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A PESQUISA CRÍTICA DE COLABORAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES COM VISTAS À PROMOÇÃO DA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DO ESCOLAR

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ISSN 2176-1396

A PESQUISA CRÍTICA DE COLABORAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE

FORMAÇÃO DE EDUCADORES COM VISTAS À PROMOÇÃO DA

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DO ESCOLAR

Virgínia Campos Machado1 - UFBA Maria de Fátima Gomes da Silva2 - PUCSP Nadja Maria Gomes Murta3 - UFVJM Elvira Maria Godinho Aranha4 - PUCSP Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente Agência Financiadora: CNPq Resumo

Este relato tem como principal objetivo divulgar as experiências vivenciadas no âmbito do projeto intitulado Desenvolvimento de Estratégia de formação de educadores com vistas à promoção da alimentação saudável do escolar que está sendo conduzido por professores e discentes do departamento de Nutrição da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri nas escolas de ensino fundamental da rede municipal de Diamantina/MG. Trata-se de um projeto de pesquisa e intervenção que tem como foco a formação de educadores, visando a promoção da alimentação adequada do escolar. Fundamenta-se nos pressupostos de Vigotski e da Pesquisa Crítica de Colaboração. Para produção de dados, a pesquisa utiliza entrevistas, oficinas e sessões reflexivas sobre temas de interesse e, para análise, os núcleos de significação. Para essa apresentação, dividimos o projeto em quatro partes: a primeira trata da realização de uma oficina de formação com os pesquisadores, para discussão dos fundamentos teóricos metodológicos da pesquisa; na segunda descrevemos o planejamento das atividades realizadas com os professores da rede municipal; na terceira relatamos a realização de entrevistas com alguns professores, tendo como propósito apreender suas significações da Educação Alimentar e Nutricional e na quarta descrevemos a realização das sessões reflexivas. Embora o projeto esteja em andamento já é possível perceber, em uma análise preliminar, que o trabalho com metodologias epistemologicamente diferentes daquelas que usualmente norteiam as atividades de educação alimentar e nutricional, tem promovido o envolvimento dos professores e a construção coletiva de um conhecimento novo sobre como promover a alimentação saudável na escola, o que tem sido gratificante para todos os

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Doutora em Educação: Psicologia da Educação pela PUCSP. Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia. E-mail: virginia.campos@ufba.br

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Doutoranda em Educação: Psicologia da Educação-PUCSP. Professora licenciada da Universidade Federal dos Vales dos Jequitinhonha e Mucuri. E-mail: mariadefatimagm@terra.com.br

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Doutora em Ciências Sociais: Antropologia pela PUCSP. Professora Adjunta da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. E-mail: nadjamurta@gmail.com

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envolvidos. Ainda assim, destacamos que dado o caráter multifacetado da Ciência da Nutrição, são muitos os desafios a serem enfrentados, especialmente no que diz respeito à interdisciplinaridade, à superação do modelo biomédico nas ações de intervenção e à articulação entre a teoria e prática.

Palavras-chave: Educação Alimentar e Nutricional. Formação de Professores. Pesquisa Crítica de Colaboração. Psicologia sócio histórica.

Introdução

Este texto tem como principal objetivo relatar as experiências vivenciadas no âmbito do projeto intitulado Desenvolvimento de Estratégia de formação de educadores com vistas à promoção da alimentação saudável do escolar, que está sendo conduzido por docentes e discentes do departamento de Nutrição da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) em colaboração com pesquisadores de outras Universidades e que tem como propósito a formação de educadores, visando a promoção da alimentação adequada do escolar.

O tema “Promoção da Alimentação Saudável no Ambiente Escolar” está inserido no campo da Saúde Pública, especialmente na “Educação em Saúde”, que, segundo Oliveira (2005, p. 425) deve superar a conceituação biomédica de saúde e abranger objetivos mais amplos, uma vez que a saúde não se refere apenas a ausência de doenças. O novo paradigma de saúde que tem sido proposto como alternativo ao modelo flexneriano, curativista, busca levar para as práticas em saúde pública a concepção de que a saúde se produz socialmente (SANTOS, WESTPHAL, 1999), ao mesmo tempo em que reconhece o poder do sujeito de agir nesse processo, tomando sobre sua própria vida.

A articulação entre os setores de saúde e educação vem se consolidando e políticas públicas relacionadas à Alimentação e Nutrição têm sido contempladas no âmbito do Ministério da Educação. Um exemplo disso é a publicação da Portaria Interministerial nº 1.010, de 8 de maio de 2006, que institui as diretrizes para a promoção da alimentação saudável nas escolas de educação infantil, fundamental e de nível médio das redes públicas e privadas, com abrangência nacional, tendo as ações de educação alimentar e nutricional como um dos eixos prioritários (SANTOS, 2012, p. 455).

Ainda em relação ao Ministério da Educação, a resolução número 38 do Fundo Nacional de Alimentação Escolar (BRASIL, 2009) cita como uma de suas diretrizes

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a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional (p.7).

Santos (2012, p. 453), em um estudo sobre as práticas de educação alimentar e nutricional no contexto atual, afirma que se por um lado há um avanço nas políticas públicas, que estão cada vez mais completas, por outro, se reconhece a existência de um hiato entre as formulações destas políticas e as ações desenvolvidas no âmbito local, além do hiato entre discursos e as práticas em torno das ações educativas.

Em estudo recente realizado por Ramos, Santos e Reis (2013), observou-se que ainda são poucas e recentes as pesquisas realizadas sobre o tema Educação Alimentar e Nutricio nal e seus resultados apresentam uma contradição. Ao mesmo tempo em que tais pesquisas revelam melhora no conhecimento em nutrição e nas opções alimentares, a maior parte delas não encontrou alteração no estado nutricional dos pesquisados. Para as autoras este fato mostra a necessidade de intervenções baseadas em metodologias inovadoras de educação em saúde. Para as autoras, o campo da EAN necessita de métodos capazes de dar conta da subjetividade que perpassa o processo educativo e dos fatores que o cercam, como as histórias de vida, crenças e valores presentes na aprendizagem alimentar socioculturalmente construída.

A importância da utilização de metodologias inovadores em Educação Alimentar e Nutricional é enfatizada também, no Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas (2012), que diz

A prática da EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significados que compõem o comportamento alimentar. (BRASIL, 2012, p. 23)

O mesmo documento destaca que o processo de construção de ações intersetoriais implica na troca e na construção coletiva de saberes, linguagens e práticas entre os diversos setores envolvidos com a Educação Alimentar e Nutricional. Nesse sentido, torna-se fundamental a adoção de metodologias de cunho qualitativo que proporcionem o diálogo e a construção coletiva do saber e das ações transformadoras, principalmente tendo em vista que tais metodologias não estão sendo priorizadas nas pesquisas da Ciência da Nutrição.

Canesqui (2011), ao fazer análise do estado da arte da pesquisa qualitativa em Alimentação e Nutrição publicada no período de 1985-2007 na base de dados Scientific

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Electronic Library Online (SciELO), concluiu que dos 327 resumos capturados, 93 (28,4%) se designavam como pesquisas qualitativas ou incorporaram referenciais das ciências sociais e humanas. A autora constatou que, embora os estudos encontrados ainda requeiram aperfeiçoamento teórico-metodológico para superar os estudos descritivos, este tipo de pesquisa amplia positivamente a interlocução da Nutrição com as ciências sociais e humanas.

Também investigando a articulação entre as ciências sociais e humanas e o campo da nutrição, Vasconcelos (2013) analisou 7 dos 22 programas de pós-graduação vinculados à área de Nutrição, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Sua pesquisa revelou que apenas 7,3% do total de dissertações e teses analisadas expressam a influência que as ciências sociais e humanas e as correntes filosóficas, como a dialética e a fenomenologia, em suas teorizações. Desse modo, pode-se apreender que esta área do saber tem alcançado um grupo muito restrito de pesquisadores que conformam o campo científico da Nutrição.

Os exemplos acima nos mostram como correntes filosóficas baseadas no positivismo e nas ciências biológicas continuam influenciando o campo da Nutrição, contribuindo para a reprodução da hegemonia da abordagem quantitativa. Segundo Vasconcelos (2013, p.329), é preciso identificar nas atuais condições objetivas e subjetivas que determinam tal conformação do campo científico da Alimentação e Nutrição no Brasil, quais são os elementos que estão motivando o interesse da grande maioria dos praticantes desta ciência em se afiliar ao paradigma dominante.

O projeto que apresentamos vai à direção contrária a essa reprodução e, em acordo com Gonzáles Rey (2005), nele defendemos a epistemologia qualitativa, que compreende o conhecimento como produção e não como apropriação linear de uma realidade que nos é apresentada. A este respeito, afirma o autor,

o pensamento ocidental tem se inclinado a dicotomias, a partir das quais temos concebido o mundo como externo e independente em relação a nós, como se não fossemos parte dele e como se não estivéssemos implicados, de maneira orgânica, em seu próprio funcionamento. (GONZÁLES REY, 2005, p. 5)

Com a proposta de ação conjunta entre a escola e a promoção da saúde e da alimentação adequada torna-se fundamental olhar para a escola não apenas como o cenário em que ocorre a Educação Alimentar e Nutricional, mas considerar as relações sociais que se constituem naquele contexto, dando especial atenção ao trabalho docente. Chamamos atenção para o fato de que, nas últimas duas décadas, aconteceram mudanças no cenário mundial que

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colocaram novas questões quanto aos objetivos da escolarização, exigindo também mudanças nas formas de organização do trabalho na escola. Essas novas demandas impuseram uma intensificação do trabalho do professor e a ampliação de seu raio de ação, o que, na ausência de uma política clara de formação de docentes, tem gerado desgaste e insatisfação por parte dos mesmos (OLIVEIRA, 2004, p. 1128; SANTOS, 2004, p.1146; GATTI 2003). Acreditamos que mudanças na atividade docente se fazem necessárias, mas elas devem acontecer no sentido de tornar o professor mais capaz de exercer sua tarefa como educador, configurando sua atividade de trabalho como um dos aspectos que concorre para sua realização humana, o que implica uma reconfiguração de sua identidade profissional, capaz de colocá-lo em posição de lutar por melhoria de salários, de condições de trabalho e, inclusive, de uma formação de qualidade (OLIVEIRA, 2004, p. 1128; SANTOS, 2004, p.1146; GATTI 2003).

Segundo Aguiar (2012, p. 62), quando falamos em mudança é importante esclarecer que muitos são os aspectos determinantes, incluindo não só a história de vida e profissional do professor, como também a realidade institucional escolar e social. Assim, as transformações deverão ocorrer num determinado espaço institucional, social, histórico, por sujeitos concretos.

Aguiar, Machado e Aranha (2014, p. 110), afirmam que quando o pesquisador lida com as características da realidade educacional brasileira, cabe a este a tarefa de apreender quais são as múltiplas mediações que constituem a realidade estudada, entendendo que a mesma não se apresenta de forma imediata ao pesquisador.

Concordando com Aguiar, Machado e Aranha (2014, p.110), a construção do conhecimento, no caso do pesquisador, implica entender a atividade docente e a atividade de pesquisa como práxis, ou seja, como produto de conjuntos de relações sociais que se desenvolvem historicamente e este é o propósito do projeto a ser relatado. A seguir, aprofundaremos a discussão da fundamentação teórica metodológica adotada e descreveremos os caminhos percorridos pela pesquisa.

Fundamentação Teórico-Metodológica

O projeto fundamenta-se nos pressupostos de Vigotski e da Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol), que, por sua vez, se baseiam no materialismo histórico e dialético.

Segundo Vigotski (2010, p.63-66), no processo de realização da pesquisa, cabe ao pesquisador procurar mostrar a origem, a essência dos fenômenos ao invés de suas

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características perceptíveis sem, no entanto, desprezar tais características. Ressalta a importância de se fazer uma análise do fenômeno em seu processo de desenvolvimento, acompanhando-o na sua historicidade e em seu movimento. Vigotski (2010) alerta ainda para o perigo do comportamento fossilizado, que muito pode enganar um pesquisador menos atento, pois são comportamentos automatizados, naturalizados. Nesse ponto também o destaca a necessidade de buscar a emergência histórica e social do fenômeno, por meio da análise do seu desenvolvimento histórico.

Baseamos nosso projeto nesse referencial ao propormos conhecer como os sujeitos significam a Educação Alimentar e Nutricional (EAN) na escola, não apenas para descrever a realidade, mas para construir um processo de formação que conduza à transformação da prática docente a partir da informação produzida.

A Pesquisa Crítica de Colaboração (PCCol) em nosso projeto, torna-se fundamental, pois contribui com teorizações e indicações de procedimentos de pesquisa que permitem ao pesquisador entrar no campo de pesquisa de forma comprometida com a colaboração, criando uma postura de entendimento das necessidades do outro (os participantes da pesquisa).

Segundo Magalhães (2007, p. 148), a pesquisa colaborativa, ao lado de outros métodos emergiu como um novo modo de intervir na prática, dando aos participantes, anteriormente objetos de pesquisa, um papel ativo de construtor de conhecimento.

Esse tipo de pesquisa está inserido em um paradigma crítico que tem como objetivo intervir e transformar contextos de modo a propiciar que os participantes aprendam por meio da participação coletiva na condução da pesquisa (MAGALHÃES, 2009, p.65).

Magalhães (2007, p.54) afirma que, no diálogo colaborativo, professor e pesquisador dividem teoria e ação, ou seja, ambos participam na colocação dos problemas que desejam discutir, ambos apresentam sua compreensão do que acontece e como solucionar o problema, e ambos participam da interpretação da realidade.

Uma vez explicitado o nosso fundamento teórico metodológico, e mostrando a nossa fidelidade por ele, passaremos a relatar o caminho percorrido pelo projeto até então.

Os Caminhos percorridos pela pesquisa

Para retomar os caminhos percorridos pela pesquisa Desenvolvimento de Estratégia de formação de educadores com vistas à promoção da alimentação saudável do escolar, iniciamos por situá-lo no tempo e espaço que lhe oferecem as condições objetivas de realização. Desse modo, afirmamos que esse projeto é desenvolvido em Diamantina, cidade

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do interior mineiro, e suas atividades de campo vem sendo desenvolvidas desde o mês de abril de 2014, com previsão de término em dezembro de 2015.

Trata-se de um projeto que articula, em sua condução, pesquisadores com diferentes formações e interesses no campo da nutrição, da psicologia e da educação, o que proporciona aproximação entre as ciências sociais e humanas e o campo da nutrição. Nesse sentido, afirmamos que a equipe que participa de sua condução é composta por 06 pesquisadoras docentes do departamento de Nutrição da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, 3 discentes do curso de Nutrição dessa mesma instituição, 02 pesquisadoras do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUCSP e 01 da UFBA. Além disso, devemos destacar a importante participação de pedagogos e nutricionistas da Prefeitura Municipal de Diamantina, que contribuem para a organização de todas as atividades que são realizadas, facilitando o contato com os professores e incentivando sua formação continuada.

Como sujeitos de pesquisa, temos professores que atuam nas escolas do Ensino Fundamental da rede pública municipal que ficam na sede, totalizando 04 escolas participantes e 15 professores.

Para essa apresentação, dividimos o projeto em quatro partes: a primeira trata da realização de uma oficina de formação com os pesquisadores, para discussão dos fundamentos teóricos metodológicos da pesquisa; na segunda, descrevemos o planejamento das atividades realizadas com os professores da rede municipal; na terceira relatamos a realização de entrevistas com alguns professores, tendo como propósito apreender suas significações da Educação Alimentar e Nutricional e, por fim, na quarta parte, descrevemos a realização das sessões reflexivas.

A primeira parte da pesquisa teve início com a realização de uma oficina que teve como objetivo discutir os fundamentos teóricos metodológicos da pesquisa. Foram temas dessa oficina o materialismo histórico e dialético, os pressupostos de Vigotski para a realização de pesquisa e o referencial da Pesquisa Crítica de Colaboração, através de leituras e discussão de textos sobre os respectivos assuntos. Para tanto, contamos com a participação colaborativa de duas doutorandas do Programa de Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP, que coordenaram as atividades de leitura e também de uma psicóloga e uma coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação da Cidade de Diamantina.

Essa etapa foi muito importante para a preparação dos pesquisadores antes da entrada em campo. Nesse momento, os pesquisadores que tinham mais experiência com o referencial

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teórico-metodológico puderam compartilhar suas experiências e destacar os aspectos fundamentais a serem observados na condução das atividades. Os pesquisadores com menos experiência, por sua vez, puderam se aproximar desse novo referencial, tirar dúvidas e explorar suas características básicas.

Foi interessante observar o processo de desconstrução e reconstrução de concepções sobre a construção do conhecimento, a relação pesquisador-sujeitos de pesquisa e o compromisso ético-político da pesquisa. O estabelecimento de uma rotina de estudo e discussão sobre o referencial se evidenciou como uma necessidade, pois ficou claro para todos que participaram dessa oficina que o que era apresentado como pesquisa qualitativa se tratava de uma nova epistemologia e não apenas uma mudança na qualidade dos dados.

A segunda etapa consistiu na elaboração, por escrito, pelos pesquisadores do planejamento das atividades, no qual constavam algumas perguntas norteadoras. A resposta a todas essas questões nos pareceu muito importante para que as atividades planejadas não se reduzissem apenas à dimensão prática, sem uma teorização que as orientasse e que, inclusive, pudesse ser revista e reconstruída em todo o processo. Na medida em que esclarecíamos para nós mesmos o “porque” e “para que” das ações que planejávamos, tornavam-se mais claros os interesses que estavam em jogo, podíamos reafirmar nosso compromisso com uma abordagem da saúde e da educação alimentar que superasse a biomedicina e podíamos refletir sobre a garantia do poder de fala e ação dos professores nas nossas propostas.

Mesmo que houvesse ampla reflexão dos pesquisadores nesse planejamento, devemos destacar que o objetivo não era apresentar essas atividades aos professores como uma “receita”, como se a reflexão anterior sobre elas fosse suficiente. Ao apresentar as propostas aos professores, novamente discutiríamos sua adequação aos interesses e necessidades dos mesmos, pensaríamos coletivamente em novas formas de realizar a atividade ou uma maneira mais adequada de conseguir um dado objetivo.

Os primeiros temas vislumbrados para serem trabalhados com os professores tiveram como base a pesquisa bibliográfica e conversas com a equipe da secretaria da educação do município. Ainda assim, na tentativa de ampliar o contato com os professores, consideramos importante ouvir o que alguns professores tinham a dizer sobre EAN na escola, antes de iniciar o planejamento na escola. Desse modo, realizamos uma terceira etapa com propósito de apreender as significações da Educação Alimentar e Nutricional para os professores e de nortear os possíveis temas a serem discutidos nas oficinas desenvolvidas nas etapas seguintes. Nessa etapa foram entrevistados quatro professores, representantes de quatro escolas.

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Para apreender as significações dos professores foi elaborado um roteiro com questões sobre a EAN. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas e operacionalizadas por duplas, envolvendo oito pesquisadores. Após transcritas, as mesmas foram analisadas utilizando-se o procedimento de núcleos de significação (AGUIAR, OZELLA, 2006, 2013, AGUIAR, SOARES e MACHADO, 2015).

Sobre o método utilizado, Aguiar e Ozella (2013), afirmam que o mesmo deve ser entendido para além da sua função instrumental, como algo que permite ao pesquisador penetrar no real, objetivando não só compreender a relação sujeito/objeto, mas a própria constituição do sujeito (seus sentidos), produzindo um conhecimento que se aproxime do concreto, síntese de múltiplas determinações.

No entendimento dos sentidos, a linguagem se destaca como uma das inúmeras mediações que permitem a relação dialética entre subjetividade e a realidade objetiva, tornando-se uma síntese entre subjetividade e objetividade. Por meio da linguagem, o mundo subjetivo recebe, como matéria-prima, a palavra com significado, e o sujeito, ativo que é, constrói o sentido subjetivo para a experiência vivida (GONÇALVES e BOCK, 2009, p.123).

O que se fala (a palavra) representa o objeto (no nosso caso as significações dos professores sobre EAN) na consciência. Assim podemos afirmar que as palavras representam uma forma privilegiada de apreensão do ser, pensar e agir do sujeito (no nosso caso do professor). Desta forma, como afirmam Aguiar e Ozella (2013, p.304), o pensamento sofre muitas transformações para ser expresso em palavras, passando pelo significado e pelo sentido. Segundo os autores, ao discutir significados e sentido, é preciso compreender que são unidades dialéticas (simbólico/emocional, respectivamente), assim, na perspectiva de melhor entender os sujeitos, os significados (o que é imediatamente dito) constituem o ponto de partida e contêm mais do que aparentam, caminhando para as zonas de sentido.

Cada núcleo construído inclui um conjunto grande de falas do sujeito, a partir da organização proposta pelo procedimento de Aguiar e Ozella (2013), que permite apontar pré-indicadores e pré-indicadores, até chegar aos núcleos.

Como a pesquisa ainda está em andamento, o único dado disponível que temos para apresentar refere-se a uma análise preliminar dos núcleos de significação encontrados a partir da análise das entrevistas feitas com os quatro professores. Tais dados, até o momento nos indicam a construção de núcleos de significação que terão como tema central a contradição entre o reconhecimento da EAN como um tema importante a ser trabalhado na escola, mas

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para o qual os professores não recebem formação adequada e consideram difícil de incluir em suas aulas.

As análises preliminares, mostram que os professores têm uma ideia de “senso comum” sobre o conceito e conteúdo da Educação Alimentar e Nutricional e admitem que, apesar de considerarem importante trabalhar como o tema, não encontram condições objetivas para isto como: falta de formação profissional, falta de tempo para tratar os conteúdos, falta de apoio de materiais didáticos, inadequação da estrutura física da escola, baixa condição socioeconômica das famílias, falta de conhecimento sobre a conduta do professor ao lidar com casos de obesidade em sala.

Estes dados iniciais nos indicam a necessidade de um trabalho mais aprofundado com os professores nas oficinas, no sentido de melhor entender as mediações de suas falas, ou seja, a tarefa nossa, como pesquisadores é, a partir das oficinas, apreender as mediações sociais constitutivas do sujeito, saindo da aparência, do imediato seguindo em busca da historicidade, da gênese, do processo, do não dito, do sentido. Sendo assim, os núcleos de significação, na medida em que são construídos com a proposta de apreender o vir a ser que se revela a partir das falas dos sujeitos, permitirão indicar possibilidades de superação das dificuldades que se impõem atualmente.

É a partir do conhecimento deste sujeito singular, historicamente constituído que acabamos por conhecer também a realidade (no nosso caso a EAN na sua também complexidade). É em busca deste conhecimento que iniciamos a etapa seguinte: as sessões reflexivas.

A quarta etapa, ainda em andamento, caracteriza-se pelas sessões reflexivas que, como afirma Magalhães (2007, p. 98) tem o objetivo de propiciar contextos para que professores e pesquisadores externos problematizem, explicitem e, eventualmente, modifiquem as formas como compreendem sua prática e a si mesmos. Foram planejadas em nosso projeto a realização de dez oficinas, das quais cinco foram realizadas. Nessas sessões privilegiamos um diálogo franco e as discordâncias não devem ser escamoteadas. Sendo assim, em muitas oportunidades percebemos o surgimento de tensões, discordâncias, e até mesmo frustações.

Observamos em nosso grupo de pesquisa a necessidade da uma intervenção do pesquisador no momento das discussões mais acaloradas. Nesse sentido, Gonzáles Rey (2005, p.50), destaca o importante papel do pesquisador nesse processo, dizendo que as intervenções do mesmo devem ter caráter reflexivo no momento da conversação. Felizmente, percebemos que os sentimentos negativos estão sendo superados a cada oficina, pois tanto as diferenças

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começam a não serem encaradas como um problema quanto porque a convivência e a realização de discussões permitem a construção de objetivos conjuntos entre a equipe de professores e de pesquisadores. Sendo assim, observamos que as discussões tornam-se mais fundamentadas teoricamente e compromissadas com a compreensão e a transformação da realidade.

Considerações Finais

Apesar de inconcluso, todo processo de pesquisa vivenciado até o momento nos permite dizer o quanto está sendo gratificante, e ao mesmo tempo desafiador, trabalhar com metodologias que, além de novas, são epistemologicamente diferentes daquelas que a Ciência da Nutrição está acostumada a utilizar, uma vez que, segundo Vasconcelos (2013, p. 342), a produção ou reprodução do conhecimento científico em Nutrição está centrada na adoção de um paradigma dominante, no caso positivista e biológico, por quase a totalidade dos participantes dessa ciência.

Esse processo diferente de produzir o conhecimento, a partir da epistemologia qualitativa, permite-nos compreender, concordando com os pensamentos de Gonzáles Rey (2011, p.5), que a realidade é um domínio infinito de campos inter-relacionados e não depende de nossas práticas de pesquisa, no entanto, quando nós pesquisadores, nos aproximamos desta complexa realidade por meio de nossas práticas (metodologias, teorias, interpretações), formamos um novo campo de realidade em que as práticas são inseparáveis dos aspectos sensíveis desta realidade. Isto mostra a importância da forma escolhida pelo pesquisador para conhecer esta realidade.

Para finalizar, destacamos que o desafio de trabalhar a educação alimentar e nutricional, um tema amplo e complexo, de difícil conceituação e que envolve várias disciplinas da área do saber da Nutrição jamais poderá ser alcançado em um único projeto de pesquisa, mas esperamos que essa experiência demonstre a possibilidade de construção de um novo modo de pensar e fazer EAN nas escolas, considerando os sujeitos concretos que ali se encontram, suas necessidades e condições objetivas de vida.

REFERÊNCIAS

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