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A relevância da Língua Materna na sala de aula de Língua Estrangeira

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Academic year: 2021

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A relevância da Língua Materna na sala de aula de Língua Estrangeira

Márcia Tavares Chico Sílvia Costa Kurtz dos Santos1

O presente trabalho discute o uso da língua materna em sala de aula de inglês como língua estrangeira, sob a perspectiva da alternância linguística ou code-switching por parte de um professor, ponderando-se sobre os possíveis motivos que levaram à ativação do fenômeno. Para tal, são apresentados dados coletados em uma aula de inglês para alunos do quarto semestre do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês de uma universidade federal no Rio Grande do Sul. Observa-se que a utilização da língua materna se mostra como de grande importância para os processos de ensino e de aprendizagem de línguas estrangeiras.

1. Introdução

De acordo com Mozzillo (2006), a sala de aula de língua estrangeira coaduna diversos sistemas linguísticos, tais como: a língua materna do professor e dos alunos, a qual pode não ser a mesma, a língua alvo, e outras línguas que por acaso os membros da sala de aula venham a conhecer.

Ainda segundo a autora, essa coexistência de diversas línguas pode ocorrer de diversas maneiras, dentre elas, com o uso do code-switching, ou seja, a alternância linguística entre a Língua Materna (LM) e a Língua Estrangeira (LE).

Entretanto, durante muito tempo (TANG, 2002), a LM foi banida das salas de aula de língua estrangeira, colocada em segundo plano, ou evitada ao máximo. Isso ainda se dá por várias razões, entre elas a crença de que usar a língua materna ao invés da estrangeira em determinadas situações de ensino e aprendizagem significa necessariamente baixa competência na língua alvo. No entanto, a alternância da LE para a LM também deve ser considerada como um fenômeno natural, como um recurso pragmático acionado por motivações e propósitos diversos, tanto em situação artificial como natural (Tang, 2002).

Nesse sentido, o presente artigo procura mostrar que a LM possui um papel relevante na sala de aula de LE, demonstrando como o code-switching por parte do professor tem papel importante no melhor entendimento dos alunos sobre o conteúdo ministrado. Pretende-se, também, ampliar a discussão sobre o uso da LM como um recurso nas aulas de Inglês como língua estrangeira.

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Respectivamente aluna e professora do Curso de Licenciatura em Letras Português, Inglês e Respectivas

Literaturas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), integrantes do Grupo de Pesquisa do CNPq“Línguas em

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2. Um breve panorama do uso da LM na sala de aula de LE

De acordo com a teoria de Krashen de aquisição de segunda língua (1981 apud Tang, 2002), o processo de aquisição de uma LE segue o mesmo caminho do processo de aquisição da LM e se dá por meio de interação. Ao considerar que o importante é o processo de comunicação em si e não a forma, Krashen se refere à influência da primeira língua como um indicador de baixa aquisição da língua alvo, devendo portanto ser eliminada ou, ao menos, reduzida ao mínimo na sala de aula de LE.

Numa revisão dos métodos de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras, Cook (2001) observa que a maioria deles buscava demonstrar que a aula ideal seria aquela na qual a língua materna praticamente não fosse utilizada. De acordo com o autor, isso seria feito simplesmente por não haver referências ao uso da primeira língua em contextos de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras. Tang (2002) também argumenta no mesmo sentido, apontando para o fato de que a maioria dos autores que estudam o fenômeno de aquisição de uma LE nem sequer menciona a LM em seus estudos.

O método conhecido como Audiolingual é um bom exemplo do que estamos discutindo. De acordo com Brown (1994 apud Cook, 2001), esse método é caracterizado pelo enfoque na produção oral, através de estratégias de repetição de palavras, de frases, ou até mesmo de textos inteiros. Assim, o uso da LM em sala de aula era mínimo, se não inexistente. Brooks (1964 apud Cook, 2001), ao se referir ao uso do método Audiolingual para o ensino de línguas estrangeiras para falantes nativos de inglês, fala que a LM deve ser deixada completamente de lado para que a nova língua possa ser aprendida.

Por outro lado, há métodos que propõem um vínculo entre a LM e a LE. Cook (2001) faz referência ao “New Current Method”, que prevê a alternância de códigos pelo professor em situações de ensino e de aprendizagem de vocabulário, de explicação de um ponto importante do conteúdo, ou quando os alunos devem ser elogiados ou repreendidos.

Cook (2001) também se refere ao “Community Language Teaching” como outro exemplo de metodologia de ensino LE que contempla o uso da LM, prevendo a sua utilização como um meio de introduzir a língua alvo para os alunos. Em estágios iniciais desse método, os alunos se comunicam na LM, o professor traduz o que foi dito para a língua alvo, e o aluno repete.

3. O code-switching:fenômeno inerente ao falante bilíngue

O code-switching, uma das formas mais comuns de comunicação bilíngue ou multilíngue segundo pesquisadores (Sachdev & Giles, 2004), é definido por Downs (1984 apud Greggio & Gil 2007) como sendo o “uso alternado de, pelo menos, dois códigos no mesmo evento conversacional”

Segundo Mozzillo (2001) o code-switching é natural e inerente a todo o falante bilíngüe, não devendo ser considerado um déficit lingüístico. Ao utilizá-lo, o falante bilíngue

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3 mostra habilidade linguística e um modo de o locutor se distanciar ou aproximar socialmente de seu(s) interlocutor(es).

Uma vez considerados bilíngues, alunos e professores de inglês como língua estrangeira também fazem uso do code-switching como uma ferramenta de grande relevância nos processos de ensino e de aprendizagem.

Cipriani (2001 apud Greggio & Gil 2007) observou em seu estudo que o code-switching é usado pelo professor para esclarecer vocabulário e encorajar os alunos a falar em inglês. Para Bergsleithner (2002 apud Greggio & Gil 2007), o code-switching é usado por necessidade de uma melhor explicação dos tópicos gramaticais.

Greggio & Gil (2007) apontam como principais razões de utilização do code-switching por parte dos professores a necessidade de esclarecer vocabulário, levar ao entendimento de regras e estruturas gramaticais, aconselhar, chamar atenção para a pronúncia correta e criar uma atmosfera de humor.

4. Análise dos dados e resultados

Nesta seção são apresentados e discutidos dados coletados em uma aula de inglês para alunos do quarto semestre do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês de uma universidade federal no Rio Grande do Sul.

4.1 O code-switching por parte do professor

O code-switching por parte do professor foi utilizado principalmente pelas seguintes razões:

4.1.1. Apresentar o significado de uma palavra ou expressão em inglês. O professor (P) recorreu à tradução em várias ocasiões, por exemplo:

P: Do you know what GDP is? It’s the same as PIB – “Produto Interno Bruto”. Ao invés de explicar em inglês, o professor decidiu dar um sinônimo em português. Isso pode ser explicado por vários motivos, tais como: facilitar a compreensão, pois, mesmo após uma explicação detalhada o professor não estava certo de que o conceito havia sido plenamente entendido por todos os alunos; para economizar tempo. Uma explicação em inglês sobre o significado de GPD (Gross Domestic Product) poderia levar muito tempo, eliminando, assim, tempo de aula que poderia ser mais bem utilizado para fins mais relevantes. Além disso, a utilização da sigla PIB, proveniente da língua portuguesa e parte do léxico dos alunos, fez com que, por associação, o professor otimizasse a compreensão e a aprendizagem da sigla estrangeira GDP.

O mesmo acontece com os exemplos abaixo. P2: "I'm off" means "fui".

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4 P2: In Portuguese we can say "Eu me dou bem com Fulano" or "Eu me dou com fulano". It is pretty much the same thing in English (quando estava explicando a expressão "Get on (well) with somebody").

Os exemplos acima demonstram que P2 optou por usar a tradução como recurso para ensinar algumas das expressões em língua inglesa que estavam sendo estudadas. Além da possibilidade de economizar tempo de aula a ser mais bem aproveitado com outras atividades que não a explicação das expressões em língua inglesa, a utilização das expressões correspondentes em português certamente favoreceu a compreensão por parte dos alunos

P: Remember that next week is “Semana Acadêmica” and I’ll see you back … well, after “Semana Acadêmica”.

Ao utilizar o termo “Semana Acadêmica”, e não uma possível tradução do nome do evento para o inglês, o professor fez referência clara e direta à realidade dos alunos, não se distanciando deles e nem soando artificial.

4.1.2. Para checar a compreensão

Durante vários exercícios, após explicar vocabulário ou pedir que os alunos tentassem explicar o sentido de palavras/expressões em língua inglesa, o professor também recorreu à tradução, com o intuito de checar a compreensão.

Apesar de não ser recomendado pela maioria dos métodos, o code-switching se torna importante para verificar a compreensão de determinados conceitos pelos alunos, pois, mesmo após uma explicação detalhada na língua estrangeira e em associação a determinados contextos, os alunos muitas vezes ainda apresentam dúvidas.

Na interação reproduzida abaixo, o professor explica à turma o significado do verbo to threaten. Um dos alunos (A) faz uma associação de conceitos e checa sua compreensão com outra palavra em inglês. O professor dá continuidade à interação com o aluno na língua estrangeira, mas diante do silêncio da turma após a pergunta de qual seria o verbo equivalente em português, o professor apresenta o verbo “ameaçar”.

P: What is to threaten? A: A promise?

P: What kind of promise?

A: A strong one. Like “I’ll kill you”.

P: That’s right.What is to threaten in Portuguese? (Silêncio)

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5 Vale observar que, apesar da explicação em inglês associada ao contexto em que o verbo estava inserido, seu significado parecia não ter ficado totalmente claro para a maioria dos alunos. Por isso, ao invés de recorrer mais uma vez à explicação em inglês, que talvez nem fosse efetiva, o professor faz uso da língua materna, dando aos alunos um ponto de referência e prosseguindo com a atividade, sem desperdiçar tempo de aula.

Nota-se, também, que o professor fez uma alternância linguística intra-sentencial, ou seja, entre os dois sistemas dentro de uma mesma sentença, mantendo o princípio da língua inglesa de que an é a forma do artigo indefinido que precede substantivos que iniciem com som vocálico: And threat is an “ameaça”.

Em outro caso, no qual o professor estava explicando o sentido do substantivo smuggler, ao perguntar aos alunos qual seria o termo em português, um dos alunos (A1) demonstra compreensão, enquanto outro (A2) parecia ter alguma dúvida em relação ao melhor significado dentro do contexto apresentado. Assim, o professor opta por não dar continuidade à explicação na LE, repetindo o termo em português, já dado por outro aluno.

A1: “Contrabandista”. P: Yeah, that’s right. A2: “Atravessador”?

P: “Atravessador” would not be right for this word. “Contrabandista” would be the best.

Ao fornecer o significado em português, o professor não somente elimina a confusão do aluno, como também mostra o significado certo. Também evita qualquer desperdício de tempo, no qual os alunos poderiam estar se expressando na língua alvo e melhorando sua pronúncia, com uma explicação desnecessária de sua parte, que iria tomar tempo dos alunos, e poderia ser feita com apenas uma palavra em sua LM.

4.1.3. Para se adequar ao código que o aluno está usando

Em um final de aula, o professor, que havia falado em inglês a maior parte da aula, continua se dirigindo aos alunos na língua estrangeira. No entanto, ao receber uma pergunta de um aluno em português, o professor faz a alternância para a língua materna em sua resposta.

P: Who has homework to show me? A: Quando vai ser nossa próxima prova?

P: Nossa próxima prova? Não está no plano de ensino? Mas é no começo de dezembro.

O professor poderia ter continuado sua fala na LE, respondendo a pergunta do aluno em inglês, mas sua opção pela resposta na LM pode ter sido para estabelecer empatia com

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6 aluno, deixando-o à vontade para se manifestar, para interagir com ele. Ao continuar falando em inglês, o professor talvez inibisse o aluno, até mesmo provocando inibição em participações de sala de aula. Ao falar em português, o professor não somente esclarece a dúvida do aluno, mas também evita a desnecessária imposição da língua inglesa na interação, como se repreendesse o aluno por ter recorrido à LM. Ao usar a língua materna, o professor está também estabelecendo um laço afetivo com o aluno, mostrando-se membro da mesma comunidade universitária e linguística, além do que os planos de ensino são elaborados e apresentados em língua portuguesa.

Considerando que, por questões identitárias, falantes bilíngues geralmente recorrem à língua materna ao expressarem sentimentos e emoções e que é possível considerar uma prova como situação que provoca nos alunos emoções como de apreensão/preocupação/medo, ao responder a pergunta do aluno na língua materna o professor demonstra empatia, de forma a estabelecer um vínculo afetivo com o aluno.

O mesmo ocorre no exemplo a seguir: P: Does anyone have any questions?

A: Como que eu desenvolvo essa habilidade? (se referindo à habilidade de perceber certos aspectos linguísticos como adequados ou inadequados, mesmo antes de conhecer as regras gramaticais).

P: Tendo bastante contato com a língua, através de leitura, de músicas, filmes ou qualquer outro meio. Depois que tu tens contato o suficiente tu vês que algo pode ou não pode ser, porque te parece muito estranho. Claro, que não é 100% infalível.

5. Considerações finais

Através dos dados apresentados, acreditamos ser possível observar que o fenômeno da alternância linguística/code-switching na sala de aula de LE integra a LM aos processos de ensino e de aprendizagem da língua inglesa, sem que isso acarrete qualquer tipo de prejuízo.

Por se tratar de uma aula de inglês como língua estrangeira em nível intermediário, na qual se dá a devida importância à recepção e à produção na língua alvo, vimos que o uso da língua materna ficou restrito a momentos que consideramos benéficos ao professor e aos alunos.

Apesar de este artigo ser baseado na observação de apenas uma turma de inglês como língua estrangeira, o valor comunicativo da LM nas interações professor/aluno(s) e seu papel facilitador nos processos de ensino e de aprendizagem da LE não podem ser ignorados.

Vale salientar que ao nos posicionarmos favoráveis ao uso da língua materna na aula de língua estrangeira, também porque a alternância linguística é um fenômeno natural em

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interações bilíngues, não deixamos de valorizar a máxima exposição e produção na língua alvo nesse contexto.

6. Referências Bibliográficas

COOK, V. Using the first language in the classroom. Canadian Modern Language Review. Vol. 57, n. 3, March 2001.

GREGGIO, S., GIL, G. Teacher’s and learners’ use of code switching in the English as a foreign language classroom: a qualitative study. Linguagem & Ensino, v. 10, n. 2, jul./ dez. 2010, p. 371-393.

MOZZILLO, Isabella. La interlengua: producto del contacto lingüístico em clase de lengua extranjera. Caderno de Letras (UFPEL), v. 11, n. 11, p. 65-75, 2005.

SACHDEV, I. , GILES, H. Acomodação bilíngue. In: Kurtz-dos-Santos, Sílvia C. (Org.) ; MOZZILLO, Isabella (Org.) . Cultura e diversidade na sala de aula de língua estrangeira. Pelotas: Editora da UFPel, 2008.

Referências

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