• Nenhum resultado encontrado

Responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores"

Copied!
215
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MAURECI MARCELO VELTER JUNIOR

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS

PRATICADOS POR NOTÁRIOS E

REGISTRADORES

FLORIANÓPOLIS 2018

(2)
(3)

RESPONSABILIDADE

CIVIL

POR

ATOS

PRATICADOS

POR

NOTÁRIOS

E

REGISTRADORES

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração Direito, Estado e Sociedade, sob a orientação do Professor Doutor Rafael Peteffi da Silva.

FLORIANÓPOLIS

2018

(4)

Velter Junior, Maureci Marcelo

Responsabilidade civil por atos praticados por notários e registradores / Maureci Marcelo Velter Junior ; orientador, Rafael Peteffi da Silva, 2018. 213 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Direito. 2. Responsabilidade civil. 3. notários e registradores. 4. Estado. I. Peteffi da Silva, Rafael. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

(5)
(6)
(7)
(8)
(9)

Aos meus pais, Maureci e Andrea, pelo carinho, estímulo aos estudos e, principalmente, pelo apoio constante e incondicional, em tudo.

***

À minha avó, Iracema, tabeliã há 45 anos, pelo apoio e inspiração. ***

À minha namorada, Fernanda, pelo companheirismo, paciência e colaboração durante o desenvolvimento deste trabalho.

***

Ao meu orientador, Professor Rafael Peteffi, por todos os ensinamentos e pela presteza e competência com que realizou a função de orientação, além do exemplo e inspiração pela forma séria, profissional, técnica e meticulosa com que trata a pesquisa científica.

***

Aos colegas de Mestrado, por compartilharem as angústias e desafios ao longo desses dois anos.

***

Aos membros do grupo de pesquisa Direito Civil na Contemporaneidade, pelas discussões jurídicas que contribuíram para este trabalho.

(10)
(11)

To have a right, then, is, I conceive, to have something which society ought to defend me in the possession of. If the objector goes on to ask why it ought, I can give him no other reason than general utility.[...] The interest involved is that of security, to every one's feelings the most vital of all interests. [...] since nothing but the gratification of the instant could be of any worth to us, if we could be deprived of everything the next instant by whoever was momentarily stronger than ourselves. Now this most indispensable of all necessaries, after physical nutriment, cannot be had, unless the machinery for providing it is kept unintermittedly in active play.

John Stuart Mill

[...] este é um dos aspectos em que as excelências da equidade tiveram de ser sacrificadas às incontestáveis vantagens do direito estrito.

Antunes Varela

A forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gêmea da liberdade.

(12)
(13)

O presente trabalho visa a averiguar a responsabilidade civil por atos praticados pelas serventias notariais e registrais, incluindo a esfera de responsabilização dos notários e registradores e do Estado. A fim disso, o estudo divide-se em duas partes. Na primeira, estuda-se o peculiar regime jurídico a que se submetem os delegatários de notas e registros, com ênfase nos elementos essenciais à compreensão da atividade, bem como tópicos que servem de subsídio às questões indenizatórias. Conclui-se que a atividade, embora apreConclui-sente Conclui-semelhanças com outros regimes jurídicos consagrados, possui peculiaridades próprias e deve ser tratada como um tertium genus, isto é, um gênero próprio. A segunda parte se concentra na análise das implicações desta peculiar atividade no âmbito da responsabilidade civil. Faz-se relato das alterações legislativas e das modificações de entendimento dos Tribunais Superiores após a vigência da Constituição de 1988, com estudo crítico dos principais precedentes judiciais sobre o tema. Busca-se solucionar as antinomias entre as diversas normas aplicáveis, com destaque para o conflito entre o artigo 37, §6º, e 236, §1º, da Constituição Federal de 1988, constatando-se a aplicabilidade das normas especiais sobre a atividade notarial e registral em detrimento das regras gerais aplicáveis a outras categorias. Examina-se as implicações práticas do regime jurídico das Examina-serventias notariais e registrais para a responsabilidade civil do Estado. Por fim, apresenta-se proposta de distinção entre atos praticados no âmbito da atuação jurídica daqueles decorrentes do gerenciamento serventia, com repercussões diretas no dever de indenizar eventuais danos causados.

Palavras-chave: notários e registradores, responsabilidade civil,

(14)
(15)

The essay intends to analyse the civil liability resultant from acts of the notaries and registrars, including the liability of this professionals and the situations which the public administration is required to repair the damage caused to third parties. For this purpose, the study is divided into two main parts. The first half inspects the legal regime which is applied to notaries and registrars, focusing on the essential topics of the activity, as well as the ones related to the civil liability. It asserts that the legal regime of notaries and registrars has idiosyncratic features and, although it bears resemblance with others more familiar regimes, must be treated as a tertium genus, i.e., as unique. The second half concentrates on the implications of this peculiar legal regime in the civil liability area. It recounts the changes in the statutory law and jurisprudence involving the subject. The essay ought to solve the legal antinomies, mainly the one between the article 37, §6º, and the article 236, §1º, both from the Federal Constitution of 1988, in order to conclude that the law governing the specific subject of notaries and registrars civil liability overrides the general legislation about torts. The study also inspects the practical implications for the civil liability of the public administration. Lastly, it presents a proposition to distinguish the acts that result from the legal and juridical interpretation from those whom relates exclusively to the management of the office.

Keywords: notaries and registrars. Civil liability. Tort law. Law

(16)
(17)

INTRODUÇÃO...

19

CAPÍTULO I - REGIME JURÍDICO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES...

.

...

25

1.1.Origem e evolução do notariado brasileiro...

.

...

25

1.2.As serventias notariais e registrais previstas no artigo 5º da Lei 8.935/94...

33

1.3.As diretrizes constitucionais da atividade notarial e registral ...

37

1.4.A regulamentação do regime jurídico na Lei dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94)...

47

1.4.1.Aposentadoria compulsória...

51

1.4.2.Personalidade jurídica das serventias...

56

1.5.A gestão privada dos serviços notariais...

62

1.6.Natureza jurídica tributária dos emolumentos...

74

1.6.1. A adequada distinção entre taxas e tarifas...

75

1.6.2.Emolumentos como tributo da espécie taxa...

81

1.7.Entre o servidor público e as concessionárias: semelhanças, diferenças e peculiaridades das serventias notariais e registrais..

86

CAPÍTULO II – AS IMPLICAÇÕES DO PECULIAR REGIME JURÍDICO DA ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL NO ÂMBITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL...

91

2.1. Evolução legislativa e jurisprudencial sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores...

91

2.2. A disciplina da responsabilidade civil dos delegatários de notas e registros na Constituição de 1988...

98

(18)

2.4. A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à

atividade notarial e registral...

108

2.5. A responsabilidade civil do Estado e a aplicabilidade do art. 37, §6º, da CF/88 aos serviços notariais e registrais...

126

2.5.1 A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a responsabilidade civil por atos praticados pelas serventias notariais e registrais...

138

2.5.2. As implicações práticas da responsabilidade subsidiária do Estado a partir da Lei n. 13.286/2016.

.

...

147

2.5.3. Hipóteses de responsabilidade direta do Estado..

155

2.6. Casuística: resumo dos principais casos julgados pelo STJ e pelo TJSC...

159

2.6.1. O “caso clássico”: danos causados pela intervenção de falsários...

160

2.6.2. Duplicidade de registros...

165

2.6.3. Erros, inexatidões e informações inverídicas em certidões...

.

...

167

2.6.4. Outros casos práticos...

169

2.7. Os escopos de atuação da atividade notarial e registral e suas excludentes de antijuridicidade...

171

CONCLUSÃO...

191

REFERÊNCIAS...

197

a)Bibliografia...

197

b) Legislação

...204

c) Jurisprudência

...207

(19)
(20)
(21)

INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil dos notários e registradores por danos causados pelos atos praticados nas serventias é um tema controverso no âmbito doutrinário, o que inclusive resultou em uma jurisprudência oscilante, em especial após a Constituição de 1988. A insegurança jurídica foi reforçada por subsequentes alterações legislativas nas leis regulamentadoras e edição de leis especiais para determinados serviços notariais e registrais.

O principal ponto de discussão, com forte divisão doutrinária e jurisprudencial, diz respeito ao regime de responsabilidade civil a que se sujeitariam os notários e registradores, seja na modalidade subjetiva, tendo a culpa como elemento caracterizador, ou na objetiva, com fundamento no risco. A responsabilização do Estado também é questão relevante: em se tratando de função pública delegada pelo Estado a particulares, debate-se se este seria parte legítima para arcar com a indenização, e se essa participação seria solidária ou somente subsidiária, de modo que o Estado só arcaria com a indenização em caso de insolvência do delegatário.

Além disso, existem diversas outras questões secundárias, como a transmissão dos débitos e ações com a troca de titularidade, a responsabilização direta ou indireta dos profissionais e do Estado, os danos causados por serventia não submetida ao regime de delegação e os casos de notários e registradores investidos de forma precária e provisória. Há, ainda, a questão pertinente à natureza distinta de certos atos praticados nas serventias notariais e registrais, com diferença entre os atos praticados no âmbito da atuação decorrente do gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal da serventia, e aqueles resultantes da atuação jurídica, no exercício do juízo prudencial de qualificação registral.

Neste cenário, a dificuldade na definição da responsabilidade tem sua gênese na própria natureza jurídica peculiar da atividade notarial e registral, que mistura características dos servidores públicos, das concessionárias de serviço público e dos profissionais liberais. Por se tratar de um regime jurídico híbrido, há natural complexidade em se desenvolver uma teoria geral. A carência de um modelo jurídico ideal consolidado cria obstáculos à solução de casos práticos pelo método

(22)

dedutivo, já que sua natureza híbrida agrega elementos e princípios de diferentes modelos, como servidores públicos e concessionárias, cuja comparação e o uso da analogia têm produzido mais problemas do que solucionado. À vista disso, parece mais adequado tratar a atividade como tertium genus, isto é, um gênero próprio1, buscando delimitar o regime

jurídico aplicável às serventias e aos notários e registradores com base nas diretrizes constitucionais e na regulamentação legal e infralegal, bem como nas decisões judiciais dos Tribunais Superiores.

O aspecto amorfo da atividade notarial e registral torna a tarefa particularmente indutiva: depende do exame de pontos específicos e idiossincrasias próprias, como a forma de ingresso na atividade, a natureza jurídica da delegação e do vínculo com o Poder Público, o modo de fiscalização, a gestão privada da serventia e a natureza jurídica da remuneração percebida pelos titulares. Por sorte, tanto o Constituinte quanto o legislador ordinário não se omitiram e legislaram proficuamente sobre a atividade, de maneira que parcela significativa das questões foram solucionadas pela edição de disposição normativa expressa.

Paradoxalmente, a principal dificuldade pertinente à atividade notarial e registral não envolve definir o que ela é, mas sim o que não é. Justamente por se tratar de regime híbrido, guardando semelhanças com outros regimes, é recorrente o uso de comparações e silogismos levianos para solucionar casos concretos (“ao regime X aplica-se a solução Y; a atividade notarial e registral tem características semelhantes a X; logo, aplica-se à atividade notarial e registral a solução Y”), muitas vezes ignorando outras características incompatíveis com a solução sugerida.

Com efeito, é comum em obras doutrinárias e até em decisões judiciais o recurso a normas gerais para resolver casos envolvendo a atividade notarial e registral, apesar da existência de norma expressa e específica, por vezes antagônica, aplicável ao caso. Um exemplo é a norma do artigo 37, §6º, da Constituição Federal2, que estabelece o

regime geral de responsabilidade civil do Estado, das concessionárias e permissionárias de serviços públicos e dos agentes públicos. Neste

1 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 2602, Relator(a): Min. JOAQUIM

BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2005, DJ 31-03-2006. Voto do Ministro Carlos Ayres Britto, p. 80/102 do Acórdão.

2 Constituição Federal. art. 37. [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e

as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(23)

contexto, não há controvérsia de que os notários e registradores são agentes públicos, bem como prestam serviços públicos em sentido amplo, o que em tese poderia permitir a tutela do art. 37, §6º, da Constituição Federal, tanto pela primeira parte do dispositivo – referente às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, que respondem direta e objetivamente – quanto pela segunda parte, relativa aos agentes públicos, que podem ser chamados a responder em ação regressiva, desde que tenham agido com dolo ou culpa. A solução demandaria complexa interpretação jurídica, não tivesse o próprio Constituinte originário resolvido a questão, ao incluir no texto da Constituição o artigo 236, §1º, que traz norma expressa e especial sobre a responsabilidade dos notários e registradores3. Não obstante, parcela

significativa da doutrina e da jurisprudência resiste injustificadamente em aplicar a norma especial, na maioria das vezes sem sequer mencionar o artigo 236, §1º, insistindo no debate com fundamento no artigo 37, §6º, da Constituição.

Assim, antes de adentrar ao tema da responsabilidade civil propriamente dita, e sem a pretensão de desenvolver uma teoria geral, dedica-se o primeiro capítulo do presente trabalho ao exame de certos pontos específicos da atividade, alguns pois reputados essenciais à compreensão do regime jurídico notarial e registral, outros porque prestam subsídio à solução de antinomias e questões relacionadas à responsabilidade civil dos profissionais, além de pontos que, embora não sejam (ou não deveriam ser) imprescindíveis ao tema objeto deste trabalho, reclamam análise ante a frequência em que são citados e discutidos pela doutrina e jurisprudência, ainda que apenas para demonstrar sua impertinência para resolução de demandas indenizatórias envolvendo atos praticados pelas serventias notariais e registrais.

Portanto, o objetivo desta primeira parte é, reprisando os pontos mencionados, apresentar as semelhanças e, principalmente, as diferenças com os regimes jurídicos já consagrados, a fim de sustentar que a adequada compreensão da atividade passa por reconhecer que os delegatários de notas e registro não são nem servidores públicos, nem concessionárias de serviços públicos, mas sim um tertium genus, um gênero próprio, bem como fornecer os elementos básicos para a compreensão do modelo de responsabilidade civil aplicável aos atos

3 Constituição Federal. art. 236. [...].§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará

a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

(24)

praticados por serventias notariais, tanto que no que toca aos notários e registradores quanto ao Estado.

Ultrapassadas essas questões basilares, o segundo capítulo se concentra na análise das implicações desta peculiar atividade no âmbito da responsabilidade civil. Inicia-se com sucinto resumo sobre a forma como o tema foi tratado pela legislação e pelos Tribunais Superiores desde a Constituição de 1988, partindo-se para identificação do fundamento normativo que tutela a responsabilidade civil por atos praticados pelas serventias notariais e registrais. Procede-se ao exame crítico do julgado do Superior Tribunal de Justiça que delimitou o arcabouço básico acerca do tema, e que depois orientou a jurisprudência da Corte e obteve forte respaldo doutrinário, bem como de suas principais implicações práticas para os delegatários e para o Estado, além de tentar traçar as consequências das recentes alterações legislativas para o entendimento até então pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça. Na sequência, serão estudados casos práticos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Por último, apresenta-se proposta de aprofundamento da matéria, com ênfase nas excludentes de antijuridicidade, a par da dicotomia entre responsabilidade objetiva ou subjetiva.

Para isso, após o relato do panorama legislativo e jurisprudencial após a Constituição de 1988, examina-se o conflito entre normas constitucionais, notadamente entre os artigos 37, §6º, e 236, §1º, ambos presentes na redação original da Constituição Federal de 1988. Em seguida, passa-se à solução das antinomias entre as diversas leis que tratam sobre o assunto, incluindo a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73), a Lei dos Notários e Registradores (Lei n. 8.935/94), a Lei de Protesto de Títulos (Lei n. 9.492/97) e as recentes Leis n. 13.137/2015 e Lei nº 13.286/2016, que alteraram a redação original da Lei n. 8.935/94. Ainda nas antinomias infraconstitucionais, examina-se a (in)aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais e registrais e suas consequências para a responsabilidade civil pelos atos praticados, já que a incidência das normas consumeristas à atividade vem ganhando certo respaldo doutrinário.

Estabelecida a base normativa da responsabilidade, prossegue-se ao estudo do entendimento construído e pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual definiu a responsabilidade civil direta e objetiva dos delegatários de notas e registros e subsidiária do Estado pelos danos causados. Todavia, este modelo teve seus fundamentos legais alterados pela Lei n. 13.286/2016, ainda não apreciada por nenhum dos Tribunais Superiores. Daí que, sem abandonar o entendimento do STJ, mas já

(25)

levando em consideração a mencionada alteração legislativa, buscou-se definir o atual regime de responsabilidade civil aplicável, bem como as implicações práticas da responsabilidade subsidiária do Estado após a Lei n. 13.286/2016 e as hipóteses de responsabilização direta do Poder Público. Em seguida, serão analisados casos concretos julgados pelo STJ e TJSC, a fim de conhecer as principais causas de demandas indenizatórias envolvendo a atividade.

Por derradeiro, apresenta-se proposta de aprofundamento sobre o tema, trazendo ponto que não foi abordado pelo Superior Tribunal de Justiça e – salvo louváveis exceções – pela doutrina, o qual se propõe a identificar a diferença entre os atos praticados por notários e registradores no âmbito da atuação decorrente do gerenciamento administrativo, financeiro e de pessoal da serventia, daqueles resultantes da sua atuação jurídica, no exercício do juízo prudencial de qualificação registral, o que implica em tratamento jurídico diverso aos danos causados, a depender do escopo de atuação, em razão da incidência de excludentes de antijuridicidade (ilicitude).

(26)
(27)

CAPÍTULO I - REGIME JURÍDICO DOS

NOTÁRIOS E REGISTRADORES

1.1. Origem e evolução do notariado

brasileiro

A história do notariado se confunde com a história do direito e da própria sociedade4. A evolução dos povos e o crescimento do intercâmbio

comercial tornou necessária a edição de documentos escritos, ante a insegurança das provas testemunhais ou as simples declarações verbais. Atendendo a essa necessidade, apareceram profissionais com função de documentar e intermediar os interesses das partes na negociação5. A

atividade notarial, assim, não é criação acadêmica, tampouco legislativa; é pré-jurídica, egressa das necessidades sociais de acompanhar desenvolvimento voluntário das normas jurídicas6.

Relata-se que desde 600 a.C. os povos hebreus outorgavam a uma espécie de notários, chamados scribas, revestidos de caráter sacerdotal, o encargo de receber e selar os atos e contratos, apondo o selo público7. No

4 BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do direito notarial. 3. Ed. – São Paulo,

2009, p. 3.

5 MELO JR., Regnoberto Marques de. O notariado na antiguidade, no direito

canônico e na idade média. In: Revista de Direito Imobiliário, vol. 48/2000, p. 93-124.

6 BRANDELLI, 2009, p. 4.

7 ALMEIDA JR. João Mendes de. Orgams da Fé Pública. In: REVISTA DA

FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO, vol. V, p. 7 a 114 (1.ª parte) e vol. VI, p. 7 a 113. São Paulo: Espindola, Siqueira & Campos, 1897. Disponível em https://arisp.files.wordpress.com/2007/12/orgams-da-fe-publica.pdf. Acesso em 03/09/2017. Relata Almeida Jr: “Desde 600 annos A.C., o encargo de receber e sellar os actos e contractos, que deviam ser munidos do sello publico, competia a uma especie de notarios chamados scribas. Estes, na maior parte das convenções, faziam simples notas ou abreviaturas, cada uma das quaes significava uma palavra, e eram escriptas com toda a celeridade, como se deprehende do versículo segundo do Psalmo XLIV: Lingua mea calamus scriboe,

velociter scribentis. Eram revestidos de caracter sacerdotal, tanto os scribas ou doutores da lei, que transcreviam e interpretavam a Sagrada Escriptura, como os scribas do povo, que occorriam ás necessidades quotidianas dos cidadãos,

(28)

Egito Antigo, desenvolveu-se uma instituição registral pública bastante elaborada, com a presença de traslados de escrituras recebendo registros nos cartórios dos “conservadores dos contratos”, após sua transcrição nos tribunais de domicílio dos contratantes8. Na Grécia antiga, assim como

todos os povos de cultura helênica, haviam profissionais incumbidos de dar aos contratos o seu testemunho qualificado e, ao lado dos tribunais e juízes, um secretário, incumbido não só de escrever peças do processo, como de coordená-las, guardá-las na caixa selada e enviar esta ao juiz ou tribunal9, sem, contudo, emprestar fé pública aos atos que lavravam10.

Em Roma, o crescimento das relações comerciais civis e o contato com a civilização helênica alterou profundamente os valores sociais do povo romano11. A arte da escrita, o primeiro efeito da difusão do espírito

grego no ocidente, marcou a civilização romana ao ponto de cada chefe de família romano ter o seu próprio registro doméstico, que tomava o nome geral de codex ou tabuoe12. Para registrar os documentos escritos e

dar vigor aos contratos, surgiram em Roma oficiais das mais variadas espécies, dentre os quais os notarii13, os argentarii14, os tabularii15 e os

tabelliones16. Os documentos produzidos pelos notários romanos

redigindo memorias, cartas e semelhantes documentos”. (Almeida Jr, 1897, p. 14). 8 MELO JR., 2000, p. 93-124. 9 ALMEIDA JR., 1897, p. 18. 10 MELO JR., 2000, p. 93-124. 11 MELO JR., 2000, p. 93-124. 12 ALMEIDA JR., 1897, p. 19.

13 Segundo Leonardo Brandelli, os notarii, similares aos taquígrafos modernos,

costumavam escrever com notas que consistiam nas iniciais das palavras ou em abreviaturas, de significado difundido na praxe (BRANDELLI, Leonardo.

Teoria Geral do direito notarial. 3. Ed. – São Paulo, 2009, p. 7.)

14 Os argentarii eram espécies de banqueiros: conseguiam dinheiro por

empréstimo para particulares, bem como elaboravam o respectivo contrato de mútuo e o registravam em livre próprio (ALMEIDA JR., 1897, p. 21.)

15 Havia também os tabularii (que não devem ser confundidos com os

tabelionnes) que eram escravos públicos, empregados fiscais incumbidos da

direção do censo – como nascimentos, inventários e contadorias da administração pública –, escritura e guarda de registros hipotecários, bem como autorizados a confeccionar certos documentos legais. (ALMEIDA JR., 1897,p. 21.)

16 Os tabeliones seria, segundo Leonardo Brandelli, verdadeiros precursores dos

notários modernos (BRANDELLI, 2009, p. 8.) Esses profissionais eram encarregados de lavrar, a pedido das partes, os contratos, testamentos e convênios particulares. Intervinham nos negócios privados com notável aptidão como redatores, assessorando as partes (embora fossem imperitos no direito), além de

(29)

gozavam de presunção juris tantum de validade, cuja publicidade que caracterizava a fé notarial decorria, do mesmo modo que hoje, da acessibilidade ao seu acervo documental, bem como da presunção de haver sido feito dentro do formalismo jurídico imposto (presunção de legalidade)17.

No entanto, as invasões bárbaras e o fim do Império Romano do Ocidente representaram um retrocesso no processo de evolução da instituição notarial18. A sobrevivência e os moldes da instituição notarial

latina moderna, segundo afirma Regnoberto Marques de Melo Jr., deve muito ao direito eclesiástico19. Vários princípios do notariado de hoje

foram criados ou aperfeiçoados pelo direito canônico, como a noção de fé pública, a sacramentalidade das formas e a consagração da escrita nas convenções extrajudiciais e provas judiciais – até mesmo a formalização rebuscada e propensa a fórmulas sacramentais devem sua origem às mãos dos clérigos, confessando a ansiedade dos sacerdotes da época em criar uma atmosfera de intangibilidade e misticismo aos escritos perfeitos20.

Não se olvida que mesmo a Idade Média contou com períodos de expansão do notariado, especialmente durante o reinado de Carlos Magno21, porém, o avanço do feudalismo – com o poder conferido ao

senhor feudal para validar atos notariais, aliado à própria natureza jurídica e econômica do sistema feudal – desestruturou e enfraqueceu a instituição notarial22. O renascimento do notariado ocorreu somente no século XIII,

na Itália, notadamente na Universidade de Bolonha – que instituiu um

propiciarem eficaz conservação dos documentos. Os tabelionnes eram homens livres, ao contrário dos notarii, que eram escravos públicos. (ALMEIDA JR., 1897, p. 8).

17 MELO JR., 2000, p. 93-124. Neste O autor diverge da posição de Almeida Jr.,

que sustentava a ausência de fé pública aos tabelionnes, visto necessitarem de uma espécie de beneplácito dos Magistratus (ALMEIDA JR., 1897, p. 25). MELO JR, contudo, assevera que esta questão estaria relacionada à política jurídica romana ligada ao tema da prova documental.

18 MELO JR., 2000, p. 93-124. Neste sentido, Gilson Carlos Sant’Anna cita a

origem germânica do princípio da rogação, que proibia que os serviços profissionais do notário fossem oferecidos, sem que fossem solicitados, ou seja, rogados por isso. (SANT’ANNA, Gilson Carlos. Fatos Históricos e Jurídicos determinantes da configuração contemporânea dos serviços notariais. In: Revista

de Direito Imobiliário, vol. 65/2008.)

19 MELO JR., 2000, p. 93-124. 20 MELO JR., 2000, p. 93-124. 21 MELO JR., 2000, p. 93-124. 22 BRANDELLI, 2009, p. 11.

(30)

curso especial sobre a arte notarial, agora com caráter científico23. De

fato, impossível não associar o reaparecimento do notariado na Europa ocidental com a descoberta do Digesto, em 1137 d.C., e consequente recepção do Direito Romano nas universidades europeias24.

Por fim, a estrutura básica do sistema de notariado latino, adotado pelo Brasil, foi desenvolvida e aperfeiçoada no direito francês, com destaque para a desvinculação da função notarial da jurisdicional25 e a

regulamentação dos princípios básicos, como o segredo profissional, a fé notarial e a demarcação territorial da atividade26. Contudo, a história não

é linear, e mesmo na Idade Moderna houve retrocessos: com a luta da monarquia por mais poder sobre os senhores feudais, no auge do afã absolutista, os reis franceses valeram-se da venda de ofícios, incluindo os notariais, para aumentar recursos, o que teve efeito devastador para a boa fama do notariado francês27. Para agravar a situação, em 1596 o rei

Henrique IV declarou os ofícios hereditários2829.

Foram os ventos republicanos da Revolução Francesa que, paulatinamente, fizeram que o notariado adquirisse as feições conhecidas na atualidade30. A Assembleia Nacional Constituinte Francesa, pelo

Decreto de 29 de Setembro de 1791, estabeleceu uma nova organização do notariado31. Neste decreto, dividido em cinco capítulos, foi abolida a

hereditariedade dos ofícios notarias, exigindo o provimento por concurso, bem como conferindo vitaliciedade e estabilidade, com demissão autorizada somente em caso de prevaricação32. Ademais, ainda nos

23 BRANDELLI, 2009, p. 11. 24 MELO JR., 2000, p. 93-124.

25 Na França, expõe Almeida Jr., o direito de lavrar os atos se confundiu por muito

tempo com o de fazer justiça, passando dos senhores feudais para os juízes. Dos senhores feudais, este Direito passou aos juízes na França25. Luís IX separou, em

Paris, o direito de lavrar atos e contratos do de fazer justiça, tornando a função notarial independente da jurisdicional, o que foi alastrado por todos os domínios do reino francês em 1302, por Felipe IV, o Belo. (ALMEIDA JR., 1897, p. 51)

26 SANT’ANNA, Gilson Carlos. Fatos Históricos e Jurídicos determinantes da

configuração contemporânea dos serviços notariais. In: Revista de Direito

Imobiliário, vol. 65/2008, p. 39-60.

27 SANT’ANNA, 2008, p. 39-60. 28 BRANDELLI, 2009, p. 13.

29 No Brasil, conforme se verá, os cartórios só perderam efetivamente o seu

caráter hereditário pela Constituição de 1988, quase 500 anos depois.

30 BRANDELLI, 2009, p. 13. 31 ALMEIDA JR., 1897, p. 56. 32 ALMEIDA JR., 1897, p. 56/57.

(31)

primeiros anos da Revolução Francesa foram editadas diversas leis pertinentes ao notariado, com destaque para a Lei 25 de Ventoso do Ano IX da Revolução Francesa (publicada em 16.03.1803), que estabeleceu o regramento da atividade que não só permanece, na essência, em vigor até hoje33, como inspirou legislações de países que adotam o sistema de

notariado latino, como a brasileira3435.

Enquanto o notariado europeu e da América espanhola, após a Lei Francesa de 25 de Ventoso, sofreu mudanças severas e foi alçado ao devido relevo jurídico, o notariado brasileiro demorou a sentir essas modificações, mantendo a antiga tradição herdada de Portugal36. Com

efeito, quando Pedro Álvares Cabral e sua caravela descobriram as terras brasileiras, o direito português era regido pelas Ordenações Afonsinas, que vigoraram de 1446 a 152137. O primeiro tabelião a pisar em solo

brasileiro teria sido Pero Vaz de Caminha, que narrou e documentou

33 O texto em vigor pode ser acessado em

https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=LEGITEXT00000607 0994&dateTexte=20110616. Último acesso em 03/09/2017.

34 SANT’ANNA, 2008, p. 39-60. Dentre as disposições trazidas pela lei,

encontrava-se: a incompatibilidade do exercício do notariado com os cargos de juiz, comissário do governo ou de tribunais, procuradores, relatores e comissários de polícia e de comércio em geral (art. 7º); a proibição de autenticação de qualquer ato de interesse particular do notário, ou em que estivessem envolvidos parentes e afins; os requisitos para o ingresso na função notarial, incluindo aprovação em concurso, quitação com serviço militar, idade mínima de 25 anos, cidadania francesa e prática mínima de seis anos, sem interrupção; entre outras. A regulamentação francesa exigia, ainda, que o notário prestasse caução, que variava de 2.000 a 4.000 francos, bem como previa que caso o notário praticasse ato escuso ou fosse suspenso, destituído ou substituído, deveria parar de exercer suas funções assim que notificado, sob pena de ter que indenizar os prejudicados pelos danos causados.

35 Assevera Gilson Carlos Sant’Anna que outro ponto importante trazido pela

legislação francesa do período revolucionário foi a disposição sobre os honorários do notário, que deveriam ser combinados entre ele e a parte (art. 51 da Lei 25 de Ventôse), sistema este que, com a adoção de tarifas em vez do soldo mensal, abriu a porta para que o notário pudesse se desligar do caráter de funcionário público (SANT’ANNA, Gilson Carlos. Fatos Históricos e Jurídicos determinantes da configuração contemporânea dos serviços notariais. In: Revista de Direito

Imobiliário, vol. 65/2008.)

36 BRANDELLI, 2009, p. 40. 37 SANT’ANNA, 2008, p. 39-60..

(32)

minuciosamente a descoberta e a posse da terra, na carta ao Rei Português que é considerada a certidão de descobrimento do Brasil38.

Luiz Rodrigo Lemmi, em estudo realizado sobre o tema39,

constatou que as Ordenações Afonsinas já continham várias disposições similares às atuais, como a remuneração tabelada e paga pelo usuário (Livro I, Título XXXV), a exigência de data e local da lavratura dos atos (Livro IV, Título LXVI, item 4), a proibição de exercício da magistratura e advocacia, salvo em causa própria (LIVRO IV, Título LXVI, item 14), a proibição de venda do ofício de tabelião (Livro IV, TÍTULO VIII), bem como diversas regras de direito civil, como a necessidade de anuência do cônjuge para a alienação de bens de raiz (Livro III, Título XXXXV), a necessidade de escritura pública para a lavratura de atos a partir de um certo valor (Livro III, Título LXIV), entre várias outras. Destaque para a previsão de responsabilidade civil do tabelião, que deveria indenizar os prejuízos decorrentes, caso não conservasse diligentemente seus livros (LIVRO 1, Título XXXXVII, item 8), além da pena de perda do ofício e prisão, sem prejuízo da indenização à parte, caso o tabelião descumprisse o ordenado pelo rei (Livro I, Título XXXXVIII, item 16).

Em 1530, já na vigência das Ordenações Manuelinas (1521-1604), o cargo de tabelião, no Brasil, foi criado pela Carta de Poderes de 20.11.1530, que delegava autoridade a Martim Afonso de Sousa para nomear tabeliães e outros oficiais de justiça40. Segundo Ovídio A. Batista

da Silva, o regime dos tabelionatos constava em todas as ordenações vigentes no país, com destaque para as Ordenações Filipinas, que vigoraram por mais de trezentos anos, e em todas elas caracterizava-se como uma instituição de natureza privada, obtida por concessão do monarca a quem era devido o pagamento periódico de um tributo41.

Não obstante, a partir do século XIX a instituição notarial perdeu sua independência histórica para se tornar um serviço subordinado ao Poder Judiciário42. Leciona Ovídio Batista da Silva que, a partir do

38 BRANDELLI, 2009, p. 24.

39 LEMMI, Luiz Rodrigo. Notas sobre a escritura pública nas ordenações

afonsinas. In: Revista de Direito Imobiliário. Vol. 76/2014.

40 SANT’ANNA, 2008, p. 39-60.

41 SILVA, Ovídio Araujo Baptista da. O NOTARIADO BRASILEIRO

PERANTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. In: Revista de Direito Imobiliário, vol. 48/2000, p. 81-84.

42 BENÍCIO, Hercules Alexandre da Costa. Responsabilidade Civil do Estado

decorrente de atos notariais e de registro. – São Paulo : Editora Revista dos

(33)

Decreto de 02.10.1851, que dispôs sobre o regulamento geral das correições, o notariado brasileiro passou a ser fiscalizado pelo Poder Judiciário, inserindo-se, a partir daí, como uma mera dependência na hierarquia do Judiciário, de caráter auxiliar. Assevera, ainda, que a subordinação ao Poder Judiciário é uma nota peculiar brasileira, citando exemplo do notariado português, cujo vínculo é com o Ministério da Justiça, não com o Poder Judiciário43.

Neste cenário, enquanto outras carreiras, como o Ministério Público e a advocacia, que também figuravam nos antigos diplomas de organização judiciária, passaram a partir de 1930 a ser tratados autonomamente, em suas próprias organizações corporativas, o notariado brasileiro permaneceu como serviço auxiliar e subordinado até a vigência da Constituição de 198844. A Emenda Constitucional nº 1/69, em seu

artigo 144, §5º, determinou que os Tribunais de Justiça teriam poderes para dispor, por resolução, sobre normas de divisão e reorganização judiciária45. O dispositivo foi regulamentado pela Lei n. 5.621, que em

seu artigo 6º, inciso IV, incluía na organização judiciária os tabelionatos e ofícios de registros públicos46. Durante este período, segundo relata

Leonardo Brandelli, o provimento dos cargos de notários e registradores ocorria por meio de critérios disformes, que variavam de acordo com o estado da federação47.

A uniformização do regramento nacional foi estabelecida com a Emenda Constitucional nº 7/77, que introduziu o artigo 206 na Constituição Federal de 1967/69, prevendo a estatização das serventias do foro judicial e extrajudicial 48. Todavia, justamente por depender de lei

43 SILVA, 2000, p. 81-84.

44 BRANDELLI, 2009, p. 42.

45 EC 1/69: Art. 144. Os Estados organizarão a sua justiça, observados os artigos

113 a 117 desta Constituição e os dispositivos seguintes:[...] § 5º Cabe ao Tribunal de Justiça dispor, em resolução, pela maioria absoluta de seus membros, sôbre a divisão e a organização judiciárias, cuja alteração sòmente poderá ser feita de cinco em cinco anos.

46 Lei n. 5.621, de 04.11.1970: Art. 6º Respeitada a legislação federal, a

organização judiciária compreende: [...] IV - Organização, classificação,

disciplina e atribuições dos serviços auxiliares da justiça, inclusive Tabelionatos e ofícios de registros públicos.

47 BRANDELLI, 2009, p. 48.

48 Art. 206. Ficam oficializadas as serventias do foro judicial e extrajudicial,

mediante remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo. § 1º Lei complementar, de iniciativa do Presidente da República, disporá

(34)

complementar federal (art. 206, §1º) e outras providências, a estatização ficou apenas no papel49. Em 1982 a norma foi novamente alterada pela

EC 22/82, que alterou a redação do artigo 206 para excluir as serventias extrajudiciais, mantendo a ordem de estatização restrita às serventias do foro judicial50. A referida emenda constitucional também trouxe a

previsão do provimento do cargo mediante concurso público de provas e títulos51. No entanto, estabelecia uma exceção à regra republicana do

concurso público: assegurava aos substitutos, na vacância, a efetivação no cargo de titular, desde que contassem ou viessem a contar com cinco anos de exercício, até 31 de dezembro de 198352. Na prática,

considerando que a nomeação do substituto era uma escolha livre do titular, que acabavam, em geral, por selecionar familiares, a exceção permitia a perpetuação da velha tradição antirrepublicana de hereditariedade das serventias notariais e registrais.

Foi só com a Constituição Federal de 1988, que disciplinou a atividade notarial e registral no seu art. 236 e fixou-lhe as diretrizes básicas, que o notariado brasileiro adquiriu maior relevo no meio jurídico53. As luzes republicanas que iluminaram a instituição notarial na

França desde os primeiros anos da Revolução Francesa (com a Lei 25 de

sobre normas gerais a serem observadas pelos Estados e pelo Distrito Federal na oficialização dessas serventias. § 2º Fica vedada, até a entrada em vigor da lei complementar a que alude o parágrafo anterior, qualquer nomeação em caráter efetivo para as serventias não remuneradas pelos cofres públicos. § 3º Enquanto não fixados pelos Estados e pelo Distrito Federal os vencimentos dos funcionários das mencionadas serventias, continuarão eles a perceber as custas e emolumentos estabelecidos nos respectivos regimentos.

49 VALERIO, Alexandre Scigliano. Privatização do Serviço Notarial e Registral:

Direito e Economia. In: Revista de Direito Imobiliário, vol. 65, de julho de 2008, p. 235-274.

50 Art. 206 - Ficam oficializadas as serventias do foro judicial mediante

remuneração de seus servidores exclusivamente pelos cofres públicos, ressalvada a situação dos atuais titulares, vitalícios ou nomeados em caráter efetivo ou que tenham sido revertidos a titulares.

51 Art. 207 - As serventias extrajudiciais, respeitada a ressalva prevista no artigo

anterior, serão providas na forma da legislação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, observado o critério da nomeação segundo a ordem de classificação obtida em concurso público de provas e títulos.

52 Art. 208 - Fica assegurada aos substitutos das serventias extrajudiciais e do foro

judicial, na vacância, a efetivação, no cargo de titular, desde que, investidos na forma da lei, contem ou venham a contar cinco anos de exercício, nessa condição e na mesma serventia, até 31 de dezembro de 1983.

(35)

Ventôse) só atingiram de fato a legislação brasileira por ocasião da Constituição Federal de 1988.

1.2. As serventias notariais e registrais

previstas no artigo 5º da Lei 8.935/94.

A Constituição de 1988, ao disciplinar as serventias notariais e registrais no TÍTULO IX (Das Disposições Constitucionais Gerais) e no Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 32), ao invés de tratá-la no Capítulo III (Do Poder Judiciário – TÍTULO IV – Da Organização Dos Poderes), trouxe a necessária autonomia e independência para a atividade, não mais enquadrando os notários e registradores como serventuários ou auxiliares da Justiça54, abrindo

espaço para a edição da Lei orgânica dos notários e registradores (Lei 8.935/94).

A Lei 8.935/94 define os serviços notariais e de registro como os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos (art. 1º), compreendendo os Registros Civis das Pessoas Naturais, Registros de Títulos e Documentos, Registros Civis das Pessoas Jurídicas, Registros de Imóveis, Tabelionatos de Notas e Tabelionatos de Protesto (art. 5º).

O Registro Civil das Pessoas Naturais tem atuação mais próxima às pessoas, com envolvimento direto no exercício da cidadania55.

Compete a esta serventia (artigos 9 e 10 do CC/02 e art. 29 da Lei 6.015/7356) o registro do nascimento, com a escolha do nome e eventual

54 No entanto, o ranço histórico ainda não foi completamente expurgado, pois

ainda existem normas infralegais confundindo a atividade notarial e registral com a dos serventuários da justiça, vide Instrução Normativa da Receita Federal n. 1.500, de 29 de outubro de 2014.

55 RIBEIRO, Luís Paulo Aliende. Regulação da função pública notarial e de

registro – São Paulo : Saraiva, 2009, p. 65.

56 Art. 9º Serão registrados em registro público: I - os nascimentos, casamentos e

óbitos; II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida. Art. 10. Far-se-á averbação em registro público: I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio,

(36)

reconhecimento de paternidade; do casamento, com a verificação dos impedimentos e do regime de bens; do óbito, com as remissões recíprocas aos demais assentos; bem como dos demais atos relativos aos estados da pessoa natural (individual, civil e político), como a emancipação, a interdição, a declaração de ausência e de morte presumida e a opção de nacionalidade.

O Registro Civil das Pessoas Jurídicas recepciona desde o ato constitutivo até o da extinção das associações, sociedades, fundações, organizações religiosas e dos partidos políticos (art. 44 do CC/02)57. O

Registro de Títulos e Documentos, seja na sua atribuição residual ou conservatória58, tem função de garantir a autenticidade de data e

conteúdo, segurança jurídica, publicidade, conservação e efeito erga omnes aos documentos registrados59.

O Registro de Imóveis visa à proteção dos titulares de direitos reais (publicidade estática) e também à garantia do tráfico jurídico de bens imóveis (publicidade dinâmica). Sua função é diminuir o risco dos adquirentes e reduzir os custos das transações imobiliárias, contribuindo para a redução dos litígios60. A qualificação registral imobiliária constitui

tarefa de extrema relevância para a depuração dos direitos reais inscritos61, especialmente considerando que no Brasil o registro dos

a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;

57 RODRIGUES, Marcelo. Tratado de registros públicos e direito notarial –

2. Ed. – São Paulo : Atlas, 2016, p. 142

58 RIBEIRO, 2009, p. 66. 59 RODRIGUES, 2016, p. 145.

60 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos : teoria e prática. – 5. Ed.

– Rio de Janeiro Forense : São Paulo : Método, 2014, p. 271.

(37)

direitos reais tem efeito constitutivo62, bem como gera presunção relativa

(iuris tantum) de propriedade, conforme artigo 1.245 do Código Civil63.

Os tabelionatos de notas têm competência para formalizar juridicamente a vontade das partes, intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade – autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo – e autenticar fatos (art. 6º da Lei 8.935/94). Envolve, portanto, qualificação jurídica técnica e complexa, típica de profissionais do

62 Segundo Pontes de Miranda, subsistem dois sistemas de registro: (i) os que só

exigem o registro para que seja atribuída eficácia contra terceiros (erga omnes) e (ii) os que tornam a realidade do direito, ou a transmissão dele, como direito real, dependente de registro (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, Tomo 11. São Paulo : Revista dos Tribunais 1973, p. 206). MARCELO RODRIGUES (RODRIGUES, 2016, p. 142) ensina que o sistema de publicidade imobiliária registral adotado no Brasil é misto, porque não pode ser classificado como inserido no sistema francês, tampouco integrado no rol do sistema alemão. Na França, é o próprio negócio jurídico que transmite a propriedade, isto é, a pessoa torna-se proprietária com a assinatura do contrato. Embora a a França possua um sistema de registro de transcrições dos contratos que formalizam as transmissões de propriedade, mas esse sistema tem função exclusiva de dar publicidade e efeitos erga omnes à transmissão. O sistema germânico, por sua vez, adotou a tradição romana do “título + modo” e a aperfeiçoou. Na Alemanha, é o registro do título translativo que transmite a propriedade (assim como no Brasil). Porém, o Direito alemão tem forte influência do chamado “princípio da abstração”, que remonta a Savigny, e cujo principal efeito é a chamada inoponibilidade das exceções aos terceiros de boa-fé. Isso significa dizer que o registro, no modelo alemão, tem efeito saneador do negócio jurídico causal. Isto é, o registro sana todos os vícios do título e gera uma presunção absoluta (iure et iure) de propriedade, legitimidade, integridade e exatidão da inscrição em favor do terceiro de boa-fé (BGB, §§892) O sistema brasileiro, apesar de também atribuir efeito constitutivo ao registro, como o alemão, é considerado misto pois não tem efeito saneador, de modo que a nulidade do título é fundamento para se requerer, em juízo, a anulação do registro (art. 1.247 do Código Civil) e, consequentemente, da transmissão. Assim, registro e o negócio de disposição ainda estão vinculados ao negócio jurídico causal.

63 Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título

translativo no Registro de Imóveis. § 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. § 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

(38)

direito, eis que tem a função de ouvir os desígnios das partes e qualificá-los juridicamente, redigindo o instrumento jurídico adequado64

Aos Tabelionatos de Protesto compete a lavratura do instrumento de protesto de títulos e documentos de dívida65. Pontes de Miranda afirma

que o protesto é ato formal de tríplice eficácia: a) probatória; b) pressuposto para ação de regresso; c) de munir o credor de documentação em que se revela a insolvência por parte do devedor66. Historicamente

restrito ao direito comercial e aos títulos de crédito, novas exigências sociais demandaram alterações na função e alcance do instituto do protesto67. Com o crescimento do uso no comércio de bancos de dados de

entidades de proteção ao crédito, somado à previsão do artigo 29 da Lei 9.49268, o protesto se tornou um método lícito de coagir o devedor a

realizar o pagamento da dívida, haja vista que sua inscrição nos órgãos de proteção (SPC e SERASA, por exemplo) pode dificultar ou inviabilizar o acesso ao crédito. Neste contexto, conforme lição de Luiz Guilherme Loureiro, “considera-se que a função precípua do protesto é a comprovação da inadimplência de obrigações constantes de títulos e documentos de dívida, mas que a função secundária é combater a inadimplência mediante a coerção moral do devedor recalcitrante”69

Assim, conclui-se que os notários e registradores no exercício de sua atividade produzem atos cujo objetivo e finalidade é a produção de

64 BRANDELLI, 2009, p. 59.

65 A definição legal de protesto está prevista no artigo 1º da Lei 9492/97, que

conceitua o protesto como “o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”

66 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado,

Tomo 58. São Paulo : Revista dos Tribunais 1973, p. 67).

67 Além da clássica finalidade de provar o descumprimento de obrigações

cambiais e cambiariformes, agora acrescida, com a redação do artigo 1º da Lei 9492/97, da prova de inadimplência de outros documentos de dívida – também opera a interrupção da prescrição (art. 202, III, do Código Civil), caracteriza o estado de falência (artigo 94, I, da Lei 11.101 de 2005 – Lei de Falências e Recuperação Judicial) e é requisito de admissibilidade da ação de execução de contrato de câmbio (art. 75 da Lei 4.728 de 1965).

68 Art. 29. Os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do

comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.

(39)

efeitos jurídicos junto aos interesses privados e ao direito privado, não obstante exerçam função pública e pratiquem atos administrativos dotados de todos os atributos inerentes ao direito administrativo70.

A profunda transformação das serventias notariais e registrais brasileiras, que de simples atividade subordinada e auxiliar do Poder Judiciário, tornou-se um serviço público privatizado, ou um serviço público "exercido em caráter privado"71, trazida pela Constituição

Federal de 1988 foi, na opinião de Leonardo Brandelli, essencial para o reconhecimento social e jurídico da profissão72, em especial pela

constatação da complexidade técnica-jurídica destas atividades, exigindo capacitação jurídica aferida por meio de concurso público de provas e títulos.

Trata-se, pois, de atividade jurídica, que demanda capacitação técnica, visto que da atuação destes profissionais decorrem efeitos jurídicos relevantes para direitos e interesses de terceiros.

1.3. As diretrizes constitucionais da

atividade notarial e registral

O novo regime jurídico das serventias notariais e registrais trazido pelo Constituição de 1988 trouxe desafios à comunidade jurídica e à doutrina especializada. Ainda que tenha se filiado ao sistema de notariado latino, com tradição secular, é inegável a ruptura causada pela vigência do artigo 236 da Constituição Federal, especialmente ao livrar a profissão da posição secundária, de mero auxiliar do Poder Judiciário, a que a categoria foi relegada a partir do século XIX.

A ruptura trouxe aquilo que José Renato Nalini e Ricardo Henry Marques Dip73 chamaram de “crise de identidade” institucional, que

70 RIBEIRO, 2009, p. 6.

71 SILVA, Ovídio Araujo Baptista da. O notariado brasileiro perante a

Constituição Federal. In: Revista de Direito Imobiliário, vol. 48/2000,

72 BRANDELLI, 2009, p. 62.

73 NALINI, José Renato; DIP, Ricardo Henry Marques. A nova lei de serviços

notariais e de registro. In: Revista dos Tribunais – Doutrinas Essenciais de

(40)

decorre da complexidade de seu objeto. Esta “crise” foi agravada pela edição da lei regulamentadora, Lei 8.935 de 18.11.94, que uniformizou e constituiu um lastro normativo nacional às serventias notariais e registrais. Até então, a função era majoritariamente regulamentada por legislações estaduais e normativas secundárias, derivadas de decisões judiciário-administrativas e atos normativos do Judiciário Estadual (provimentos, resoluções e pareces com força vinculante). A revogação do referencial normativo (legislação estadual e normativas infralegais) implicou em uma momentânea perda de certeza das soluções, pois a perda do amparo seguro no acervo jurisprudencial e nas referências de regulação exigiu respostas e soluções novas, não só para os novos problemas, mas também para os velhos74.

Crises, no entanto, são momentos oportunos para a revitalização. A partir da vigência da Constituição Federal – e com maior impulso após a edição da Lei 8.935/94 – abriu-se espaço para um melhor desenvolvimento do Direito Notarial e Registral, com a definição de importantes pontos pertinentes aos cartórios, como o regime jurídico dos titulares e a natureza jurídica da delegação, deixando de enquadrá-los como serventuários da Justiça, integrantes da estrutura administrativa do Estado, e estabelecendo uma função de natureza pública, mas exercida em caráter privado.

Tecidas estas considerações e tendo em vista o caráter de mudança trazido pela Constituição de 1988 aos notários e registradores, o exame da natureza jurídica da delegação passa, antes da análise da lei regulamentadora e da construção doutrinária e jurisprudencial desenvolvida nas últimas décadas, pela definição das diretrizes básicas traçadas pelo texto constitucional. Dispõe o artigo 236 da Constituição Federal:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos

74 NALINI, 2011, p. 255-262.

(41)

praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

Consoante aponta Luis Paulo Aliende Ribeiro, do texto constitucional se extraem quatro diretrizes básicas:

I. A natureza pública da função notarial e de registro e a imperatividade de sua delegação pelo Poder Público ao particular para seu exercício em caráter privado.

II. A necessidade de lei para regular as atividades, disciplinar as responsabilidades civil e criminal dos notários, oficiais de registro e seus prepostos, definir a fiscalização dos seus atos pelo Poder Judiciário, assim como a necessidade de lei federal para estabelecer normas gerais sobre emolumentos.

III. O ingresso na atividade mediante concurso público de provas e títulos.

IV. A impossibilidade de que qualquer unidade fique vaga, sem abertura de concurso, por mais de seis meses.75

Embora o objetivo e a finalidade dos atos praticados por notários e registradores seja, majoritariamente, a produção de efeitos jurídicos junto aos interesses privados e ao direito privado, não há como negar o caráter público de sua atividade. A possibilidade de outorgar fé pública e o caráter de imperium investido na função, bem como a expressa designação constitucional de que se trata de delegação do Poder Público, evidencia se tratar a atividade de função pública, produtora, portanto, de atos administrativos dotados de todos os atributos e sujeitos aos requisitos do direito administrativo76. Conforme afirma Ricardo Dip77, a atividade

75 RIBEIRO, 2009, p. 42-43.

76 RIBEIRO, 2009, p. 6 e 83.

77 DIP, Ricardo Henry Marques. Direito administrativo registral. – São Paulo :

(42)

registral preenche a primeira das características da potestade pública, qual seja, a do fim comum político, motivo pelo qual o exercício das funções ou dos serviços registrais não pode efetivar-se sem o concurso de alguma forma de atividade do Estado. Assim, a atividade notarial e registral, ainda que se remeta à satisfação de interesses de direito privado, pelo fato de ser administração pública desses interesses, adquire caráter misto: de direito público, em razão de sua forma; e de direito privado, por seu objeto material78.

No entanto, se o caráter de função pública atribuído à atividade notarial e registral não desperta divergências doutrinárias e jurisprudenciais, seu enquadramento como serviço público não é pacífico, o que não deixa de ser uma consequência da falta de uniformidade doutrinária sobre o conceito de serviço público. Os serviços notariais e de registro têm por objeto uma atividade jurídica, motivo pelo qual não se incluem em definições mais restritas de serviço público, que exigem utilidade ou comodidade material do serviço. Esta foi a posição adotada pelo ministro Carlos Ayres Britto:

Numa frase, então, serviços notariais e de registro são típicas atividades estatais, mas não são serviços públicos, propriamente. Categorizam-se como atividade jurídica stricto sensu, assemelhadamente às atividades jurisdicionais. E como função pública lato sensu, a exemplo das funções de legislação, diplomacia, defesa nacional, segurança pública, trânsito, controle externo e tantos cometimentos que, nem por ser de exclusivo domínio estatal, passam a se confundir com serviço público79.

Todavia, como já dito, a definição restrita de serviço público, afeta somente às atividades materiais, não é pacífica na doutrina. Opta-se, neste trabalho, por adotar conceito mais amplo, como o de José dos Santos Carvalho Filho, para quem serviço público é “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob o regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias

78 DIP, 2010, p. 26.

79 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 2602, Relator(a): Min. JOAQUIM

BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2005, VOTO do Ministro Carlos Ayres Britto, p. 80/102 do acórdão.

(43)

da coletividade80”. Idêntica é a posição de Luis Paulo Aliende Ribeiro,

que defende que a definição ampla foi a adotada pelo constituinte, especialmente ao estabelecer as competências tributárias, no artigo 145, II, que possibilita a instituição de taxas pela utilização de serviços públicos específicos e divisíveis8182. Portanto, adota-se, neste trabalho, o

entendimento de que a atividade notarial e registral é serviço público, com a ressalva de que se trata de atividade jurídica e não de prestação material. Ainda no caput do artigo 236, extrai-se uma segunda diretriz: o caráter privado do exercício da atividade. Para Ovídio Araujo Baptista da Silva, a opção pelo exercício de caráter privado seguiu a tendência geral que norteou o constituinte brasileiro de 1988, orientado para o que se convencionou chamar de "reforma do Estado"83. Luís Paulo Aliende

Ribeiro também segue esta orientação e acentua a tendência do Estado de atuar por meio da regulação, exonerando-se da execução direta ou exclusiva de dadas atividades, entregando tais incumbências públicas a

80 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito administrativo –

26. ed. – São Paulo : Atlas, 2013, p. 325. A definição do autor, embora genérica, é suficiente para o exame do problema tratado neste capítulo. No entanto, não se olvida que o conceito de “serviço público” é tema extensamente debatido no direito administrativo. Há discussão acerca da necessidade da prestação ser material, estar vinculada a direito fundamental ou poder ser prestada pela iniciativa privada. Neste sentido, Marçal Justen Filho define serviço público como “atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob o regime de direito público (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo –11. Ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 724). Celso Antônio Bandeira de Mello adota conceito restrito, afirmando que “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portando, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros. 26ª Ed. 2009, p. 665).

81 RIBEIRO, 2009, p. 50.

82 A natureza jurídica tributária da remuneração pelos serviços notariais e

registrais é objeto de análise própria em capítulo deste trabalho.

(44)

atores privados, e restringindo sua função à eventual intervenção e garantia de que os agentes delegados atuem no exercício do que lhes foi atribuído84.

A conveniência do modelo de gestão privada é objeto de análise específica à frente neste trabalho, porquanto maiores considerações sobre sua contextualização serão tecidas em momento oportuno. O que importa salientar, agora, é que a redação do texto constitucional indica uma determinação de exercício em caráter privado, e não uma mera possibilidade. Consoante aponta Luis Roberto Barroso, quando o Constituinte tratou das outras hipóteses de delegação de serviço público - arts. 175, 21, XI e XII, 25, § 2º, e 30, V – sempre permitiu à Administração Pública, caso julgasse conveniente, a execução direta destas atividades85, o que não ocorre no artigo 236. Daí que a adequada

interpretação da Constituição deve partir da premissa de que todas as palavras do Texto Constitucional têm função e sentido próprios, razão pela qual Barroso conclui que:

Assim, se o constituinte previa a alternativa "prestação direta pelo Poder Público" em todas as ocasiões em que tratou da execução de serviços públicos por particulares, a omissão deliberada a essa referência deve conduzir à conclusão de que, nessa hipótese, o constituinte decidiu não franquear a possibilidade de escolha ao Poder Público. Trata-se de um silêncio eloquente, que tem um

84 RIBEIRO, 2009, p. 37.

85 Veja-se a redação dos dispositivos constitucionais: art. 21: Art. 21. Compete à

União: [...]XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; [...] XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. [...] Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. [...]§ 2º Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. [...] Art. 30. Compete aos Municípios: [...]V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de

transporte coletivo, que tem caráter essencial; [...] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [sem grifo no original]

Referências

Documentos relacionados

Pág.4 Para a elaboração do plano de formação deverá ser realizado o levantamento das necessidades com base nas competências que são necessárias para determinada função

A FASN- associada a tumor, além de funcionar como uma via para estoque de energia anabólica, confere vantagens de crescimento e sobrevida tumoral levando a um aumento do

Conclui-se que a calibração do sensor ECH2O, modelo EC-5, mostrou-se eficiente para Latossolo Vermelho distrófico de textura argilosa, contudo, variações na densidade do

Nesta atividade houve uma boa recetividade por parte do público-alvo à atividade desenvolvida, e uma evolução significativa a nível da criatividade e recetividade

Nesta etapa, diante da ineficiência dos Poderes Legislativo e Executivo na busca de políticas públicas que cumpram as diretrizes constitucionais no sentido de promover a

DÉFICIT HÍDRICO EM MILHO: CARACTERIZAÇÃO FISIOLÓGICA E INOCULAÇÃO COM Azospirillum brasilense ANA CLÁUDIA PEDERSEN1 Resumo - Os eventos que ocorrem no crescimento e

Optou-se por uma descrição histológica qualitativa mais abrangente da evolução do processo de reparo alveolar em objetivas menores (4x e 10x), e uma análise

Encontro aqui um ponto crucial deste estudo, que é o espaço que se abre para a reconstrução, a ressignificação, a mudança de paradigmas sobre as dificuldades de aprendizagem a