A Linguagem Fílmica na Graduação: proposta de uso do filme “O
Homem que Mudou o Jogo” nas disciplinas Abordagem Clássica da
Administração e Abordagem Estruturalista
Santiago Valcacer Rodrigues1*, Oderlene Vieira de Oliveira2, Maely Barreto de Sousa3, e Mirelle Cavalcante da Silva4
1,2,3,4 Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas (PPGA) - Universidade de Fortaleza *santiago.valcacer@gmail.com
RESUMO
Os filmes são um instrumento poderoso não apenas para esclarecer tópicos e conceitos, mas, outrossim, evidenciar aplicações teóricas da área do comportamento organizacional, além de propiciar e fomentar discussões sobre abordagens, procedimentos e técnicas de pesquisa. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar a utilização de filmes como uma metodologia de ensino. Apesar de não ser nova, nos últimos anos ganhou muitos apreciadores, e vem sendo muito utilizada por docentes em sala de aula de cursos de graduação. A utilização de recursos visuais para fomentar a discussão de aspectos organizacional, dar-se-á pela observação indireta não participante, como estratégia de interação. Deste modo, foi utilizado o filme “O Homem que Mudou o Jogo” para fomentar discussões acerca das disciplinas Abordagem Clássica da Administração e Abordagem Estruturalista, mais especificamente abordando os temas: A Organização Racional e Os Tipos de Autoridades. Por fim, é sugerido algumas questões relacionadas aos conceitos trabalhados pelos temas.
Palavras-chave: Análise Fílmica. A Organização Racional. Tipos de Autoridade. Observação não participante. O Homem que Mudou o Jogo.
INTRODUÇÃO
A utilização de filmes como atividade em algumas disciplinas de administração é cada vez mais adotada, visto que os filmes podem ter funções no ensino, entre elas: estudo de caso, exercícios experimentais, metáfora, simbolismo, significado, entre outras (CHAMPOUX, 1999; MENDONÇA; GUIMARÃES, 2008). Conforme Mendonça e Guimarães (2008), o uso de filmes tanto na graduação quanto na pós-graduação tem
como objetivo discutir estudos de caso e sátiras para o ensino comportamental organizacional e metodologias de pesquisa. Em outras palavras, os filmes são uma ferramenta qualitativa de suma importância não apenas para delinear tópicos e conceitos relacionados às disciplinas que emprega essa metodologia, mas, outrossim, para evidenciar aplicações teóricas nas áreas organizacional, além de ser usada para fomentar discussões sobre abordagens, procedimento e técnicas de pesquisa. “Dessa forma, constituem uma fonte de material pedagógico mais estimulante e motivador que os métodos convencionais de ensino” (MENDONÇA; GUIMARÃES, 2008, p.01).
A abordagem qualitativa possibilita analisar aspectos subjetivos, tais como percepções, dinâmica das interações grupais, compreensão do contexto organizacional, relações sociais, por intermédio dos significados para as pessoas. Nessa abordagem, a coleta de dados envolve uma diversidade de materiais empíricos, entre eles: estudo de caso, experiências pessoais, história de vida, textos visuais, análise fílmica que descrevem a rotinha, bem como significados da vida cotidiana dos indivíduos (DENZI; LINCOLN, 2000; FLICK, 2004; LEITE; LEITE, 2007; RICHARDSON, 1989).
Cabe salientar, ainda que para a seleção e escolha do filme deve ser vista a potencialidade do mesmo como recurso em demonstrar os conceitos trabalhados em sala e atingir o objetivo de diversificar e tornar mais instigante o tratamento do conteúdo curricular e a participação dos alunos.
No presente trabalho, foi utilizado o filme “O Homem que Mudou o Jogo” como proposta didática para fomentar discussões em sala de aula envolvendo conceitos desenvolvidos nas disciplinas: Abordagem Clássica da Administração e Abordagem Estruturalista, nos respectivos temas: A Organização Racional e Os Tipos de Autoridades. Abaixo, segue aspectos técnicos do filme:
- Gênero: Drama Esporte
- Duração: 133 minutos (2h:22min)
- Lançamento: 23 de Setembro de 2011 (EUA) e 3 de Fevereiro de 2012 (Brasil) - Produção: Michael de Luca, Rachael Horovitz e Brad Pitt
- Classificação etária: Livre Ficha técnica
- Direção: Bennett Miller
- Roteiro: Steven Zaillan e Aaron Sorkin - Fotografia: Wally Pfister
- Música: Michael Danna - Edição: Christopher Tellefsen
Elenco
- Brad Pitt como Billy Beane, Gerente Geral do Oakland Athletics; - Jonah Hill como Peter Brand, o assistente de Billy;
- Philip Seymour Hoffman como Art Howe, o técnico do A’s; - Chris Pratt como Scott Hatteberg, primeira-base dos A’s;
- Casey Bond como Chad Bradford, arremessador substituto dos A’s; - Stephen Bishop como David Justice, defensor externo dos A’s; - Royce Clayton como Miguel Tejada, interbases dos A’s;
- David Hutchinson como John Mabry, jogador utilitário dos A’s; - Robin Wright como Sharon, ex-esposa de Billy;
- Kerris Dorsey como Casey Beane, filha de Billy Beane;
- Ken Medlock como Grady Fuson, diretor de olheiros do Oakland Athletics;
O filme O Homem que Mudou o Jogo é baseado em fatos reais e tem como protagonista o gerente geral do time de Basebol do Oakland Athletics (A’s), Billy Beane, interpretado por Brad Pitt. Com a derrota do seu time para o New York Yankees na pós-temporada de 2001 e a iminente saída de seus principais jogadores, Billy não está satisfeito e esbarra no orçamento limitado do A’s, o na busca de uma estratégia para criar um time competitivo para a temporada de 2002. Além disso, Billy não conta com o apoio do dono do time, técnico e dos olheiros.
Durante uma visita ao time do Cleveland indians, o gerente conhece Peter Brand, um jovem economista recém-formado da Universidade de Yale que possui ideias radicais de como avaliar jogadores. A partir dessas ideias, tem início os conflitos e a reformulação do time.
ORIENTAÇÕES PRELIMINARES
Cabe ressaltar a importância de organizar o trabalho de forma que, ao assistir o filme, seja possível fomentar uma discussão sobre o mesmo, buscando à sua compreensão e, por conseguinte, sejam analisados os conteúdos específicos aos temas pertinentes (supracitados).
O filme é baseado no livro Moneyball: The Art of Winning na Unfair Game de Michael Lewis. Trata-se de uma história real sobre Billy Beane, gerente geral do time de basebol do Oakland Athletics. O Homem que Mudou o Jogo retrata as tentativas de Beane de criar um time competitivo para a temporada de 2002. Com uma situação financeira desfavorável da equipe, o gerente, com a ajuda de Peter Brand, lança mão de uma sofisticada análise estatística para selecionar jogadores.
A partir da situação financeira desfavorável da equipe e a necessidade de inovar o modelo existente de seleção e aproveitamento de atletas, o sistema proposto por Billy Beane e Peter Brand encontra resistência.
O filme Moneyball foi exibido no Festival de Cinema Internacional de Toronto de 2011, estreado nos Estados Unidos no dia 23 de setembro de 2011 e no Brasil no dia 3 de Fevereiro de 2012.
ANÁLISE DO FILME
As relações diagnosticadas por meio da observação não participante na narrativa do filme convergem para aspectos teóricos inseridos nos conceitos da autoridade e dominação por meio da racionalidade da ação social.
A sociedade moderna constitui-se em um processo de dilatação da racionalidade instrumental, anteriormente gerida por formas tradicionais de interação. A racionalidade Weberiana é tida como um procedimento de controle para a dominação da realidade dentro e fora do homem (VASCONCELOS, 2004). A visão de dominação por meio da racionalidade organizacional é visível desde as primeiras cenas do filme, uma vez que o termo refere-se às ações sociais racionalmente orientadas.
Ademais, sabe-se que Weber (1978) sinaliza para uma taxonomia das formas de racionalidade que, embora sejam distintas entre si, se sobrepõem mutuamente. Deste modo, a racionalidade se configurar como: 1) prática, a qual está ligada ao juízo e visão do indivíduo em relação a uma ação do cotidiano que direciona o comportamento adotado; 2) teórica, está relacionada com o domínio da realidade por meio da elaboração de conceitos abstratos precisos em detrimento da ação; 3) substantiva, diz respeito ao direcionamento de ordens de ações sob padrões que considera o contexto do indivíduo; e 4) formal, demonstra a articulação ou o relacionamento entre as ações para atingir objetivos predeterminados (CHERQUES, 2009; SILVEIRA, 2008).
No filme é possível verificar a existência dos conceitos de racionalidade prática, substantiva e formal. Cabe ressaltar que muitas vezes esses conceitos se sobrepõem, o que requer maior atenção na identificação destes conceitos nas cenas do filme.
Além disso, assim como os conceitos de racionalidade objetiva são fundamentais numa sociedade weberiana, dados que são fontes da ação social, as relações de dominação como condições legitimadas do poder são resultados da ação social (VASCONCELOS, 2004; CARVALHO et al, 2013).
Deste modo, entende-se que a dominação é um elemento que influencia o processo social como um todo. A dominação pode ser compreendida como a imposição de um
comportamento pessoal (ou institucional) por vontade de um indivíduo, sendo interesse relacionado a um monopólio ou em virtude de uma autoridade (CARVALHO et al., 2013; WEBER, 1978;).
Poder e autoridade são conceitos fundamentais na teoria organizacional (THOMPSON, 1969). A autoridade é definida como o poder legítimo, e Weber (1978) definiu os três tipos ideal de autoridade: 1) Legal (ou racional-burocrática), surge por meio de regras abstratas e da obediência em um estrutura organizacional formal; 2) Tradicional, advém dos costumes e tradições e cuja a obediência não é questionada; e 3) Carismática, é oriunda da capacidade de liderança que se forma no interior de uma equipe, não possui formalidades e evidencia a capacidade de controlar comportamentos dos outros membros da equipe (LUKES, 1980; NEVEZ; FERNANDES, 2002; VASCONCELOS, 2004).
No filme analisado, nas cenas que envolvem a relação do dono do time e Billy (gerente do time), Billy com olheiros, Billy com os jogadores e Billy com Peter Brand, é possível notar os tipos de autoridades comentadas anteriormente.
É possível verificar que nas relações de Billy Beane com o dono do time, os olheiros, o conceito de autoridade racional ou legal permeia o envolvimento entre os personagens. Da mesma forma, ocorre com os jogadores e o técnico do time. Billy Beane utiliza sua autoridade proporcionada pela sua posição na estrutura organizacional para exercer e por em prática no novo modelo de jogo.
Já na relação entre Peter Brand e Billy Beane, é possível notar que o economista exerce um tipo de autoridade carismática sobre o gerente do time. O jovem economista possui habilidades acadêmicas capazes de convencer Billy, sem necessitar de uma posição formal na estrutura organizacional para influenciar o comportamento do gerente do time.
ATIVIDADES
O filme O Homem que Mudou o Jogo fornece uma gama de conceitos que podem ser trabalhados com as teorias organizacionais. Aqui optou-se por abordar assuntos referentes as disciplinas Abordagem Clássica da Administração e Abordagem Estruturalista.
O eixo central para a discussão do filme reside nos aspectos da Racionalidade e nos Tipos de Autoridade.
1. Na reunião entre Billy (gerente geral) e o dono do time, qual o tipo de racionalidade é possível visualizar de acordo com a taxonomia de Weber (1978) e o tipo de autoridade?1
2. Na busca de reformular o time, Billy e os olheiros se reúnem e discutem sobre as possibilidades de substituir os jogadores vendidos. Nessa discussão, levando em consideração que a racionalidade Weberiana é tida como um procedimento de controle, qual ou quais os tipo de racionalidade pode ser identificado na cena?2
3. Peter Brand ao chegar a sede do Oakland Athletics, contratado por Billy, é recepcionado pelo mesmo e entrega as avaliações de jogadores que o gerente geral solicitou. Nessa cena, é possível afirmar que há uma relação carismática, levanto em consideração a definição de autoridade carismática, entre Billy Beane e o jovem economista?3
4. Em uma reunião que envolve Billy, Peter e os olheiros, fica visível o conflito de ideias. De uma lado, Billy e Peter buscando mudar os padrões de escolha dos jogadores, do outro, os olheiros da forma tradicional. Qual o tipo de autoridade é exercida por Billy na discussão?4
5. Em dado momento, Billy e Peter estão na tentativa de conseguir um novo jogador para atingir o objetivo de vitórias. A negociação avança e o Gerente e o Economista conseguem fechar negócio, contudo, surge a necessidade de demitir um atleta. Diante do exposto, qual o tipo de racionalidade pode ser diagnosticado?5
REFERÊNCIAS UTILIZADAS E RECOMENDADAS
CARVALHO, C. C. de; SALES, R. K. L.; LUNA, R. A. RODRIGUES, S. V. O Homem que Mudou o Jogo: As Relações de Poder nas Organizações em um Estudo Observacional. In: Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais, I., Fortaleza, Anais... Fortaleza, Ceará: UNIFOR, 11 a 13 de dezembro, 2013.
CHAMPOUX, Joseph E. Film as a Teaching Resource. Journal of Management Inquiry, v.8, n.2, pp.206-217, june, 1999.
CHERQUES, H. R. T. Max Weber: O Processo de Racionalização e o Desencantamento do Trabalho nas Organizações Contemporâneas. Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro, v.43, n.4, p.897-918, jul./ago. 2009.
DENZI, N. K.; LINCOLN, Y. S. Handbook of Qualitative Research. London: Sage publications, 2000.
1
A cena ocorre entre os minutos 5:13 a 7:22
2
A cena ocorre entre os minutos 8:23 a 12:38
3
A cena ocorre entre os minutos 24:38 a 26:26
4
A cena ocorre entre os minutos 31:24 a 36:41
5
FLICK, U. Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa. São Paulo: Artmed Editora, 2004. LEITE, Nildes R. P.; LEITE, Fábio P. Um Estudo Observacional do Filme Denise está Chamando à Luz da Teoria de Ação de Chris Argyris e Donald Schön. Revista de Gestão USP, São Paulo, v.14, n. Ed. Especial, p.77-91, 2007.
LUKES, S. Poder e Autoridade. In: BOTTOMORE, T.; NISBET, R. História da Análise Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
MENDONÇA, J. R. C. de; GUIMARÃES, F. P. Do Quadro aos “Quadros”: O Uso de Filmes como Recurso Didático no Ensino de Administração. Cadernos EBAPE.BR, v.6, n. Ed. Especial, pp.1-21, Agosto, 2008.
NEVEZ, J. A.; FERNANDES, D. C. Estrutura Ocupacional, Autoridade Gerencial e Determinação de Salários em Organizações Fordistas: O Caso da Indústria de Transformações no Brasil. Revista de Administração Contemporânea – RAC, v. 6, n. 1, p. 127-140, jan./abr. 2002.
RICHARDSON, R. Pesquisa Social: Métodos e Técnicas. São Paulo: Atlas, 1989.
SILVEIRA, V. N. S. Racionalidade e Organização: as Múltiplas Faces do Enigma. Revista de Administração Contemporânea – RAC, Curitiba, v. 12, n. 4, p. 1107-1130, out./dez. 2008.
THOMPSON, V. Modern organization. New York: Alfred A. Knopf, 1969.
VASCONCELOS, F. C. de. Racionalidade, autoridade e burocracia: as bases da definição de um tipo organizacional pós-burocrático. Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro, v.38, n.2, p.199-220, mar./abr. 2004.
WEBER, M. Economy and society. Berkeley: University of California Press, 1978.
ISSN 2179-4332
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à FUNCAP – Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela confiança empregada no desenvolvimento da pesquisa e pelo suporte financeiro.
