividades/necessidades, o não-compartilhamento de sentimentos, e culpa ou insatisfação por achar que não realizou o que deveria ser feito. E também fatores como a vontade de mudar de emprego, receio de mudança, não descansar suficientemente, estar com sérios problemas no trabalho e na vida privada ao mesmo tempo.

Tais aspectos, presentes no cotidiano médico, acarretam interferências na vida pessoal, uma vez que alguns dos fatores de estresse apresentados parecem estar relacionados a eventos da vida privada. Goldner (1985) apud McGoldrick (1995) salienta a interpenetração da vida privada (pessoal e familiar) com a esfera do trabalho. Desse modo, essas duas esferas se intercambiam, estabelecendo comunicação e interferências uma na outra.

A este respeito, Carter e McGolddrick (1995) referem a importância de conhecer o Ciclo Vital Familiar e Individual10 do sujeito, para que seja possível conhecer as fases desenvolvimentais pelas quais as pessoas passam e as interferências decorrentes ou não de determinada etapa. Desta maneira, o trabalho pode configurar-se em um dos elementos de influência sobre o ciclo vital. Um dos eventos, que pode ou não fazer parte do ciclo vital familiar, é o divórcio, que, entre os profissionais da medicina, parece ter sido evidenciado, com estatísticas e incidências maiores, quando comparados com a população geral, desde a década de 70 (Rose & Rosow, 1972, Hall, 1988).

       10

Ciclo Vital Familiar designa os fenômenos que sucedem, em determinado ritmo o processo de desenvolvimento familiar, etapas, como a Formação do Casal, a Família com filhos pequenos, em Estágio tardio da vida, etc. Ciclo Vital Individual refere aos processos de desenvolvimento individual, infância, adolescência, fase adulta, etc (Carter e McGoldrick, 1995).

(34)

Warde, Moonesinghe, Allen e Gelberg (1999) apontam que a satisfação marital encontra-se relacionada a baixos níveis de estresse e à realização profissional do médico, sendo o inverso também verdadeiro. As pesquisas indicam que o número de casamentos entre médicos aumentou, devido ao crescimento do número de mulheres nas escolas médicas (Woodward, 2005). Entretanto, as mulheres médicas apresentam propensão maior do que os homens de vivenciar instabilidade emocional no casamento (Rose & Rosow, 1972).

Woodward (2005) aponta, ainda, que, quando ambos os cônjuges são médicos, no geral estes são obrigados a reduzir a carga de trabalho para dar conta dos filhos e das funções domésticas; ao passo que, se apenas um dos cônjuges for da área médica, o outro acabará reduzindo a sua carga horária para organizar a vida pessoal e privada.

A importância das relações familiares é salientada por Jiménez (2005), ao ressaltar que os médicos que mantêm vínculos e relações interpessoais satisfatórias apresentam maior tolerância ao estresse. A esse respeito, Woodward (2005) aponta a necessidade de mais investigações sobre a influência e relação entre trabalho e família do profissional da medicina. Além dessas constatações sobre a importância da relação entre o trabalho e a família, cabe considerar algumas especificidades associadas ao desempenho da atividade profissional do médico oncologista, cujas considerações são apresentadas no próximo tópico.

3.4.3 Especificidades da oncologia

Ao considerar algumas especificidades da oncologia, há que se levar em conta que as fantasias e os estigmas relacionados ao câncer permeiam não apenas as pessoas de um modo universal, mas também os profissionais. Deste modo, mesmo diante da possibilidade de cura, em alguns casos, ou de tornar-se uma doença crônica, o diagnóstico de câncer traz medos de deteriorização, sofrimento, dor e morte, que assolam inclusive os médicos (V. Carvalho, 2006).

Nesse sentido, Shanafelt (2005) salienta que o trabalho de médicos oncologistas e as exigências feitas a estes, desde a residência, compreendem viver e enfrentar situações de privação do sono, muitas horas dentro do hospital e pressões da própria especialidade, que exigem domínio do conhecimento. Também devem lidar com o sofrimento e a morte dos pacientes. Aliada a estas exigências, encontra-se a incapacidade de controlar seus compromissos e afazeres.

(35)

Em pesquisa realizada por M. A. N. Ramalho e M. C. F. Nogueira-Martins (2007), que tinha como objetivo conhecer a realidade psico-ocupacional dos profissionais da clínica de oncologia pediátrica, ficou demonstrado que as dificuldades de organização do trabalho, bem como aquelas inerentes da doença e seu tratamento, são identificadas como fonte de estresse.

Sobre os principais fatores estressantes relacionados ao profissional da oncologia, L. A. Nogueira-Martins e M. A. N. Ramalho (2007) utilizam-se dos dados da Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica. O primeiro item apontado relaciona-se à natureza do trabalho, ou seja, a lidar com doença grave cotidianamente, lidar com o contexto emocional dos pacientes e familiares, conviver com a morte de 30% dos pacientes e, ainda, conviver em uma cultura na qual não é permitido reclamar, tendo que estar sempre “bem” para atender as pessoas, e envolvido nas suas solicitações e demandas. O segundo item refere-se aos problemas inerentes da equipe de saúde e de sua organização, quanto ao trabalho propriamente dito, sendo que são elencados: o tempo insuficiente para atender às demandas assistenciais, os problemas de comunicação, a equipe reduzida, a ausência de solução por parte da administração, a desintegração da equipe, a baixa moral e a competição.

No que se refere aos problemas institucionais e da organização, Gonçalves (2007) salienta que uma das dificuldades vivenciadas em contextos de saúde, como hospitais, refere-se aos problemas decorrentes do sistema de saúde, que acabam, muitas vezes, por limitar as ações dos profissionais, interferindo, assim, na satisfação destes e na assistência prestada.

V. Carvalho (2006) também aponta a interferência do sistema de saúde no trabalho do profissional, pois, na oncologia, o não-acesso pode representar a diferença entre a vida e a morte. Relata, ainda, que um dos elementos subjetivos presentes nesta especialidade refere-se a uma desvalorização, enquanto área de atuação, visto que a medicina se estruturou como uma ciência voltada para a cura. Portanto, as especialidades ditas “curativas”, estariam em uma posição hierárquica superior do que àquelas mais relacionadas ao ato de cuidar.

Sobre a natureza do trabalho, no que se refere à constante exposição a pacientes terminais e à morte, Kovács (1992) ressalta que trabalhar com o sofrimento ocasionado pela perda do paciente remete, muitas vezes, a trabalhar a própria negação do profissional diante da morte, uma vez que isso desperta neles vivências que ferem seu narcisismo e sua onipotência, colocando-os diante do incompleto, de algo não

Referências

Documentos relacionados

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

A motivação para o desenvolvimento deste trabalho, referente à exposição ocupacional do frentista ao benzeno, decorreu da percepção de que os postos de

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam