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Os direitos humanos e a proteção jurídica das pessoas com deficiência: uma análise a partir da realidade brasileira

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Academic year: 2021

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

JANETE TEREZINHA SLOCZINSKI GUTERRES

OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE BRASILEIRA

IJUÍ (RS) 2012

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JANETE TEREZINHA SLOCZINSKI GUTERRES

OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE BRASILEIRA

Trabalho final do Curso de Graduação em Direito aprovado pela Banca Examinadora abaixo subscrita, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Direito e a aprovação no componente curricular de Trabalho de Curso.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Ijuí, 03 de dezembro de 2012.

_______________________________________________ (Gilmar Antonio Bedin – Doutor – UNIJUÍ)

_______________________________________________ (Eloisa Nair de Andrade Argerich – Mestra - UNIJUÍ)

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JANETE TEREZINHA SLOCZINSKI GUTERRES

OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA REALIDADE BRASILEIRA

Monografia final apresentada ao Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. Gilmar Antonio Bedin

IJUÍ (RS) 2012

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Aos dois Amores da minha vida Marcos e Bruno, todo meu amor e gratidão!

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida, força e coragem necessárias nesta longa caminhada.

Ao meu orientador professor Gilmar Bedin, pela sua sabedoria e disponibilidade na trajetória de elaboração deste trabalho. Pela amizade e compreensão e pelas considerações relevantes à construção do conhecimento.

Ao meu esposo Marcos e meu filho Bruno, pela paciência, amor e incentivo que me motivaram diariamente, mesmo quando eu achava que não iria conseguir vocês me deram força e coragem para continuar a minha caminhada.

A amiga e colega Débora pela amizade, coleguismo, carinho e incentivo durante esta longa caminhada acadêmica.

A UNIJUÍ pela concessão de bolsa, que possibilitou a realização do curso.

Aos mestres e a todos que, de uma ou outra forma, contribuíram na minha formação acadêmica.

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica tem como tema central os direitos humanos e a proteção jurídica das pessoas com deficiência a partir da realidade brasileira. Estuda o processo de surgimento e evolução histórica dos direitos humanos e, nesta perspectiva, a importância do reconhecimento dos direitos específicos das pessoas com deficiência. Em seguida, analisa o tratamento dispensado às pessoas com deficiência na história. Em terceiro lugar, analisa as principais normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção jurídica das pessoas com deficiência existentes no Brasil e, por fim, tece algumas considerações sobre a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, como forma de garantia e efetivação dos direitos humanos.

Palavras-chave: Pessoas com Deficiência. Direitos Humanos. Proteção Jurídica. Inclusão Social.

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ABSTRACT

This monographic research work is focused on human rights and legal protection of persons with disabilities from the Brazilian reality. Studying the process of emergence and historical development of human rights and, in this perspective, the importance of recognizing specific rights of persons with disabilities. It then analyzes the treatment of persons with disabilities in history. Thirdly, analyzes the major constitutional and infra legal protection of persons with disabilities in Brazil and, finally, presents some considerations about the implementation of the rights of persons with disabilities, by way of security and realization of human rights.

Keywords: People with Disabilities. Human Rights. Legal Protection. Social Inclusion.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 10

1.1. A Origem dos Direitos Humanos ... 10

1.2 As Condições de sua Existência ... 11

1.3 A Sua Trajetória Expansiva ... 13

1.3.1 Os direitos de primeira geração ou direitos civis ... 13

1.3.2 Os direitos de segunda geração ou direitos políticos ... 16

1.3.3 Os direitos de terceira geração ou direitos econômicos e sociais ... 17

1.3.4 Os direitos de quarta geração ou direitos de solidariedade ... 19

2. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA ... 21

2.1 A pessoa com deficiência: História Antiga e Medieval ... 21

2.1.1 O advento do Cristianismo ... 25

2.2. A pessoa com deficiência: Idade Média até os dias de hoje ... 27

2.3. A pessoa com deficiência na história do Brasil ... 29

2.4. Conceituação e definição de pessoa com deficiência ... 32

3. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA ... 36 3.1. A Proteção Constitucional ... 36 3.2. A Proteção Infraconstitucional... 40 3.2.1. A Lei Federal 7.853/89 ... 40 3.2.2. A Lei Federal 8.213/91 ... 42 3.2.3. A Lei Federal 8.742/93 ... 43 3.2.4. As Leis Federais 10.048/00 e 10.098/00 ... 44 3.2.5. Decretos 914/93, 3.298/99 e 5.296/04 ... 45 3.3. O Projeto de Lei 7.699/06 ... 45

3.4. Efetivação dos Direitos das Pessoas com Deficiência ... 46

CONCLUSÃO ... 50

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa busca, a partir de uma perspectiva jurídica, analisar a proteção das pessoas com deficiência. Neste sentido, busca verificar se os direitos deste grupo social estão juridicamente assegurados e se eles garantem pleno exercício da cidadania. Desta forma, o objetivo central da pesquisa é analisar a proteção jurídica de pessoas com deficiência.

Para melhor entender o tema abordado, o presente trabalho foi estruturado em três capítulos. No primeiro capítulo, estuda o processo de surgimento, de reconhecimento e de construção dos direitos humanos. Neste sentido, demonstra que este processo teve início com o surgimento do modelo individualista de sociedade e que se desenvolveu em diversas gerações de direitos.

No segundo capítulo, o trabalho volta-se para o estudo da proteção de um grupo específico de seres humanos: as pessoas com deficiência. Neste sentido, resgata-se a história do tratamento dispensado a este grupo social desde a antiguidade até os dias de hoje. Ao longo deste resgate ficou claro que o tratamento referido foi sendo alterado e que, somente nos últimas décadas houve maior acolhimento a este grupo social e uma maior proteção aos seus direitos.

No terceiro capítulo, dá-se ênfase à análise das principais normas da legislação brasileira que protegem as pessoas com deficiência. Neste contexto, demonstra que foi a partir da Constituição de 1988 que a tutela jurídica às pessoas com deficiência se tornou mais relevante e que, em seguida, foram feitos vários avanços na proteção dos direitos deste grupo social específico.

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Isto não significa, contudo, que os avanços da legislação brasileira são definitivos. O trabalho demonstra que há também algumas ameaças de retrocesso. Por isso, o trabalho tece, na sequência, um conjunto de considerações sobre a necessidade de efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, como forma de estabelecer a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.

Destaca-se que na elaboração do presente trabalho foi utilizado o método hipotético-dedutivo. Isto significa que, a partir do levantamento de algumas premissas fundamentais, foram tiradas algumas conclusões fundamentais sobre o tema proposto na monografia. A técnica de pesquisa utilizada foi a da pesquisa bibliográfica, com consulta em livro, artigo disponível em meios físicos e internet, e consulta à legislação. Os objetivos propostos no trabalho foram alcançados e a hipótese levantada no projeto de pesquisa foi confirmada.

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1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O processo histórico de reconhecimento e a proteção aos direitos do homem possui uma longa caminhada. Neste processo foi fundamental o surgimento de um novo modelo de sociedade (modelo individualista) e a luta contra a representação do mundo centrado na perspectiva política do todo. Além disso, é importante perceber que nesta longa trajetória foram fundamentais as lutas políticas e a consequente incorporação sempre de novos direitos. Por isso, é possível dizer que esta trajetória foi vitoriosa e se constituiu numa espécie de narrativa em expansão. De fato, esta trajetória teve início no final do século XVIII, com a Declaração de Virgínia, de 1776, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França, de 1789, passou pelo reconhecimento dos direitos políticos e sociais e chegou até Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e a Declaração de Viena, de 1993.

1.1. A Origem dos Direitos Humanos

Existe um importante debate sobre a origem exata e o momento em que os direitos humanos surgiram na história da humanidade. Para alguns pesquisadores, os direitos do homem teriam origem já na antiguidade e, para outros, os direitos humanos surgiram apenas no mundo moderno. Entendemos que a melhor resposta a esta questão é encontrada no posicionamento que defende terem os direitos humanos surgidos somente nos séculos XVII e XVIII.

Assim, concordamos com Gilmar Antonio Bedin (2002, p. 19) ao afirmar que a ideia de que os

homens possuem direitos é, ao contrário do que normalmente se pensa, uma invenção moderna, tendo surgido e se institucionalizado no decorrer do século XVIII. Além disto, é imprescindível que realcemos, imediatamente, o fato de que o seu surgimento constitui-se, no que se refere à história, em verdadeira ruptura com o passado.

Porque concordamos com esta ideia? Por que a chamada figura deôntica original é o dever e não do direito (Bobbio, 1992). Neste sentido é necessário, para a emergência dos direitos humanos, uma verdadeira ruptura com o passado. Daí porque não se pode falar em

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proteção dos direitos humanos no mundo antigo ou no período medieval: típicas sociedades organicistas.

Os direitos humanos surgiram da ruptura com este tipo de sociedade e se alicerçaram na emergência dos indivíduos em singularidades como pessoas (não integrados em estruturas coletivas). Foi desta luta, portanto, que surgiu os direitos humanos e a preocupação com a sua proteção. A partir de então que as reivindicações em prol do reconhecimento dos direitos humanos ganharam força, sendo entendido como direitos inerentes à própria natureza humana.

É na perspectiva desta compreensão cujo significado traduziu o processo de racionalização moral, social e jurídica por que vem passando a humanidade desde o século XVIII, e se constitui como a premissa maior da organização jurídico-política do Poder do Estado, que orienta e constitui o fundamento de todo o movimento constitucionalista desde então.

A Declaração de Virgínia, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França, de 1789, foram, portanto, neste sentido, os dois primeiros grandes marcos de uma grande e profunda mudança histórica: o surgimento de um novo modelo de sociedade (o modelo individualista) e que possibilitou a emergência e a consolidação dos direitos humanos.

1.2 As Condições de sua Existência

A vida humana esteve historicamente vinculada a supremacia Estado (no sentido amplo da palavra). Ao longo deste período, predominou o modelo organicista de sociedade. Este modelo de sociedade se fundava na ideia que o Estado era superior aos seus indivíduos, concepção defendida por Aristóteles e Platão, passando por toda a Idade Média chegando ao mundo contemporâneo. Este modelo entrou em declínio com os acontecimentos econômicos, políticos e teóricos dos séculos XVII e XVIII, momento em que houve uma verdadeira inversão entre o predomínio do Estado, para o predomínio do indivíduo na representação do mundo político.

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Foi com os acontecimentos dos séculos XVII e XVIII que se firmou a visão de que os indivíduos tem preferência sobre o todo e é deste movimento, que se produz uma verdadeira inversão entre a crença na desigualdade e a igualdade entre os homens e que se passa a justificar o poder não por deus ou pela tradição, mas pelo consenso formado pelo conjunto dos indivíduos.

É esta diferença na representação do mundo que pode ser visto como o marco da história, que divide as sociedades de modelo tradicionais das sociedades de modelo individualista. De fato, como lembra Bedin é, apesar da ideia de igualdade tenha destaque inicial com a presença do cristianismo e posteriormente com a conversão do plano espiritual para o mundo, este fato que provoca a inversão entre desigualdade e igualdade. Assim, são os pensadores políticos dos séculos XVII e XVIII, claramente individualistas, que sustentam “a ideia de igualdade entre os homens como um elemento constitutivo da nova sociedade.” (BEDIN, 2002, p. 27).

Segundo o mesmo autor, outras consequências da inversão entre Estado e indivíduo, surgiram, com a inversão entre a ideia da origem natural e a origem contratual do Estado; a corrente da origem contratual do Estado, segundo a qual defende ter o Estado surgido através de um contrato social; a inversão entre o fundamento divino e o fundamento popular do poder, que segundo Norberto Bobbio (2003), existem três grandes correntes a esse respeito: do fundamento teológico do poder, do fundamento histórico do poder e do fundamento popular do poder .

E, por fim tem-se a inversão entre os deveres e os direitos a partir dos séculos XVII e XVIII, com a publicação das declarações de direitos de 1776 (Declaração da Virgínia) e 1789 (Declaração da França), que efetivamente o homem deixa de ser sujeito apenas de deveres e passa a ser, também, sujeito de direitos, o que foi possível apenas porque houve uma verdadeira transformação na organização da sociedade, passando o homem a ser o centro desta.

Conforme assevera Bedin (2002, p. 35),

Esta inversão da perspectiva de análise das relações políticas é fundamental, pois estabelece um divisor de águas entre as sociedades tradicionais e a sociedade moderna. Além disto, constitui-se no que se refere ao mundo jurídico, na condição

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de possibilidade da existência dos direitos do homem. Sem esta inversão, portanto, não há que se falar em direitos do homem, mas simplesmente em deveres.

No mesmo sentido, reforça Bobbio (2003, p. 100-101), que “o ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos indivíduos não de direitos, mas, sobretudo, de obrigações, a começar pela obrigação da obediência às leis, isto é, às ordens do soberano.” Assim, é apenas com a emergência do modelo individualista de sociedade que se começa a declarar direitos. O seu marco são as Declarações de 1776 (Declaração da Virgínia) e de 1789 (Declaração da França).

1.3 A Sua Trajetória Expansiva

Estabelecido o momento da origem e suas condições de existência, é importante salientar agora que, apesar deles terem surgido já no século XVIII, não foram todos reconhecidos e institucionalizados de uma única vez. Ao contrário, foram constituídos em gerações ou gerações distintas, tendo em vista o momento histórico de sua conquista e seu vínculo com o Estado.

T. H. Marshall foi um dos pioneiros em lembrar que os direitos foram conquistas em gerações. Em sua obra, demonstrou que eles se desenvolveram em três fases ou gerações distintas, quais sejam, os direitos civis, políticos e sociais. Já para Paulo Bonavides (1993) e Celso Lafer (1991), a trajetória dos direitos humanos pode ser dividida em direitos: de primeira geração (direitos civis e políticos), de segunda geração (direitos econômicos e sociais) e de terceira geração (direitos de solidariedade).

Bedin (2002, p. 42), por sua vez, propõe a seguinte classificação: a) direitos civis ou direitos de primeira geração; b) direitos políticos ou direitos de segunda geração; c) direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração; d) direitos de solidariedade ou direitos de quarta geração. Para efeitos deste trabalho, adotamos esta classificação em quatro gerações.

1.3.1 Os direitos de primeira geração ou direitos civis

Os direitos de primeira geração ou direitos civis são resultados de conquistas sociais datadas do século XVIII, com as declarações de direitos de 1776 (Declaração da Virgínia) e

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1789 (Declaração da França). Estes direitos são chamados de direitos negativos e que foram estabelecidos contra o Estado. Consistem em garantias individuais que exigem do Estado uma postura de abstenção, assegurando, assim, a liberdade dos indivíduos. Bedin entende que tais direitos são o fundamento do Estado de Direito moderno, já que impõem limites ao Estado absolutista e assegura direitos como as liberdades físicas, as liberdades de expressão, a liberdade de consciência, o direito à propriedade privada, os direitos da pessoa acusada e as garantias dos direitos.

De acordo com Bedin (2002, p. 44):

As liberdades físicas podem ser vistas como os primeiros e mais elementares de todos os direitos do homem, pois visam a garantir a integridade física do homem e a sua liberdade pessoal. Entre estas liberdades, por sua vez, podemos colocar os seguintes direitos:

a) direito à vida;

b) liberdade de locomoção (direito de ir e vir); c) direito à segurança individual;

d) direito a inviolabilidade de domicílio; e) direitos de reunião e de associação;

As liberdades de expressão, segundo o mesmo autor, constituem prerrogativas que complementam as liberdades físicas, estabelecendo o que Bedin (2002, p. 46) chama de “As condições mínimas de espaço público democrático.” Entre essas liberdades, incluem-se o direito à liberdade de imprensa, direito a livre manifestação do pensamento e o direito ao sigilo de correspondência.

Já a liberdade de consciência “pode ser entendida como o direito que cada homem possui de sentir os ditames de sua consciência segundo suas convicções honestas.” (MOSCA citado por BEDIN 2002, p. 49). A liberdade de consciência, segundo Bedin, está ligada a liberdade de expressão, tendo as duas surgidas já com as primeiras declarações de direitos, sendo a liberdade de expressão fundamental para o desenvolvimento da liberdade de consciência. A liberdade de consciência apresenta-se de três formas, quais sejam, liberdade de consciência filosófica, liberdade de consciência política e liberdade de consciência religiosa, sendo esta última a mais complexa e abrangendo outras três liberdades, a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa.

O direito da propriedade privada, segundo afirma Bedin (2002, p. 51), “foi e é o mais polêmico de todos os direitos desta geração.” Encontra-se garantido em várias declarações de

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direitos do homem, mas, no entanto já passou por inúmeras alterações e adquiriu um caráter de cunho mais social.

Com relação aos direitos da pessoa acusada, cabe salientar que somente no sistema jurídico moderno é que a pessoa acusada passou a ser sujeito de direitos, o que indica alteração na forma de exercício do poder punitivo do Estado. Entre esses direitos estão o direito ao princípio da reserva legal, o direito à presunção de inocência e o direito ao devido processo legal.

O direito ao princípio da reserva legal está fundamentado na garantia de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Direito este garantido e reconhecido pela maioria dos textos constitucionais e penais em vigor. Já o direito de presunção de inocência encontra-se garantido em vários textos legais, no mundo moderno e no Brasil está garantido na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, LVII, que determina que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória (Constituição Federal, 1988). Por fim, o direito ao devido processo legal, segundo Bedin (2002, p. 54), “pode ser entendido como o direito que a pessoa acusada possui de não ser privada de sua vida ou, o que é mais frequente, de sua liberdade sem a observância das formalidades legais regulares.” Este direito abrange também o direito à proteção contra a autodeterminação, direito à ampla defesa, direito ao contraditório, direito ao juiz natural, direito à publicidade dos atos processuais e direito à isonomia processual, os quais sendo reconhecidos garantem um Direito Penal e um Processo Penal comprometidos com a dignidade humana.

Por fim, encontram-se entre os direitos de primeira geração as garantias aos direitos. Pode-se dizer que estas garantias são os instrumentos que irão garantir e assegurar o exercício e o gozo dos direitos até então analisados. Entre as garantias dos direitos destacam-se o direito de petição, o direito ao habeas corpus e o direito ao mandado de segurança. O direito de petição é o direito dado a cada pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação. Encontra-se disposto no Art. 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal de 1988. O direito ao habeas corpus, previsto no Art. 5º, LXVIII da CF/88, segundo Bedin (2002, p. 55), “destina-se exclusivamente a garantir a liberdade de locomoção e pode ser visto, em termos cronológicos, como o primeiro remédio processual, em sentido, a integrar as conquistas das liberdades civis clássicas.” O mandado de segurança, por sua vez, também

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encontra previsão no Art. 5º, inciso LXIX, da CF/88, visa a garantia do direito líquido e certo não amparado pelo habeas corpus. Estas três não são, cabe salientar, as únicas três garantias existentes, podendo, além destas, ser destacadas outras, como o habeas data e o mandado de injunção.

1.3.2 Os direitos de segunda geração ou direitos políticos

Os direitos de segunda geração ou direitos políticos foram conquistados na maioria dos países ocidentais ao logo do século XIX. Estes direitos reivindicam, mais do que abstenção estatal, a possibilidade de participar das instâncias decisórias do Estado. Por isso, neste grupo encontram-se elementos extremamente caros ao sistema democrático contemporâneo, tais como o sufrágio universal, e as formas de participação política direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular).

Segundo Bedin (2002), se a primeira geração de direitos abrange os direitos chamados negativos, contra o Estado, a segunda geração de direitos, por outro lado, se caracteriza pelo fato de abarcar os direitos considerados direitos positivos, isto é, direitos de participar do Estado, ou seja, ao direito de participar na formação do poder político. Entre estes direitos destacam-se os seguintes direitos: direito ao sufrágio universal, o direito de constituir partidos políticos e o direito de plebiscito, de referendo e de inciativa popular.

O direito ao Sufrágio Universal surgiu no século XIX e se efetivou no século XX, é o primeiro e mais importante de todos os direitos políticos. Conforme afirma Bedin, o direito ao sufrágio universal não surgiu momentaneamente, mas como fruto de um longo embate histórico, pois primeiramente nasceu como um direito restrito a alguns, para somente após ser ampliado para um número maior de pessoas. “Hoje, portanto, o direito ao sufrágio universal é reconhecido em praticamente todo o mundo e é garantido pela maioria dos textos constitucionais.” (BEDIN, 2002, p. 58).

Já o direito de constituir partidos políticos, segundo o autor, pode-se dizer que ele é tão antigo quanto aos direitos de reunião e de associação, mas estes são mais recentes, visto que não existiam antes do século XIX. (BEDIN, 2002, p. 59).

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Com relação ao direito ao plebiscito, ao referendo e à iniciativa popular, pode-se dizer que são práticas antigas, as quais foram utilizadas regularmente somente nos séculos XVII e XVIII. Constituem verdadeiro mecanismo de participação direta do cidadão na formação do poder político. O plebiscito teve origem no Império Romano e o referendo no decorrer do século XV, na Suíça. Já a inciativa popular é bem mais recente, inicialmente foi reconhecida pela Constituição Alemã de 1919 e na Constituição Brasileira está reconhecido este direito no Art. 14, inciso III.

Conforme salienta Bedin (2002, p. 61),

o importante, neste momento, é ressaltarmos que os institutos ora sob análise, bem como o da inciativa popular, são instrumentos de participação direta dos cidadãos na vida política e, como tal, representam a expansão da democracia moderna no sentido de torna-la mais efetiva.

Quanto aos direitos civis e políticos ora estudados, cabe esclarecer, no entanto, que, como afirma Bedin (2002), é descabida a oposição que comumente se detecta entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, ou seja, entre liberdade e igualdade. Tal relação não é contraditória, mas sim complementar, uma vez que somente, o respeito integral a todas estas gerações de direitos pode assegurar uma vida verdadeiramente digna.

1.3.3 Os direitos de terceira geração ou direitos econômicos e sociais

Os direitos de terceira geração ou direitos econômicos e sociais são conquistas, por sua vez, datadas do início do século XX e foram materializados pela Constituição de Weimar e a Constituição Mexicana de 1917 (que inauguram o chamado constitucionalismo social). O elemento que diferencia tais direitos dos que lhes antecederam é a exigência da atuação positiva do Estado.

Segundo Bedin (2002, p. 62), esta terceira geração de direitos engloba os chamados direitos de créditos, isto é,

direitos que tornam o Estado devedor dos indivíduos, particularmente dos indivíduos marginalizados, no que se refere à obrigação de realizar ações concretas, visando a garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem-estar social. Estes direitos, portanto, não são direitos estabelecidos “contra o Estado” ou direitos de “participar no estado”, mas sim direitos garantidos “através ou por meio do Estado”.

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Percebe-se então, que estes direitos são garantidos através do Estado, diferente dos direitos civis que são estabelecidos contra o Estado, bem como dos direitos políticos, que são direitos de participar do Estado. Entre estes direitos estão os direitos que contemplam o homem como trabalhador individual e como grupo e a todos como consumidores de bens públicos.

Quanto aos direitos relativos ao homem trabalhador, estes se referem ao homem como produtor de bens e partícipe de uma relação empregatícia e englobam os direitos individuais dos trabalhadores e os direitos coletivos dos trabalhadores. Os direitos individuais dos trabalhadores compreendem “as prerrogativas dos homens em suas relações individuais de trabalho”, (BEDIN, 2002, p. 63). Assim são exemplos de direitos sociais, respectivamente, direito à liberdade de trabalho, o direito ao salário mínimo, o direito à jornada de trabalho de oito horas, o direito ao descanso semanal remunerado, os direitos a férias anuais remuneradas e o direito à igualdade de salário para trabalhos iguais. Segundo Bedin, esta relação de direitos não é exaustiva, podendo-se acrescentar a ela, o direito ao seguro-desemprego, o direito de participar dos lucros das empresas, o direito à estabilidade e direito à carteira assinada.

Os direitos coletivos dos trabalhadores englobam os direitos dos trabalhadores em suas relações de trabalho coletivas e podem ser exercidas de forma combinada. Nestes direitos, incluem-se o direito à liberdade sindical e o direito de greve. Com relação ao direito à liberdade sindical pode-se afirmar, que se trata do mais complexo direito coletivo garantido aos trabalhadores, e se refere à liberdade que os trabalhadores têm de se organizar em forma de sindicatos sem que haja, no entanto a intervenção ou interferência de autoridades públicas. Encontra-se garantido na Constituição Brasileira, em seu Art. 8º, inciso II, segunda parte. Já o direito à greve, assim como o direito à liberdade sindical, também só pode ser exercido de forma coletiva, e refere-se ao direito que a classe trabalhadora tem de paralisar o trabalho como forma de pressionar os empregadores a conceder-lhes vantagens econômicas.

Em relação aos direitos relativos ao homem consumidor, segundo Bedin (2002, p. 69) referem-se “ao homem como sujeito que consome bens e serviços públicos.” Entre estes direitos estão, o direito à seguridade social, o direito à educação e o direito à habitação. No que se refere ao direito à seguridade social, cabe salientar que hoje se apresenta como direito universal garantido em vários textos constitucionais internacionais, e possui maior conteúdo de cunho social, sendo a mais antiga o direito à assistência social, em segundo lugar o direito

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à previdência social e em terceiro lugar o direito à saúde. Já o direito à educação trata-se de um direito que teve sua garantia concretizada no decorrer do século XVIII e diz respeito à instrução a que todos têm direito. Direito este reconhecido em várias constituições, inclusive internacionais. O direito à habitação é um direito bastante recente, que teve seu reconhecimento como fruto de diversas e antigas reivindicações por habitação. Reconhecido em vários textos constitucionais contemporâneos.

1.3.4 Os direitos de quarta geração ou direitos de solidariedade

Os direitos de quarta geração ou direitos de solidariedade são direitos que estão presentes na sociedade internacional do segundo pós-guerra e se caracterizam por se afirmarem como mecanismo de proteção dos homens sobre os limites das fronteiras nacionais. Neste sentido, compreendem os direitos humanos no âmbito internacional, até porque são firmados por documentos legais internacionais. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) é o documento legal mais importante e que marca, mundialmente, a criação dos direitos de solidariedade.

Esta geração de direitos acarretou uma mudança, um deslocamento do lugar dos direitos em relação ao Estado, causando uma importante mudança no conceito de soberania. Esta mudança do conceito de soberania faz, conforme afirma Bedin (2002, p. 73), com que cada um dos

estados particulares, por um lado, caminhem, aos poucos, para ações articuladas e orientadas formando, assim, os grandes blocos econômicos, sociais e políticos e, por outro, emancipem, também aos poucos, de suas tutelas os indivíduos singulares, bem como os grupos sociais, conferindo-lhes direitos e capacidade processual em nível internacional.

Englobam este bloco de direitos o direito a paz, direito ao meio ambiente sadio, direito ao desenvolvimento e o direito à autodeterminação dos povos, ou seja, valores universais cuja conquista requer o diálogo entre os Estados e a cooperação internacional. O direito ao desenvolvimento é uma conquista recente e está relacionado ao subdesenvolvimento, uma das maiores barreiras frente ao reconhecimento dos direitos humanos no que tange, principalmente, aos direitos econômicos e sociais. Neste sentido, o direito ao desenvolvimento é, segundo a leitura de Bedin (2002, p. 75) “uma reivindicação dos países

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pobres em relação aos países ricos que, em termos geográficos, se expressa na dicotomia norte/sul.”

No que se refere ao direito ao meio ambiente sadio, este está relacionado aos danos e ameaças que o crescimento urbano e o desenvolvimento têm causado a natureza. Direito que tende a garantir um meio ambiente saudável e equilibrado, com qualidade de vida que será deixado às gerações futuras. Cabe salientar que o direito ao meio ambiente sadio é a confirmação da conscientização do homem enquanto parte da natureza. Nossa existência depende do equilíbrio da natureza, assim, o homem não pode abster-se de sua responsabilidade de salvaguardar sua existência. Ao se negar o direito humano ao meio ambiente, está se negando o direito à vida das gerações futuras. O homem deve preservar a natureza que é o patrimônio comum da humanidade de forma ativa, participativa, mostrando seu interesse e preocupação na causa ambiental.

Com relação ao direito à paz também é uma das conquistas recentes, e está relacionado à reversão das situações de violência e tumultos armados existentes no nosso cotidiano e, por meio das reivindicações pelo direito à paz como forma de impedir a guerra e seus malefícios que pode causar.

E por fim, o direito à autodeterminação dos povos, que segundo Bedin (2002, p. 77) objetiva, “a garantir o direito aos povos de decidir, de forma soberana, sobre seu presente e seu futuro sem qualquer interferência estrangeira e representa um grande passo na luta contra o imperialismo e o colonialismo dos países ricos.” É um direito de liberdade de cada Estado tomar suas decisões.

Assim, percebe-se que a trajetória histórica dos direitos humanos teve uma evolução expansiva e foi sempre contemplando a inclusão de novos direitos, através de questionamentos e desafios que chegou a representar, ao final do século, uma grande conquista da humanidade. Diante dessa trajetória histórica, o desafio atual dos direitos humanos não está basicamente amparado no reconhecimento ou fundamentação de novos direitos, mas basicamente na luta pela concretização desses direitos institucionalmente garantidos.

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2. A PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA

Apresentada a trajetória histórica dos direitos humanos, o trabalho volta-se agora para a proteção de um grupo específico de seres humanos: as pessoas com deficiência. Neste sentido, resgata-se a histórica, desde a antiguidade até os dias de hoje, de como este grupo humano foi tratado e como este tratamento foi sendo alterado com a evolução da sociedade. Entre as deficiências mais conhecidas, temos a mental, a física, as sensoriais e as deficiências múltiplas.

2.1 A pessoa com deficiência: História Antiga e Medieval

Com relação à vida das pessoas com deficiências físicas ou mentais, nada de concreto existe nos primeiros milênios da vida do homem sobre a terra, apenas há indícios de supostas situações vivenciadas pelo homem naquela época. Claro, que são impossíveis de serem estabelecidos fatos concretos ou situações comprovadas e vida, em toda a fase pré-histórica da História da Humanidade, tendo em vista os poucos registros encontrados. O que se pode tentar imaginar é o ambiente da época e o que ele poderia significar para a sobrevivência dos grupos humanos no geral, e neste as dificuldades enfrentadas por portadores de alguma deficiência daquelas mesmas épocas, conforme afirma Otto Marques da Silva (1987, p. 28),

Nada de concreto existe quanto à vida de pessoas com deficiências físicas ou mentais, do velho e do doente nos primeiros nebulosos e muitas vezes enigmáticos milênios da vida do homem sobre a Terra, a não ser supostas situações que estão baseadas em indícios extremamente tênues. É evidente que fatos concretos ou situações comprovadas de vida, em toda a fase pré-histórica da História da Humanidade, são impossíveis de serem estabelecidos, mesmo com o magnifico concurso dos sábios que dominam muito bem toda a ciência arqueológica e áreas afins.

Muitos dos males incapacitantes que impedem ou dificultam e convivência das pessoas, ou acabavam com sua vida, que existem hoje, sempre existiram e muitos deles foram fatais devido à falta de recursos na época primitiva. Para alguns males é possível de serem solucionados, tratados e curados, já outros é impossível indicar tratamento e chegar a uma solução, que é a cura.

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Há milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo hostil, habitando em abrigos naturais de pedra ou em cavernas, vivendo exposto às alterações do clima, muitas vezes em cavernas cheias de umidade. Eram seres pouco dados a ordem e à limpeza de seus ambientes, sem nenhuma condição de higiene pessoal. Tudo que utilizavam ou deixavam de usar por ser inútil, eram jogados fora, geralmente nos cantos das cavernas onde habitavam, formando um enorme amontoado de detritos e objetos que eram descartados. Diante desse cenário fica difícil então, imaginar a sobrevivência naquela época de uma pessoa com deficiência acentuada.

Com o passar do tempo, o homem primitivo aprimorou suas condições de vida, encontrou novos grupos de homens com os quais manteve relações e se integrou, se organizando em grupos dos quais resultou o despertar da consciência social. Estabeleceu vínculos mais fortes com os seus conviventes, dispensando um tratamento diferenciado às pessoas adoentadas do grupo, devido a acidentes relacionados à pesca e a caça ou vítimas de agressões por grupos rivais. A partir daí começam a surgir os primeiros tratamentos medicinais com ervas, frutos, plantas, bem como as primeiras tentativas cirúrgicas. O homem passou a ter domínio de sua vida e do ambiente no qual vivia o que facilitou sua vida em grupo.

Cabe salientar que, os estudos por meio da ciência da paleopatologia, através e da análise sistemática de ossos pré-históricos que apresentavam anomalias, pelos restos de ossadas encontradas nas cavernas, como pelos dedos amputados, que podem ser percebidos nos desenhos e pinturas nas cavernas habitadas, comprova que, a doença e a deficiência física são tão antigas quanto a própria vida sobre a terra.

É importante frisar que, o homem pré-histórico procurava a origem das enfermidades em crendices de natureza mística ou fantasiosa e sempre estiveram ligados à magia. Apesar de restarem ainda dúvidas com relação ao conhecimento dos que aplicavam a medicina primitiva, podemos dizer que a eficácia de muitos tratamentos utilizados é fato inquestionável.

Com relação ao destino das pessoas deficientes na Pré-História não se sabe de nada, pois não foram encontrados registros. O que podem ser feitas são só suposições e de certa forma, com grandes possibilidades de estarem certas, através da análise e estudo, feitas por

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antropólogos, com base em achados em cavernas. Este estudo vem confirmar que desde as épocas mais remotas as deficiências já representavam um flagelo da humanidade, mas que muitos destes homens sobreviviam até a idade adulta e em muitos casos, poderiam ter algum valor.

Apesar deste fato, foi a pressão pela sobrevivência que determinou, na maioria das vezes, a tomadas de posição em relação à pessoas idosas, doentes ou deficientes. É o que se verifica com os índios Chiricoa, que habitam as matas colombianas e mudam de lugar constantemente para poder sobreviver, obrigando-os a abandonar idosos e doentes que estavam impossibilitados de se locomover e não serem mais necessários para a sobrevivência do grupo. Constata-se também pelas pesquisas, que em alguns casos o abandono e a morte eram por opção do próprio indivíduo idoso, doente, a fim de beneficiar a própria tribo, que é o caso dos esquimós.

Segundo Silva (1987, p. 45),

muitas vezes, a não-sobrevivência ocorria mais devido à pressão causada pelas dificuldades na obtenção de alimentos ou mesmo de auto-suficiência e agilidade para cuidar de si mesmo em hora de perigo, quando não devido a questões de utilidade do componente do grupo. Há vários casos de eliminação de velhos ou de deficientes devido à ignorância das causas dos males considerados como misteriosos, ou por medo das divindades vingativas que poderiam estar envolvidas ou mesmo interessadas. No entanto muito raramente a rejeição ou a morte ocorriam devido a atitudes de ostracismo ou de discriminação intencional que, segundo nos parece, são produtos de civilizações mais sofisticadas.

No Egito Antigo, com o aparecimento da escrita, mais precisamente a partir de 2.500 a.C., há indicativos mais seguros quanto à existência e às formas de sobrevivência de indivíduos com deficiência. Dentre os povos da chamada História Antiga, os egípcios são aqueles cujos registros são mais remotos. Os restantes das múmias, os papiros e a arte dos egípcios apresentam indícios muito claros, não só da antiguidade de alguns “males incapacitantes”, como também das diferentes formas de tratamento que possibilitaram a vida de indivíduos com algum grau de limitação física, intelectual ou sensorial. Pode ser citada aqui a escola de Anatomia da cidade de Alexandria, no período de 300 a.C, da qual ficaram registros da medicina egípcia utilizada para o tratamento de males que afetavam os ossos e olhos das pessoas adultas. Encontram-se também passagens históricas que fazem referência aos cegos do Egito e ao seu trabalho em atividades artesanais. Devido à fertilidade das terras e

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as diversas possibilidades de trabalho, não é difícil imaginar alternativas para ocupação das pessoas com deficiência no Egito Antigo.

Já na Grécia Antiga, especialmente em Esparta, cidade-estado cuja marca principal era o militarismo, as amputações traumáticas das mãos, braços e pernas aconteciam com frequência no campo de batalha. Diante disso, identifica-se facilmente um grupo de pessoas que adquiriu uma deficiência e, mesmo assim, permaneceu vivo. Neste sentido, Silva (1987, p. 65) afirma que, na Grécia Antiga, havia três tipos de pessoas com deficiências:

-- os mutilados ou deficientes devido a ferimentos ou a acidentes próprios da guerra e de atividades afins;

-- os prisioneiros de guerra com deficiências físicas, ou os detentos criminosos civis, cuja mutilação ou deficiência era causada por uma pena ou castigo;

-- os deficientes civis por doenças congênitas ou adquiridas, ou também por acidentes os mais variados.

Importante mencionar aqui também, o costume espartano, que ficou amplamente conhecido pelos estudiosos do tema numa perspectiva histórica, de lançar crianças com deficiência em um precipício para se livrar delas. De fato, pelas leis da época, o pai de qualquer recém-nascido das famílias importantes era obrigado a apresentar seu filho a um Conselho de Espartanos (comissão oficial, formada por anciãos) independentemente da deficiência ou não. Se esta comissão de sábios avaliasse que o bebê era normal e forte, ele era devolvido ao pai, que tinha a obrigação de cuidá-lo até os sete anos; depois, o Estado tomava para si esta responsabilidade e dirigia a educação da criança para transformá-la em um guerreiro. No entanto, se a criança parecia feia e franzina, apresentando algum tipo de limitação física, os anciãos ficavam com a criança e, em nome do Estado, a levavam para um local conhecido como Apothetai (que significa “depósitos”). Tratava-se de um abismo onde a criança era jogada, pois entendiam que não era recomendada a vivência de crianças que não nasciam perfeitas.

Esta prática deve ser entendida, naturalmente, de acordo com a realidade histórica e social da época. Hoje isso pode nos parecer algo bárbaro, mas na cidade-estado de Esparta, no ano de 400 a.C., tal conduta “justificava-se” para o bem da própria criança e para a sobrevivência da república, onde a maioria dos cidadãos deveria se tornar guerreiros e para tanto, teria que ser perfeito. Já em Atenas, influenciados por Aristóteles, os deficientes eram amparados e protegidos pela sociedade.

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Na Roma Antiga, diferentemente da Grécia Antiga e do Egito, não é fácil localizar referências precisas relacionadas ao tema. Mas existem citações, textos jurídicos e mesmo obras de arte que referem a essa população. Assim como ocorria em Esparta, o direito Romano não reconhecia a vitalidade de bebês nascidos precocemente ou com limitação física. Porém, o costume não se voltava, necessariamente, para a execução sumária da criança (embora isso também ocorresse). Segundo Silva (1987, p. 90), de acordo com o poder paterno vigente entre as famílias nobres romanas, havia uma alternativa para os pais: deixar as crianças nas margens dos rios ou em locais sagrados, onde eventualmente pudessem ser acolhidas por famílias de escravos ou pessoas empobrecidas (plebe), que eram criadas para futuramente pedirem esmolas, o que chegou a ser na época, um negócio rendoso.

Na Roma Antiga manifestam-se pela primeira vez alguns registros de utilização comercial de pessoas com deficiência, para fins de prostituição ou entretenimento de pessoas de classes mais ricas. Conforme descreve Silva (1987, p. 130),

cegos, surdos, deficientes mentais, deficientes físicos e outros tipos de pessoas nascidos com má formação eram também, de quando em quando, ligados a casas comerciais, tavernas e bordéis; bem como a atividades dos circos romanos, para serviços simples e às vezes humilhantes.

Esta prática, infelizmente, foi repetida em diferentes lugares do mundo, não só em Roma.

2.1.1 O advento do Cristianismo

No fim da Antiguidade, com o advento do Cristianismo, essa visão começa a mudar. À medida que o Cristianismo se difundia, ocorriam profundas mudanças na forma de encarar as pessoas com deficiência. Elas passaram a ser reconhecidas como seres possuidores de alma e, assim, não podiam ser eliminados, abandonados ou maltratados porque isso seria inaceitável à moral cristã. Além disso, a caridade deveria ser praticada indiscriminadamente, pois eles eram filhos de Deus e seres humanos como todos os outros (todos passaram a ser iguais perante Deus).

Com isto, houve uma mudança na forma como as pessoas com deficiência eram vistas e tratadas pela sociedade. Pode-se afirmar, assim, que de uma maneira geral, a mudança na forma de ver as pessoas com deficiência deveu-se a doutrina cristã, que foi sendo difundida a

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partir de um pequeno grupo de homens humildes, num momento em que o Império Romano estava com seu poderio militar e geopolítico consolidado.

No entanto, Silva (1987) chama atenção para o “lamentável estado moral da sociedade romana”, especialmente da nobreza, que demonstrava total falta de preocupação com a propagação de doenças e o aumento excessivo da pobreza e do estado de miserabilidade de boa parte da população. Devido ao constante crescimento urbano, o mundo europeu, durante esse período, decresceu muito nos cuidados básicos com a saúde e com a higiene na maioria das cidades.

As populações dessas áreas, sem infraestrutura e sem recurso para a saúde, viveram por muitos séculos o receio das epidemias e doenças mais sérias. Devido à ignorância, todas as doenças mais graves – as incapacidades físicas e as más-formações congênitas – eram consideradas sinais da ira celeste ou castigo de Deus.Nesse contexto, principalmente a partir do século IV, vai se difundindo o conteúdo da doutrina cristã, voltado para a caridade, humildade, amor ao próximo, para o perdão das ofensas, para a valorização e compreensão da pobreza e da simplicidade da vida.

Estes princípios encontraram respaldo na vida de uma população marginalizada e desfavorecida, na qual estavam aqueles que eram vítimas de doenças crônicas, de defeitos físicos ou de problemas mentais, o que contribuiu para criação de hospitais voltados para o atendimento dessa população. Já no século seguinte, foram criadas várias instituições de caridade e hospitais em diversas regiões.

Importante salientar aqui, que nesta época, passava-se a dispensar um tratamento caridoso em relação aos deficientes, mas as atitudes da Igreja Católica em relação às pessoas com deficiência também apresentaram ambiguidade, gerando ora acolhida ora exclusão, pois deficientes eram impedidos de atuar como sacerdotes, pois a igreja reafirmava que os sacerdotes não poderiam ser analfabetos nem ter algum tipo de deficiência.

Pelos registros históricos analisados, conclui-se que nos primeiros séculos da Era Cristã houve, mesmo com restrições, uma mudança no olhar em relação não só aos deficientes, mas também às populações humildes e mais pobres. Os hospitais e centros de

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atendimento aos carentes e necessitados continuaram a crescer, impulsionados muitas vezes pelo trabalho dos bispos e das freiras nos mosteiros.

2.2. A pessoa com deficiência: Idade Média até os dias de hoje

No período entre os séculos V e XV, conhecido como Idade Média, continuaram a existir locais para o atendimento de pessoas doentes e deficientes, na sua maioria controlados e mantidos por senhores feudais. As referências históricas enfatizam, porém, o predomínio de concepções místicas, mágicas e misteriosas sobre a população com deficiência. Cabe lembrar ainda, que o crescimento dos aglomerados urbanos ao longo desse período criou barreiras para a manutenção de condições de higiene e saúde. Os habitantes das cidades medievais viveram sob a permanente ameaça das epidemias ou doenças mais sérias, durante muitos séculos.

Importante ressaltar que, muitas doenças e deficiências eram consideradas, como consequência da ira de Deus ou de maus espíritos e notadas como castigo de Deus, tendo em vista o clima de misticismo e de crendices populares predominantes durante toda a Idade Média.

Percebe-se que a própria Igreja Católica adota comportamentos discriminatórios e de perseguição, substituindo a caridade pela rejeição àqueles que apresentavam um aspecto físico diferenciado, ou por defenderem crenças alternativas, em particular no período da Inquisição nos séculos XI e XII. Hanseníase, peste bubônica, difteria e outros males, muitas vezes incapacitantes, disseminaram-se pela Europa Medieval. Muitas pessoas que conseguiram sobreviver, mas com sérias sequelas, passaram o resto dos seus dias em situações de extrema privação e quase que na absoluta marginalidade.

No final do século XV, a questão das pessoas com deficiência estava completamente integrada ao contexto de pobreza e marginalidade em que se encontrava grande parte da população, não só os deficientes. Apesar de existirem durante a Idade Média exemplos de caridade e solidariedade para com eles, as referências gerais desta época situam pessoas com deformidades físicas, sensoriais ou mentais na camada de excluídos, pobres, enfermos ou mendigos que sobreviviam com esmolas que recebiam dos nobres e comerciantes, que o

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faziam por medo de serem atingidos pelos poderes malignos, que acreditavam possuir os deficientes.

No período compreendido entre os séculos XV e XVII, ocorreu no mundo europeu cristão uma importante mudança sociocultural, com o surgimento do chamado espírito científico, período conhecido como “Renascimento”. Segundo Silva (1987, p. 226), “a Renascença surgia no mundo para tirar o homem de uma era de trevas, ignorância e superstição, que foram os séculos da Idade Média.” Apesar de não resolver, naturalmente, a situação das pessoas com deficiência, de maneira satisfatória, o renascimento marca uma fase mais esclarecida da humanidade e das sociedades em geral, com o advento de direitos reconhecidos como universais, a partir de uma filosofia humanista e com o avanço da ciência. Esse novo modo de ser, traria importantes mudanças também para os marginalizados, como

pobres, enfermos e dentre eles, os deficientes.

Com o surgimento do renascimento, fortalece-se a ideia de que o grupo de pessoas com deficiência deveria ter uma atenção individualizada, não sendo relegado apenas à condição de uma parte integrante da massa de pobres ou marginalizados, o que se efetivou através de vários exemplos práticos e concretos. No século XVI, foram dados passos decisivos na melhoria do atendimento às pessoas portadoras de deficiência auditiva que, até então, via de regra eram consideradas como “ineducáveis”, quando não possuídas por maus espíritos.

No período compreendido entre os séculos XVI e XVII, em diferentes países europeus, foram sendo construídos locais de atendimento específico para pessoas com deficiência, diferentemente dos tradicionais abrigos ou asilos para pobres e velhos. Com relação às malformações físicas ou limitações sensoriais, essas pessoas, de maneira esporádica e ainda tímida, começaram a ser valorizadas enquanto seres humanos. Apesar de, além de outras práticas discriminatórias, a Igreja Católica impedir o exercício do sacerdócio dessas pessoas.

No início do século XIX, cabe salientar e registrar a forma como o tema das pessoas com deficiência era tratado nos EUA. Neste país, já em 1811, foram tomadas providências para garantir moradia e alimentação a marinheiros ou fuzileiros navais que viessem a adquirir limitações físicas. Conforme menciona Silva (1987), desta forma, desde cedo, estabeleceu-se

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uma atenção específica para pessoas com deficiência nos EUA, em especial para os “veteranos” de guerras ou outros conflitos militares. Depois da Guerra Civil norte-americana, foi construído, na Filadélfia, em 1867, o Lar Nacional para Soldados Voluntários Deficientes, que posteriormente teria outras unidades.

A assistência e a qualidade do tratamento dado não só para pessoas com deficiência, como para população em geral tiveram um pequeno avanço ao longo do século XX. No caso das pessoas com deficiência, o contato direto com elevado número de indivíduos com sequelas de guerra exigiu uma gama variada de medidas. A atenção às crianças com deficiência também aumentou, com o desenvolvimento de especialidades e programas de reabilitação específicos.

Segundo Silva (1987), o desenvolvimento de programas, centros de treinamento e assistência para veteranos de guerra, no período entre Guerras é característica comum principalmente nos países europeus, como a Grã-Bretanha e França, principalmente, e também nos EUA. Devido ao elevado número de deficiências, o tema ganha relevância política em vários países inclusive no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). A partir daí o tema das pessoas com deficiência passa a ser objeto do debate público e ações políticas, assim como outras questões de relevância social.

Como podemos perceber nesse panorama histórico apresentado acerca da temática das pessoas com deficiência, da execução sumária ao tratamento humanitário, passaram-se séculos de história, numa trajetória irregular entre os países, mas mesmo assim, é possível visualizar uma tendência de humanização desse grupo. Apesar de até nos dias de hoje, existirem exemplos de discriminação e/ou maus-tratos, cabe salientar que a conscientização das civilizações e o avanço dos temas ligados à cidadania e aos direitos humanos provocaram, sem dúvida, um novo olhar em relação às pessoas com deficiência.

2.3. A pessoa com deficiência na história do Brasil

Através dos registros encontrados sobre a história brasileira das pessoas com deficiência, constata-se que não foi muito diferente do que ocorria no oriente europeu. Também no Brasil, a pessoa com deficiência foi incluída, por vários séculos na categoria dos miseráveis, sofrendo as mais variadas formas de discriminações e exclusão social. Diante

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desta perspectiva geral, é possível identificar aspectos importantes, como a política de exclusão ou rejeição das pessoas com algum tipo de deficiência praticada pela maioria dos povos indígenas, os maus-tratos e a violência como fatores determinantes da deficiência nos escravos africanos, e como, desde os primeiros momentos da nossa história, confirmou-se a associação entre deficiência e doença.

Com relação aos povos indígenas, encontram-se registros históricos que comprovam condutas, práticas e costumes indígenas que se constituíam em eliminação sumária de crianças com deficiência, ou o abandono dos que adquiriam algum tipo de deficiência. Mas, tais costumes não diferem muito dos povos da História Antiga e Medieval, onde a deficiência não era vista com bons olhos, pois representava um castigo dos deuses ou como um mau sinal. As crendices e superstições com relação às pessoas com deficiência continuaram a se repetir ao longo da história brasileira.

Já com relação aos negros escravos no Brasil, a deficiência física ou sensorial é decorrente, na sua grande maioria, da violência e crueldade dos castigos físicos a que eram submetidos, bem como da disseminação de doenças incapacitantes, decorrentes da forma como se dava o tráfico negreiro, em embarcações superlotadas e em condições desumanas, que geralmente deixavam sequelas. Conforme menciona Emílio Figueira (2008), talvez o número de escravos com deficiência só não tenha sido maior porque tal condição representava prejuízo para o seu proprietário, que não podia mais contar com aquela mão-de-obra.

Os colonos portugueses, ao chegarem ao Brasil, sofreram com as condições climáticas e ao grande número de insetos, o que repercutiu na sua saúde e bem-estar, sendo que “algumas dessas enfermidades de natureza muito grave chegaram a levá-los a aquisição de severas limitações físicas ou sensoriais” (Figueira, 2008, p. 55). Registra-se ainda, que as condições de tratamento da maioria das enfermidades não eram adequadas e continuaram assim por várias décadas.

No decorrer do século XIX, o tema da deficiência aparece de forma mais intensa devido aos conflitos militares da época (Canudos, Guerra contra o Paraguai e outras revoltas). Foi criado então o “Asilo dos Inválidos da Pátria”, no Rio de Janeiro em 1968, que segundo Figueira, (2008, p. 63), onde “seriam recolhidos e tratados os soldados na velhice ou os mutilados de guerra, além de ministrar a educação aos órfãos e filhos de militares”.

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Já no decorrer do século XX, o avanço da medicina proporcionou uma atenção diferenciada aos deficientes, com a criação de hospitais-escolas, como o Hospital das Clinicas de São Paulo, na década de 40, possibilitando estudos e pesquisas no campo da reabilitação. A partir daí percebe-se uma relação explícita entre doença e deficiência, o que permanece até os dias de hoje, onde a deficiência foi e é tratada em ambientes hospitalares e assistenciais, com o afastamento das pessoas do convívio social. A criação dessas instituições marca o momento a partir do qual, o problema da deficiência foi transferido da responsabilidade única da família, para instituições privadas beneficentes, passando a ser um problema do Estado, visto que eventualmente algumas destas instituições tinham apoio do Estado.

Segundo Figueira (2008, p. 94), na década de 40 criou-se a expressão “crianças excepcionais”, cujo significado se referia a “aquelas que se desviavam acentuadamente para cima ou para baixo da norma do seu grupo em relação a uma ou várias características mentais, físicas ou sociais”. O senso comum indicava que estas crianças não poderiam estar nas escolas regulares, do que decorre a criação de entidades até hoje conhecidas, como a Sociedade Pestallozzi de São Paulo (1952) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Rio de Janeiro (1954).

A trajetória histórica do Brasil, onde as pessoas com deficiência eram ignoradas e despercebidas, termina no ano de 1981. Nesta data, com a criação pela Organização das Nações Unidas do Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD), um novo ambiente foi criado. Nas palavras de Figueira (2008, p. 115),

Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente. E, como consequência, a ser notada na sociedade, atingindo significativas conquistas em pouco mais de 25 anos de militância.

Portanto, o ano de 1981 marca um reconhecimento social coletivo da situação em que se encontravam muitos portadores de deficiência. Um mundo ignorado, e que não poderia mais ser escondido da sociedade e do poder público, continuando somente como “um peso ou fardo individual e/ou familiar”. Foi a partir daí, que a problemática das pessoas com deficiência, efetivamente entrou em pauta nas discussões nacionais e internacionais, permitindo assim que esse grupo fosse aos poucos se integrando e participando da vida social.

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Como podemos perceber o percurso histórico das pessoas com deficiência no Brasil, não foi muito diferente nas outras culturas e países, marcados por uma fase inicial de eliminação e exclusão, passando-se por um período de integração parcial por meio do atendimento especializado. O rompimento com esta visão não foi tarefa fácil, implicando numa visão assistencialista para as pessoas com deficiência, mas isso foi realizado graças ao avanço da legislação nacional, principalmente com a contribuição das próprias pessoas com deficiência.

Este movimento se fortaleceu com a publicação da Constituição de 1988 e, recentemente, com a ratificação da Convenção sobre os Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência (CDPD). Assim, temos hoje um importante marco legal de defesa das pessoas com deficiência no Brasil e este representa o fortalecimento deste grupo e de seus direitos perante a sociedade.

2.4. Conceituação e definição de pessoa com deficiência

A descrição da evolução histórica das visões que as pessoas tiveram das pessoas com deficiência até aqui abordada, teve a finalidade de demonstrar como os conceitos de deficiência são social e historicamente construídos. Em cada momento, ao longo dos séculos, aquele que tinha algum tipo de deficiência foi visto de uma determinada forma. Isso porque, de acordo com a cultura em que vivemos, com as informações de que dispomos, com nossas crenças e convicções, de acordo também com nossas crenças religiosas e com o nosso entendimento sobre a deficiência, explicamos, agimos e, principalmente, justificamos nosso comportamento em relação às pessoas consideradas, por algum motivo, diferentes (ou com menos habilidades).

A adequação da terminologia empregada, para definir o termo portador de deficiência ainda não está pacificada. Muitos alegam, com razão, que o termo deficiente serve para destacar as diferenças do indivíduo do que suas semelhanças com o chamado “grupo normal”. Por isso não é aconselhável usar o vocábulo deficiente físico ou mental, preferindo-se as expressões portador de deficiência, pessoas portadoras de deficiência e pessoas com deficiência.

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Importante salientar que, a terminologia utilizada para definir pessoas, que fazem parte do grupo de portadores de deficiência recebeu várias denominações com o passar dos tempos e de acordo com campo analisado, mas a terminologia a ser utilizada no decorrer deste trabalho, é “pessoas com deficiência” em vez de “pessoas portadoras de deficiência” ou outra expressão, por se tratar da expressão acolhida pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, a qual foi incorporada a Legislação Brasileira.

O conceito e a concepção do termo “deficiente” tiveram suas origens na Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, em 9 de dezembro de 1975. Segundo o Art. 1º da Resolução 3.447, o termo “deficiente” designa toda pessoa em estado de incapacidade de prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida pessoal ou social normal, em consequência de uma deficiência congênita ou não de suas faculdades físicas ou mentais.

Em 1993, a Organização Mundial da Saúde definiu deficiência. Neste sentido, estabeleceu que esta é a pessoa que tem, segundo o Código Internacional de Doenças – CID 10, a

perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente, como anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de um estado patológico, refletindo um distúrbio orgânico, uma perturbação no órgão.

Portanto, a expressão “pessoa com deficiência” pode ser usada a qualquer pessoa que possua uma deficiência. Contudo, há que se observar que, em contextos legais, ela é utilizada de uma forma mais restrita e refere-se a pessoas que estão sob o amparo de uma determinada legislação. No entanto, como já afirmado, não há consenso na definição desse termo, constatando-se que a deficiência é produto da relação entre condições biológicas e históricas, sociais e espaciais, o que promove um menor ou maior grau de discriminação e aceitação social.

Na legislação interna do Brasil, segundo o Decreto nº 3.298/99, em seu Art. 3º é possível distinguir entre deficiência, deficiência permanente e incapacidade. Por isso, o artigo referido afirma:

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I – deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II – deficiência permanente é aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III – incapacidade que é uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Além disso, o Art. 4º do mesmo Decreto estabelece que é considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

III – deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: a) comunicação; b) cuidado pessoal; c) habilidades sociais; d) utilização dos recursos da comunidade; e) saúde e segurança; f) habilidades acadêmicas; g) lazer; e h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Já Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006, de acordo com a Resolução 61/106 da Assembleia Geral, o conceito de pessoa com deficiência está estabelecido pelo Art. 1º. Este artigo estabelece que as pessoas com deficiência

são aquelas que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

De acordo com esta definição, um dos elementos fundamentais é o conceito de longo prazo. Isto permite entender que a deficiência não precisa ser permanente e que, muitas vezes, ser revertida com os avanços da medicina. Além disso, a Convenção foca também o

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