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As prisões cautelares e o princípio da razoável duração do processo

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Academic year: 2021

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UNIJUI - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CAROLINE BERNARDI

AS PRISÕES CAUTELARES E

O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

IJUÍ (RS) 2012

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CAROLINE BERNARDI

AS PRISÕES CAUTELARES E

O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Monografia. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. André Leonardo Copetti Santos

IJUÍ (RS) 2012

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Dedico este trabalho a todos que de uma forma ou outra me auxiliaram e ampararam-me durante estes anos da minha caminhada acadêmica.

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A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem.

Ao meu orientador Dr. André Leonardo Copetti Santos pela sua dedicação e disponibilidade.

À minha mãe Maria Deloni Stolpe pelo amor incondicional e por ter superado comigo os momentos de dificuldade, não me deixando desistir.

Ao meu irmão Renato Stolpe pelo apoio de sempre.

Aos meus padrinhos Inajara e Jorge pela colaboração e por toda a ajuda que me ofereceram.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, meu muito obrigado!

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“Não existe liberdade onde as leis permitem que, em determinadas circunstâncias, o homem deixe de ser pessoa e se converta em coisa.”

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise acerca do princípio da razoável duração do processo penal e as garantias constitucionais, buscando compreender o sistema processual penal brasileiro atual e a efetiva celeridade processual, especialmente com relação às prisões provisórias e seu prazo de duração. No que se refere às prisões cautelares, são tecidas algumas considerações acerca destas, dando enfoque à Prisão Preventiva a partir do princípio da razoável duração do processo. Acontece que a legislação brasileira não estabelece um prazo máximo para a duração da prisão cautelar, especificamente para a prisão preventiva, embora se veja a necessidade de tal disciplina legal.

Palavras-Chave: Razoável duração do processo. Garantias constitucionais. Prisões cautelares. Prisão preventiva.

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ABSTRACT

The present research monograph is a review about the principle of reasonable duration of criminal procedure and constitutional guarantees, seeking to understand the current Brazilian criminal justice system and the actual speed of the procedure, especially with the prisons and interim period of its duration. With regard to the precautionary arrests, some light is shed on these, focusing on Preventive Detention from the principle of reasonable duration of the process. It turns out that Brazilian law does not establish a deadline for the duration of the prison precaution, specifically for detention, although they see the need for such legal discipline.

Keywords: Reasonable duration of the process. Constitutional guarantees. Prisons precautionary. Prison Precaution.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 09

1 AS PRISÕES CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: um enfoque a partir do princípio da razoabilidade na duração do processo... 11

1.1 Da cautelaridade das prisões provisórias: pressupostos, fundamentos e princípios informadores... 11

1.2 A prisão preventiva até a sentença penal condenatória de primeiro grau e o prazo razoável na duração do processo: uma análise jurisprudencial... 16

1.3 Princípio da razoabilidade na duração do processo: sistema de garantias X celeridade processual... 18

2 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE, SUA APLICAÇÃO EM RELAÇÃO À DURAÇÃO DO PROCESSO E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS... 27

2.1 Os sistemas processuais penais. Evolução Histórica... 27

2.1.1 O sistema acusatório... 28

2.1.2. O sistema inquisitório... 29

2.1.3 O sistema misto... 30

2.2 O sistema acusatório e a Constituição Brasileira de 1988: as garantias constitucionais do acusado... 31

2.2.1 O direito constitucional ao contraditório... 33

2.2.2 A presunção de inocência... 34

2.2.3 A ampla defesa... 36

2.3 O processo penal no tempo razoável e a necessidade de limites normativos quanto à duração das prisões cautelares... 36

CONCLUSÃO... 43

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa bibliográfica buscará compreender o princípio da razoável duração do processo e a não delimitação dos prazos com relação às prisões cautelares, analisando o verdadeiro alcance de tal dispositivo no direito processual penal e abordando, também, a questão do excesso de prazo na prisão cautelar. Procurar-se-á, ainda, entender quais os efeitos da violação desse princípio, especialmente quando o acusado encontra-se preso preventivamente e as consequências da demora exagerada do processo.

Espera-se, através deste trabalho, entender se a falta de previsão legal quanto ao tempo de duração das prisões cautelares, em especial, a prisão preventiva, afeta o sistema constitucional de garantias, sobretudo o princípio da razoabilidade na duração do processo. A Constituição Brasileira de 1988 prevê expressamente a garantia da razoável duração do processo, porém, determinar o que é prazo razoável ainda é um tanto quanto subjetivo.

É importante compreender que as prisões cautelares, determinadas sem que haja uma sentença condenatória transitada em julgado, apenas devem ser decretada de forma excepcional já que a liberdade do réu é regra. A Lei nº 12.403/11 não trouxe qualquer regulamentação no que se refere ao tempo de duração das prisões cautelares, não sendo, portanto, suprida tal lacuna.

Nesse sentido, não tendo o legislador infraconstitucional fixado o tempo da prisão preventiva, o mesmo poderia ser contado à luz do princípio da razoabilidade, dependendo das circunstâncias e complexidade do caso.

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No entanto, para que os direitos e garantias fundamentais se efetivem é preciso que a lei preveja o prazo máximo para a duração da prisão cautelar. Portanto, necessária se faz a imposição de um limite normativo, e mais do que isso, de uma consequência jurídica pela demora processual, que neste caso seria a soltura do réu preso, de forma imediata.

Optou-se pela escolha deste tema devido à relevância jurídica e social do mesmo, tendo em vista que este envolve a efetiva observância dos princípios constitucionais e processuais penais, principalmente o princípio da razoável duração do processo, importantes a assegurar o respeito às liberdades do indivíduo acusado.

Para tanto, faz-se necessário que o estudo inicie pelas prisões cautelares no sistema processual penal brasileiro, seus pressupostos, fundamentos e princípios. É importante, ainda, que se faça uma análise jurisprudencial acerca da prisão preventiva até a sentença penal condenatória para verificar o tempo de duração desta. Além disso, cumpre analisar sobre a necessidade de limites normativos quanto à duração das prisões cautelares. O estudo destas se faz necessário, pois é um dos temas mais delicados no processo penal e implica no cumprimento das garantas constitucionais pelo Estado diante do indivíduo acusado. Tendo em vista que o direito fundamental da razoável duração do processo possui um conceito impreciso, o presente trabalho buscará compreender, principalmente no âmbito das prisões cautelares, o alcance deste.

Em seguida, é de suma importância analisar os sistemas processuais penais e sua evolução, realizando um estudo crítico do processo penal brasileiro. Ainda, se faz necessário estudar a relação existente entre o sistema acusatório e as garantias constitucionais do acusado previstas na Constituição Brasileira de 1988. Tais garantias são delineadas por princípios que compõem o sistema e o papel exercido por tais princípios é muito importante. A razoável duração do processo é um desses princípios. É através dele que o acusado tem a garantia de ser julgado dentro de um prazo justo e adequado. E ainda, um processo no prazo razoável tem íntima ligação com o respeito ao que consta no texto constitucional. Porém, aqui reside um dos grandes problemas das prisões cautelares: o tempo de duração destas é indeterminado, em flagrante violação ao sistema acusatório.

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1 AS PRISÕES CAUTELARES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: um enfoque a partir do princípio da razoabilidade na duração do processo

O tema acerca das prisões cautelares é um dos mais delicados do processo penal. As prisões cautelares, obrigatoriamente, implicam na obediência às garantias constitucionais, pois afetam diretamente o direito à liberdade do indivíduo. É de extrema importância que se estabeleça limites à prisão cautelar, isto porque a legislação infraconstitucional não tratou de estabelecer o prazo de duração da mesma.

1.1 Da cautelaridade das prisões provisórias: pressupostos, fundamentos e princípios informadores

A prisão é uma restrição à liberdade da pessoa. A razão de ser desta depende de uma análise de diversos fatores e também da exposição dos seus diversos tipos. A prisão definitiva funda-se em uma sentença penal condenatória transitada em julgado. Ao se decidir o processo, sua execução passa a ser a resposta do Estado para a ilicitude do ato praticado. Já a prisão provisória, à qual dar-se-á maior atenção, por não ser definitiva, pode ser decretada ou cessada a qualquer tempo. Externamente, a prisão definitiva e a prisão provisória são semelhantes. O que as diferencia é a finalidade a que se propõem.

Ao contrário da prisão definitiva, a provisória é ad custodiam ou ad cautelam, ou seja, passível de reforma. Nesse caso, ainda não estão esgotadas as medidas ou instâncias que poderão inocentar ou condenar o réu definitivamente. Segundo Fernando Capez (2012, p. 301, grifo nosso) a prisão

é a privação da liberdade de locomoção em virtude de flagrante delito ou determinada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Diferente do que acontece no processo civil, os pressupostos exigidos à jurisdição penal, para manter o indivíduo preso provisoriamente, são o periculum libertatis e o fumus comissi delicti. Não há como dizer que o delito cometido é uma “fumaça do bom direito”. O que se espera, na verdade, é a provável ocorrência de um fato delituoso. Além de o fato delituoso ser típico, ilícito e culpável, precisa existir a comprovação de que houve a presença

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de dolo ou culpa através de determinada conduta humana. O fumus comissi delicti exige suporte fático, ou seja, sinais externos, baseados principalmente no que irá dizer a investigação criminal.

Além disso, não há que se falar, aqui, em “perigo de demora”, que tornaria ineficaz a medida ao final. O que interessa é a probabilidade de fuga, ou o perigo da liberdade do réu. Por óbvio, a decisão de prender o indivíduo acusado deve estar baseada em um fundado temor que justifique tal medida, e não apenas em criações ou ilações do juízo. Neste aspecto, conforme Roberto Delmanto Júnior (2001, p. 84)

primeiro hão de ser constatadas a materialidade do delito e a existência de graves indícios de sua autoria (que são pressupostos da prisão cautelar); em seguida, deverá ser aferida a ocorrência do perigo concreto que a manutenção da liberdade do acusado representa para a instrução processual ou para a futura aplicação da lei penal (seus requisitos).

Na Alemanha, além de uma suspeita fundamentada de que o réu tenha cometido o crime devem estar presentes, ainda, o perigo de fuga, perigo de ocultação das provas e a gravidade do crime. Já na Espanha, o perigo de fuga assume caráter quantitativo, ou seja, tal perigo é proporcional à pena prevista. Quanto maior a pena, maior a probabilidade de fuga. A Constituição Portuguesa determina que a prisão cautelar se aplique quando as demais medidas cautelares restarem inadequadas ou insuficientes. Da mesma forma o Código Penal Italiano exige que a prisão seja uma exceção, pois apresenta uma grande quantidade de medidas cautelares (ALESSI, 2002, p. 09).

As prisões provisórias ou processuais cabem somente em situações excepcionais e quando forem estritamente necessárias. Sabe-se que até o trânsito em julgado de um processo, o sujeito apenas poderá ser preso em flagrante delito, preventiva ou temporariamente. A partir da Lei 12.403/12, decretar a prisão provisória de alguém exige mais do que mera necessidade. É necessário que tal medida seja indispensável para garantir o curso do processo penal. Além disso, a prisão provisória somente será decretada se as outras medidas cautelares não forem suficientes para garantir a persecução penal. Sobre isto, esclarecedoras são as palavras de Paulo Rangel, para quem

[...] não podemos confundir prisão cautelar com política pública séria de combate a violência, ou seja, nada tem a ver com a prisão cautelar os altos índices de violência urbana que assolam nosso País. Se há roubos, homicídios, estupros, etc., ocorrendo

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nas grandes metrópoles, deve o Estado adotar as medidas necessárias para conter essa onda de violência e não culparmos o judiciário que não lançou mão de uma medida cautelar para contê-la. Uma coisa é a certeza de que nas ruas não há polícia, outra, bem diferente, é, em decorrência disso, haver necessidade de, no curso do processo, o réu ser preso (2012, p. 739, grifo do autor).

Em um Estado Democrático de Direito deve ser mantida a segurança da sociedade e, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos fundamentais. Inúmeras vezes as prisões provisórias acabam sendo utilizadas para demonstrar a eficiência estatal e aquilo que deveria ser a exceção acaba por se tornar a regra. Não é concebível manter alguém preso sem que existam evidências claras e vigorosas de sua necessidade, frente ao grande prejuízo que o acusado irá sofrer caso constate-se que, após árduo período de encarceramento, é declarado inocente. O Estado, na hora de aplicar uma medida cautelar deve comprovar a existência da necessidade de tal medida e deve apresentar a modalidade de cautelar adequada a determinada situação.

As medidas cautelares processuais penais buscam garantir o correto desenvolvimento do processo e uma justa aplicação do direito de punir que o Estado possui e encontram respaldo em alguns princípios informadores. Tais princípios completam-se mutuamente e possuem certa interdependência. Assim, nas palavras de Lopes Jr., os princípios

são normas imperativas como todas as outras, pois antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê porque não devam ser normas eles também (2000, p. 06).

Além dos princípios constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, existem outros princípios que formam a base principiológica de limitação às prisões cautelares e que permitirão a existência de uma prisão sem sentença condenatória transitada em julgado. Estes serão analisados a partir de agora.

O primeiro, e talvez mais importante, princípio das prisões cautelares é o princípio da provisoriedade, já que estas têm natureza provisória, ou seja, são momentâneas, exercem tutela temporária. Tal princípio está estritamente ligado ao fator tempo das prisões cautelares. Igualmente, durante o curso do processo, uma medida cautelar pode ser invocada ou então ser extinta a qualquer tempo, já que estas servem a este, que também não pode ter seu tempo dilatado ao extremo.

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Outro princípio basilar das medidas cautelares é o princípio da provisionalidade. Uma vez desaparecidos o fumus comissi delicti e o periculum libertatis deve cessar a prisão, já que as medidas cautelares são situacionais. Diferente do que acontece no princípio da provisoriedade, quem tem como principal fator o tempo, aqui se tem íntima ligação com o fator situação, ou seja, o modo como serão aplicadas as medidas cautelares.

Já o princípio da proporcionalidade vai impor limites à atuação do juiz frente ao caso concreto. Deve-se analisar se os requisitos da prisão (fumus comissi delicti e periculum libertatis) realmente justificam a sua aplicabilidade. Nesse sentido, é importante verificar se a gravidade da medida imposta é proporcional à finalidade pretendida. Conforme explicação do doutrinador Angel-Vicente Illescas Rus (1995, p. 74-75) tal princípio exige três requisitos:

1ºAdequação: a medida deve ser adequada ao fim que com ela se pretende lograr, atentando-se para a natureza da restrição causada pela medida escolhida. 2ºSacrifício Proporcional: a limitação de um direito fundamental deve ser produzida em medida estritamente necessária para a salvaguarda do interesse comum e não suponha um sacrifício excessivo e desnecessário. Se existir outra medida de eficácia análoga, mas menos prejudicial, deve ser ela a adotada. 3ºMotivação da Resolução: é imprescindível, tendo em vista a gravidade de uma prisão cautelar, uma singular e extraordinária qualidade e primor na fundamentação de um decreto dessa natureza. É um imperativo constitucional, art. 120.1, consagrado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional da Espanha. Ademais, conforme a sentença 65/1991 de 22 de março, não pode existir uma fundamentação formularia, é necessário que exista uma análise particular do caso e da prova, sendo vedado ao juiz que utilize u ma decisão “aberta e abstrata” derivada de uma das muitas fórmulas consagradas na prática judicial. Por fim, a motivação serve também para a avaliação objetiva dos critérios do julgador, para avaliar a razoabilidade de sua decisão.

Ainda, o princípio da jurisdicionalidade, consagrado pelo artigo 5°, LXI, da Constituição Brasileira de 1988 impõe que toda prisão provisória pode ser decretada apenas por órgão judicial competente, em uma decisão devidamente fundamentada. Tal princípio tem íntima ligação com o due processo of law, ou seja, para haver prisão é necessário que haja processo. A jurisdicionalidade é a necessidade de que a prisão provisória seja decretada por autoridade competente para se evitar abuso de poder. Além disso, ninguém será preso senão por ordem de delegado de polícia, promotor ou outra autoridade se não a judiciária, conforme a nova redação do artigo 283 do Código de Processo Penal:

Art.283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença

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condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

O princípio da instrumentalidade refere-se à ideia de que a medida cautelar serve de apoio para a medida principal, já que o fim desejado é a aplicação correta da lei penal. É através do processo que o Estado aplica seu poder de punir e como já referido, não pode haver pena sem que exista o processo. O doutrinador Paulo Rangel (2012, p. 740) explica que “a medida cautelar é objeto do processo cautelar. Portanto, a medida cautelar serve de instrumento para se atingir o fim colimado pelo processo de conhecimento, qual seja: a solução do caso penal”. Além disso, o processo é o instrumento-meio para a concretização de um fim, e este fim não está limitado apenas ao mundo jurídico. Devem ser atendidas as finalidades jurídicas, políticas e também as sociais.

Por fim, outro importante princípio das medidas cautelares é o princípio da excepcionalidade. As prisões cautelares devem ser consideradas a ultima ratio, pois devem ser utilizadas sempre com muita cautela e em casos realmente graves e excepcionais, andando ao lado da presunção de inocência. Para explicar melhor, as palavras de Lopes Jr. (2000, p. 09), segundo quem:

As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses, aparentemente opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao preso - o direito à liberdade - e a eficácia na repressão dos delitos, como meio para restabelecer a ordem e a paz social. Não existe medida causadora de maior degradação social e jurídica do que uma medida cautelar que prive a liberdade de alguém cuja autoria e materialidade ainda não se encontram soberbamente provadas. Por esse motivo, tais instrumentos devem ser utilizados com muita cautela por parte dos juízes, sem que se torne uma rotina.

A prisão cautelar, em qualquer de suas formas só se justifica e se mantém em casos absolutamente necessários e extremados, quando presentes todos os requisitos indispensáveis para a sua manutenção. Sobre a excepcionalidade das prisões cautelares, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que

A prisão cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, não pode converter-se em forma antecipada de punição penal. A privação cautelar da liberdade constitui providência qualificada pela nota da excepcionalidade somente se justifica em hipóteses restritas, não podendo efetivar-se, legitimamente, quando ausente qualquer dos fundamentos à sua decretação pelo Poder Judiciário. (STF – 2ª T. HC 80.379-2 – Rel. Celso de Mello)

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Como se pode perceber, a decretação de uma prisão cautelar não pode estar baseada em intuições ou suposições. Tem-se deixado de lado o princípio da presunção de inocência, pois primeiro prende-se para depois buscar justificativa que legitime a medida. Uma prisão sem justa causa pode causar grandes prejuízos ao imputado. Infelizmente vem ocorrendo certa banalização das prisões cautelares, e o que deveria ser excepcional acabou se tornando algo comum e cotidiano. Ainda, vale salientar que decretar a prisão provisória de alguém não pode ser visto como o reconhecimento de culpabilidade.

1.2 A prisão preventiva até a sentença penal condenatória de primeiro grau e o prazo razoável na duração do processo: uma análise jurisprudencial

É possível perceber que os tribunais buscam em seus julgados descaracterizar o excesso de prazo de duração da prisão preventiva. No Rio Grande do Sul, especialmente em Turmas Recursais menos garantistas, isso ocorre com frequência, conforme é possível comprovar-se através dos seguintes julgados:

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO.

DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA BEM FUNDAMENTADA. RÉU REINCIDENTE. EXCESSO DE PRAZO PARA FORMAÇÃO DA CULPA NÃO

VERIFICADO. PRAZO RAZOÁVEL ANTE AS PECULIARIDADES DO

PROCESSO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. Decisão do juízo singular bem fundamentada na garantia da ordem pública, apontando as suas razões de convencimento. Não há prazo determinado para o encerramento da instrução criminal, devendo a duração do processo ser razoável perante as peculiaridades do caso. Presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertartis, aliados aos maus antecedentes do paciente, está autorizada a manutenção da prisão preventiva. ORDEM DENEGADA. (Habeas Corpus Nº 70051140929, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Daltoe Cezar, Julgado em 11/10/2012).

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. USO DE ARMAS. CONCURSO DE

AGENTES. PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADA. CABÍVEL.

NECESSÁRIA E ADEQUADA NO CASO CONCRETO. MODUS OPERANDI QUE MERECE REPRESSÃO. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. A decisão que decretou a prisão preventiva está devidamente fundamentada. Trata-se de roubo majorado pelo uso de armas e concurso de agentes, cujo modus operandi, revela audácia de seus autores. Possível se afirmar que a demora no início da instrução deu-se, especialmente, em razão da apresentação tardia da peça defensiva pelo ora paciente. Superada essa questão, o processo iniciou seu curso e está tramitando de forma célere, na medida do possível, mormente por se tratar de processo de réu preso. ORDEM DENEGADA. UNÂNIME. (Habeas Corpus Nº 70050733377, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em 11/10/2012).

Já as Turmas consideradas mais garantistas consideram e evidenciam o excesso de prazo:

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HABEAS CORPUS. ILEGALIDADE DA PRISÃO DO PACIENTE. ALEGAÇÃO NÃO CONHECIDA. EXISTÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. ALEGAÇÃO CONHECIDA E DENEGADA. Não se conhece de habeas corpus, consistente em mera reiteração de pedido anterior. Não estipula a norma jurídica um prazo para a prisão provisória, devendo ser analisado caso a caso, de acordo com a complexidade e as dificuldades encontradas no trâmite processual, sempre observando o princípio da razoabilidade. (Habeas Corpus Nº 70050410752, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 04/10/2012).

HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. LEGALIDADE DA

PRISÃO JÁ AFIRMADA EM JULGAMENTO DE ANTERIOR WRIT

IMPETRADO PELO MESMO PACIENTE. PARCIAL CONHECIMENTO.

EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INSTRUÇÃO ENCERRADA. SÚMULA 52 DO STJ. Não há como se analisar isolada e abstratamente o prazo para a formação da culpa, sendo imprescindível a sua verificação no caso concreto, sob o princípio da razoabilidade. Na espécie, en cerrada a instrução, conforme preceitua a Súmula n.º 52, do STJ, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo, não havendo qualquer ilegalidade. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DENEGADA A ORDEM. (Habeas Corpus Nº 70050937960, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 03/10/2012).

Ementa: Habeas corpus. 2. Excesso de prazo na formação da culpa. 3. Complexidade da perícia. 4. Insistência e contribuição da defesa. 5. Ausência de inércia do aparelho judiciário. 6. Ordem denegada. Contudo, determinada celeridade ao Juízo de origem. Habeas corpus denegado. Todavia, determinado que o Juízo de origem promova a celeridade para concluir a instrução criminal, nos termos do voto do Relator. Decisão unânime. (HC 108821 / MG - MINAS

GERAIS. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. GILMAR MENDES

Julgamento: 28/02/2012 Órgão Julgador: Segunda Turma).

Ementa: AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Excesso de prazo. Caracterização. Custódia que perdurou por 1 (um) ano e 4 (quatro) meses sem recebimento da denúncia. Demora não imputável à defesa. Dilação não razoável. Superveniência do recebimento da denúncia. Não convalidação do excesso. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido. Aplicação do art. 5º, LXXVIII, da CF. Precedentes. A duração prolongada, abusiva e não razoável da prisão cautelar do réu, sem julgamento da causa, ofende o postulado da dignidade da pessoa humana e, como tal, consubstancia constrangimento ilegal, ainda que se trate da imputação de crime grave. (HC 113611 / RJ - RIO DE JANEIRO.

HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CEZAR PELUSO

Julgamento: 26/06/2012 Órgão Julgador: Segunda T urma).

Como se pode observar, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem decidido na maioria de seus julgados, pela manutenção dos direitos e garantias fundamentais do acusado. No primeiro caso, o Habeas Corpus foi denegado, porém, ainda assim, foi determinado ao juízo de origem que agisse com maior celeridade na instrução criminal. No segundo caso, percebe-se a demora no oferecimento da denúncia, o que caracterizou constrangimento ilegal e grave violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

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1.3 Princípio da razoabilidade na duração do processo: sistema de garantias X celeridade processual

Primeiramente faz-se necessário compreender que o texto fundamental, a Constituição Brasileira de 1988, contém um conjunto de regras e princípios que são a base da organização jurídica de uma sociedade, ou seja, as demais normas devem adequar-se ao sistema constitucional. A adequação, porém, das normas infraconstitucionais aos princípios constantes da Constituição Brasileira de 1988 é algo complexo e de difícil efetivação frente ao sistema ideológico criado ao longo do tempo.

Os princípios exercem papel fundamental no que se refere à organização dos sistemas processuais penais. Eles são regras ou diretrizes que ajudam na interpretação e aplicação do processo penal. Nas palavras de Gilberto Thums (2006, p. 79)

Os princípios são a base da ordem constitucional, não podem servir apenas para fundamentar decisões, mas devem constituir o fundamento do qual a norma infraconstitucional não pode ser desvinculada. Desse modo, a Constituição é formada por um conjunto de princípios que devem formar um sistema que “constitui” e dá forma ao Estado.

Os sistemas processuais penais devem estar em conformidade com os princípios constantes na Constituição Federal, pois estes são base para a interpretação de qualquer norma ou regra jurídica. Quem atua no processo deve ter pleno domínio dos princípios constitucionais.

É importante salientar que os direitos e garantias fundamentais são inerentes à pessoa, pois constituem a base da vida, levando em conta a dignidade da pessoa. O Direito tem a função de tutelar esses direitos e garantias, fazendo com que estes sejam efetivamente observados em todos os momentos. O processo penal exerce a jurisdição diante de um fato violador de uma norma penal. Assim, o Estado tem o interesse e o dever de aplicar a persecução penal, porém, não pode cometer exageros, atuando dentro dos limites impostos pela lei, evitando arbitrariedades.

Nesse sentido, um processo que demora demasiadamente viola de forma significativa os direitos e garantias fundamentais. Sabe-se que o processo exige um tempo, ou seja, possui duração própria. Porém, como afirma Aury Lopes Jr (2006, p. 08) “a perpetuação do processo

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penal, além do tempo necessário para assegurar seus direitos fundamentais, se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui”. Refere, ainda, o mesmo autor que

[...] o direito a um julgamento no prazo razoável não pode ser entendido, simplesmente como o direito a um processo que busque a celeridade processual a qualquer custo. Ou seja, o processo no prazo razoável não é o processo em sua celeridade máxima. Para se respeitar o direito ao processo no prazo razoável, a busca de celeridade não pode violar outras garantias processuais como a ampla defesa e o direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício adequado (2006, p. 44, grifo do autor).

O princípio da razoável duração do processo, nesse sentido, é uma garantia perante o indivíduo acusado. Um processo dentro de um prazo razoável evita que injustiças sejam cometidas, ou seja, os direitos fundamentais do imputado ficam cada vez mais restritos.

Os artigos 7.5 e 8.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) consagraram o direito a um processo no prazo razoável. Tais artigos foram recepcionados pela Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, § 2º. Além disso, a Emenda Complementar nº 45 de 2004, conhecida como Reforma do Judiciário, incluiu o inciso LXXVIII ao artigo 5º do texto constitucional, esclarece que judicial ou administrativamente, é assegurado o direito à razoável duração do processo.

Nota-se que, de forma não demasiada, foram priorizados os direitos e as garantias do acusado, porém, ainda existe uma lacuna na lei a respeito do que é um processo no prazo razoável. O legislador foi omisso ao não fixar o que seria um prazo razoável durante o processo. Além disso, não fixou critérios para que esse prazo fosse determinado. Dessa forma, várias interpretações a respeito são possíveis. Apenas acrescentar o inciso LXXVIII não satisfaz a necessidade de determinar o que é um prazo razoável.

No caso concreto, o que se observa é que o princípio do prazo razoável limita a atuação do Estado, frente às decisões mais adequadas a serem tomadas, pois este leva em conta os fatos e suas circunstâncias. Ssegundo Humberto Theodoro Junior:

O processo, instrumento de atuação de uma das principais garantias constitucionais – a tutela jurisdicional -, teve de ser repensado. É claro que, nos tempos atuais, não basta mais ao processualista dominar os conceitos e categorias básicos do direito processual, como a ação, o processo e a jurisdição, em seu estado de inércia. O processo tem, sobretudo, função política no Estado Social de Direito. Deve ser

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destarte, organizado, entendido e aplicado como instrumento de efe tivação de uma garantia constitucional, assegurando a todos o pleno acesso à tutela jurisdicional, que há de se manifestar sempre como atributo de uma tutela justa (2005, p.22-23).

Nesse sentido, o que se depreende das palavras de Theodoro Junior (2005) é que um processo célere não é sinônimo de violação dos princípios e garantias fundamentais. O processo é justamente um instrumento a favor dessas garantias. O problema se encontra no fato de que, mesmo dando prioridade aos direitos fundamentais, a Constituição Brasileira de 1988, ou até mesmo a legislação infraconstitucional, ainda não definiu o que é um prazo razoável ou até mesmo o tempo que deve durar um processo, dando margem a várias interpretações.

Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, três elementos devem ser levados em conta para que se determine o prazo razoável do processo: a complexidade do caso, o comportamento da parte e, por fim, a conduta das autoridades judiciais, dos auxiliares e da jurisdição interna de casa país. (LOPES JR., 2006, p. 49).

A complexidade do caso, de forma exemplificativa, refere-se à fixação de prazo da prisão preventiva conforme a complexidade do caso e à revisão da necessidade ou não de sua manutenção. Já o comportamento da parte ou até mesmo a conduta das autoridades judiciais diz respeito ao direito que o acusado tem de exigir do Estado que seus direitos e garantias não sejam violados. Em contrapartida, o acusado não pode prejudicar a atuação do Estado na resolução do litígio.

Mesmo tendo recepcionado os tratados internacionais a respeito dos direitos e garantias fundamentais, a Constituição Brasileira de 1988 não deixou claro o que seria um prazo razoável, deixando a mercê dos juízes e tribunais essa decisão. Da mesma forma que o direito penal material é limitado por suas normas, assim deveria acontecer com o processo penal, mais especificamente no que diz respeito à duração do processo. Dilações indevidas fazem com que o processo se alongue demasiadamente e torna o processo penoso para ambas as partes.

Mesmo que se busque um processo dentro de um prazo razoável, todos os direitos e garantias fundamentais devem ser observados. Outrossim, a sua duração deve ser proporcional à complexidade do fato e as suas circunstâncias. A demora negligente é que

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viola o princípio da razoável duração do processo. Igualmente, apenas fixar prazos não resolve o problema, se faz necessário que estes sejam respeitados e tenham eficácia no processo penal. Nas palavras de Hélio Tornaghi

o juiz deve zelar a celeridade do processo, mas sempre cuidando para que não se mutilem as garantias, quer de observância do direito objetivo, quer de respeito aos direitos subjetivos das partes ou de terceiros. O acerto da decisão prima sobre a sua presteza. É precis o que a ligeireza não se converta em leviandade, que a pressa não acarrete em irreflexão. (1974, p. 328)

Precisa-se de uma justiça expedita, porém, sem que sejam cometidas injustiças. As partes têm direito a um processo célere, sem dilações indevidas. A demora na prestação jurisdicional causa prejuízos, inclusive, de ordem material às partes. Mas não se trata de uma celeridade a qualquer custo. Deve-se manter o equilíbrio entre as garantias individuais do acusado e a necessidade de que o processo se desenvolva dentro de um prazo satisfatório, ou seja, um prazo razoável.

A célere duração do processo é dever do Estado. O acusado não tem dever de contribuir para uma razoável duração do processo. Como afirma Lopes Jr. (2006, p.65) “o comportamento do acusado deve ser visto em face do direito de defesa [...] Ninguém pode ser punido por utilizar regularmente um direito que a lei lhe assegura”.

Um processo tempestivo evita que o acusado fique com seu destino incerto por um tempo exagerado. Avaliar o que é um prazo razoável, durante o processo, depende do juiz ao analisar as circunstâncias de cada caso. O problema do excesso de prazo se inicia com a excessiva duração da prisão preventiva e se mantém durante todo o processo.

Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), o termo inicial da contagem da duração do processo seria quando se iniciam as suspeitas sobre determinada pessoa. Já a doutrina considera o termo inicial como sendo o início formal das investigações ou a acusação formal do indivíduo. A Constituição Brasileira de 1988 não trouxe nenhum artigo que definisse o termo inicial, o que faz com que, atualmente, o princípio da razoável duração do processo se aplique desde a fase pré-processual, ou seja, desde a abertura da fase investigatória.

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Já com relação ao termo final da contagem do prazo razoável para a duração do processo também existiam divergências, porém, com o passar do tempo tornou-se unânime no processo penal brasileiro que o termo final é o momento que ocorre o julgamento definitivo do processo, ou seja, com o trânsito em julgado da sentença. Na fase recursal também deve prevalecer a ideia de prazo razoável, pois não adiantaria nada o processo ser célere em primeiro grau e em segunda instância se tornar lento e com dilações indevidas.

Como já afirmado, é responsabilidade do Estado a prestação jurisdicional adequada, em um prazo razoável. Caso o ente público não cumpra com a sua obrigação, deve indenizar o dando causado pelo ato lesivo. Por óbvio, não é possível que o tempo perdido durante o processo seja ressarcido. Nesse caso, exige-se que a tutela jurisdicional pleiteada seja cumprida. Infelizmente não se tem previsão legal quanto ao ressarcimento dos danos sofridos pela demora processual, porém, independentemente de demonstração dos danos, é responsabilidade estatal realizar justa reparação. A existência de prazos impróprios, destinados a juízes e servidores do Judiciário, às vezes se torna um problema durante o processo, mas os artigos 133 e 144 do Código de Processo Penal preveem a possibilidade de estes serem civilmente responsabilizados. Transformar os prazos impróprios em próprios não resolveria o problema. Existe a necessidade de que os prazos já existentes sejam cumpridos e que o bom senso prevaleça durante o curso do processo.

Sabe-se que, em alguns casos, dependendo da complexidade do caso, a demora processual é natural, porém, não se admite um processo penal com dilações indevidas. Além disso, não basta que o processo seja abreviado, ele precisa observar os direitos e garantias fundamentais, otimizando os atos processuais.

Cumpre salientar que o direito a uma justiça célere é titularidade de todos os sujeitos do processo, ou seja, de todos que se apresentam como partes. A direito de punir do Estado não pode atropelar as garantias fundamentais, constantes na Constituição Federal de 1988. A demasiada duração do processo afeta, principalmente, a garantia do devido processo legal que é a base legal para a aplicação dos demais princípios e garantias e possibilita um maior controle dos atos jurídicos do Estado durante o processo. Assim, como afirma Rogério Tucci (2004, p.106-107)

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[...] não basta que se tenha direito ao processo, delineando -se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo) com a verificação efetiva de todas as garantias asseguradas ao usuário da justiça, num breve lapso de tempo, para o atingimento do escopo que lhe é destinado .

A Constituição Brasileira garante a todos o acesso à justiça através do princípio do devido processo legal. E o direito a um processo no prazo razoável é elemento formador de tal princípio. Ao acrescentar o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a EC 45/2004 de ênfase à duração razoável do processo penal, observando, ainda, a dignidade da pessoa humana, na tentativa de coibir tratamentos diferenciados às partes. Aqui, pertinente é a crítica de Paulo Hoffman, segundo quem

É lamentável constatar que, sem antes tomar medidas de ordem prática e sem que nada na ineficiente estrutura e nas condições do Poder Judiciário fosse alterado, a EC 45 simplesmente acresceu o parágrafo (sic) LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para garantir o direito constitucional da razoável duração do processo no sistema brasileiro. Infelizmente, o simples acréscimo da Constituição Federal não modificará em nada a duração do processo. Trata-se, por ora, somente de uma garantia constitucional vazia (2006, p. 97-98).

A aplicação do princípio da razoável duração do processo deve ser imediata, pois é uma norma definidora dos direitos e garantias do acusado. Os direitos humanos, recepcionados pela Constituição Federal de 1988 estão acima de qualquer norma e devem estar presentes durante toda atividade jurisdicional.

As dilações indevidas durante o processo podem trazer consequências gravíssimas ao acusado. Caso o indivíduo seja absolvido, a demora jurisdicional pode causar não apenas danos psicológicos, mas também danos econômicos. Não é correto que uma pessoa fique a mercê das intempéries de um processo que tenha prazo indeterminado. Nas palavras do jurista Rui Barbosa (2004, p. 47) “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.

É importante que se preze pelo direito ao acesso à justiça e a demora na prestação jurisdicional acarreta a frustração dos direitos dos indivíduos. Sabe-se que atualmente existe um número significativo de direitos consagrados pela Constituição Brasileira e isso exige do Estado um preparo suficiente para suprir tais demandas e entregar de forma plena a prestação jurisdicional. Uma demanda longa demais compromete a lide e causa prejuízos às partes e

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principalmente àquele que está sendo acusado por um fato delituoso, além disso, a demora causa insegurança e incerteza sobre o futuro processual.

O tempo de duração do processo vai depender das peculiaridades do caso, porém, se esse tempo se tornar estendido em demasia gera ansiedade e descontentamento. A ideia de efetividade processual está estritamente ligada ao princípio da razoável duração do processo. Ao expressar no texto constitucional o princípio da razoabilidade, buscou-se dar uma maior garantia ao processo. A cobrança acerca da razoável duração do processo surge da necessidade de que os procedimentos destinados ao provimento final do processo aconteçam de forma célere.

O princípio da dignidade da pessoa humana não será atingido se os procedimentos processuais forem morosos, infindáveis e além da realidade das partes envolvidas. E não apenas a dignidade humana, todos os direitos e garantias fundamentais devem ser observadas em todas as fases do processo. Realizar um processo dentro dos ideais constitucionais significa que o processo vai possuir uma lógica igualitária para todas as partes até o provimento final da demanda. Além disso, o processo apenas cumpre seu papel se proporciona tal igualdade às partes, ou seja, todas as garantias constitucionais andam juntas e interagem entre sim proporcionando condição digna aos interessados no processo.

A razoável duração do processo é um princípio constitucional, pois determina limitações ao desenvolvimento processual, buscando uma célere e eficaz solução ao conflito. Um processo justo depende da instituição de um sistema de garantias. Sem essas, os direitos do cidadão acusado, não passariam de meros enunciados, sem eficácia alguma durante a tramitação processual.

A garantia do acesso à justiça não se restringe a levar ao conhecimento do judiciário determinado fato. O direito a um processo em prazo razoável é consequência do devido processo legal e o direito ao acesso à justiça somente é efetivado na medida em que os demais direitos também o são. Nas palavras de André Luiz Nicolitt (2006, p.08)

Desta forma, percebe-se que o direito a um processo em tempo razoável é um direito correlato ao direito do devido processo ou ao processo justo e equitativo. Em outras palavras, o processo com duração razoável nada mais é do que uma consequência lógica do devido processo, ou mesmo um aspecto deste.

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Ao criar, expressamente o direito a um processo no prazo razoável, o legislador não supriu a lacuna existente na lei, pois não definiu o que é “prazo razoável”. Determinar o que é “razoável” é um tanto quanto subjetivo e nos casos concretos, tal definição ainda está a cargo da jurisprudência. Nesse caso, garante-se apenas implicitamente o direito a um processo dentro de um prazo razoável e com o passar do tempo tal direito pode cair em esquecimento caso não se tome medidas que visem efetivar a norma escrita.

E para que os direitos e garantias fundamentais se efetivem é necessário que exista um limite normativo e, ainda, é preciso que aconteça a imposição de uma consequência jurídica pela demora jurisdicional. Não existe na legislação brasileira determinação expressa indicando qual seria a duração razoável do processo. A doutrina, há tempos, exige que os códigos de processo definam o que vem a ser razoabilidade, para maior clareza, sem prejuízo da aplicação imediata do princípio (CARVALHO, 2009, p. 237).

A respeito da necessidade de imposição de um limite normativo aduz, ainda, Samuel Miranda Arruda que

Ao legislador vai incumbir, sobretudo a estruturação de um sistema jurídico -processual que viabilize a tramitação das causas em tempo ótimo e com respeito à s demais garantias dos litigantes. Mais especificamente, deve estabelecer procedimentos expeditos para a defesa de direitos e garantias fundamentais, podendo instituir remédios jurídico-processuais específicos para a defesa do direito em tela no caso concreto (2006, p. 375, nota nº 9).

Mesmo o Estado não conseguindo satisfazer as necessidades e interesses que lhe são atribuídos, vale salientar, mais uma vez, que a responsabilidade de fazer valer os preceitos jurídicos está nas mãos do ente público e a aplicabilidade imediata das garantias fundamentais está sob custódia deste.

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2 O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE NA DURAÇÃO DO PROCESSO E O SISTEMA CONSTITUCIONAL DE GARANTIAS

Sabe-se que a Constituição Brasileira de 1988 trata da duração razoável do processo como uma imposição, ou seja, que deve ser aplicada de forma imediata. Através dos princípios que possui, a Constituição regula a atuação do Estado frente ao indivíduo, porém, não pode este ser penalizado caso o Estado não cumpra de forma satisfatória sua função. Ao elencar o princípio da razoável duração do processo, vinculando-o ao rol de direitos fundamentais o legislador procurou dar diretrizes a serem seguidas pelo legislador, sem especificar qual seria o prazo específico de duração, tanto do processo quanto das prisões cautelares.

2.1 Os sistemas processuais penais. Evolução Histórica

Entender o que são sistemas é fundamental no que se refere à norma jurídica, mais especificamente ao processo penal. Os sistemas processuais penais são modelos de aplicação do Direito. Estes possuem um marco histórico e um conjunto de normas e ideologias. No momento em que se aplica o Direito ao caso concreto é que tais sistemas são evidenciados. Ou seja, princípios e normas devem estar em harmonia.

Para compreender os sistemas processuais penais precisa-se entender, precipuamente, o modo como as comunidades resolveram, e ainda resolvem, as questões penais. Ao longo da história, os meios empregados oscilaram conforme os objetivos ou funções a que se destinavam. A diversidade dos objetivos levava a métodos diferentes: se resolvia o problema penal mediante resolução de conflito ou então pelo acertamento de caso (PRADO, 2006, p. 65-66).

Um sistema processual penal não é baseado apenas em regras e princípios. Um sistema apenas de princípios é inconcebível, já que estes são indeterminados e podem ter conteúdos variáveis. Um sistema processual penal pressupõe, também, a existência de valores fundamentais, como a democracia, a igualdade, liberdade. E conforme possuam ou não tais valores, caracterizam um sistema processual diferente, que se apresenta em épocas diferentes da história.

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Ao longo da evolução da sociedade, os sistemas processuais se apresentaram e se apresentam de diferentes formas, as quais dependem de um conjunto de características. Pode-se assim identificar três formas diferentes: o sistema acusatório, o inquisitório e o misto. Nos sistemas acusatórios, uma de suas principais características é a existência de uma separação das funções de acusar, defender e julgar, a garantir a imparcialidade do julgador. Já nos sistemas inquisitórios há a concentração das funções processuais em um agente representativo do poder dominante. Nos sistemas mistos, existe uma fusão entre as características do sistema inquisitório e do acusatório, em que a fase chamada de instrução se parece mais com o inquisitório e a fase de julgamento tem mais semelhanças com o acusatório.

2.1.1 O sistema acusatório

O sistema acusatório foi adotado por muito tempo na Antiguidade e na Idade Média, até o século XIII, sendo, atualmente, o modelo de sistema processual penal adotado nos Estados Democráticos de Direito. Neste sistema ocorre uma rígida separação entre julgador e acusador, prima-se pela publicidade dos atos e pela oralidade do juízo. Nesse sentido, o órgão que promove a acusação deve provar aquilo que alega, com provas substanciais sobre o ocorrido. Já o órgão julgador deve se manter distante da atividade de colheita e produção efetiva da prova para que seja mantida sua imparcialidade (SANTOS, 2009, p. 06).

Nesse sentido, como referido, o sistema acusatório possui algumas características principais, quais sejam a oralidade e a publicidade. A oralidade refere-se à possibilidade de diálogo, ou seja, durante o procedimento penal existe a predominância da palavra falada. Quanto a esta característica, refere Geraldo Prado que

a oralidade deixa de ser, exclusivamente, uma questão de predominância da palavra falada para se constituir em exigência de que uma causa não seja decidida por juiz que não haja tido contato direto com as provas e com os argumentos das partes, em um ambiente capaz de proporcionar condições ideais de diálogo (2006, p. 155).

Já a publicidade é outra característica do sistema acusatório, pois o processo deve ser público, ou seja, dessa forma evita-se abusos por parte dos órgãos julgadores. Mais do que isso, a publicidade diz respeito ao fato de que todos os atos processuais devem ser comunicados às partes de forma total e tempestiva, possibilitando o contraditório.

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Como já dito, desde o seu surgimento o sistema acusatório foi um sistema a preconizar pelas hoje conhecidas como garantias do acusado, pois observado o princípio da presunção de inocência, como regra o réu respondia ao processo sempre em liberdade. A liberdade do acusado só pode ser restringida antes da sentença definitiva, nos caso em que a lei permite, a título de medida cautelar. Cabe ao órgão acusador provar que o acusado foi autor de determinado fato, não tendo este o dever de provar sua inocência.

O sistema acusatório estabelece, ainda, o contraditório e a ampla defesa como direitos a ele inerentes e consagrados no artigo 5º, inciso LIX. Nesse sentido, a ampla defesa é a possibilidade dada ao acusado de trazer ao processo todos os elementos permitidos em lei que possam esclarecer a verdade. Já o contraditório é consequência do direito de defesa, garantido ao acusado a faculdade de se opor ao que foi produzido pela acusação. Atualmente, não existe a possibilidade de que o acusado abra mão de tais direitos, já que, caso ficar desamparado, é dever do Estado oferecê-lo um defensor.

2.1.2 O sistema inquisitório

Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho (2011, p. 122), o sistema que atualmente é identificado como inquisitório tem sua origem no Tribunal da Inquisição, na França, no século XVI, determinando castigos e punições aos que cometiam algum delito, chamados pela Igreja Católica de hereges. Este sistema era baseado na obtenção da confissão do réu a qualquer custo, ou seja, uma batalha era travada entre adversários e utilizava-se de forma demasiada a tortura. Além disso, José Frederico Marques (1980, p.81) afirma que “no sistema inquisitivo não existe processo penal, mas tão-só procedimento de autotutela penal do Estado”.

Não se refere, nesse sentido, apenas aos castigos imputados, mas também ao fato de que nesse sistema as funções de acusar e julgar encontram-se nas mãos de apenas um personagem. O Inquisidor colhe as provas e decide.

Tal sistema é típico de um Estado absolutista, autoritário. O acusado era apenas objeto da persecução penal, sem respeito a direitos ou observância a garantias. As provas eram obtidas de qualquer forma, mesmo que cruel e o direito de defesa era restrito, ou até mesmo

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inexistente, pois o acusado era presumidamente culpado. Não existiam debates, nem direito ao contraditório e ampla defesa. Na verdade, não existia nem a ideia de presunção de inocência, mas sim a possibilidade de inexistirem provas suficientes para a certeza da autoria delitiva. Meros indícios eram suficientes para que se iniciasse a investigação. Com efeito, como afirma Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (2001, p. 28):

Se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstituição de um fato de um fato pretérito, o crime, mormente através da instrução probatória, a gestão da prova, na forma pela qual ela é realizada, identifica o princípio unificador. Com efeito, pode-se dizer que o sistema inquisitório, regido pelo princípio inquisitivo, tem como principal característica a extrema concentração de poder nas mãos do julgador, o qual detém a gestão da prova. Aqui, o acusado é mero objeto de investigação e tido como detentor da verdade de um crime, da qual deverá dar contas ao inquisidor.

Mesmo apresentando características diferentes, atualmente este sistema ainda seria incompatível com os princípios processuais penais. Nele são violados muitos dos direitos e garantias individuais, cometendo-se inúmeras injustiças e, por esse motivo, não se tem interesse que este seja o sistema processual penal adotado. Além disso, o julgador deixará sua imparcialidade de lado, pois cabe a ele buscar as provas da autoria do fato delitivo.

2.1.3 O sistema misto

O sistema processual misto foi consagrado na França, após a Revolução Francesa, no século XVIII. Na fase investigatória parece-se mais com o sistema inquisitório, ou seja, existe uma iniciativa judicial, quanto à colheita de provas. Já no momento do julgamento, o sistema misto assume características do sistema acusatório, dentre elas o contraditório, a publicidade e a livre apreciação da prova. Enquanto no sistema inquisitório a investigação, a instrução e o julgamento se dão de forma secreta, no sistema misto somente as duas primeiras continuam dessa forma (THUMS, 2006, p. 202).

Como já dito, o sistema processual misto é bifásico. Na fase da investigação, possui o sistema caráter inquisitório, pois o juiz colhe as provas, indícios e outras informações que ache necessário para sua acusação. Nesse caso, o juiz é quem gerencia as provas e sua utilidade dentro do processo.

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Já na fase judicial passa a existir a figura do acusador, que por vezes pode ser o Ministério Público ou a vítima (particular). Nessa fase é dado ao acusado o direito ao contraditório.

O sistema misto é utilizado hoje em alguns países europeus, como França e Espanha, e na América Latina, na Venezuela. Continua com sua estrutura originária, combinando características do sistema acusatório e também do sistema inquisitório, porém, se tornou alvo de muitas críticas, pois não observa em seus procedimentos, princípios como o contraditório e a ampla defesa.

2.2 O sistema acusatório e a Constituição Brasileira de 1988: as garantias constitucionais do acusado

Muito se discute a respeito do sistema processual penal adotado no Brasil. Após a Constituição Brasileira de 1988 optou-se pelo sistema acusatório, ou seja, as funções de acusar e julgar devidamente separadas, e o respeito às garantias e aos direitos fundamentais do acusado. No entanto, para parte da doutrina, o sistema processual penal pátrio é um sistema misto. Guilherme de Souza Nucci (2007, p. 104) afirma que:

O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encon tramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimentos, recursos, provas, etc.) é regido por Código Específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo, como veremos a seguir). Logo, não há como negar que o encontro dos dois lados da moeda (Constituição e CPP) resultou no hibridismo que temos hoje. Sem dúvida que se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório. Por tal razão, seria fugir à realidade pretender aplicar somente a Constituição à prática forense. Juízes, promotores, delegados e advogados militam contando com um Código de Processo Penal, que estabelece as regras de funcionamento do sistema e não pode ser ignorado como se inexistisse. Essa junção do ideal (CF) com o real (CPP) evidencia o sistema misto.

Apesar de hoje realmente existirem características de ambos os sistemas processuais penais, ainda classifica-se o modelo atual, previsto constitucionalmente, como acusatório. A Constituição Brasileira de 1988, mesmo não prevendo expressamente, optou por um sistema de garantias individuais, além disso, o Código de Processo Penal deve ser interpretado a sua

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luz. Por esse motivo, ao contrário do que pensa Nucci (2007), a ideia de um sistema acusatório se confirma. Por óbvio, o sistema acusatório hoje não conserva as suas características originais. Como afirma Thums (2006, p.236):

O ressurgimento do sistema acusatório evidentemente exigiu adaptações aos novos tempos. Atualmente, os sistemas processuais decorrem diretamente do sistema político, fundado na Constituição. Estados autoritários adotam modelos inquisitoriais, enquanto Estados de Direito compatibilizam-se melhor com o modelo acusatório, também denominado garantista.

Mesmo que a Constituição Brasileira de 1988 tenha dado preferência ao sistema acusatório, existem ainda resquícios de um sistema inquisitorial. Isso se deve, ao fato de que, mesmo após tantos anos de sua promulgação, o Brasil ainda encontra dificuldades para que o sistema acusatório se efetive, pois esbarra em um Código de Processo Penal antigo e com resquícios inquisitoriais, como é o caso das prisões, que são uma hierarquização dos direitos públicos com relação aos privados, deixando de lado os direitos fundamentais dos réus. Além disso, a efetivação de todos os princípios e garantias existentes na atual Constituição Brasileira pode ser considerada utopia, já que, como se sabe, não existem mais sistemas puros, mas sim sistemas que mantêm características preponderantemente acusatórias ou inquisitoriais.

O importante em um sistema acusatório é como se articulam as garantias do acusado. Nesse contexto, não se pode defender que o sistema processual penal adotado no Brasil é o misto. A ideia de sistema pressupõe a existência de um princípio, ou princípios, que o norteie, e no sistema misto isso não ocorre, diferente do sistema acusatório que tem como princípio unificador o princípio acusatório

É necessário que um sistema processual penal acusatório moderno tenha como fundamento a existência de duas partes opostas, acusação e defesa. À acusação cabe toda a carga de provas. Já à defesa compete enfrentar o alegado pela acusação, tendo direito ao contraditório e a ampla defesa, em que o juiz, como sujeito passivo da contenda, através da livre convicção, chega ao juízo final.

Todo o processo se desenvolve em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, existindo uma igualdade entre as partes. Além disso, quem acusa não pode julgar e quem julga não pode acusar, ou seja, o juiz, destinatário da prova, não pode buscá-la

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de ofício. Cabe às partes trazerem as provas ao processo. Nesse sentido, o juiz como sujeito imparcial, através do livre convencimento motivado analisa as provas e utiliza aquelas que achar relevantes e pertinentes a esclarecer-lhe o caso penal para prolatar a sentença.

2.2.1 O direito constitucional ao contraditório

O contraditório é considerado uma das principais princípios do sistema acusatório, pois permite ao acusado a sua defesa perante as acusações a ele imputadas. Diferente do sistema inquisitório, o réu é presumidamente inocente e aqui a sua defesa é uma garantia. Porém, o problema maior se encontra no fato de que, ao menos na prática, é o réu quem precisa comprovar sua inocência, e não a acusação provar o que alega. Eis uma das principais falhas do sistema acusatório na contemporaneidade e na realidade brasileira.

Outra característica importante do sistema acusatório atual é que para que o processo penal tenha início, depende da figura do acusador, ou seja, é necessário que ocorra a propositura da ação penal ou oferecimento de denúncia ou queixa. Não há que se falar aqui que o juiz possa tomar iniciativa da ação penal, mas pode, porém, praticar de ofício atos de produção de provas ou de investigação. Nas palavras de Távora e Alencar (2009, p. 38)

É de se ressaltar, contudo, que não adotamos o sistema acusatório puro, e sim o nã o ortodoxo, pois o magistrado não é um expectador estático na persecução, tendo, ainda que excepcionalmente, iniciativa probatória, e podendo, de outra banda, conceder habeas corpus de ofício e decretar prisão preventiva.

Como visto, o juiz pode proceder de ofício quando necessário. Por esse motivo, entende-se que o sistema acusatório atual não pode ser considerado um sistema puro, pois, além disso, mantém, principalmente na fase do inquérito policial, características do sistema inquisitório. Um sistema processual penal puro não pode manter em seu bojo características de outros sistemas processuais penais.

O sistema acusatório é adotado hoje em grande parte dos países americanos e em alguns países europeus, ou seja, em países quem tem um direito penal mínimo e direitos fundamentais evidenciados. Além disso, tal sistema processual penal vigora em países que respeitam a liberdade individual do indivíduo e que possuem uma democracia sólida.

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