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O direito humano aos cuidados paliativos: um estudo do alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 a partir da perspectiva da Ecosaúde

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Nadjanine Galindo de Freitas Farias

O direito humano aos cuidados paliativos: um estudo do alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 a partir da perspectiva da Ecosaúde

Florianópolis 2020

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O direito humano aos cuidados paliativos: um estudo do alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 a partir da perspectiva da Ecosaúde

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito

Orientador: Prof. Dr. Francisco Quintanilha Veras Neto

Florianópolis 2020

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Farias, Nadjanine Galindo de Freitas

O direito humano aos cuidados paliativos : um estudo do alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 a partir da perspectiva da Ecosaúde / Nadjanine Galindo de Freitas Farias ; orientador, Francisco Quintanilha Veras Neto, 2020.

113 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós Graduação em Direito, Florianópolis, 2020.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Cuidados paliativos. 3. Direito humanos. 4. Ecosaúde. I. Quintanilha Veras Neto, Francisco . II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós Graduação em Direito. III. Título.

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

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O direito humano aos cuidados paliativos: um estudo do alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 a partir da perspectiva da Ecosaúde

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. José Rubens Morato Leite Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Dra. Maria Ligia dos Reis Bellaguarda Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Dra. Melissa Ely Melo Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Direito.

______________________________________________ Prof. Dr. Francisco Quintanilha Veras Neto

Orientador

______________________________________________ Coordenação do Programa de Pós-Graduação

Florianópolis, 2020.

Documento assinado digitalmente Francisco Quintanilha Veras Neto Data: 22/04/2020 14:12:22-0300 CPF: 888.328.139-04

Documento assinado digitalmente Norma Sueli Padilha

Data: 28/04/2020 17:24:58-0300 CPF: 050.840.658-71

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A todo e qualquer ser humano que necessite de cuidados paliativos.

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Apresento minha imensa gratidão à espiritualidade, que me guia há longa data. Agradeço igualmente à minha ancestralidade por permitir a vinda de tantos para que eu pudesse estar aqui, fornecendo minha parcela de contribuição aos resgates necessários. Gratidão à consciência e inteligência cósmica, assim como a todos os movimentos, processos, perdas e ganhos ao longo do caminho, nos auxiliando através da complexidade, do terceiro incluído, das mudanças, a caminhar para o melhor.

Enorme gratidão aos meus pais, irmãos, à minha noiva e aos meus grandes amigos. Todos me acompanharam e me acompanham nessa jornada infindável – o fim alcança apenas as metas e as existências, mas nos propagamos por cada molécula infinitamente -, me conduzindo, ouvindo, auxiliando. Dentro de cada limitação, essas pessoas foram importantes, sempre dando o melhor de si e abraçando cada sonho junto comigo. Agradeço às minhas mães e irmãos de santo que me deram a mão na jornada espiritual.

Gratidão aos professores do Programa de Pós-graduação em Direito da UFSC por me darem todo o suporte necessário e em especial ao meu orientador Francisco Quintanilha Veras Neto, a alma mais pura que já conheci na existência presente.

Agradeço a todos os que já passaram e aos que ainda virão. Certamente, nossas vidas precisarão se encontrar. Gratidão aos meus filhos felinos Hannah, Pingo, Pituta, Gordinha e Raposa, por tornarem meus dias melhores e muito mais leves, e por me ensinarem a dar valor ao agora, a cada toque, abraço, olhar, presença.

Por fim, agradeço a todos os cientistas que ajudaram a humanidade a pensar o novo, a quebrar barreiras, a ser menos ríspida, a melhorar vidas, ultrapassar paradigmas, repensar as tradições e propor construções em todos os âmbitos sociais a fim de levar o mundo para um lugar melhor.

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Também nós devemos errar pelo deserto e lutar. Nossa tarefa é educacional; devemos treinar homens capazes de entrar nas batalhas do humanismo. Nada mais podemos esperar dos governos, o que torna inútil a publicação de um periódico. Entre os médicos, aqueles que forem capazes de levar adiante a educação não mais precisam de um guia, enquanto que os indolentes beócios nunca serão atingidos pela razão. Portanto, nossa única tarefa é educar o povo em relação aos problemas de saúde pública e aos problemas de como ganhar a vida, assisti-los através de um fornecimento contínuo de novos mestres capazes de construir a maior base possível para alcançar a vitória final. A reforma médica que tínhamos em mente era um reforma da ciência e da sociedade. Desenvolvemos estes princípios; mesmo sem a continuação da existência deste órgão eles progredirão. E cada momento nos encontra ocupados em trabalhar por eles e prontos a lutar por eles. Nossa causa permanece inalterada; só muda o campo de sua atividade.

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Os cuidados paliativos começaram a ser pensados, desenvolvidos e discutidos, no plano científico, pelas áreas voltadas às ciências biomédicas com a perspectiva de desenvolver teorias e práticas assistenciais que promovessem a melhoria da qualidade de vida de pacientes – e de seus familiares – acometidos de doenças que ameaçavam a vida. Nesse prisma, os planos de ação tinham como base teórica a prevenção ou alívio de dor ou qualquer tipo de sintoma de caráter físico, psicológico e espiritual. No entanto, para a sua criação e implementação no país é necessário que haja um aporte jurídico que possibilite a entrada em vigor das ações e sua efetividade. Assim, foi criada a Resolução Nº 41, de 31 de outubro de 2018, pela Comissão Intergestores Tripartite, através do Ministério da Saúde, que dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, o presente trabalho busca investigar o alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 sobre cuidados paliativos a partir da perspectiva da Ecosaúde. Em relação à metodologia, a pesquisa se caracteriza como explicativa. Quanto aos resultados, esta possui natureza aplicada, objetivando, a partir de parâmetros teóricos, a proposição de uma aplicação prática.

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Palliative care began to be thought, developed and discussed, at the scientific level, by areas focused on biomedical sciences with the perspective of developing care theories and practices that promote the improvement of the quality of life of patients - and their families - suffering from diseases that threatened life. In this light, the action plans were theoretically based on the prevention or relief of pain or any type of symptom of a physical, psychological and spiritual character. However, for its creation and implementation in the country it is necessary that there is a legal contribution that allows the actions to take effect and their effectiveness. Thus, Resolution 41, of October 31, 2018, was created by the Tripartite Inter-Management Commission, through the Ministry of Health, which provides for guidelines for the organization of palliative care, in the light of integrated continuous care, within the scope of the Single System of Health (SUS). In this sense, the present study seeks to investigate the social scope of Resolution nº 41 / CIT / MS of 2018 on palliative care from the perspective of Ecosaúde. Regarding the methodology, the research is characterized as explanatory. As for the results, it has an applied nature, aiming, based on theoretical parameters, the proposition of a practical application.

Keywords: Palliative care. Human Rights. Ecohealth.

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Figura 1- A variação da necessidade de cuidados paliativos... 56 Figura 2 - O papel dos Cuidados Paliativos durante a doença e o luto ... 57 Figura 3 - Mortalidade proporcional por grupos de causa, dividido pelos 10 grupos de maior peso no ano de 2011. Brasil, 1980 a 2033 ... 71 Figura 4 - Taxa de Mortalidade em padrão de 100.000 habitantes em grupos de causas selecionados. Brasil 1980, 1990, 2000, 2010, 2020, 2033 ... 72

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Gráfico 1 - Gráfico para ilustrar a porcentagem de pessoas, por classificação de idade, que necessitam de cuidados paliativos ao fim da vida ... 78 Gráfico 2 - Doenças que mais demandam cuidados paliativos ao fim da vida no mundo ... 79 Gráfico 3 - Distribuição de adultos necessitados de cuidados paliativos no final de vida pelas regiões da OMS ... 80

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Tabela 1 - Verbas para a saúde pública na década de 50 ... 45

Tabela 2 - Participação do Ministério da Saúde no orçamento da União (1961-1980)... 46

Tabela 3 - Escala de Performance Paliativa (PPS) ... 75

Tabela 4 - Escala de Desempenho de Karnofsky ... 76

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ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados AMB – Associação Médica Brasileira

ANCP – Associação Brasileira de Cuidados Paliativos ARES – Acervo de Recursos Educacionais em Saúde CFM – Conselho Federal de Medicina

CIT – Comissão Intergestores Tripartite

DATASUS – Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos

EAPC - Associação Europeia de Cuidados Paliativos FMI – Fundo Monetário Internacional

HCPA/UFRGS – Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

HRW - Observatório dos Direitos Humanos

HSPE/SP – Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo HUMANIZASUS – Política Nacional de Humanização

IAHCP - Associação Internacional de Cuidados Paliativos

ICESCR – Direito Humano Internacional à Saúde do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

IMIP/PE – Instituto de Medicina Integral Fernando Figueira de Pernambuco INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social LEGISUS – Sistema de Cadastro e Consulta de Legislações do SUS

MS – Ministério da Saúde

NOAS – Norma Operacional da Assistência à Saúde NOB – Normas Operacionais Básicas

OMS – Organização Mundial da Saúde ONU – Organização das Nações Unidas

ONU-HABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde

PCV – Programa De Volta Para Casa

PNADCP - Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos

PNAISC – Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer, Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança

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Integrativas e Complementares PSE – Programa Saúde na Escola

SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia

SIGTAP – Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses/Proteses e Materiais Especiais

SLEGIS – Sistema de Legislação da Saúde SNA – Sistema Nacional de Auditoria SUS – Sistema Único de Saúde

UNA-SUS – Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a infância

UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo WHO – World Health Organization

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1 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA E O DIREITO SANITÁRIO ... 31 1.1 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA ... 33

1.1.1 Saúde Pública: da Antiguidade à Idade Média ... 33 1.1.2 A Modernidade bate à porta: a chegada da medicina social ... 37 1.1.3 A receptividade de conceitos ... 40 1.2 SISTEMAS DE SAÚDE NO BRASIL E A SAÚDE PÚBLICA ... 42

1.2.1 Breve histórico político da saúde no Brasil ... 42 1.2.2 A Reforma Sanitária no Brasil ... 46 1.2.3 O Sistema Único de Saúde ... 48 2 OS CUIDADOS PALIATIVOS E A RESOLUÇÃO Nº 41/CIT/MS DE 2018 ... 53

2.1 CUIDADOS PALIATIVOS: DO CONCEITO SANITÁRIO A UM DIREITO

HUMANO ... 53 2.1.1 Gênese e avanços teóricos de cuidados paliativos ... 53 2.1.2 A construção de um conceito jurídico ... 58 2.1.3 A humanização de um direito ... 67 2.2 A RESOLUÇÃO Nº 41/CIT/MS DE 2018 ... 70

2.2.1 Cuidados Paliativos no Brasil: Perfil epidemiológico, operabilidade e critérios de elegibilidade ... 71 2.2.2 Perfil de operabilidade de cuidados paliativos no mundo ... 77 2.2.3 A Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 ... 81 3 CUIDADOS PALIATIVOS E OS PARÂMETROS DA ECOSAÚDE ... 85 3.1 A ECOSAÚDE ... 85

3.1.1 Marcos históricos ... 85 3.1.2 Parâmetros conceituais ... 87 3.1.3 A Ecosaúde: um novo olhar sobre o sistema normativo do SUS ... 89 3.2 ALCANCE SOCIAL DA RESOLUÇÃO Nº 41/CIT/MS DE 2018 ... 92

3.2.1 Fator jurídico-político-econômico: Emenda Constitucional 95 de 2016 ... 92 3.2.2 O alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 no Brasil à luz da Ecosaúde ... 93 3.2.3 Exemplo de ações do Judiciário e do Ministério Público na efetivação do direito humano aos cuidados paliativos ... 95 4 CONCLUSÃO ... 97 REFERÊNCIAS ... 101

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INTRODUÇÃO

A partir da criação de programas e do planejamento de ações e metas de saúde traçadas pelo Ministério da Saúde no Brasil, ao longo dos anos, diversas políticas nacionais têm visado garantir a melhoria da saúde da sociedade brasileira, especialmente para os usuários do Sistema Único de Saúde, através da prevenção de doenças e da promoção da qualidade de vida dos pacientes tanto em ambientes sanitários quanto fora deles. Nesse contexto, estão os cuidados paliativos.

Os cuidados paliativos começaram a ser pensados, desenvolvidos e discutidos, no plano científico, pelas áreas voltadas às ciências biomédicas com a perspectiva de desenvolver teorias e práticas assistenciais que promovessem a melhoria da qualidade de vida de pacientes – e de seus familiares – acometidos de doenças que ameaçavam a vida. Nesse prisma, os planos de ação tinham como base teórica a prevenção ou alívio de dor ou qualquer tipo de sintoma de caráter físico, psicológico e espiritual. No entanto, para a sua criação e implementação no país é necessário que haja um aporte jurídico que possibilite a entrada em vigor das ações e sua efetividade.

Assim, foi criada a Resolução Nº 41, de 31 de outubro de 2018, pela Comissão Intergestores Tripartite, através do Ministério da Saúde. A Resolução dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS).

Nesse sentido, o presente trabalho busca investigar o alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 sobre cuidados paliativos a partir da perspectiva da Ecosaúde. No primeiro capítulo, intitulado "História da saúde pública e o direito sanitário", trata sobre a necessidade de se incorporar a história como um elemento constitutivo da política de saúde, constituindo um dos objetivos específicos da pesquisa: compreender o desenvolvimento teórico da Medicina Social e da saúde pública, apresentando sua inter-relação com a criação e estruturação do Sistema Único de Saúde.

Para isso, será apresentada uma investigação sobre a evolução conceitual do termo, bem como os momentos históricos e suportes teóricos relevantes para essa investigação, visto que a história pode oferecer, por exemplo, a oportunidade de compreender como o contexto político e econômico em certas épocas influencia diretamente nas condições de saúde das sociedades, além de uma visão mais ampla sobre o processo de criação do Sistema Único de

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Saúde (SUS), as bases teóricas sanitárias e os direitos sócio-sanitários que foram sendo moldados e formalizados no Brasil.

Por sua vez, o segundo capítulo, "Os cuidados paliativos e a Resolução Nº 41/CIT/MS de 2018", aborda, como o título já indica, as origens e avanços teóricos dos cuidados paliativos, bem como seu processo de judicialização no Brasil. Este capítulo está relacionado a outro objetivo específico: identificar avanços teóricos, jurídicos e operacionais dos cuidados paliativos no Brasil, alcançando a Resolução.

Já o terceiro capítulo, "Cuidados paliativos e parâmetros da Ecosaúde", busca investigar o alcance social da Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 no Brasil, a partir do objetivo de compreender os parâmetros conceituais e determinantes da Ecosaúde. Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre o tema.

A hipótese que norteou inicialmente a pesquisa é a de que, apesar de existirem avanços teóricos e práticos com a criação e dinamicidade do SUS, sua estrutura e modelo de pensamento não corresponderiam à perspectiva ecossanitária de saúde no Brasil; portanto, a Resolução nº 41/CIT/MS de 2018 não teria alcance social à luz da Ecosaúde.

Em relação à metodologia, a presente pesquisa se caracteriza como explicativa, tendo por escopo “[...] identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos” (GIL, 2007, p. 70). Em relação aos resultados, a pesquisa possui natureza aplicada, objetivando, a partir de parâmetros teóricos, a proposição de uma aplicação prática (GÓMEZ; MINAYO, 2006, p. 38).

Quanto às informações, a pesquisa é qualitativa, apesar de se utilizar de dados estatísticos em seu início, uma vez que considera que a pesquisa qualitativa, assim como afirma Mezzaroba e Monteiro (2017, p. 138), “[...] pode até lançar mão de dados quantitativos incorporados em suas análises, mas o que vai preponderar sempre é o exame rigoroso da natureza, do alcance e das interpretações possíveis para o fenômeno estudado”.

Explicitado o tipo de pesquisa, serão apresentados os métodos científicos e técnicas de pesquisa a serem empregadas para a consecução dos resultados. O método de abordagem será o dedutivo, partindo de premissas e argumentos gerais para argumentos particulares. Na dedução, a certeza das premissas é transferida para a conclusão, o que se demonstra viável para a pesquisa que se propõe (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2017, p. 139).

Ademais, o enfoque em Ecosaúde pretende uma integração entre outras disciplinas que convergem com o estudo da saúde, considerando que há uma necessidade precípua de se colocar em evidência determinantes sociais e ambientais que afetam o âmbito sanitário. Isso requer o uso da transdisciplinaridade (BETANCOURT; MERTENS; PARRA, 2016). Assim,

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na presente pesquisa, considerar-se-ão determinantes sociais e ambientais, além de construções epistemológicas e jurídicas, que permeiam o objeto de investigação.

É imperioso ressaltar que se identificou em pesquisas preliminares uma sucessão de profissionais que alimentam o debate na comunidade científica sobre avanços teóricos e práticos dos cuidados paliativos no Brasil. Alguns deles são biólogos, enfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicólogos, fonoaudiólogos, sociólogos, antropólogos, médicos, assistentes sociais, nutricionistas, farmacêuticos e juristas.

Além dos juristas que fazem parte da comunidade científica, observou-se também aqueles que não fazem parte do âmbito científico, mas que têm contribuído fundamentalmente nos avanços práticos dos cuidados paliativos. São eles membros do Ministério Público, da Magistratura em todas as instâncias, de advogados que lidam com contendas relativas à saúde individual e coletiva, e membros do Poder Executivo, em especial os profissionais ligados ao Ministério da Saúde, em todos os entes federativos, que trabalham no sentido de formalizar portarias e resoluções que abrangem os cuidados paliativos.

Como método de procedimento, a pesquisa foi bibliográfica, a partir de livros, revistas, periódicos, textos acadêmicos – como dissertações e teses – sobre os assuntos de estudos imprescindíveis para sua produção, seguindo o caminho de descrição, compreensão e explicação (FREITAS; PRODANOV, 201, p. 39).

Como método auxiliar, foi utilizado o método estatístico (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2017, p. 142), a fim de se quantificar de forma pormenorizada o número de usuários do SUS que tiveram acesso aos cuidados paliativos no Brasil, mapeando dados entre 2016 e 2017 por regiões. Esses dados foram reunidos a partir do site governamental do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP), sendo este último acessado com a finalidade de se obter informações acerca dos procedimentos de cuidados paliativos realizados, profissionais envolvidos, modalidade de atendimento, complexidade e quantidade de procedimentos, dentre outros dados relevantes para a visualização do contexto de aplicação da paliação no Brasil.

Além disso, foi utilizado também o método histórico (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2017, p. 145), com o fim de se trazer uma perspectiva histórica da medicina social, da saúde pública e dos cuidados paliativos. Esse método auxiliou na compreensão da evolução conceitual, epistemológica e sociológica dos cuidados paliativos e da saúde pública, situando o seu curso até o que se tem no presente, o que se faz necessário para a posterior inserção do

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modelo de pensamento da Ecosaúde na análise dos determinantes sociais e ecológicos da problemática. A disposição histórica, nesse sentido, é fundamental.

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1 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA E O DIREITO SANITÁRIO

O presente capítulo suscita questionamentos acerca da origem e construção das culturas, dos costumes, da formação dos territórios, das heranças linguísticas, dentre outros fatores que constituem a sociedade. Conhecer o passado em seus mais variados aspectos, como o político, econômico, sociológico, pôde levar a humanidade a compreender melhor suas vivências, seus sentidos.

A própria História1 tomou diferentes rumos a partir do século passado. Segundo Burke (1992, p. 9-11), o paradigma2 tradicional da história se baseava em uma narrativa objetiva dos acontecimentos, essencialmente a partir de documentos, expondo, em regra, uma visão dominante de homens de alta hierarquia, estadistas e, por vezes, homens do clero.

No início do século XX, a Escola dos Analles ganhou espaço, na França, sendo marcada por uma mudança paradigmática e de métodos historiográficos, culminando em novas formas de relatar a história. Essas transformações proporcionaram a abertura de caminhos para uma “nova história”, que admitia sua composição pela interdisciplinaridade, pela recepção de novas fontes, pela relevância dada a grupos e indivíduos marginalizados, pela fragmentação (BURKE, 1992, p. 11-14). É nesse processo de fragmentação historiográfica que diversos domínios humanos adquiriram história, como por exemplo, a saúde.

A saúde se tornou um novo campo de produção para a história, mas também para os profissionais de saúde e periódicos científicos, que passaram a incorporar a história da saúde em suas pesquisas, atribuindo relevância e prestígio à interdisciplinaridade entre as áreas. Tratando dessa marcha produtiva ao final do século XX, com especificidade à área da saúde coletiva, no intuito de trazer como exemplo, Hochman, Santos e Pires-Alves informam (2004):

A partir da última década do século XX, historiadores e profissionais e gestores de saúde de vários países têm crescentemente se interrogado e perguntado uns aos outros – muitas vezes por razões distintas e divergentes – sobre a oportunidade, o sentido e a necessidade de incorporação da história no campo da saúde coletiva. Importantes periódicos científicos e profissionais desse campo passaram a dedicar espaço para essas reflexões e inquietações, criando seções específicas e permanentes dedicadas à história da saúde e da medicina. Instituições governamentais, internacionais e multilaterais3, tais como a OPAS e a Fundação Rockfeller,

começam a incorporar a história como elemento constitutivo da política de saúde.

1 História com H maiúsculo significa.... 2 O que é paradigma

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Como sabemos, esse não é um fenômeno novo. Ao contrário, ele está nas origens do que se convencionou chamar de medicina social, porém sua intensidade parece apontar para uma potencial renovação das relações entre história e saúde, em especial com o crescimento do envolvimento dos historiadores profissionais com a temática da saúde e da doença (HOCHMAN; SANTOS; PIRES-ALVES, 2004, p. 37).

Além disso, a história contribui significativamente não apenas para memorar outrora. Virginia Berridge, historiadora social britânica, pesquisadora de história da saúde pública, em seu texto intitulado “História na saúde pública: quem precisa”, afirma que há uma dupla relação entre a história e a saúde. À medida que a história consegue fornecer introspecções sobre políticas de saúde aos profissionais da área e fora dela, a saúde como ponto de partida pode contribuir para a prática dos próprios historiadores (BERRIDGE, 2000, p. 1923).

Berridge (2000) ainda concebe aspectos do presente da saúde pública enraizados no passado, ressaltando que é através da história que se alcança tal conclusão, e que a história pode levar o pesquisador a entender a saúde de maneira contextualizada ao social, ao político e ao econômico. Tratando do tabagismo na cultura britânica na década de 50, ela explica:

[...] Mas a escrita histórica pode dar uma maior profundidade de entendimento. O "atraso" na resposta do governo britânico às evidências sobre tabagismo e câncer de pulmão na década de 1950 foi atribuído aos hábitos de fumar de políticos e outras figuras-chave, bem como à importância econômica da indústria do tabaco ao governo.

Uma explicação mais completa deve levar em consideração outros fatores. A onipresença cultural do tabagismo na década de 1950, da qual políticos faziam parte; a imagem masculina de fumar (as campanhas de saúde pública eram tradicionalmente voltadas para as mulheres); dúvidas sobre a validade da epidemiologia como forma de evidência; debates entre estatísticos britânicos entre genética e outros paradigmas; o sentimento de que a mudança de comportamento individual não era o assunto adequado para uma saúde pública campanha, que tradicionalmente lidava com vacinação e intervenção em massa contra doenças; o desejo do governo central de devolver todo o controle financeiro para campanhas de educação em saúde às autoridades locais; e uma percepção diferente da natureza e papel do tabaco indústria, que ocupava aproximadamente a posição de indústria farmacêutica hoje. A história tem que ser tomada em seus próprios termos, não apenas vistos da perspectiva de hoje (BERRIDGE, 2000, p. 1924, tradução nossa).

Nestes termos, se compreende o aporte histórico como fundamental para compreender o modo como os arranjos político-econômicos, por exemplo, influenciam diretamente nas condições de saúde em dado contexto espacial dentro de intervalos de tempo passados até o presente. Ademais, é possível igualmente se apreender as influências desses arranjos sobre a forma de políticas e gestão em saúde.

Fee e Brown, ambos pesquisadores em história da saúde e da medicina, sugerem uma perspectiva semelhante. Afirmam que a investigação histórica pode ser proveitosa para

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perceber tendências positivas dentre as desordens do presente e que pode fornecer conhecimento sobre estratégias bem-sucedidas usadas por reformadores4 da saúde pública no passado (FEE; BROWN, 1997, p. 1763).

Em outro sentido, Fee e Brown (1997, p. 1763) indicam que a história tem o condão de oferecer introspecções sobre atitudes e comportamentos sociais e políticos, percebendo as maiores dificuldades estruturais de determinada realidade social, identificando seus pontos cegos e analisando movimentos e tendências culturais. Neste sentido, seria possível entender como lidar com as complexidades e obstáculos de uma situação-problema.

Considerando estes apontamentos, é que se justifica o início deste trabalho com uma abordagem histórica da saúde pública, para investigar a evolução conceitual do termo, apontar momentos históricos e suportes teóricos importantes na construção dos seus sentidos e os limites que merecem ser delineados.

1.1 HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA

Os grandes problemas de saúde que a humanidade já enfrentou sempre estiveram interligados com a natureza da vida em comunidade. Esses problemas, de modo geral, envolviam o controle e melhoria no ambiente físico (saneamento), o controle das doenças transmissíveis, a assistência médica, o abastecimento de água e alimento. Foi a inter-relação destes problemas que gerou a Saúde Pública como hoje é conhecida (ROSEN, 1994, p.31).

No entanto, as práticas de saúde se modificaram ao longo do tempo, assim como os sujeitos envolvidos. O próprio conceito de saúde sofreu mudanças epistemológicas que serão abordadas em momento oportuno. Para compreender estes avanços é necessário recorrer à história.

1.1.1 Saúde Pública: da Antiguidade à Idade Média

A história da saúde remonta aos tempos mais antigos da vida humana. O homem estar vivo, assim como todos os demais seres, o faz estar suscetível a sofrer alterações em seu

4 De acordo com o Cambridge Dictionary (s.d.) a palavra “reformador” significa alguém que tenta melhorar um

sistema ou lei alterando-o, ou seja, uma pessoa que trabalha com mudanças políticas, sociais ou religiosas. No Brasil, tem-se o exemplo dos deputados, que têm a função de propor, criar ou alterar as leis no estados ou no país.

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corpo, sejam fisiológicas, anatômicas5 ou mentais. A essas alterações, o homem deu interpretações, tentando sempre alcançar sua melhoria.

Nos estágios iniciais da vida humana, a história existiu através de tradição oral folclórica, práticas, costumes e crenças religiosas transmitidas pelas gerações. Significa dizer que as práticas de cura vão além dos limites da história escrita. Ela se estende ao período em que o instinto e a inteligência foram combinados pela primeira vez na busca de medidas para aliviar a própria dor do indivíduo e curar sua própria doença (GORDON, 1949, p. 3).

Conforme expõe Gordon (1949, p. 3), à medida que a inteligência tomou à frente e o instinto animal do homem passou para um segundo plano é que foram criados esforços para aliviar a dor e combater doenças entre a família e amigos. Portanto, as primeiras práticas de medicina, para o autor, teriam origem na época em que o ser humano começou a ajudar os demais de sua espécie a lutar contra doenças, a tristeza e necessidades.

No mesmo sentido, Catão (2011, p. 51) informa que a história da saúde pública remonta à Antiguidade, período que compreende, aproximadamente, o quarto milênio antes da era cristã até a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), pelo calendário gregoriano, momento em que se dá o início da Idade Média. Para ele, é nesse período que a medicina começa a forjar suas primeiras definições. No entanto, destaca-se nesse trabalho a saúde pública, e não a medicina, enquanto categoria, sendo esse o objetivo do aporte histórico apresentado.

Sinteticamente, é uma história que envolve meios para prevenir doenças e garantir a saúde da população. Neste sentido, a prevenção de doenças em populações se atém a definir as doenças endêmicas e epidêmicas que assolam a comunidade, mensurando sua ocorrência para buscar intervenções eficazes (TULCHINSKY; VARAVIKOVA, 2009, p. 1-2).

A história da saúde na Antiguidade pode ser considerada em três períodos desiguais. O primeiro, e o maior deles, é considerado a partir do nascimento do homem até o início da escrita. Neste, as informações foram coletadas através de pesquisas paleontológicas. O segundo período é considerado a partir de quando a história começa a ser contada por escritos. O marco do terceiro período é entrada dos filósofos jônicos na história, com a filosofia grega (GORDON, 1949, p. 3-4):

5 O estudo da Anatomia e Fisiologia permite compreender este processo. A primeira se atém ao estudo das

estruturas que constituem os seres vivos, assim como sua organização. Já o estudo dos processos relativos ao funcionamento dessas estruturas fica por conta da Fisiologia. Ela, dentre outros aspectos, é responsável pela compreensão dos papéis que o sistema nervoso, sensorial e endócrino executam, sendo eles os responsáveis pela integração e controle corporal.

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O primeiro período: Informações sobre o primeiro período foram obtidas por paleopatologistas, a partir de evidências de doenças descobertas em restos humanos fossilizados, de pinturas rudes e entalhes nas paredes de cavernas e pedras, e de instrumentos de pedra que possam ter sido usados para operações cirúrgicas. Tais evidências são muitas vezes mais confiáveis do que registros e livros.

Segundo Período: Os registos do segundo período, claro, não se limitam à medicina ou à cirurgia. Eles são mais frequentemente de uma natureza geral. Por exemplo, o código de Hammurabi trata de assuntos legais, e a cirurgia é meramente trazida de um ponto de vista legal. O mesmo se aplica ao Antigo Testamento, que é a crônica e a antologia do povo hebreu e que se refere à medicina apenas incidentalmente. Na Ilíada, enquanto descreve os heróis no campo de batalha, Homero fala das operações cirúrgicas realizadas sobre eles. A Antiguidade tem ocasionalmente fornecido provas diretas lidando com médicos e remédios, tais como, por exemplo, o papiro egípcio e o babilônico, comprimidos médicos.

Terceiro período: O terceiro período, ou racional, começa com Thales de Mileto e a escola grega de filósofos. O último é o período mais conhecido da história da medicina antiga. Desde o início deste período, a história médica tem sido comprometida com a escrita. Grécia e Roma têm fornecido a maior parte da informação médica científica do terceiro período. As especulações filosóficas de Pitágoras, Empédocles e Alcmeão, e outras da escola jónica culminaram nas investigações "naturais" de Hipócrates e da sua escola, que por sua vez transmitiu o seu património aos alunos da escola de Alexandria e os seus sucessores romanos (GORDON, 1949, p. 3-4, tradução nossa).

Fato é que a construção das práticas de saúde se deu através de povos e modos diversos durante a Idade Antiga. Como exemplo, se observa as contribuições dos babilônicos, egípcios, persas, hindus, hebreus. Em maioria dos povos, os tratos com a saúde envolviam práticas e crenças religiosas. No entanto, na Grécia pré-socrática, a religião foi sendo afastada das ações sanitárias. Segundo Catão, isso se deveu ao fato de que os gregos eram marinheiros e tinham um forte contato com as nações vizinhas, o que os estimulavam a manter os estudos filosóficos. Em algumas escolas médicas, como a de Cós, Rodes, Cirene e Cnidus, é importante frisar que a influência oriental era alta, e que estas escolas tentavam encontrar explicações racionais e materiais para tudo (CATÃO, 2011, p. 51-58).

Rosen (1994, p.35) ensina que os primeiros relatos nítidos sobre doenças agudas ocorrem na Grécia Clássica:

Tucídides narra uma epidemia, em Atenas, no segundo ano da guerra do Peloponeso. Curiosamente, no entanto, a maioria das doenças transmissíveis parecem ausentes nos escritos do Corpo Hipocrático. Não se mencionam a varíola, ou sarampo, nem há referência segura à difteria, varicela ou escarlatina e nem a grande peste de Atenas aparece. Mas, no livro conhecido como Epidemias I, existe uma inconfundível descrição clínica da caxumba. Nas obras hipocráticas, a atenção se concentra, mormente, em doenças endêmicas, entre as quais resfriados, pneumonias, febres maláricas, inflamações dos olhos, e várias moléstias não identificadas.

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Conforme expõe Gonçalves (1992, apud LIMA, 2007, p. 59), “[...] com exceção da Grécia Clássica onde se desenvolve a medicina hipocrática, o que predomina durante todo o período da Idade Média até o século XVIII é a concepção de doença desenvolvida pelo cristianismo”.

Praticamente toda a ciência ocidental, inclusive a medicina, se iniciou com as especulações racionalistas de filósofos gregos, dentre eles Heráclito de Éfeso, Pitágoras e Hipócrates (CATÃO, 2011, p. 58). Hipócrates conseguiu se destacar em razão de suas inúmeras produções escritas. Ele utilizou especulações filosóficas voltadas à medicina e as uniu com suas observações práticas realizadas no leito dos doentes, sendo, por isso, chamado o Pai da Medicina Moderna (CATÃO, 2011, p. 59). No entanto, apesar de muitas contribuições deixadas pela análise presencial aos pacientes, Hipócrates também deixou um legado racionalista que baseou a medicina ocidental em maior escala:

Todo mundo conhece Hipócrates (460-370 a.C.). Isso por causa do seu Juramento, que poucos médicos sabem de cor, ou lembram, a não ser a proibição de fazer sexo com as pacientes. Os Preceitos que adornam o Juramento advertem os praticantes da medicina contra cobrar demais, vestir-se com elegância excessiva e usar perfume, ao mesmo tempo aconvestir-selhando um corte de cabelo decente e unhas aparadas, encorajando a suposição de um modo agradável de tratar os pacientes (a expressão em inglês, bedside

manner, nos foi legada pelo Punch, em 1884).

[...]

O “Pai da Medicina” foi um ancestral desastroso. Ele nos deixou a tradição hipocrática. Ou seja: qualquer leigo que diga a um médico como fazer seu trabalho está cometendo uma impertinência ultrajante. Qualquer interferência nos meios que contribuem para a devoção desinteressada de qualquer médico aos seus pacientes é chocantemente imoral.

[...] No fim do século XX, a medicina proliferou tanto e seu custo cresceu tanto, que um tratamento adequado está muito além dos meios dos sofredores assustados e, no futuro, estará além dos meios de qualquer cidadão sofredor e pagador de impostos. A não ser que os médicos aprendam a praticar economia, além da medicina, Hipócrates se tornará redundante, porque ninguém mais poderá se dar ao luxo de ficar doente (GORDON, 1996, n.p.).

Esse ideal racionalista de como a medicina e o médico deveriam se portar marcou a jornada da saúde. O Ego e o Narciso dos homens ligados à área médica se propagaram ilimitadamente, a ponto de conseguirem estabelecer todos os vértices das práticas sanitárias: daqueles que podiam exercer cada profissão, como exercer, como pensar, como desenvolver, marcando, assim, a medicina moderna.

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1.1.2 A Modernidade bate à porta: a chegada da medicina social

O desenvolvimento das concepções e práticas de saúde tem acompanhado a própria história humana sobre a concepção de si mesmo ao longo dos séculos. Antes da racionalidade moderna, a sociedade refletia suas crenças místicas e religiosas em práticas sanitárias, através de xamãs, curandeiros, benzedeiros. Os procedimentos realizados tinham a intenção de curar a doença, que era associada a entidades que tomavam o corpo humano e o tornava enfermo (LIMA, 2007, p. 59).

Já no século XVI, com o surgimento da Modernidade, ocorrem grandes mudanças científicas e sociais que irão presenciar um forte debate entre empiristas e racionalistas quanto à produção e validade do conhecimento (BATISTELLA, 2007, p. 52). Os empiristas vêm afirmar a imprescindibilidade de se construir ou se constatar o conhecimento a partir de fundamentos experimentais, partindo do pressuposto de que é a partir de experimentos que se edificam teorias. Os racionalistas, por sua vez, vão reivindicar a existência de pré-saberes que iluminam a busca de evidências empíricas. É nesse contexto de afirmação da ciência que irão se estruturar o método científico e a teoria moderna sobre a doença (BATISTELLA, 2007, p. 52).

São nessas circunstâncias de mudança social, quanto aos parâmetros utilizados para se produzir definições do que se constitui a doença e do que se constitui a saúde, que a medicina hipocrática, fundamentada em processos empíricos e científicos, vai sendo concebida socialmente e institucionalizada. Segundo Gonçalves (1992, apud LIMA, 2007, p. 58), a racionalidade médica é parte integrante e produtiva da racionalidade moderna. Nesse passo, a ciência moderna apresenta gradativamente uma nova epistemologia sanitária que tem por alicerce métodos científicos em sua constituição. Conforme expõe Lima (2007, p. 62):

O processo de racionalização social que se desenvolveu na Europa, principalmente na França, com Montesquieu e Rousseau, no século XVIII, apoia-se exatamente na realidade da vida social. As guerras, as epidemias, a fome e a miséria, o banditismo, a agiotagem, a loucura, a prostituição e seu corolário, as doenças venéreas, forneceram a matéria-prima da intervenção e a motivação teórica para as instituições e os discursos disciplinares sociais que tentarão, com algum sucesso, desde então, racionalizar os comportamentos e administrar moralmente o “caos social”. Entre esses discursos – incluindo o da educação que não será de menor importância no sentido de “mudar a natureza humana” e “fortalecer a natureza do indivíduo” está o discurso médico – está o discurso médico.

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Ocorre que, em conjunto com o desenvolvimento de teorias e métodos científicos, houve a construção de concepções mecanicistas acerca dos tratos com o ser humano. O homem se tornou uma máquina biológica que requeria aprofundamentos analíticos. A descoberta dos “compartimentos” humanos e seus sistemas de gestão que se encaixam para trazer funcionalidade ao aparelhamento organizado, somado ao desenvolvimento de instrumentos que facilitavam as buscas – a exemplo do microscópio criado por Leeuwenhoek, em 1673 – foram fatores essenciais para a centralização da concepção médica sobre a saúde se tornar uma concepção racional, mecanicista, reducionista.

É imperioso ressaltar que um processo hegemônico médico acompanha o processo de racionalização e institucionalização da medicina desde a Modernidade na Europa. Para uma compreensão aprofundada, são necessários recortes teóricos e espaciais. Nesse sentido, não há como falar de hegemonia de classe e seus conceitos sem utilizar o emprego do aporte teórico fornecido por Gramsci (1974 apud LUZ, 1986, p. 30). Assim, segundo o autor, a hegemonia de classe é centrada nas instituições sociais – instituições político-civis vistas a partir da superestrutura – como um:

[...] conjunto articulado, com ligação vital de saberes e práticas com efeitos fundamentalmente políticos, envolvendo uma estratégia de luta – não necessariamente aberta – entre grupos e classes sociais constitutivos destas instituições e inseridos em um bloco histórico (GRAMSCI, 1974 apud LUZ, 1986, p. 30).

Essas instituições sociais ligadas à hegemonia médica fazem referência aos conceitos de poder e subpoder de uma estrutura de macro e de micropoder trabalhados por Foucault (apud LUZ, 1986, p. 34). O subpoder surge no sentido de fixar a ligação entre o Poder e as relações de produção, através de pequenas instituições. A partir de pequenas e grandes instituições, se estabelece uma ordem institucional em uma rede de normas entre dominantes e dominados, por intermédio da dominação dos corpos que são regidos pelas relações sociais (FOUCAULT, 1974 apud LUZ, 1986, p.34-35). Partindo desses pressupostos, compreende-se que a classe médica, através do saber clínico pautado em uma época histórica Moderna que caracterizava como conhecimento válido aquele adquirido ou construído a partir de métodos racionais, estabeleceu o seu conceito biomédico de saúde como um conceito seguro.

A medicina e suas práticas agora não só eram influenciadas pela racionalidade como a refletiam em suas investigações teóricas, edificando conceitos racionais sobre saúde, que em suma consistia na ausência de enfermidade do sistema biomecanizado humano.

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No entanto, ao final do século XVIII e início do século XIX, foram iniciadas discussões na França acerca de uma política nacional de saúde, em razão do contexto social da época. A sociedade não só francesa, mas também de outras nações europeias, começaram os debates sobre pobreza, trabalho e produtividade. Os problemas da época que envolviam essas três variáveis eram diversos e refletiam nas buscas por soluções no âmbito da saúde. Nessas circunstâncias, cunha-se o conceito de medicina social.

O momento histórico da Europa era marcado pelo crescimento das cidades em razão também da Revolução Industrial vivida. O contexto trazido pela revolução abriu espaço para que intelectuais passassem a relacionar pela primeira vez a situação de saúde e doença com determinantes sociais. Juntamente, tentava-se analisar a influência do Estado sobre estes determinantes. A Europa vivia uma reorganização na saúde, em que além dos aspectos biofísicos, a estrutura conceitual de saúde e de doença passou a considerar fatores ambientais, políticos, econômicos, urbanísticos, dentre outros. Rosen afirma:

A prática da medicina sempre esteve ligada às condições econômicas e sociais de determinados grupos, mas esta relação só raramente era objeto de discussão teórica. Só nos tempos modernos aparece uma consciência clara quanto à íntima articulação das condições sociais e os problemas médicos. No século XVIII, vários médicos reconheceram a necessidade de abordar a medicina e a higiene levando em consideração sua inserção social. Dentre eles, são provavelmente mais conhecidos Bernardino Ramazzini e Johann Peter Frank. Mas coube ao século XIX desenvolver a ideia de medicina como ciência social e finalmente formular com maior precisão e clareza o conceito de medicina social (ROSEN, 1979, p. 77-78).

Portanto, se percebe que a Europa experimentou um momento de transições teóricas e práticas sociais, dentre as quais estava a medicina, que estava começando a ser pensada como ciência social. Rosen apresenta alguns de seus precursores:

A concepção da medicina como ciência social não se originou em Virchow. A industrialização e os consequentes problemas sociais levaram vários investigadores a estudar a influência de fatores como pobreza e profissão no estado de saúde. Isto aconteceu particularmente na França onde, nas décadas de 30 e 40, médicos como Villérme, Benoiston de Chateauneuf e Guépin, assim como teóricos sociais – Constantin Pecqueur, por exemplo, abordaram questões sócio-médicas.

[...] Outros médicos alemães partilhavam das opiniões de Virchow e, durante 1848, uniram-se a ele para conseguir reformas médicas por muito tempo adiadas. Salomon Neumann e Leubscher, o sócio editorial de Virchow, eram figuras proeminentes deste grupo (ROSEN, 1979, p. 80).

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Países como Inglaterra, Bélgica e Alemanha participaram ativamente da reforma da medicina na Europa, além da França, sendo nesta o ponto de partida da trajetória. A França foi o berço inovador do pensamento da medicina social. Quando esse termo foi cunhado por Jules Guérin, em 1848, já carregava um processo longo de interconexão entre a saúde e condições de vida e trabalho (LIMA, 2007, p. 79):

A emergência desse pensamento inovador não se circunscreveu à França. Estendeu-se aos demais países europeus e, particularmente, à Alemanha, onde esse conceito se desenvolve de forma mais precisa a partir da concepção de causação social da doença, isto é, das relações entre as condições de vida e trabalho das populações e o aparecimento das doenças, e que tem, na revolução de 1848, a sua origem (LIMA, 2007, p. 79).

Após momentos turbulentos e de divergências intelectuais e políticas, e aproveitando o movimento fabril e de luta pela saúde do trabalhador na Europa, outros teóricos continuaram a empenhar esforços para conduzir a sociedade a entender a influência das condições sociais sobre a saúde (ROSEN, 1979, 78-115). Através da convergência de teorias, percebe-se a vastidão teórica que circunda a medicina social.

1.1.3 A receptividade de conceitos

Incitar mudanças na forma de entender a saúde foi fundamental na Idade Moderna. Muitos filósofos, médicos, sociólogos e sanitaristas da época não aceitavam mais a “medicina hipocrática” como prevalente. O modelo racionalista hegemônico, que pregava o afastamento quase que absoluto do médico com o paciente por defender que qualquer envolvimento pessoal conspurcava a identificação científica da doença, fazia das práticas médicas e sanitárias vazias.

O momento histórico vivenciado na Europa exigiu mudanças de padrão de conhecimento considerado válido. Fizeram parte dessa reformulação de ideias a constituição de princípios da construção da medicina como ciência social, que foram aceitos por Virchow, Neumann e outros médicos que participaram do movimento de 1848 (ROSEN, 1979, p. 81-85):

O primeiro destes princípios dizia que a saúde do povo é um objeto de inequívoca responsabilidade social. A sociedade tem obrigação de proteger e assegurar a saúde de seus membros.

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O segundo princípio contido na concepção da medicina como ciência social é que as condições econômicas e sociais têm um efeito importante sobre a saúde e a doença e que tais relações devem ser submetidas à investigação científica.

[...] Se a sociedade tem obrigação de proteger a saúde de seus membros e admitindo-se que as condições econômicas e sociais tem um efeito importante sobre a saúde e a doença, logicamente se conclui que “devem ser tomadas providências no sentido de promover a saúde e combater a doença e que as medidas concernidas em tal ação devem ser tanto sociais quanto médicas”. Este é o terceiro princípio [...] (ROSEN, 1979, p. 81-85).

Mas foi em cada país europeu que recepcionava os princípios da medicina, que passou a ser conhecida popularmente como social, que se originaram conceitos diferentes que convergiam entre si. A medicina social se desenvolveu além dos países anteriormente mencionados, nos países escandinavos, União Soviética, Itália, Suíça, Holanda, Bélgica, Iugoslávia, Tchecoslováquia6 (ROSEN, 1979, p. 126-127). Como exemplo, Pelc ilustra o conceito de medicina social na Tchecoslováquia:

A medicina, em seu sentido mais amplo, é a ciência que estuda os fatores nos quais a saúde do homem está baseada, assim como os meios de manter, melhorar e promover a saúde. Consideramos que a medicina social como uma disciplina que nos permite reconhecer as doenças mentais e físicas de grupos humanos e determinar os meios – quase sempre de natureza geral – que nos habilita a tratar e controlar estas doenças e melhorar o estado de saúde de grupos humanos. Dois aspectos fundamentais podem ser distinguidos na medicina social: um descritivo, outro normativo (PELC, 1936 apud ROSEN, 1979, p. 126).

Em Viena, Ludwig Teleky vai esclarecer que “a tarefa da medicina social é investigar as relações entre o estado de saúde de um grupo da população e as condições de vida determinadas por sua posição social” (TELEKY, 1909 apud ROSEN, 1979, p.122). Na Bélgica, René Sand (1934 apud ROSEN, 1979, p.127-128) vai dividir a medicina social em Antropologia social, para estudar as desigualdades físicas e mentais das classes sociais, em Patologia social, para estudar as desigualdades sociais de doença e de morte, Etiologia social, para analisar diferenças hereditárias e ambientais, e Higiene social, para aplicar medidas preventivas e paliativas para combater doenças sociais.

Assim, muitas foram a definições de medicina social. Mas todas tinham objetivos em comum, estando eles baseados na inter-relação entre a saúde e fatores sociais. O conceito de medicina social surgiu como resposta aos problemas de doença criados pela industrialização. Seu alcance pode ser delimitado por três aspectos sociológicos: saúde em relação à

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comunidade, saúde como valor social e saúde e política social (ROSEN, 1979, p. 138-139). Tratar da medicina social é considerar todas as linhas que entrelaçam o objeto saúde, tais como classe social, padrões étnicos, de gênero, raciais, ambientais, políticos, econômicos, etários, sociológicos, antropológicos, históricos. É essa complexidade de vai caracterizar a medicina social.

Essa base cognitiva foi formulada para compreender o processo de criação do Sistema Única de Saúde no Brasil, as bases teóricas sanitárias e os direitos sócio-sanitários que foram sendo moldados e formalizados no país.

1.2 SISTEMAS DE SAÚDE NO BRASIL E A SAÚDE PÚBLICA

Passe à análise do breve histórico da saúde pública no Brasil.

1.2.1 Breve histórico político da saúde no Brasil

Uma vez que o Brasil no período colonial não tinha investimentos nem organizações que cuidassem da saúde pública, tanto colonizadores quanto colonos de modo geral e pessoas escravizadas possuíam poucas chances de sobrevivência, principalmente estes últimos, devido às péssimas condições de vida. Nesse sentido,

A condição de colônia implica uma série de barreiras para um desenvolvimento autônomo, uma vez que grande parte do excedente produzido é exportado, permanecendo, no país, apenas uma parcela dele que serve para sustentação de um aparelho estatal cuja finalidade principal é o escoamento da produção e sua fiscalização (IYDA, 1993, p. 24).

A chegada da Corte Portuguesa no Brasil em 1808 determinou mudanças na administração pública da colônia, inclusivo no âmbito da saúde. Nesse contexto, o Rio de Janeiro se tornou referencial das ações sanitárias. O intuito de Dom João VI era de modificar a imagem negativa que a colônia tinha, já que era conhecida na Europa como o território da barbárie e escravidão. Assim, por ordem da realeza, foram fundadas as academias médico-cirúrgicas do Rio de Janeiro, em 1813, e da Bahia, em 1815, que ulteriormente se tornaram as primeiras escolas de medicina do país (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 8):

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A emancipação política, em 1822, cujas bases foram lançadas pelo governo metropolitano e que somente transfere os poderes governamentais da metrópole para o Brasil, não destrói as relações não-capitalistas. A constituição de uma nação ocorre sem sequer se ter iniciado o processo de formação de uma burguesia; e a soberania dá origem a um Estado fundamentado nas relações escravocratas, cujo poder, apesar da feição burguesa, é evidentemente absolutista (IYDA, 1993, p. 28).

Os coeficientes de morte por tuberculose, febre amarela, malária e varíola, por exemplo, continuaram elevadíssimos (IYDA, 1993, p. 28). Mas com a proclamação da República em 1889, o Brasil precisava tomar uma decisão a todo custo: a de ser modernizado. O país passou por um processo de redefinição dos trabalhadores como capital humano, a partir do reconhecimento de que as funções produtivas é que gerariam riqueza e expansão. A capacitação de camponeses e operários foi fundamental nesse processo. Nesse contexto, a medicina assumiu o papel de guiar o Estado para assuntos sanitários, se comprometendo com a melhoria da saúde individual e coletiva (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 11).

Foi na República Velha que nasceu a política de saúde brasileira, pois a ideia da população como capital humano fez com que o governo elaborasse minuciosos planos de combate às enfermidades. Segundo Souza, as intervenções sobre a saúde pública:

[...] ganham força durante a República Velha, como estratégia de saneamento dos espaços de circulação da economia cafeeira. É a época de Oswaldo Cruz e das campanhas sanitárias, em que se destacam as medidas de saneamento voltadas à erradicação da Febre Amarela urbana e a vacinação obrigatória contra a varíola (SOUZA, 2014, p. 09).

Nesse período, apenas médicos diplomados poderiam tratar da saúde pública, o que ocasionou a perseguição policial aos curandeiros e voluntários que auxiliavam os mais pobres. Foi também nesse momento histórico que nasceram os primeiros institutos higienistas e sanitários do país (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 14-17):

Em 1892 foram criados os laboratórios Bacteriológico, Vacinogênico e de Análises Clínicas e Farmacêuticas. Ampliados logo depois, transformaram-se, respectivamente, nos institutos Butantã, Biológico e Bacteriológico (este último mais tarde denominado Instituto Adolfo Lutz).

A contratação de pesquisadores estrangeiros para orientar as atividades iniciais dos institutos paulistas permitiu ainda que, em 1903, fosse inaugurado o Instituto Pasteur local, com a função de produzir e comercializar produtos de uso médico-veterinário.

[...]

No Rio de Janeiro, o principal centro de pesquisas foi o Instituto Soroterápico de Manguinhos, em funcionamento desde 1899 com o objetivo

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inicial de produzir soros e vacinas. Seu primeiro diretor foi o clínico Pedro Afonso, que foi sucedido por Oswaldo Cruz (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 17-18).

Na Era Vargas, de 1930 a 1945, houve a institucionalização da saúde pública no Brasil. Em 1931, é criado o Ministério de Educação e Saúde e, a partir de então, o número de estabelecimentos de serviços oficiais de Saúde Pública se amplia exponencialmente (IYDA, 1993, p. 59). A nova organização do setor sanitário tentou consolidar o compromisso estatal de zelar pelo bem-estar da saúde da população.

Entretanto, um sistema de saúde descentralizado, que condizia com as questões sanitárias próprias de cada estado da federação, passou a ser reajustado para um sistema centralizado. As decisões de tratamentos que antes eram médicas tornaram-se questões decididas por políticos e burocratas. A atenção era voltada para determinadas doenças como a hanseníase, mas em contrapartida, outras enfermidades que precisavam ser observadas eram deixadas em segundo plano (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 31-32).

O emaranhado de legislações contraditórias, o apelo e a insatisfação popular, fizeram Getúlio agir pela população urbana, empregada nos setores industrial e comercial. Foram criadas as primeiras caixas de aposentadoria e pensões e os institutos de previdência. A Constituição de 1934 garantiu aos operários assistência médica e em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho forneceu outras garantias, como indenização por acidente, salário mínimo, pagamento de horas extras, tratamento médico aos doentes BERTOLLI FILHO, 2008, p. 31-34).

A partir do Estado Novo, a administração sanitária tentou reforçar as campanhas de educação popular, criando serviços especiais para educação em saúde. Porém, na prática, apenas os detentores de riquezas conseguiam um efetivo cuidado de saúde. A saúde da classe operária era precarizada. Além disso, muitos dos informativos sanitários se apoiavam em princípios eugênicos difundidos desde a República Velha (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 35-38).

Após a deposição de Vargas, o Brasil passou por um período de tentativa de redemocratização. Mas o regime político implantado em 1945 não rompe completamente com o anterior. No processo de recondução social se contempla na área da saúde a atenção materno-infantil e propostas de assistência médico-social rural, que passam a ser objetos mais priorizados a partir da década de 50 (IYDA, 1993, p. 86). Isso se deveu, principalmente, em razão da alta taxa de mortalidade infantil da preocupação se sanitaristas com o controle de endemias rurais (IYDA, 1993, p. 94-99).

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Em 1953, no segundo período presidencial de Getúlio Vargas, foi criado o Ministério da Saúde propriamente dito, após do desdobramento do Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios. Entretanto, a nova pasta contou com verbas irrisórias, comprovando a omissão do governo brasileiro com área da saúde:

Tabela 1 - Verbas para a saúde pública na década de 50

País % do PIB gasto com a saúde % Mortalidade geral

Estados Unidos 4,5 9,3 Grã-Bretanha 3,5 11,7 Países Baixos 3,3 7,6 Noruega 3,0 8,5 Japão 3,0 7,8 Suíça 3,0 10,1 França 2,8 12,2 Suécia 2,2 9,5 Brasil7 1,2 13,2

Fonte: BRAGA; DE PAULA apud BERTOLLI FILHO (2008)

Já em 1964, o cenário muda em razão do regime militar instaurado no país:

A centralização do poder e o fortalecimento do Executivo foram acompanhados de uma reforma administrativa e financeira; o governo não só criou novos órgãos necessários à reestruturação da economia, como dinamizou os existentes, iniciando a reformulação da estrutura administrativa federal, estabelecendo diretrizes para a modernização estadual e municipal, necessárias à nova centralização de poder. Possibilitou, ainda, a centralização dos recursos financeiros, como a reforma do sistema tributário (IYDA, 1993, p. 114-115).

Esse novo modelo estrutural tinha uma base em demasiado burocrática e centralizada. Nesse novo formato organizacional, foi enfatizado o critério racional e tecnicista nos atuais métodos de administração. O conhecimento técnico-científico se tornou critério legal para os cargos administrativos e de superioridade hierárquica (IYDA, 1993, p. 111-118). Além disso, o primeiro efeito sobre o golpe militar sobre o Ministério da Saúde foi a redução de verbas destinadas à saúde pública:

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Tabela 2 - Participação do Ministério da Saúde no orçamento da União (1961-1980)

Ano % do orçamento para o MS

Ano % do orçamento para o MS 1961 4,57 1971 1,41 1962 4,31 1972 1,19 1963 4,10 1973 1,03 1964 3,65 1974 0,94 1965 2,99 1975 1,13 1966 4,21 1976 1,58 1967 3,44 1977 1,80 1968 2,21 1978 1,81 1969 2,58 1979 1,82 1970 1,11 1980 1,38

Fonte: Para a década de 60: BUSS et. al. apud IYDA (1993); para a década de 70: CAMPOS et. al. IYDA (1993)

Como brilhantemente informa IYDA (1993, p. 51), foi em nome da “segurança e desenvolvimento” no Brasil que o orçamento para os ministérios militares, dos Transportes e da Indústria e Comércio cresceu. Enquanto isso, o Ministério da Saúde privilegiava a saúde como elemento individual, e não coletivo, havendo nesse período desvios de verbas destinadas ao pagamento de hospitais particulares pelo atendimento aos pobres, já que não havia infraestrutura pública compatível com o a necessidade social.

A crise brasileira se agravou após a falência econômica do regime militar. A pressão social pela redemocratização do país se intensificou. A ditadura durou até 1985, mas a mobilização pela volta das eleições diretas só obteve sucesso para as eleições de 1989, após a promulgação da atual Constituição Federal de 1988 (BERTOLLI FILHO, 2008, p. 35-38).

A década de 80 vivenciou mais um quadro de crise na área da saúde. Mas em meio às dificuldades econômico-financeiras e políticas, havia ainda mais uma problemática a ser redesenhada: a saída da medicina baseada na racionalidade e no tecnicismo, focalizada na medicalização, em tratamentos curativos e na análise do paciente aquém dos condicionantes sociais, e do retorno à medicina social, considerando a doença do paciente a partir de uma amplitude maior.

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A agenda política do movimento sanitário começou ainda em meados da década de 70. O Sistema Nacional de Saúde implantado à época no Brasil se caracterizou pelo predomínio financeiro das instituições previdenciárias e supremacia da burocratização técnica em saúde, que investia na mercantilização dessa área (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 59).

A insatisfação com o modelo político-sanitário do país formou a base do movimento sanitário. Por volta de 1974, a classe média e uma parte considerável da população empobrecida retiraram seu apoio ao regime militar (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 58-59). Era cada vez mais nítido que as medidas adotadas pelo governo para cuidar de tais setores eram ineficientes. Assim, os movimentos populares começaram a ganhar destaque:

Com a rearticulação paulatina os movimentos sociais, tornaram-se mais frequentes as denúncias sobre a situação caótica da saúde pública e dos serviços previdenciários de atenção médica, e amplificaram-se as reivindicações de solução imediata para os problemas criados pelo modelo de saúde existente. Nesse contexto, sindicatos das diversas categorias profissionais da saúde – principalmente médicos, acadêmicos e cientistas – debatiam em seminários e congressos as epidemias, as endemias e a degradação da qualidade de vida do povo [...] (ESCOREL; NASCIMENTO; EDLER, 2005, p. 59).

Mas, apesar do alicerce do movimento te sido a luta pela redemocratização do setor saúde e melhoria da qualidade de vida do brasileiro, ele também foi alvo de disputas neoliberais8. Isso se enxerga a partir da literatura contemporânea ao período, entre meados de 70 e a década de 90:

Se é lícito falar em uma ideologia publicista que informou o projeto do Movimento Sanitário, pode-se falar em uma privatista que informou o neoliberal. Em outras palavras, o Movimento Sanitário e o bloco neoliberal constituíram suas proposições atuais e a si próprios na luta pela hegemonia setorial no plano geral.

[...]

Há aspectos contra-hegemônicos mesmo naqueles elementos viáveis no capitalismo, mas que só se mantêm enquanto tais na medida em que se relacionam com aqueles inviáveis. A democratização – por exemplo – só pode levar a uma consciência sanitária revolucionária se na sua tematização estiver presente a discussão sobre as limitações que o capitalismo impõe à agenda de saúde, onde algumas sequer são colocadas.

A construção da modernidade singular da saúde – a Reforma Sanitária – precisa atender à dupla dimensão daquela, a modernização e a

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