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Desobediência civil e os movimentos sociais no Brasil contemporâneo

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

NADABE MANOEL MACHADO

DESOBEDIÊNCIA CIVIL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Três Passos (RS) 2014

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NADABE MANOEL MACHADO

DESOBEDIÊNCIA CIVIL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Doglas Cesar Lucas

Três Passos (RS) 2014

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À minha família por acreditar е investir em mim. Mãe, sеυ cuidado е dedicação fоі que deram, em alguns momentos, а esperança pаrа seguir. Pai, sυа presença significou segurança е certeza de qυе não estou sozinha nessa caminhada.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais pelo incentivo e apoio oferecido em toda a trajetória acadêmica. Meus irmãos por estarem sempre presente nesta jornada.

Ao meu orientador, pela honra, oportunidade e paciência na elaboração deste trabalho.

A esta Universidade, seu corpo docente, direção e administração que possibilitaram a realização de um objetivo, servindo de base para enxergar além do horizonte.

Aos meus demais familiares, amigos, colegas, companheiros de trabalhos que de alguma forma fizeram parte da minha formação e que vão continuar presentes em minha memória.

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RESUMO

A obediência às leis é imprescindível para o funcionamento efetivo do Estado, porém, não é possível que todas as vontades sejam atendidas, dessa forma normas que rompem com os princípios de uma minoria para beneficiar uma maioria pode levar a desobediência civil. Esta, por sua vez, é uma forma de manifestação popular que se caracteriza pelo descumprimento consciente da lei sempre que ela for considerada injusta ou ilegítima. Trata-se de um ato público, político, não violento, e utilizado como último recurso. Os desobedientes civis sujeitam-se a sanções decorrentes de seu ato, diferentemente da sanção de alguém que desobedece a lei por motivos egoístas, como no crime em que o sujeito, ainda que em uma associação, age para satisfazer interesse próprio. O objetivo é valer-se deste ato para proporcionar maior eficiência na elaboração das normas jurídicas. A problematização que pretende o presente trabalho de conclusão de curso é, portanto, demonstrar uma alternativa no exercício da cidadania através dos movimentos sociais contemporâneo. Considerando que na prática, a desobediência civil se mostrou útil para evidenciar falhas no ordenamento jurídico, ampliando o conceito de democracia participativa, fazendo com que os interesses de todos sejam discutidos.

Palavras-chave: Cidadania. Legitimidade. Direito de Resistência. Movimentos Sociais.

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ABSTRACT

Obedience to the law is essential to the effective functioning of the state, however, is not possible that all desires are met, so rules that break with the principles of a minority to benefit the majority can lead to civil disobedience. This, in turn, is a popular form of expression that is characterized by conscious of the law whenever it is deemed unfair or unlawful breach. It is a public, political, non- violent act, and used as a last resort. The civil disobedient subject to penalties resulting from his act, unlike the sanction of anyone who disobeys the law for selfish reasons , like the crime in which the subject, albeit in an association, acts to satisfy self-interest. The goal is to avail him of this act to provide greater efficiency in the preparation of legal rules. The questioning who wants this work of completion is therefore demonstrating an alternative citizenship through contemporary social movements. Whereas in practice civil disobedience proved useful to highlight flaws in the legal system, expanding the concept of participatory democracy, so that everyone's interests are discussed, burying this thesis that the decisions of central prevail over the interests of periphery.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRACIA ... 10

1.1 Aspectos históricos do direito de resistência e da desobediencia civil .. Erro! Indicador não definido.10 1.2 A desobediência civill em uma concepção moderna ... 15

1.2.1 Henry David Thoreau ... 18

1.2.2 Mohandas Karamachad Gandhi ... 20

1.2.3 Martin Luther King... 21

1.3 Aspectos característicos da desobediência civil ... 22

1.4 Justificativas da desobediência civil ... 26

2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ... 34

2.1 Teoria geral e aspectos histórico das ações coletivas ... 42

2.1.1 O que são os movimentos sociais?... 39

2.2 Os novos movimentos sociais no Brasil contemporâneo ... 41

2.2.1 Os movimentos sociais e a democracia ... 46

2.2.1.1 O movimento do passe livre ... 48

2.3 Os novos movimentos sociais e a desobediência civil ... 51

CONCLUSÃO ... 56

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INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito tem como característica o ato democrático na criação das leis, tornando assim o indivíduo que lá reside, um cidadão, portador de direitos políticos, sociais e individuais. Referindo-se respectivamente, ao direito de eleger e ser eleito para representante de um Estado, ao direito à saúde, segurança e educação em âmbito coletivo e aos diretos inerentes a cada individuo, como a liberdade. Posto isto, percebe-se que a efetivação da cidadania se dá na obediência às normas, pois elas são produzidas com esta finalidade. Porém, a lei ao ser elaborada, muitas das vezes, não corresponde apenas aos interesses dos cidadãos, o legislador pode imprimir no ordenamento interesses pessoais.

Diante disso e da busca pela justiça, o ato de desobediência civil aparece como alternativa no aperfeiçoamento da democracia participativa. Sendo este um movimento com propósito de ocasionar a mudança em determinada lei ou programas políticos que venham ferir a integridade física, psíquica de um indivíduo. Ato este que será utilizado apenas quando esgotarem-se todas as formas legais de evidenciar a inconstitucionalidade ou injustiça. Os movimentos sociais que o Brasil vivenciou nesses últimos anos tem suscitado a possibilidade de utilizar-se da desobediência civil como instrumento eficiente de mutação da estrutura política jurídica vigente.

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O presente trabalho, elaborado metodologicamente por estudo e interpretação de textos encontrados em revistas jurídicas, artigos, ensaios, páginas da web, livros e a imprescindível participação do orientador., pretende abordar essas questões pertinentes. Para tanto, será organizado em dois capítulos: o primeiro se ocupará em descrever a desobediência civil, tratando dos aspectos históricos e

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característicos, será citado os precursores que obtiveram êxito na aplicação prática do instituto e por fim as justificativas.

No segundo capítulo será explanado sobre os movimentos sociais da contemporaneidade mencionando a evolução histórica, os resultados obtidos, a conceituação teórica, os novos instrumentos utilizados. Será abordado brevemente o movimento do passe livre que ocorreu no Brasil em meados de 2013 e sua efetividade na resolução dos problemas apresentados pelos cidadãos. Ainda, será tratado da democracia e importância da participação popular nas decisões governamentais, e, no final se fará uma rápida consideração sobre desobediência civil como alternativa para afirmação do Estado Democrático de Direito.

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1.DESOBEDIÊNCIA CIVIL COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRACIA

O presente capítulo tratará do direito de resistência que é a fonte de desenvolvimento da desobediência civil, as diferentes concepções sobre obediência ao ordenamento jurídico, os resultados prático daqueles que experimentaram da desobediência civil e por fim as justificativas que legitimam o ato de desobedecer às normas instituídas.

1.1 Aspectos históricos do direito de resistência e da desobediência civil

Ao analisar a história da humanidade percebe-se que o ato de resistir a uma autoridade instituída não é uma atitude que aparece apenas na atualidade. Na antiguidade existem relatos de resistência por parte dos sujeitos integrantes de uma coletividade regrada. Exemplo claro é o Código de Hamurabi, que existente há dois mil anos antes de cristo, permitia a rebelião contra governante que se desviava dos preceitos da lei.

Outra referência Clássica é a tragédia Antígone de Sófocles que ocorreu na Antiguidade grega. Essa obra refere-se a um diálogo entre duas personagens que demonstram sua irresignação contra o decreto do rei Creonte que não permitiu que um dos irmãos de Antígone fosse sepultado conforme os costumes da época. Considerando que o sepultamento tratava de uma tradição religiosa, não o fazer era uma ofensa. Então, acreditando que o irmão não descansaria na sua morte, Antígone o sepulta, desobedecendo assim, a ordem do rei o que resultou a sua morte, pois esta era a penalidade imposta ao desobediente. Segundo Fernando Ribeiro (2002, p.26):

A interpretação que a obra vem fornecer a doutrina seria que nenhum governante tem o direito de exigir atos que vão contra as normas dadas pelos deuses – no caso concreto de Antígone, as normas vigentes sobre a impossibilidade de se deixar um morto insepulto. Na tragédia, Antígone encarna o ideal de uma justiça que se identifica com uma piedade fundada sobre uma ordem eterna e imutável, sagrada, diante dela, Creonte apresenta um novo tipo de ordem e justiça, de caráter jurídico-político; o conflito entre ambos resulta inevitável.

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Percebe-se que na Antiguidade, a obediência é tida como virtude e o não cumprimento das ordens estabelecidas por aqueles que foram escolhidos por uma divindade para serem governantes, resulta em morte, tendo em vista que a conduta desobediente pode ser fatal para organização da comunidade. Buzanello (2002, p.01), refere que:

A obediência às leis no mundo greco-romano é a base e o fim da organização do Estado, e o indivíduo devia a “polis” uma submissão ilimitada de toda a sua atividade ético-jurídica, encontrando somente nessa atitude a própria perfeição.

Nesta mesma linhagem segue uma das principais obras de Platão: Críton. Um diálogo em que Sócrates responde as indagações de Críton que pedia para ele fugir de Atenas para não morrer. Críton defendia a vida do amigo, enquanto este preocupava-se com a sua honra perante os mesmos jovens de que era acusado de corromper. Sócrates em todo o diálogo defende a obediência às leis e as consequências que estas podem trazer se não forem cumpridas. Em um de seus argumentos Sócrates entende que a obediência é atitude mais sensata a ser tomada, Fernando Ribeiro (2002, p.31) transcreve:

1 Com sua fuga, Sócrates estaria indo contra as leis do Estado – a polis. A desobediência às leis tornaria o Estado inoperante, ineficaz, inexistente. Infligir-se-ia um dano às leis e se realizaria um ato injusto contra o Estado. A este argumento, que traduz também uma das críticas que se faz modernamente à desobediência civil – de que esta conduz ao caos e a desordem -, se pode objetar que um único ato de desobediência de um “único” sujeito – Sócrates - não destruiria nada, nem as leis, nem o Estado. Ainda que Sócrates fosse um cidadão muito conhecido e suas ações pudessem ter tido mais repercussão que as de um desconhecido, é difícil pensar que sua atuação individual fosse produzir o caos.

Analisa-se, que são diversas as teorias que defendem a obediência e a instituem como a mais coerente decisão a ser tomada. Sendo que essa é a melhor contribuição que um indivíduo pode fornecer à sociedade. Aristóteles, por exemplo, em seus textos defende a obediência, argumentando que a desobediência desintegra a organização social, levando em conta que as atitudes rebeldes incitam novos rebeldes, como um círculo vicioso. E a lei não pode permitir esse caos sobre

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a sociedade, por isso ela deve ser elaborada de maneira justa de forma a alcançar o equilíbrio entre as relações sociais, Ribeiro (2002, p.37) explica que.

Aristóteles pensava que cada ato ilegal tendia a produzir a destruição da sociedade e sabotar a autoridade da lei, bem como que todo o ato ilegal redundaria em outros atos ilegais, de tal maneira que não era possível uma desobediência parcial à lei, senão que toda desobediência se prestava como uma reação em cadeia a todo o ordenamento jurídico em seu conjunto, uma vez que a legislação coloque-se não em choque mas a favor do bem comum.

Quanto às leis injustas, Aristóteles, em sua teoria, não deixa claro se deve, ou não, ser respeitada pelos destinatários. Ele apenas coloca que a desobediência remete a uma desigualdade que a “polis” deve preocupar-se em saná-la, não deixando margem para outras atitudes ilegais.

Na Idade Média a predominância da Igreja instituiu regras e penalidades subjetivas para desobediência. Valendo-se da fé dos indivíduos na organização jurídico/politico dos feudos, os governantes instituíram que para alcançar a salvação de suas almas os súditos deviam obediência plena, sob pena arderem no fogo do inferno. Nesse período existe uma integração conceitual entre Estado-Igreja, ambos quedam nas mãos dos regentes que fizeram com que a fé e a lei tivessem a mesma finalidade.

Esta situação é entendida através dos estudos teológicos produzidos por Santo Agostinho em sua obra, A Cidade de Deus, que estabelece dois reinos: o reino de Deus e o reino do Homem. Seria a distinção entre o Papa e o Imperador. Significa que o individuo, nesse período da história, tinha respaldo do Estado e também da Igreja. Ora ele estava refugiado por um, ora por outro. Mas, sempre embasado na teoria de que Igreja era instituída por Deus, e que este detinha o poder sobre todas as coisas. Dessa forma, obedecer a Igreja era imprescindível. No entanto, segundo expõe Ribeiro, é nesse momento histórico que o direito de resistência começa a moldar-se na concepção atual de desobediência:

É, então, na Idade Média, com o nascimento do dualismo Igreja-Estado, fenômeno desconhecido no mundo clássico, que se começa a configurar a noção de direito de resistência, como antecedente do

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moderno conceito de desobediência civil. Por um lado, encontra-se o homem como súdito, por outro, o homem como fiel, sendo duas realidades circundantes do mesmo sujeito. Assim, faz-se preciso coordenar o Estado e a Igreja, o lado espiritual e o terreno. Esta coordenação se realiza fazendo com que o poder temporal derive do espiritual, sendo o poder de rei derivado do poder de Deus. Estamos ante a concepção teocrática do poder, a teoria da origem divina do poder nos reis. (RIBEIRO,2002, p.45)

E defendendo a resistência, nesse período histórico, aparece Santo Tomás de Aquino que em seus escritos revela uma intolerância à tirania. Porém, estabelece que a resistência será aceitável a este governo tirânico desde que não produza maiores males. Coloca que às vezes o soberano pode dar ordens injustas e nesses casos seria preferível obedecer a levar a população a uma desordem que resultasse maior opressão. Para ele todas as formas de governo são legítimas, mas, desde que contribuam para a paz, a prosperidade e o bem estar de todos, caso contrário, haverá um governo ilegítimo. Explica Costa (1990, p.05), que:

A obrigação de obedecer deriva da necessidade de formar um Estado organizado, capaz de manter a integridade do território. O rei tinha como obrigação buscar o bem-comum dos indivíduos. A teoria tomista afirmava que se devia obedecer ao soberano, mas que esta ordem podia ser considerada injusta. Em situações como esta, entretanto, seria preferível suportar a tirania (...) do que expor o povo a anarquia. (...). Algumas análises da obra de Santo Tomás de Aquino entendem que ela reconhecia o direito de resistência, partindo do pressuposto de que o levante contra o tirano não chegava a constituir sedição, mas a resistência ou a opressão a sedição.

A lei injusta para Santo Tomás é aquela corrompida que se faz notar na tirania. E o regime injusto é aquele que despreza o bem da coletividade priorizando a busca do bem individual, dessa forma, quanto mais longe do bem comum mais injusto será o regime. O ideal, para esse filósofo, seria que o regime político fosse misto, ou seja, um regime em que houvesse um governador com autoridade sobre todos, como na monarquia; que houvesse o auxílio de chefes subalternos, como na aristocracia; e que houvesse possibilidade de o povo ser escolhido como governante, como na democracia. Um molde do regime perfeito.

Encerrando a Idade Média inicia a ascensão da Reforma com lutas religiosas, uma nova etapa teórica do direito de resistência. As lutas religiosas transformam-se

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em lutas políticas que instituem religião oficial – legitimando a perseguição de todos aqueles que não aceitassem a doutrina da Igreja. Diante das resistências surge o momento histórico chamado Iluminismo, nesse período muitas declarações de direitos incluíram o direito de resistência como um direito subjetivo. Escreve Fernando Ribeiro (2002, p.53):

Assim, o direito de resistência fez-se positivado pela Revolução Francesa que, em 26 de agosto de 1789 aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, cujo art.2º enuncia os “os direitos naturais imprescritíveis” à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência à opressão. [...]. É de se notar também que o velho direito de resistência ao tirano perde seu fundamento teológico e finca suas raízes na própria razão humana [...].

E, a partir destas teorias de racionalistas, Nelson Costa (1990) menciona Jonh Locke, o homem das leis naturais e adepto da teoria contratualista, assevera que o indivíduo é proprietário de si mesmo. Quer dizer, ele tem um direito que o torna livre igual perante o outro. Um poder executivo da lei e da natureza em suas mãos. Porém, o fato de o homem não conseguir viver naturalmente o faz abrir mão de este poder executivo para viver em uma sociedade política que lhe fornecerá tranquilidade. E quando esta falhar detém tem o direito de resistir como instrumento político para o aperfeiçoamento do Estado.

A teoria de Locke explica que o sujeito de direitos, troca a sua liberdade para ter segurança, visto que no estado de natureza ele viveria constantemente em guerra com o seu semelhante. Dessa forma, entrando em uma sociedade com regras e um soberano, ele perde a liberdade plena, mas, por outro lado, não precisa se preocupar com a invasão do semelhante em seu espaço. No entanto, quando o soberano tornar-se um tirano, nada impede que os indivíduos exerçam seu direito de resistência. Na mesma linhagem segue Thomas Jefferson (1743-1826), presidente dos Estados Unidos que contribuiu para a teoria da resistência, Nelson Nery Costa (1990, p.17).

A influência da obra de Locke sobre Jefferson foi profunda, mas o autor norte-americano avançou em diversas posições liberais. Os direitos naturais, no Segundo Tratado sobre o Governo Civil, por ocasião do pacto, passavam para a sociedade politica, retornando aos indivíduos apenas em casos de arbitrariedades e injustiças; [...].

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Jefferson não falava apenas no direito de opor resistência a governo injustos mas no dever de resistir. A cidadania não devia ter um comportamento passivo, posto que, exigia a participação dos indivíduos na escolha do destino da sociedade.

No período do Moderno, o direito de resistência perdeu suas forças desde o momento que iniciou sua positivação. E com surgimento de novos direitos nas declarações, o direito de resistência deixou de ser inserido em muitas constituições. Segundo Lucas (1999), isso ocorre porque “a lei se apresenta como racionalização dos objetivos da sociedade” quer dizer, a coletividade imprime no ordenamento legal aquilo que quer e o que não quer para si. Como consequência, coloca o mesmo autor, “o dever de obediência como forma de legitimação passou a dominar o mundo moderno”. E sobre isto tratará o próximo tópico.

1.2 A Desobediência Civil em uma concepção moderna

A modernidade é marcada pelo Renascimento e o declínio da Igreja nas decisões governamentais. Ascensão da teoria contratualista que defendem a obediência às leis. Considerando que em toda a história da humanidade o ato de desobediência sempre foi condenado, a subordinação e a fidelidade são os comportamentos mais convenientes para viver tranquilamente nas sociedades. Essa conveniência decorre do contrato social que o indivíduo faz com o Estado. Aquele contrato que o tira do estado de natureza para lhe garantir o direito a vida e a propriedade. Isso por que

[...] o Estado é uma instituição que existe para atender aos interesses de todos os cidadãos. Estes, ao gozarem da segurança que lhes proporciona o soberano ao cumprir as funções de árbitro nas contendas sociais, mediante o exercício monopolizado da violência devem suportar a carga que supõe a obediência à lei, inclusive suas exteriorizações esporadicamente tidas por injustas. [...] (RIBEIRO, 2002, p. 86).

O estado de natureza, por sua vez, é definido por Tomas Hobbes como aquele em que os homens vivem em uma intermitente guerra de “todos contra todos”, não há limites, nem regramento referente à invasão da vida do semelhante. Não sendo possível viver nesse constante conflito cria-se um lugar em que o sujeito abre mão dessa liberdade plena. Nesse local o indivíduo, simbolicamente, assina um

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contrato, com o Estado, submetendo-se às regras impostas em troca de segurança. Daí advém a sustentação da obediência como a principal fonte de organização das comunidades.

Escreve Ribeiro (2002, p. 86):

Hobbes sustenta que é dever de um individuo obedecer a uma ordem do Estado, independentemente de qual seja sua origem ou estrutura política, posto que a mera existência de tal ordem já é razão suficiente para sua observância. [...]. Na visão hobbesiana, qualquer medida como escopo de impor limitações ao Estado, desobedecendo a suas ordens, abriria um perigoso caminho para o surgimento de conflitos irresolúveis.

Outro contratualista importante é, o já mencionado, John Locke, que remete ao estado de natureza diferentemente de Hobbes. Se para este a liberdade significava uma não limitação da conduta por parte de um soberano, para Locke, a liberdade do estado de natureza exprimia o poder executivo que dava a todos os homens o direito de punição a quem quer que seja. Situação conflitante, e a saída, segundo Costa (1990, p. 10):

[...] consistia na formulação de um pacto entre os indivíduos. Os homens, assim, abririam mão do poder executivo individual, atribuindo-o à sociedade política, na medida em que essa lhe garantisse a tranquilidade para manter suas atividades econômicas. Não se tratava, como Hobbes, de uma autorização para todos os atos e decisões, mas de uma troca que vinculava duplamente governantes e governados. A lei não isentaria ninguém, regendo a todos igualmente inclusive o soberano. O pacto social representaria os compromissos essenciais do Estado liberal: garantia dos direitos elementares de cidadania e limites e responsabilidades do governo.

Ressaltando que nesse período da História, denominado modernidade, existe uma luta em busca da liberdade, desvinculando o sujeito daquela ligação extrema ao Estado. Permitindo que assim, ele possa resistir às imposições injustas do soberano. Buzanello (2002, p.09), esclarece que

Desde esse período histórico, já se admite que os atos do soberano desrespeitadores dos limites traçados pela lei natural sejam formalmente nulos e sem efeito. E foi justamente por essa razão, [...] que se conceituaram deveres de obediência dos indivíduos como

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deveres condicionais e se lhes concedeu o próprio chamado direito de resistência ativa contra as medidas tirânicas. A vontade humana não pode determinar que algo seja justo, se no plano do direito natural, não o seja.

Na atualidade fundamenta-se a obediência das leis, no Estado Democrático, considerando o que expressou John Locke em suas concepções. Para ele a obediência torna-se dever na medida em que o cidadão consente com o ordenamento jurídico quando participa das eleições. Em contrapartida, para Seña (1988), de todas as teorias de dever de obediência à lei, aquelas que formulam tese de obediência absoluta, é “uma concepção draconiana.” Isso porque obedecer à lei é um dever ético, porém, dentro da esfera moral existem valores que podem contradizer-se com as leis impostas. Como não há uma regulamentação que vá nortear os valores de cada sujeito, este não tem obrigação de obediência absoluta naquelas normas que colidem com seus valores morais.

Diante disso é possível falar em desobediência civil. Que nada mais é que uma manifestação, social ou individual, que veio aprimorar o direito de resistência. Trata-se de um instituto plenamente possível em um Estado Democrático de Direito que tem por pressuposto a garantia dos direitos básicos do cidadão. Direitos esses que oferecem aos integrantes do Estado o status de cidadão. Esse por sua vez, segundo o que coloca Maria Garcia (1994, p.122):

[...] não indica apenas a qualidade daquele que habita naquela cidade, mas mostrando efetividade dessa residência, o direito politico que lhe é conferido, para que possa participar da vida politica do país em que reside. É expressão, assim que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que indicam, pois, o gozo dessa cidadania.

Na sequência Garcia explica que direitos políticos são aqueles que oferecem ao individuo o status de cidadão antes referido. É o direito que permite aos sujeitos escolherem seus representantes e de se candidatarem para, também, serem escolhidos. Nessa democracia representativa que se vive suscita um problema para a desobediência civil. Porque ao escolher o representante, automaticamente o

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cidadão lhe fornece aval para agir conforme quiser. Quer dizer, ao eleger alguém, há um consentimento tácito nas ideias apresentadas e se há concordância não há o que se falar em desobediência. Quem trata desse assunto é Falcón y Tella, (2004) colocando em seu texto que “Según las teorías de la “representación popular”, si el hombre es libre de elegir a sus representantes a través del sufragio universal, directo y secreto, también debe obedecerles […]”,

Diante do que foi exposto pode-se dizer que a desobediência civil constitui uma forma adequada de relevar as regras que não estão de acordo com os preceitos morais da sociedade. Para evidenciar tal atitude os tópicos a seguir demonstrarão os resultados obtidos por aqueles que apostaram na desobediência civil para lutar em favor de seus ideais.

1.2.1Henri David Thoreau

Henri David Thoreau foi o precursor da desobediência civil. Romancista e poeta norte-americano, que inaugurou a discussão deste tema através da publicação da obra Acerca do Dever da Desobediência Thoreau foi o homem que mudou as concepções do direito de resistência introduzindo a noção de desobediência civil. Ocorreu em 1848, quando se recusou a pagar imposto específico destinado a financiar escravidão. Sendo contra o regime escravocrata, contra todas as atitudes de cunho imoral e de movimentos que invadissem os princípios e liberdade dos indivíduos deixou de cumprir com uma norma de seu estado.

Por ser um ato imoral que atingia diretamente a liberdade de outro individuo, Thoreau, negou-se a pagar o imposto e foi punido por sua atitude. Mas mesmo assim defendeu o ato de desobedecer às leis toda vez que estas forem injustas e, quando a política de governo vier passar por cima dos princípios que protegem os cidadãos. Em trecho de seu livro expõe:

[...] Em minha opinião devemos ser primeiramente homens, e só posteriormente súditos. Cultivar o respeito às leis não é desejável no mesmo plano do respeito aos direitos. A única obrigação que tenho direito de assumir e fazer a qualquer momento aquilo que julgo certo. Com toda a razão, costuma-se dizer que uma corporação não tem consciência. Uma corporação de homens conscienciosos, todavia, é

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uma corporação consciente. A lei jamais tornou os homens sequer um pouco mais justos. (THOREAU, 2009, p.15).

Este homem trouxe através de seus escritos uma implícita mensagem aos governos e cidadãos americanos. Evidenciou em sua teoria que cada sujeito tem o dever de rever seus princípios e analisar se o Estado corresponde com suas expectativas. Porque se assim não for, o cidadão tem o dever de questioná-lo e exigir satisfação. Menciona Costa (1990) que Thoreau considerava as leis uma prisão aos homens e a obediência a elas teria que ser com cautela, sempre observando os preceitos morais de cada um.

Para Thoreau desobedecer decorre de um direito que se assegura contra o Estado e é a única saída que os indivíduos deveriam aceitar quando se deparassem com legislação que não procura agir pelos critérios da justiça. Thoreau questiona: “devemos nos conter em obedecer a leis injustas? Ou esforçar-nos em corrigi-las desde logo?” (Lucas, 2003). Responde que sim, todos têm a obrigação de desobedecer já que é um dever ético do cidadão, mesmo que esse ato resulte em aprisionamento. Foi o que ocorreu, e apesar de preso disse que não passou de um mérito pessoal, tendo em vista que aquele que se propõe a agir dessa forma deve estar preparado para as penalidades. Falcón y Tella fazem uma rápida abordagem sobre a atitude de Thoreau:

[…]Ya mencionamos como primer exponente a Henry David Thoreau, que fue obligado a pasar una noche en la cárcel porque se negó a pagar los impuestos federales, o al menos la parte alícuota de los mismos, que serviría para financiar la guerra de EE.UU. contra México destinada a lograr la anexión al primero territorio de Texas. Se oponían, asimismo, a la política esclavista de los Estados norteamericanos del Sur, al trato injusto dado a la población aborigen de los indios y, más allá de los aspectos coyunturales, a otros estructurales.[…] el mejor gobierno es el que gobierna menos […]. Thoreau se refiere al ‘militante’ y considera que deberíamos ser hombres primero y sólo después súbditos.

“O melhor governo é o que governa menos”. Essa afirmação pode ser interpretada de diversas maneiras, mas Lucas (2003) coloca que ele se refere a menos governo americano, isto é, um Estado que quanto mais governa mais

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injustiça comete. Ele apela aos cidadãos a não serem agentes da injustiça através de uma obediência passiva, semelhante a uma escravidão sem correntes.

1.2.2 Mohandas Karamachad Gandhi

Henri Thoreau, através de sua ousadia veio influenciar Mohandas Karamachad Gandhi. Este, através de um ato coletivo, sem violência, promoveu a independência da Índia. Para ele, a desobediência às leis constitui um mecanismo de cidadania para mudar de forma pacífica as práticas governamentais e a legislação que não correspondem com os direitos fundamentais. Gandhi repele a violência em seus atos, ele agiu no intuito de acabar com a legislação discriminatória contra o povo da Índia por meio de campanhas de desobediência civil e de não cooperação que exigia a saída de das forças do Império Britânico (Lucas, 2003).

O ato de desobedecer de Gandhi foi diferente de Thoreau porque o primeiro agiu coletivamente, quer dizer, ele mobilizou um número de pessoas para atingir suas expectativas. Enquanto que o segundo optou por agir individualmente. Gandhi acreditava que quanto maior o número de pessoas envolvidas na causa melhor seria a conquista dos seus objetivos. E vê-se que através da desobediência civil ele, junto com todos os envolvidos, conseguiu a independência da Índia. Leciona Lucas, (1999, p.37) que a

proposta adotada por GANDHI, entretanto, diferente de Thoreau, previa a desobediência civil como uma ação coletiva, que ganha relevo e tende ao sucesso ser realizada por um número expressivo de pessoas. Para ele somente a não violência, ahimsa, poderia ser uma política profícua na conquista das mudanças necessárias em um mundo moldado sobre a cultura da pouca tolerância do arbítrio.

Gandhi, engajado em uma causa social de tirar seu povo das mãos dos britânicos, abriu mão das regalias que trariam sua profissão de advogado, para dedicar-se à religião e disseminá-la por todos os locais que passasse. Pregando paz e justiça, e a não violência. Ele instruía seus seguidores a não resistir às penalidades estatais, fator que justifica o número significativo de prisões que foi submetido. O Estado tem que cumprir com sua obrigação, qual seja garantir

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segurança reprimindo aqueles que contribuem no desassossego. Quem bem descreve tal cenário é Falcón y Tella (2004, p.53):

[...] Gandhi [...]. El suyo fue un movimiento de masas al que trató de transmitir una concepción religiosa y espiritual de la vida, hecha de ascetismo, vegetarianismo, oración y meditación, basada en la no violencia (“ahisma”) y, a la vez, en la no cooperación con el gobierno, llegando incluso al boicot civil de alguna actividad estatal.

O referido indiano usou da desobediência para protestar contra aqueles que estavam explorando seu povo. Renunciando a todas as regalias e tomando como estilo de vida a luta em busca de independência. Para isso, Gandhi pregava aos seus seguidores a realização de quatro votos necessários para o sucesso da luta: pobreza, castidade, verdade e resistência. Votos estes que, segundo ele, auxiliava na autopurificação.

1.2.3 Martin Luther King

Este é outro desobediente civil que se destacou na história, o pastor americano Martin Luther King utilizou-se da desobediência civil, para denunciar a injustiça que estavam fazendo com a população negra dos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60, época de segregação racial. Apesar de a Constituição garantir a igualdade de todos perante a lei a segregação durou até 1954, quando foi declarada sua inconstitucionalidade. (LUCAS, 2003). Costa (1990, p. 40), conta que

Luther King, assim como Mahatma Gandhi, praticou a desobediência civil, liderando o movimento negro de resistência às leis que negavam os direitos de cidadania. As manifestações pacíficas dobraram as autoridades, que acabaram cedendo direitos civis e políticos a essa minoria. O empenho nessa luta credenciou-se a ganhar o Prêmio Nobel da Paz mas lhe custou a vida ao ser assassinado por um fanático.

Escreve, ainda, Costa (1990) que Martin Luther King considerava a desobediência civil em massa o mais alto nível de protesto não violento. Se as cadeias ficassem cheias de desobedientes o seu significado ficaria ainda evidente. Influenciado por Gandhi, para King a resistência civil pacífica seria o último recurso

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utilizado par estabelecer as exigências que, sem violência, teriam uma arma poderosa e justa. Isso porque alguém que transgrida uma lei injusta de acordo com sua consciência e voluntariamente aceita a pena imposta, por exemplo, a de ficar numa cadeia a fim despertar a consciência da comunidade no que diz respeito à injustiça desta lei está na verdade demonstrando grande respeito pelo ordenamento vigente.

Diante disto, resta caracterizar a desobediência civil, conforme entendimento de diversos estudiosos, e disso se ocupará o tópico seguinte.

1.3 Aspectos característicos da Desobediência Civil

Antes de iniciar a explanação aqui proposta é preciso destacar que Thoreau, Gandhi e King foram os desobedientes responsáveis pela evolução teórica do direito de resistência, existente desde a antiguidade, para a desobediência civil. Por meio destes homens que hoje se fala da desobediência civil como direito fundamental, implemento da democracia participativa e como recurso para combater a opressão. São diversas as formas que se tem de resistir determinada política. E para que todas essas formas não venham mesclar com o ato de desobediência civil é preciso descrever as principais características que distinguem o ato de desobedecer civilmente de outros atos de resistência. Buzanello (2002, p. 147), explica:

A desobediência civil, enquanto uma espécie do direito de resistência, produz um silogismo hipotético baseado nas premissas “toda desobediência civil é resistência”, mas “nem toda resistência é desobediência civil”. A desobediência civil faz a negação de uma parte da ordem jurídica, ao pedir a reforma ou revogação de um ato oficial mediante ações de mobilização pública dos grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado. A desobediência Civil deve ser entendida como um mecanismo indireto de participação da sociedade [...].

Costa (1990, p. 44) complementa que:

A desobediência civil, então, tem determinadas especificidades que diferencia de outros comportamentos do cidadão frente a obrigação de obedecer as leis. A característica dessa resistência dizem a respeito ao número de participantes, ao caráter publico e político do

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ato, a utilização como último recurso, à não violência, à sujeição as sanções, à ilicitude, à publicidade e às modificações normativas. O conceito de desobediência civil, assim vai surgir dessas informações preliminares, que permitir-nos-ão compreender seu sentido real.

Assim, depreende-se que a desobediência civil é o comportamento que os membros da sociedade civil assumem frente ao Estado questionando normas ou decisões originárias de seus instrumentos através de ação ou omissão á ordem jurídica, mas dentro dos princípios da cidadania, com o intuito de movimentar a opinião pública para reparar ou revogar as leis injustas.

Quanto ao número de participantes há quem diga que a desobediência civil é um ato individual e há quem acredita que só tem eficácia se for coletivo. Thoreau agiu individualmente, portanto, para ele a desobediência civil é mais produtiva quando o individuo age por si só, alguns autores denominam essa forma de objeção de consciência. Diferentemente de Gandhi e Luther King, que depositaram sua confiança na coletividade. A ação em grupo da desobediência civil é mais aceita, visto que os grupos exercem pressão mais eficiente para modificar as leis ou as práticas de governo.

A desobediência civil é um ato público, ou seja, os desobedientes confiam ao público suas intenções (Costa, 1990), a fim de convencê-los de que estão agindo com justiça. É importante ressaltar, novamente, que aqueles que manifestam-se desobedientes civis, não almejam romper com todo o ordenamento jurídico como faz a resistência. Mas, desejam assim, que apenas a norma injusta seja modificada. Para Seña (1990), essa característica é muito importante, visto que a desobediência civil tem que ser aberta à população por diversos motivos, porque é preciso que todos saibam sobre o que está sendo protestado. De nada serviria se as pessoas o fizessem secretamente, não haveria a utilidade que se almeja, principalmente buscando o bem de toda a coletividade.

É ainda, um ato político na medida em que se dirige uma maioria que controla o poder político e por se basear nos princípios de justiça que seguram a Constituição, John Rawls, pensa assim. Quando um determinado grupo opta por utilizar-se da desobediência civil, a fim de evidenciar injustiças na legislação, esse

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grupo rompe com a obrigação de obediência. Nesse caso, o Estado terá que mexer-se para resolver o problema. Se a resolução proposta não atingir a expectativa dos desobedientes, ter-se-á um ato político, pois envolve a direção dos negócios públicos. Para John Rawls (2000, p.405):

a desobediência civil é um ato politico não apenas no sentido de que se dirige à maioria que detém o poder político, mas também porque é um ato que se orienta e justifica por princípios políticos, isto é, pelos princípios da justiça que regulam a constituição e as instituições sociais em geral.

A prática da desobediência civil atinge o limite da cidadania, por isso representa muita responsabilidade. Nesse sentido, ela deve ser iniciada quando todas as possibilidades legais de reformas da lei forem recorridas. Desobedecer civilmente deve ser o último recurso para se tentar as reparações, caso contrário à função deste movimento social se perde, enfraquecendo a cidadania e banalizando a justiça. Visto que

A desobediencia civil no persigue la modificación extrasistemática de las normas estatales, ni se propone, por cierto, cambiar la estructura básica de la comunidad. Su objetivo es más limitado: se concreta en la derogación de una ley en la sustitución de un programa de gobierno en la alteración de una determinada política particular. El desobediente civil viola la ley para manifestar su protesta, pero lo cliente civil viola la ley para manifestar su protesta, pero lo hace dentro del más amplio respeto a la constitución […]. (SEÑA, 1990, p.47).

A não violência é uma das características mais importante da desobediência civil. É o fator que evidencia um ato político sincero e consciente capaz de convencer aos outros de que essa luta tem uma base moral sustentada por ideais políticos da sociedade. Hannah Arendt ampara a ideia de que os meios violentos são inadequados porque levam a destruição do poder e da autoridade e eliminam a autonomia das pessoas. Luther King nesse sentido diz que o objetivo de não haver violência é demonstrar e criar nas pessoas uma atitude racional. A violência não é permitida nesta forma de manifestação, também, porque descaracteriza o adjetivo civil, que demonstra o caráter de cidadania do ato.

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Diante da não violência, é preciso, segundo alguns autores, sujeitar-se às sanções que o Estado impõe. Um exemplo clássico é de Thoreau que não resistiu à prisão, ele até disse que sua prisão deu crédito a sua ação, um mérito pessoal. Gandhi instruía os indianos, seus seguidores a não resistir a nenhuma força das autoridades. Nessa época as cadeias ficaram lotadas de desobedientes civis. Acredita-se que dessa forma fortalece a certeza nos princípios da justiça e influencia favoravelmente a opinião pública. Já para Buzanello (2002), nesses casos de desobediência civil as pessoas não deveriam ser punidas, porque estão no exercício da cidadania, a não ser que seja utilizado como estratégia para publicidade do ato, escreve:

A desobediência chama-se “civil” porque os que desobedecem vêem que não cometem nenhum ato de transgressão da obrigação jurídica, julgando, por sua própria consciência, que estão agindo de forma adequada. Dessa forma, não reconhecem ao Estado o direito de punir os integrantes da desobediência civil. (BUZANELLO, 2002, p.151).

Ao mencionar as sanções percebe-se que a desobediência civil é um ato ilícito. Quer dizer que estando na ilegalidade legitimada, no sentido de ser ilícito por não estar garantido nas leis que regem determinada sociedade, mas que é aceito quando se justifica pelos direitos fundamentais do homem. Nesse caso o Estado não pode exigir do cidadão uma obediência jurídica incondicional, podendo apenas determinar uma obediência qualificada que permita a esse membro da “polis” a capacidade de reconhecer as violações legais da legitimidade. Entretanto, a ilicitude da desobediência civil, não se confunde como a ilicitude de um crime, este último tem caráter egoísta, pois se trata de interesse pessoal. Enquanto o primeiro visa o bem de toda a sociedade. Nery Costa (1990, p.53) reafirma:

A desobediência civil não depende do fato de ter sido formulada por uma determinada ordem legal positiva. Representa um atributo da cidadania, uma faculdade de sociedade civil que o Estado não pode tutelar. (...) A ilicitude pertinente diferencia-o dos outros ilícitos, porque se encontra acompanhada de justificativas tais que pretendem não só como ilícito, mas também como comportamento devido ao cidadão que exige ser tolerado pelo governo.

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Sobre a ilicitude, importa ressaltar o que Dworkim escreveu em um dos seus textos. Para ele não se pode confundir a atitude criminosa com a desobediência civil, embora essa última possa insurgir em um ato tipificado como crime, a violência é repudiada, nas palavras desse autor:

A desobediência civil, quaisquer que sejam as diferenças adicionais que possamos desejar estabelecer nessa categoria geral, é muito diferente da atividade criminosa comum, motivada pelo egoísmo, raiva, crueldade ou loucura. É também diferente- isso é mais facilmente negligenciado- da guerra civil que irrompe em um território quando um grupo desafia a legitimidade de o governo ou de das dimensões da comunidade política. A desobediência civil envolve aqueles que não desafiam a autoridade de maneira tão fundamental. Eles não vêem a si mesmos – nem pedem aos outros que os vejam desta forma- como as pessoas que estão buscando algum tipo de ruptura ou reorganização constitucional básicas. Aceitam a legitimidade fundamental do governo e da comunidade; agem mais para confirmar seu dever como cidadão. (DWORKIM, 2005, p.154)

Depois desta pontuação sobre os principais elementos que constitui a desobediência civil é possível montar um significado teórico para essa ação pública: pode-se dizer que “a desobediência civil é um ato ilícito que exige ser aceito como lícito” (Costa, 1990); Depois, que a desobediência civil é a única forma de associação voluntária, que pode resgatar o verdadeiro sentido da democracia: tomar parte das decisões.

Encerrada esta parte que define a desobediência civil, cabe analisar minuciosamente justificativas que o torna tão interessante no Estado Democrático de Direito, do tópico seguinte.

1.4 Justificativas da Desobediência Civil

A desobediência civil trata-se de um movimento social que apresenta grandes divergências quanto sua justificação. Alguns autores defendem que é um direito legítimo de cada cidadão, outros vão dizer que esta é uma teoria que não faz sentido, visto que desobedecer ao ordenamento jurídico em um Estado Democrático de Direito, em que se supõe que todos consentem com o que é instituído no momento em que escolhem seus representantes, há presunção de justiça.

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Dessa forma, Seña (1990) ao falar da justificação da desobediência civil, releva a diferença que há entre explicar, desculpar e justificar uma ação. “Explicar significa exibir um comportamento indicando os motivos que levaram a tal sem análise do mérito,” (1990). Quando se entra na esfera da avaliação do mérito, aí sim, fala-se de justificação de desculpas. Tais termos, como “justificar” e “desculpar” são utilizados em situações em que se acusa alguém de ter feito algo errado, e a defesa precisa explicar o que fez de forma que convença os demais de que sua atitude está desculpada ou justificada. Nas palavras do autor (SEÑA, 1990, p. 101):

Sin embargo, los individuos tienen otra forma de presentar sus defensas y que consiste en manifestar que aunque la ejecución de una acción determinada pareciera ser algo erróneo, el haberlo hecho constituyó, algo bueno, correcto, inteligente, o que era algo permitido, ya sea de una manera general o en ese caso particular, dadas las circunstancias de la ocasión. Asumir esa vía de argumentación - dice Austin - es justificar la acción, es dar razones en su defensa, aprobándola sin apoyarse en argumentos disparatados.

São duas as situações, na primeira, aceita-se que o que o sujeito fez é errado, mas tira dele toda a responsabilidade e no segundo o sujeito admite sua responsabilidade, mas nega que tal atitude é errada. Nesses casos se tem uma desculpa e uma justificação respectivamente. Quer dizer, justificar uma determinada conduta, é oferecer razões em favor de sua aceitação para o convencimento de qualquer pessoa de que foi um bom ato. Quanto às desculpas, esta é uma concepção que não cabe na desobediência civil, visto que este é um movimento intencional que elimina qualquer possibilidade de emitir perdões a quem quer que seja.

Assim sendo, diz-se que a desobediência em qualquer circunstância precisa de um motivo razoável para ser aceita sem condenações. Da mesma forma ocorre com o instituto da desobediência civil, só será legitima se houver uma justificativa que a faça merecedora. Assim como escreve Lucas (1999, p. 40) em um dos seus artigos:

Se analisarmos sob o ângulo do dever de obediência ao ordenamento, qualquer tentativa de justificar a desobediência da lei parece padecer sempre de maiores elementos. Isto, porque a

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modernidade construiu uma legitimidade que se basta na legalidade, sufocando qualquer possibilidade de discutir as razões pelo qual devemos obedecer a lei.

Nessa linhagem pergunta-se: “Os indivíduos têm obrigação moral de obedecer ao direito?” A resposta é: Não. Uma vez que os direitos jurídicos que ganham valor moral pelos indivíduos são aqueles que garantem a paz e a segurança. Dessa forma, certa obrigação moral a favor da obediência do direito, não exclui a necessidade de que essas mesmas pessoas questionem o conteúdo do direito e deixe de cumpri-lo por ser moralmente intolerável. Isso quer dizer que, o principio de obedecer ao direito, não segue a obrigação moral de obedecer sempre todos os direitos. Assim escreve Seqüela (2002, p.296)

De este modo, lo que puede decirse con propiedad no es “Tengo o tenemos la obligación moral de obedecer el derecho”, sino otra cosa:” Atendido que el derecho, en la medida que es eficaz, satisface o consigue ciertos fines deseables tanto para la sociedad como par a cada individuo en particular- tales como el orden, la paz la seguridad jurídica-, tenemos todos buenas razones para, en principio, obedecer el derecho”, lo cual no excluye, en absoluto, la legitima posibilidad- desde un punto de vista moral- de que la sociedad, o parte importante de ésta, reaccione como un todo contra un determinado derecho, globalmente considerado, por considerarlo inicuo o moralmente intolerable; y tampoco excluye- en tema que nos interesa en este trabajo – posibilidad, igualmente legitima desde un punto de vista moral, de que un individuo, sin cuestionar la moralidad de un determinado derecho como un todo, pueda estimar moralmente imperativo dejar de obedecer una o más normas de este mismo derecho, y ya sea que estas hayan sido puestas por el legislador, por una autoridad administrativa o por un juez.

Ao mencionar que os sujeitos de direito, dentro de uma sociedade democrática, tem o dever de desobedecer quando as normas atingirem seus mais arraigados princípios é preciso esclarecer que existem três formas distintas de exercê-lo: a objeção de consciência; a desobediência civil; e a desobediência revolucionária. A primeira classe refere-se a uma infração ao direito que busca eximir o desobediente de cumprir determinada norma, visto que, apresenta razões fortes para não obedecer. A desobediência civil trata-se nesse caso de uma violação de direto efetuada com objetivo de muda-lo. E por fim, a desobediência revolucionária vai

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consistir em uma violação de direito com intuito de substituir o governo violador da constituição.

John Rawls (2002) em seu texto aborda o véu de ignorância que se instala naqueles que tomam a posição de decidir o que é justiça. Tais pessoas encontram-se em igualdade com as outras, porém tem restrições muito fortes ao conhecimento que se presume que eles tenham. Isso porque há de se considerar que os indivíduos estão inseridos no Estado que é o grupo maior, e dentro desse grupo existem grupos menores que são as comunidades religiosas, partidárias que tem suas peculiaridades na construção moral dos sujeitos. E se o grupo maior, o Estado, instituir ordenamento que atinja os princípios morais do grupo menor, eles têm o dever de resistir e desobedecer.

Segundo a interpretação de Rawls, as partes que assinam o contrato social, apresentado por Hobbes e Locke, tem indiferença quanto sua posição passada, presente ou futura dentro da sociedade instituída a partir deste acordo. Sendo assim, os indivíduos entram no grupo social sem saber qual sua função, sua aptidão, seus interesses, consequentemente, eles desconhecerão a concepção de bem que uma das partes vai impor, justifica-se aí a desobediência, porque o próprio Estado não conhece seus integrantes, então as chances de instituir normas que vão de encontro com os princípios da sociedade é bem maior. Seqüela (2002, p.302), coloca que

Es mucho, en verdad, lo que las partes no saben, aunque si saben lo siguiente: que la naturaleza no es tan generosa como para hacer superflua los esquemas cooperativos ni tan severa como para hacerlos imposibles. Esto último, quiere decir, por una parte, que es posible cooperar socialmente, y que, por la otra, no queda mas alternativa que hacerlo. Ignorando prácticamente todo respecto de si mismos y de sus intereses particulares, las partes que intervienen en la posición original harán un esfuerzo por convenir en una cierta noción del bien común, aunque entendido este no como un ideal de perfección a ser alcanzado en el desarrollo de la vida social, sino como un conjunto de bienes sociales primarios – […] Las partes tendrán distintas ideas del bien, aunque para cualquiera de esas ideas puedan realizarse se precisa de un bien social primario o básico, sin el cual resultarían ilusorios los esfuerzos de los sujetos por realizar su particular Idea de vida buena.

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No que expõe Seqüela e seguindo o raciocínio de Rawls, as pessoas trazem consigo convicções de caráter religioso, filosófico e moral. Contudo, elas não determinam quais das suas convicções são mais importantes dentro de cada campo. Porém, independente de quais sejam as ideia que cada um tenha dentro de cada grupo, existe um ponto de partida, algo em que tem que se basear que é aquilo que Rawls vai chamar de um bem social primário. Nesse caso a liberdade de pensamento. Visto que, os membros de uma sociedade organizada, são responsáveis por suas preferências e devoções. Rawls elabora uma lista de bens e necessidades básicas, colocando em primeiro lugar, a liberdade básica, igual para todos. O contrato social, da concepção de Rawls, é a forma mais apropriada para dar conta destas obrigações políticas que os cidadãos têm dentro de um regime democrático. Além da obrigação e o dever de aceitar as leis que este tipo de governo impõe. Pois o primeiro acordo feito pelos sujeitos são os princípios de justiça seguido de uma convenção chamada constituição que também concorda com os princípios em questão. Assim ocorrido, o poder legislativo, fundamentado nos princípios de justiça, aprova e põe em vigência as leis que deverão ser justas.

É possível que diante destes procedimentos legais, o legislador deixe passar uma lei injusta, nesse caso os destinatários tem o mesmo de dever de observá-las e repugná-las. Essa possibilidade de leis serem injustas, ainda que promulgadas, provém da ignorância que as partes têm da posição que ocupam nessa sociedade a qual pertencem. E isso se deve a quem discute e decide sobre as leis, embora possam prevalecer seus interesses, seja conscientemente ou inconscientemente. Escreve Seqüela (2002, p.307):

Y si bien quienes discuten sobre el mejor contenido de la constitución y las leyes se encuentran vinculados a los principios de justicia acordadas en la aludida posición original, no se excluye la posibilidad de que actúen movidos, consciente o inconscientemente, por sus prejuicios e intereses.

En otras palabras: es dable pensar en una posición original, AL modo de Rawls, solo cuando se trata de conseguir un acuerdo en los principio, pero tal posición, velada por la ignorancia, es sustituida por posiciones reales conscientes que limitan considerablemente las posibilidades de la equidad. Y es así, entonces por qué podemos tener normas constitucionales y legales injustas, aún en el caso de que quienes las discutan y aprueben suscriban lealmente los principios de justicia que deben orientar su labor.

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Quer dizer, na elaboração de uma constituição, não existe nenhum procedimento político que garanta que a legislação promulgada seja justa. No entanto, o processo de discussão e aprovação das leis é sempre um caso que denomina-se justiça procedimental imperfeita, nesse sentido, uma constituição justa pode ditar leis injustas. Uma vez que a constituição seja justa, não quer dizer que as leis que assegura sejam igualmente justas situação que decorre da falta de sabedoria dos homens e das falhas que apresentam seu entendimento sobre justiça.

E esta lei injusta deve ser observada da mesma forma que a lei justa. E na medida em que esta ultrapasse determinados limites, os sujeitos têm a obrigação e o dever de questionar o legislativo, submetendo sua conduta ao juízo da autoridade normativa do caso e não ao juízo dessa autoridade. Podendo assim, até pensar em recorrer à desobediência civil. Neste momento ressurge a discussão sobre a diferença entre uma obrigação de obedecer à lei e o dever de fazê-lo. A obrigação decorre de uma ação voluntária, o individuo pode escolher se quer ou não obedecer à lei. E o dever, como se espera, não depende da vontade. No Estado democrático, a obediência é uma obrigação, visto que sua conduta resulta de uma ação voluntária.

Porém, ao seguir esse estudo, Rawls coloca que ao aceitar uma constituição, a princípio justa, o cidadão aceita os benefícios que ela trará, assim, ele assume uma obrigação e um dever de observar o que a maioria decide, ainda que esta decisão seja injusta. Esta ideia procede do principio da equidade que este mesmo autor elaborou que vem do dever natural de obedecer, ou seja, um dever que não necessita do consentimento de nenhum ato voluntário dos indivíduos. Rawls conceitua desobediência civil, como um ato público, não violento, feito com consciência, contrário a lei e realizado habitualmente com a intenção de produzir uma mudança nas políticas ou nas leis do governo vigente. E sua justificativa em um regime democrático de direito se dirige ao caminho da justiça da maioria.

Na verdade, não existe um diapasão que justifique a atitude de alguém que desobedece a lei civilmente, o que há, realmente, é uma presunção moral que repele a desobediência civil, isto é, ela está moralmente injustificada. Porquanto o

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ato do desobediente civil recai sobre a lei, porque esta é imparcial e objetiva, e ela pode ser injusta, mas quem é o sujeito desobediente para julgá-la? – neste caso se a população ficar com a lei, estará defendendo as instituições legislativas - mas o argumento mais sólido a favor e de respeito à lei é, claramente, a segurança jurídica. É o que ensinam Falcón y Tella (2000. p. 136):

En realidad para establecer si una persona está justificada en sus acciones de desobediencia civil no hay una regla general, abstracta, teórica y a priori, sino que es una cuestión concreta, práctica y, a posteriori - ex post facto -, que debe de apreciarse caso por caso, sería como la decisión que se toma tirando una moneda al aire y viendo se sale cara – obediencia – o cruz – desobediencia -, no siempre sale cara, no siempre sale cruz; depende del caso concreto. Lo que se puede afirmar es que hay una “presunción moral en contra “de la desobediencia civil, es decir que, en principio y hasta que no demuestre lo contrario, la desobediencia civil está moralmente injustificada y la carga de la prueba que está justificada compete al desobediente civil.

Em síntese a fundamentação da desobediência civil baseada na legitimidade, na validade e na eficácia junto com o plano ético, jurídico e sociológico, apresenta uma tarefa de justificação, mas, muito mais de uma explicação de cada âmbito mencionado. As professoras, Falcón y Tella (2004) vão dizer que a desobediência civil encontra-se em um umbral incerto dividido entre a legitimidade e a legalidade. Na legitimidade a norma injusta tem sua principal justificação na desobediência civil, tendo em vista que esta é colocada por muitos estudiosos como um direito moral e não legal. Seguindo essa ideia sabe-se que há uma obrigação moral, também, na obediência do Direito justo, pois dessa forma o sujeito integra-se em um sistema justo. Nesse mesmo sentido escreve Buzanello (2002, p. 149):

A estratégia da desobediência civil induz a mudança no sistema político, seja nas leis seja nas autoridades, e tem uma justificação moral assentada numa legitimidade real, em harmonia com os princípios da justiça, que se converte numa forma democrática de protesto, [...].

Diante do exposto, tem-se que a desobediência civil é uma modalidade do direito de resistência que justifica-se pela injustiça cometida pelo ordenamento jurídico de determinada sociedade. E isso ocorre porque todo grupo organizado é

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constituído de pessoas das mais variadas composições morais. E uma lei ao ser elaborada pelo órgão competente, não tem em suas mãos os interesses de todos os integrantes, observando apenas os interesses gerais que cabem à maioria; por isso se diz que a desobediência civil é uma luta das minorias.

Para finalizar este capítulo cabe mencionar que a história da humanidade é marcada por revoluções, movimentos coletivos que trouxeram, em muitos casos, uma transformação na organização da sociedade. E como meio eficiente de mudança, esses movimentos tornaram-se importantes para a evolução da humanidade. É o que se observa, por exemplo, na Revolução Industrial, e mais recente nas lutas por independência das colônias, lutas feministas, dos trabalhadores, enfim, esses grupos alcançaram respaldo da legislação quando levantaram através de movimentos sociais. E sobre esse assunto tratará o capítulo seguinte: dos movimentos sociais e a sua aplicabilidade no Brasil contemporâneo com enfoque na teoria da desobediência civil.

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2.OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

Neste capítulo serão abordados os movimentos sociais e sua evolução na história. Terá ênfase na concepção teórica da sua utilização abrangendo sua utilidade na afirmação da democracia.

Diante do aspecto conceitual, neste momento do texto será explanado sobre os novos movimentos sociais insurgentes em face da internet, e a aplicação da desobediência civil como poder legítimo de construção dos direitos.

2.1 Teoria geral e aspectos históricos sobre as ações coletivas

A desobediência civil deriva-se do direito de resistência, e trata-se de uma modalidade de manifestação social, assim como os movimentos sociais e neste capítulo é necessário o esclarecimento sobre a finalidade dessas mobilizações. Importa, inicialmente, colocar que o Estado, na modernidade, é constituído de território, população e um soberano que tem para si o monopólio do poder de criação das normas e de coação, no caso de descumprimento do ordenamento estabelecido.

As ações coletivas, por sua vez, remetem à análise do comportamento dos indivíduos dentro de um grupo socialmente organizado, denominado de Estado, no momento em que, diante de constante desenvolvimento, se transformam com os avanços nas relações interpessoais através dos mais diversos recursos. Os estudiosos clássicos vão observar as mobilizações como respostas equivocadas às transformações desorganizadas, isto porque cada pessoa envolvida nos movimentos sociais era vista a partir das reações psicológicas. Assim explica Gohn (2011, p. 24):

[...] os comportamentos coletivos eram considerados pela abordagem tradicional [...] como fruto de tensões sociais. A idéia da anomia social estava sempre muito presente, assim como explicações centradas nas reações psicológicas às frustações e aos medos, e nos mecanismos de quebra da ordem social vigente.

Significa que o cidadão, toda vez que se sente ameaçado, diante de uma tensão dentro do “espaço público”, por intermédio da comunicação, dos rumores e exteriorização de ideias, ele, de forma indireta organiza os movimentos sociais. É um

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direito natural, inerente ao ser humano, visto que as mudanças ensejam uma nova organização e dependendo da intensidade da transformação o homem se adapta ou resiste. Gohn (2011, p.40) leciona que:

[...] esses movimentos sociais teriam uma história natural, já que estariam respondendo a impulsos e manifestações interiores, inerentes à natureza humana. O individuo (que era visto isolado) contrapunha-se à sociedade à medida que esta o oprimia, o bloqueava e o frustrava. Assim que as tensões adquiriam m caráter de insuportabilidade, os indivíduos se aglutinavam em torno de um objetivo comum e criavam novas instituições. A isto davam o nome de mudança social.

Nesse sentido também escreve o professor Darcísio Corrêa, que através dos movimentos sociais se tem uma transformação social profunda na estrutura jurídico-política instituída. Para ele trata-se de algo positivo na medida em que busca romper ou preservar uma matriz já estabelecida e que cumpre ou não com os interesses dos destinatários. E, considerando que o Estado não é estático, necessitando de reorganizações a cada instante para tentar alcançar os interesses de todos os integrantes, as mobilizações sociais têm se mostrado eficaz na transformação do espaço público. Em suas palavras:

[...] a luta desses movimentos sociais procura instaurar uma outra práxis, uma “nova cultura política de base”, a qual, a partir da consciência das injustiças sociais, pretende fazer política fora do Estado e do direito. (CORRÊA, 1995, p.55).

O professor quer dizer que os movimentos sociais, organizados, têm por objetivo reestruturar a instituição que não serve mais para aquele contexto naquele momento. Visto que essas mobilizações sociais traduzem o desenvolvimento da sociedade evidenciando os focos de insatisfação, os desejos coletivos, permitindo a realização análise minuciosa das evoluções sociais. As ações coletivas são, em suma, chaves explicativas para a compreensão e interpretação de cada período histórico da sociedade. Facilitando, assim, o entendimento sobre as mudanças dos paradigmas teóricos. Do ponto de vista sociológico é perceptível que essas ações têm moldado a forma de organização social das comunidades. Gohn (2011, p.61) escreve que:

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