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A Internacionalização de Empresas em Clusters Industriais e a Visão Baseada em Recursos

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A Internacionalização de Empresas em Clusters Industriais e a Visão Baseada em Recursos

Autoria: Aurora Carneiro Zen, Jaime Evaldo Fensterseifer, Frédéric Prévot

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a influência do cluster no processo de

internacionalização de empresas inseridas neste tipo de aglomeração geográfica, utilizando a Visão Baseada em Recursos. Embora diversos trabalhos relacionem as aglomerações de empresas a uma competitividade superior, a análise da influência do cluster na atuação internacional das empresas tem recebido pouca atenção na literatura. O principal argumento desenvolvido ao longo deste ensaio teórico é de que a internacionalização das empresas inseridas em cluster é influenciada, além dos recursos de propriedade exclusiva das empresas, por recursos do país e do cluster. Desta forma, o trabalho apresenta um framework baseado em três níveis de análise: macro, meso e micro. O nível macro corresponde aos recursos do país; o nível meso aos recursos do cluster e; por fim, o nível micro que se refere aos recursos singulares da firma. Assim, a inserção no cluster poderá gerar uma vantagem competitiva no processo de internacionalização por meio do acesso a recursos restritos às empresas de uma determinada aglomeração, tais como reputação, infra-estrutura tecnológica e estrutura logística.

Palavras-chaves: cluster, internacionalização, recursos. 1 Introdução

A competição no âmbito global tornou a internacionalização um importante desafio estratégico assumido pelas organizações dos mais diversos setores econômicos. Enquanto desafio estratégico, a internacionalização possibilita a atuação da empresa no mercado global ou ainda o enfrentamento da crescente concorrência para sua sobrevivência no mercado doméstico.

Nesse contexto também se insere o debate sobre as aglomerações geográficas como fonte de vantagem competitiva. De um lado, a possibilidade de formação de cadeias globais de suprimentos e a facilidade de comunicação transpõem a competitividade decorrente do território. Por outro lado, as aglomerações de empresas estão explicitamente associadas ao conceito de competitividade pelas possibilidades de ganhos coletivos no processo produtivo das organizações (MARSHALL, 1983; PORTER, 1998; SCHMITZ, 1999; CASSIOLATO e LASTRES, 2003). Nessa segunda corrente, o fator regional pode ser considerado uma fonte de vantagem competitiva para as empresas, responsável por um desempenho superior no mercado.

Verifica-se nessa literatura uma preocupação com a identificação de fatores condicionantes, presentes em algumas localidades, capazes de gerar este desempenho competitivo superior (VALE, 2007), especialmente no que tange à inovação e às relações de “coopetição” entre as empresas. Embora diversos trabalhos relacionem as aglomerações de empresa a uma competitividade superior, a análise da influência do cluster na atuação internacional das empresas tem recebido pouca atenção na literatura (MARTINO et al., 2006; ROCHA et al., 2007).

A Visão Baseada em Recursos (VBR), desenvolvida inicialmente para explicar a obtenção de vantagem competitiva sustentável no mercado a partir dos recursos estratégicos das firmas, também poderá dar suporte à análise dos fenômenos competitivos em aglomerações de empresas (TALLMAN et al., 2004; HÉRVAS-OLIVER e ALBORS-GARRIGÓS, 2007). Nessa perspectiva, um cluster industrial pode ser compreendido como um conjunto único de recursos versáteis, cuja forma de utilização produtiva dependerá das percepções de seus gestores e estrategistas. Na análise do cluster sob esta perspectiva, além daqueles recursos de propriedade singular das firmas, é possível

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identificar outros, de acesso restrito, que não pertencem a nenhuma firma individual, contudo podem ser acessados por firmas que seguem determinadas estratégias, ou que estão melhor localizadas, ou ainda que estão mais preparadas para apropriá-los (TALLMAN et al., 2004). Também estão presentes, e internalizados no cluster, recursos coletivos que possuem natureza estratégica e são dificilmente imitáveis, traduzindo-se em potenciais vantagens perante outros clusters ou regiões concorrentes (FENSTERSEIFER e WILK, 2005; HÉRVAS-OLIVER e ALBORS-GARRIGÓS, 2007). Estes recursos coletivos gerados a partir das redes de interações entre os diferentes atores do cluster poderão representar uma vantagem competitiva no processo de internacionalização das empresas pertencentes a essas aglomerações (GELLYNCK et al., 2007).

O objetivo deste trabalho é analisar a influência do cluster no processo de internacionalização de empresas inseridas neste tipo de aglomeração, a partir da Visão Baseada em Recursos. Desse modo, o trabalho pretende contribuir para o debate sobre o ainda pouco explorado tema da internacionalização de empresas em cluster.

Este trabalho consiste em um ensaio teórico organizado em quatro partes, além desta introdução. Na seqüência, apresenta-se uma revisão sobre as aglomerações geográficas, definindo o conceito de cluster industrial, utilizado no artigo. A terceira parte apresenta a Visão Baseada em Recursos, como uma perspectiva para análise de clusters e do processo de internacionalização. O framework analítico é apresentado na quinta sessão. Por fim, as considerações finais e as implicações teóricas e gerenciais deste trabalho.

2 Clusters Industriais

Os estudos sobre as aglomerações de empresas em determinadas áreas geográficas tem como referência histórica o trabalho de Marshall (1890) sobre os distritos industriais ingleses, denominados posteriormente de distritos marshalianos. Segundo Marshall (1890), essas aglomerações geram externalidades positivas, decorrentes da presença de três fatores: concentração de empresas especializadas em diferentes etapas do processo produtivo de uma determinada área, acesso facilitado aos recursos produtivos e disponibilidade constante de mão-de-obra especializada.

Os distritos industriais marshallianos, vinculados a uma perspectiva econômica, representam a principal referência histórica para a maioria das pesquisas sobre aglomerações. Contudo, diversas abordagens sobre o tema surgiram ao longo do Século XX e neste início do Século XXI, pois o fenômeno das aglomerações geográficas de empresas tornou-se um importante tema de debate em diversas áreas do conhecimento, tais como a economia, a geografia, a sociologia e a administração. Da mesma forma, as definições e as abordagens teóricas para as aglomerações são diversas. Dentre estas diferentes denominações, o cluster é possivelmente a denominação mais difundida na literatura (ROSENFELD, 1997; PORTER, 1998; SCHMITZ, 1999; GIULIANI, 2005).

Segundo Porter (1998, p. 211), “um cluster é uma concentração geográfica de empresas e instituições relacionadas a determinado setor”. De maneira semelhante, para Rosenfeld (1997) o cluster é uma concentração geograficamente delimitada por negócios interdependentes com canais ativos de transações de negócio, diálogo e comunicação e que coletivamente compartilham oportunidades e ameaças comuns. Esta definição sugere que podem existir pontos convergentes na estratégia de empresas inseridas no mesmo cluster, pois poderão partilhar de algumas oportunidades e ameaças semelhantes.

Giuliani (2005, p. 272) define cluster como “aglomerações geográficas de firmas operando na mesma indústria”, contudo ressalta a existência de diferentes definições que consideram as ligações sociais, a aprendizagem coletiva e a geração de inovações como características essencias para a existência de cluster.

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Outras denominações para as aglomerações são utilizadas por diversos autores, dentre as quais se destaca “distritos industriais neo-marshalianos”, que considera as relações culturais e sociais interfirmas nas aglomerações (BECATTINI, 1991) e “sistemas produtivos locais“ (SPLs) e “arranjos produtivos locais” (APLs), que pressupõem a existência de mecanismos de governança e aprendizagem para o desenvolvimento de inovações (CASSIOLATO e LASTRES, 2003).

Os APLs são definidos como aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, com foco em um conjunto de atividades econômicas e que apresentam vínculos ainda que incipientes. Já os SPLs referem-se aos aglomerados de agentes econômicos, políticos e sociais, localizados em um mesmo território, que apresentam vínculos consistentes de articulação, interação, cooperação e aprendizagem. Esses aglomerados incluem não apenas empresas - produtoras de bens e serviços finais, fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de serviços, comercializadoras, clientes, etc. e suas variadas formas de representação e associação - mas também diversas outras instituições públicas e privadas voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento. Adota-se, ainda, o conceito de APLs para referenciar aquelas aglomerações produtivas cuja articulação entre os agentes locais não é suficientemente desenvolvida para caracterizá-las como sistemas (CASSIOLATO e LASTRES, 2003). Assim, o conceito de SPL ressalta a análise de interações, particularmente aquelas que levem à introdução de novos produtos e processos.

De acordo com Cassiolato e Lastres (2003), a abordagem de “sistemas locais de inovação ou de produção” privilegiam a investigação das relações entre conjuntos de empresas e destes com outros atores; dos fluxos de conhecimento, em particular na dimensão tácita; das bases do processo de aprendizado; da importância da proximidade geográfica e da identidade histórica, institucional, social, cultural como fontes de diversidade e vantagens competitivas. Nessa abordagem, nota-se que a principal preocupação dos autores é evidenciar a necessidade de vínculos cooperativos e de mecanismos governança para a ampliação da capacidade de inovação e da competitividade das empresas.

Neste artigo utiliza-se o termo “cluster industrial” para definir um aglomerado de empresas e instituições relacionadas a um mesmo setor industrial em uma determinada área geográfica, que estabelecem relações de cooperação e de competição. Com base nesta definição, o cluster pode ser analisado como uma nova entidade caracterizada pelas relações dinâmicas das empresas no nível meso-econômico. Assim, a VBR utilizada no campo da estratégia empresarial também poderá ser um referencial importante na análise estratégica de clusters.

3 A Visão Baseada em Recursos

A Visão Baseada em Recursos (VBR) tem origem na década de 50, apoiada no pressuposto teórico da firma como uma coleção de recursos estratégicos à disposição de uma unidade administrativa, cujo uso pode ser determinado e/ou mudado por decisão desta unidade (PENROSE, 1959). De acordo com a autora, os recursos da firma são um conjunto de possíveis serviços da firma, o que ressalta a natureza dinâmica dos recursos e a importância da forma de utilização pela firma para a oferta de um serviço. A proposição central da VBR é que a fonte de vantagem competitiva se encontra nos recursos e nas competências desenvolvidos e controlados pelas empresas. A empresa possui uma vantagem competitiva quando implementa uma estratégia de criação de valor que não pode ser simultaneamente implementada por concorrentes atuais ou potenciais. A vantagem competitiva é considerada “sustentável” quando as empresas concorrentes não

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forem capazes de duplicar os benefícios decorrentes da implementação de uma estratégia. As empresas obtêm uma vantagem competitiva sustentável a partir dos seus recursos considerados estratégicos, que são a base para a formulação de uma estratégia que garanta um desempenho superior.

Os recursos da empresa podem ser definidos de forma ampla como “qualquer coisa que pode ser pensada como uma força ou fraqueza de uma dada firma. Mais formalmente, os recursos de uma firma em dado período, poderiam ser definidos como aqueles ativos (tangíveis e intangíveis) que estão vinculados à firma. São exemplos de recursos: marca, conhecimento específico de tecnologia, emprego de pessoal habilitado, contratos de negócio, maquinário, procedimentos eficientes, capital, etc.” (WERNERFELT, 1984, p. 172). De maneira mais restrita, Grant (1991) define os recursos como os inputs básicos do processo produtivo, ou seja, constituem a unidade de análise básica da estratégia da firma. Ne mesmo sentido, para Daft (apud BARNEY, 1991) os recursos são todos os ativos controlados pela firma que permitem conceber e implementar estratégias que aumentem a sua eficiência e efetividade.

Com base na definição mais ampla, os recursos da firma resultam de sua decisão exclusiva de como combinar seus diferentes ativos e fatores de produção. Os recursos são, portanto, os atributos de uma empresa que a diferencia das demais pela sua singularidade na combinação de ativos. Cada empresa possui, assim, um conjunto único de recursos, que emerge das suas características, rotinas e trajetória.

A literatura apresenta diversas classificações para a análise dos recursos da firma. Os principais critérios para categorização dos recursos identicados na literatura são: tangibilidade (WERNERFELT, 1984; HALL, 1993; METAIS, 2004); utilização ou função do recurso na organização (PENROSE, 1959; GRANT, 1991; BARNEY, 1997; SEPPÄNEN, 2008); propriedade (COOL, 2000); acessibilidade (DIERICKX e COOL, 1989; BLACK e BOAL, 1994).

A partir desta revisão das classificações existentes na literatura, o Quadro 1 apresenta uma proposta de classificação dos recursos.

Quadro 1 – Classificação dos recursos da firma Tangíveis Recursos físicos - Instalações e planta - Equipamentos e maquinários - Acesso à matéria-prima Recursos financeiros

- Capital financeiro e contábil - Acesso ao crédito

Recursos legais - Contratos

- Propriedade intelectual (patentes, design, marcas, segredos industrais)

- Acordos e licenças

Intangíveis

Recursos organizacionais

- Conhecimento técnico e de mercado - Sistemas de informações e banco de dados

- Cultura organizacional

- Processos produtivos e gerenciais - Desenvolvimento de novos produtos Recursos humanos

Recursos relacionais - Reputação da empresa - Canal de distribuição

- Relacionamentos cooperativos Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Wernerfelt (1994), Grant (1991), Barney (1997), Metais (2004) e Seppänen (2008).

A classificação apresentada divide os recursos da firma em duas categorias principais: tangíveis ou intangíveis. Os recursos tangíveis são mais facilmente identificáveis e mensuráveis, tais como recursos físicos, financeiros e legais. Por outro

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lado, os recursos intangíveis são mais subjetivos e de difícil mensuração, tais como recursos humanos, organizacionais e relacionais.

Para que a empresa obtenha uma vantagem competitiva sustentável deverá possuir recursos estratégicos. Entretanto, o valor estratégico dos recursos dependerá da combinação que a firma fará dos mesmos e da trajetória que a organização seguirá (BLACK e BOAL, 1994). A empresa obterá uma vantagem competitiva à medida que cria valor pra o mercado com base nos seus recursos. Desse modo, a firma possui uma vantagem competitiva quando implementa uma estratégia de criação de valor que não pode ser simultaneamente implementada por concorrentes atuais ou potenciais. Porém, a vantagem competitiva será sustentável quando outras firmas não forem capazes de replicar os benefícios dessa estratégia (BARNEY, 1991).

Segundo Barney (1991), para que os recursos de uma empresa possam ser fontes de vantagem competitiva sustentável devem atender a quatro requisitos: serem valiosos, no sentido de explorar as oportunidades do ambiente em que a firma se insere; serem raros entre as empresas concorrentes; serem de imitação imperfeita; e não possuírem substitutos estrategicamente equivalentes. Entretando, Barney (1997) faz uma alteração no modelo de análise de recursos estratégicos propondo o modelo VRIO. De acordo com este modelo, a avaliação dos recursos de caráter estratégico deve responder a quatro questões:

• a questão do valor (o recurso possibilita à firma explorar uma oportunidade ou neutralizar uma ameaça do ambiente?);

• a questão da raridade (o recurso é controlado por apenas um pequeno número de empresas concorrentes?);

• a questão da imitabilidade (as firmas concorrentes enfrentam um custo desvantagem na obtenção ou desenvolvimento deste recurso?); e

• a questão da organização (a firma possui outras políticas e processos organizados para possibilitar a exploração dos seus recursos valiosos, raros e de difícil imitação?).

Nesse mesmo sentido, Grant (1991) argumenta que para que a empresa obtenha uma vantagem competitiva sustentável, seus recursos devem ser: duráveis, ou seja, não se tornarem obsoletos rapidamente; não transparentes, que significa de difícil imitação; não transferíveis e; não replicáveis por meio do desenvolvimento interno das firmas concorrentes. Já para Dierickx e Cool (1989), a vantagem competitiva sustentável decorre de recursos não disponíveis no mercado, não imitáveis e sem substitutos.

A heterogeneidade e a mobilidade imperfeita dos recursos são os dois pontos convergentes entre esses autores para a obtenção de vantagem competitiva sustentável (DIERICKX et al., 1989; BARNEY, 1997; GRANT, 1991; PETERAF, 1993). De acordo com Barney (1991), os mecanismos que possibilitam uma imitação imperfeita são: a dependência da trajetória histórica única da firma, a ambigüidade causal e a complexidade social. A dependência da trajetória1 significa que os recursos foram desenvolvidos no decorrer da história da organização e, portanto, não poderiam ser imitados pelos concorrentes, pois refletem o resultado de uma trajetória de circunstâncias únicas e de erros, acertos e aprendizagem. As condições de ambigüidade causal indicam a impossibilidade da identificação dos recursos geradores da vantagem competitiva sustentável, impedindo que os concorrentes imitem a estratégia adotada pela empresa. Por fim, os recursos podem ser gerados a partir de fenômenos sociais complexos, que estão além da capacidade de influência e gestão da firma. A elevada complexidade social em que o recurso se forma reduz a habilidade de imitação das concorrentes.

Assim, a ambigüidade causal ocorre quando as relações de causa e efeito entre os recursos da empresa e sua vantagem competitiva não são perfeitamente compreendidas,

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nem mesmo pela própria organização, dificultando a replicação de sua estratégia pelos concorrentes (REED e DeFILLIPPI, 1990). Os autores apresentam três características que podem gerar a ambigüidade causal: a tacitabilidade, a complexidade e a especificidade. A tacitabilidade se refere à acumulação de habilidades implícitas e não-codificáveis no processo de aprendizado. A complexidade resulta da interdependência e das inter-relações das habilidades e dos ativos da firma. A especificidade refere-se a ativos e habilidades transacionais específicas que são utilizadas em processos produtivos de serviços para consumidores particulares. As condições de ambigüidade causal indicam a impossibilidade da identificação dos recursos geradores da vantagem competitiva sustentável, impedindo que os concorrentes imitem a estratégia adotada pela empresa.

Rumelt (1984) argumenta que essa resistência à imitação é gerada por “mecanismos de isolamento”, tais como especificidade de ativos, aprendizado, experiência acumulada, ambigüidade causal, entre outros. São os recursos da empresa, consubstanciados em competências e capacidades que criam e exploram lucrativamente um potencial de diferenciação latente nos mercados (FLEURY e FLEURY, 2003). Assim, esta dinâmica da organização e das relações existentes no cluster explica a geração de recursos estratégicos, que não podem ser replicados pelos concorrentes ou por empresas externas ao cluster. Estes recursos também serão considerados no desenvolvimento de uma estratégia de internacionalização.

3.1 A VBR e o Processo de Internacionalização

Diversas teorias foram desenvolvidas para explicar o processo de internacionalização das empresas, principalmente a partir da década 70. Estas teorias podem ser agrupadas em duas abordagens principais (ANDERSEN, 2000; CHETTY e WILSON, 2003; DIB e CARNEIRO, 2006): a abordagem comportamental, representada principalmente pela Escola de Uppsala, e a abordagem econômica, representada pela Teoria Eclética.

Na abordagem comportamental da internacionalização o processo de internacionalização dependeria das atitudes, percepções e comportamento dos tomadores de decisão, que seriam orientados pela busca da redução de risco nas decisões sobre onde e como expandir. Por outro lado, na abordagem com base em critérios econômicos prevaleceriam soluções racionais para as questões advindas do processo de internacionalização, que seria orientado para um caminho de decisões que trouxessem a maximização dos retornos econômicos (DIB e CARNEIRO, 2006).

A Visão Baseada em Recursos (VBR), considerada uma perspectiva dominante na literatura da estratégia, tem crescido sua utilização também no campo de negócios internacionais, entre os quais: empreendedorismo internacional, alianças estratégicas, gestão de multinacionais e estratégias de ingresso no mercado (BARNEY et al., 2001). Diversos trabalhos (eg, PENG, 2001; FAHY, 2002; DHANARJ e BEAMISH, 2003; KNIGHT e KIM, 2009) indicam que a VBR pode trazer contribuições relevantes para entender o processo de internacionalização das empresas.

O processo de internacionalização é entendido pela VBR como a implementação de uma estratégica para diversificação de suas operações para além das fronteiras do mercado de origem. Assim, as firmas podem organizar seus negócios internacionais de diversas formas, conforme o nível de integração das atividades no mercado internacional. As opções internacionais da firma podem ser agrupadas em três categorias, de acordo com a tipo de governança que se estabelece com o mercado internacional. A primeira categoria refere-se a exportações, na qual a governança se dá pelo mercado. A segunda refere-se a acordos de licenciamento, franquias, alianças cooperativas e joint-ventures, no

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qual a governança é intermediária. Por, a terceira seria de uma governança hierarquizada, por meio de fusões e aquisições (BARNEY, 1997).

Entretanto, de acordo com Chetty e Wilson (2003), a análise dos recursos no processo de internacionalização também pode ser consistente com o modelo de internacionalização em estágios, no qual os esforços iniciais de internacionalização são impedidos pela falta de recursos. Johanson e Vahlne (1977) argumentam que a acumulação gradual de recursos da firma leva à internacionalização e ao aumento do comprometimento internacional. Enquanto as empresas atuam no mercado doméstico, estão no processo de geração de recursos para desenvolver esforços no mercado internacional; após a sua inserção no mercado internacional, o aprendizado e a experiência possibilitariam o desenvolvimento de novos recursos e a expansão da empresa no ambiente global.

O processo gradual de inserção internacional e de aumento de comprometimento poderá ser analisado a partir da perspectiva dos recursos e da abordagem comportamental de internacionalização. Conforme a empresa desenvolve os recursos necessários à internacionalização, ela ampliará o seu ingresso no mercado internacional. Esses recursos, principalmente os intangíveis, possibilitam a redução do risco no processo e a obtenção de vantagem competitiva em mercados externos.

Argumenta-se ainda que além dos recursos desenvolvidos internamente, a empresa pode acessar recursos por meio de relacionamentos interorganizacionais e da interação com outras organizações inseridas no mesmo território geográfico. Esses recursos, gerados nas redes interorganizacionais, poderiam contribuir para o processo de internacionalização (CHETTY e WILSON, 2003).

Das e Teng (2000) desenvolveram uma teoria da aliança estratégica baseada nos recursos, na qual consideram a intenção dos parceiros de obter acesso aos recursos de outras organizações mais do que aplicar seus próprios recursos. Assim, as relações interorganizacionais também podem ser fontes de recursos estratégicos para as organizações, facilitando o acesso aos recursos necessários para o ingresso no mercado internacional.

Da mesma forma, Wilk e Fensterseifer (2003) argumentam que as alianças interfirmas podem ser concebidas como estratégias de combinação e acesso a recursos, permitindo a redução de tempo e investimentos para a formação do portfólio de recursos necessário para adquirir e sustentar uma vantagem competitiva. No processo de internacionalização, as alianças possibilitam o acesso a recursos e aumentam a competitividade internacional da empresa.

Fahy (2002) propõe um modelo com base na VBR para explicar a obtenção de vantagem competitiva sustentável no ambiente global. Segundo este modelo, os recursos centrais para a obtenção desta vantagem global abrangem os recursos específicos da firma e do país de origem e do país que a firma pretende ingresso. Os recursos específicos da firma são formados pelos ativos tangíveis e intangíveis e suas capacidades, definidas por uma diversidade de termos, incluindo habilidades, ativos invisíveis e bens intermediários. Por sua vez, os recursos específicos do país são formados por dois tipos: os recursos básicos, que se referem à localização e às características climáticas e naturais; e os recursos avançados, tais como sistema educacional, capacidade tecnológica e infra-estrutura de comunicação. O trabalho de Fahy (2002) ressalta a existência de recursos externos à firma, mas que influenciam na obtenção de vantagem competiva sustentável no mercado global.

Os trabalhos citados evidenciam que os recursos necessários à internacionalização da firma não se limitam aos desenvolvidos internamente, ou seja, que existem recursos que podem ser acessados e desenvolvidos por meio de relações interorganizacionais

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cooperativas. Além dos mecanismos de cooperação, Fensterseifer e Wilk (2005) argumentam que as aglomerações geográficas geram recursos estratégicos por meio de

spillovers2, que possibilitam um desempenho superior às empresas. Da mesma maneira,

os recursos gerados nas aglomerações geográficas, como os clusters industriais, influenciam o processo de internacionalização das empresas.

3 Recursos em Clusters

Becattini (1991) considera os aglomerados como um agente coletivo e que, para obter sucesso, depende também da construção de uma forte rede de relacionamentos com o mercado final e do desenvolvimento de uma imagem da aglomeração, independente da imagem particular das empresas que formam o cluster. Assim, o autor evidencia a formação de um novo agente econômico, resultante da sinergia entre empresas e instituições presentes no cluster. Entretanto, para a aplicação da VBR para análise de clusters faz-se necessário a identificação de novas categorias de recursos, diferenciando aqueles que são internos à região, mas externos às firmas individuais.

Os recursos do cluster decorrem da existência de spillovers no ambiente do cluster, denominada por Marshall (1983) de “atmosfera industrial”, que podem funcionar como mecanismos de transferência, acesso ou aquisição de recursos. Além disso, a proximidade física pode produzir extravasamentos de conhecimentos, inovações, tecnologia e outros elementos que venham beneficiar as demais empresas. Essa condição também estimula o desenvolvimento de acordos cooperativos para o acesso aos recursos necessários às empresas. Por outro lado, podem ocorrer spillovers negativos, que afetam a imagem do cluster e influenciam de maneira negativa o desempenho das empresas.

A existência de relacionamentos cooperativos entre os diferentes tipos de organizações inseridas no cluster poderá gerar uma renda relacional. Segundo Dyer e Singh (1998), as rendas relacionais são geradas nas relações de trocas que não pode existir na atuação isolada de uma firma, mas que só podera ser criada através das contribuições idiossincráticas dos participantes de uma relação de cooperação. Os autores argumentam que as rendas relacionais são possíveis quando os parceiros combinam, trocam ou investem em ativos idiossincráticos, em conhecimentos ou recursos e capacidades, que permitam a realização de rendas através da combinação sinérgica de ativos. Desta forma, as relações cooperativas existentes no cluster poderão ser fonte de geração de renda.

Em suma, o ambiente gerado no cluster poderá influenciar o desempenho e a competitividade das organizações de diversas formas, tais como o desenvolvimento de inovações para o mercado internacional (ROCHA et al, 2007) ou a geração de rendas relacionais (DYER e SINGH, 1998). Nesse sentido, Fensterfeiser e Wilk (2005) argumentam que a inserção no cluster poderá influenciar o desempenho competitivo das empresas, em decorrência da geração de recursos estratégicos construídos e compartilhados por estas empresas. Assim, os autores propõe uma classificação dos recursos existentes em clusters com base em três tipos: recursos singulares, recursos sistêmicos e recursos de acesso restrito. Cada categoria de recursos contribui de maneira distinta para a formação de vantagens competitivas das empresas em cluster. Os recursos singulares propiciam a diferenciação e a competição entre as firmas do cluster, mas influenciam, em certo grau, as barreiras à entrada na indústria como um todo. Os recursos sistêmicos protegem o cluster em relação a outras aglomerações de firmas contribuindo na construção da competitividade sistêmica da região. Os recursos restritos atuam como uma variação dos sistêmicos influenciando a competitividade sistêmica e as barreiras do cluster a partir da indução diferenciada da competitividade em grupos estratégicos de

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firmas (FENSTERSEIFER e WILK, 2005). A Figura 1 apresenta as categorias de recursos no cluster, decorrentes dos mecanismos de spillovers.

Figura 1 – Categoria de Recursos em cluster

Fonte: Adaptado de Fensterseifer e Wilk (2005)

Os recursos singulares pertencem às firmas individuais e são sustentados estrategicamente pela dependência da trajetória, assimetrias de conhecimentos, ambigüidade causal ou mesmo pela complexidade social dos recursos. Os recursos singulares possibilitam desempenhos heterogêneos entre as firmas inseridas no mesmo cluster, conforme os pressupostos da VBR.

Os recursos sistêmicos são aqueles que não pertencem às firmas individuais e impactam de maneira indistinta o desempenho de todas as empresas pertencentes ao cluster. São recursos decorrentes das relações dinâmicas do cluster para os quais não há concorrência entre as empresas, pois podem ser compartilhados da mesma maneira por todas. A formação desses recursos ocorre por vários processos complexos e interligados, marcados pela dependência da trajetória do cluster. Relacionam-se, assim, à diferença competitiva entre clusters de firmas ou entre firmas pertencentes e não-pertencentes à aglomeração.

Os recursos de acesso restrito não pertencem exclusivamente a nenhuma empresa, mas podem ser acessados de forma privilegiada somente por um grupo distinto de empresas do cluster. Enquanto os recursos sistêmicos beneficiam todas as empresas do cluster, os recursos de acesso restrito beneficiam apenas aquelas que adotam uma determinada conduta no ambiente em que participam. Esse acesso restrito ocorre por múltipos fatores, entre os quais: a iniciativa da empresa em acessá-los; o seu portfólio de recursos; a sua participação na formação do aglomerado; a base de conhecimento; a capacidade absortiva da empresa e os seus relacionamentos interorganizacionais. São estes recursos que induzem a formação de grupos estratégicos de firmas no cluster com desempenho superior na indústria (FENSTERSEIFER e WILK, 2005).

Argumenta-se, assim, que a inserção no cluster possibilita o acesso a essas categorias de recursos, que influenciarão positivamente a geração de vantagem competitiva sustentável. Isto porque os recursos no cluster são resultado de um processo social complexo, marcado pela trajetória histórica das organizações presentes. Entretanto, as categorias de recursos do cluster – sistêmicos, de acesso restrito e singulares – exercem diferentes níveis de influência na geração de uma vantagem competitiva sustentável.

Os recursos sistêmicos podem ser compartilhados da mesma maneira por todas as empresas pertencentes ao cluster. Relacionam-se à diferença competitiva entre clusters de

Firmas Recursos Singulares Recursos de Acesso Restrito Recursos Sistêmicos

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firmas ou entre firmas pertencentes e não-pertencentes às aglomerações. Assim, estes recursos podem constituir uma vantagem em relação às empresas externas ao cluster, mas dificilmente possuiriam características estratégicas para a geração de uma vantagem competitiva sustentável.

Enquanto os recursos sistêmicos beneficiam todas as empresas do cluster, os recursos de acesso restrito beneficiam apenas um número limitado delas. Esta segunda categoria de recursos gera diferenças no nível de competitividade das empresas intra-cluster, porém estarão acessíveis a um conjunto de empresas, dificultando a geração de uma vantagem competitiva sustentável baseada somente nesta categoria de recursos.

As diferenças na apropriação dos recursos de acesso restrito estão relacionadas a diversos fatores, conforme já mencionado. Contudo, destacam-se os diferentes níveis de capacidade absortiva das firmas ou ainda à existência de grupos ou redes de empresas que desenvolvem recursos exclusivos aos membros do grupo. Cohen e Levinthal (1990) definem capacidade absortiva como a capacidade de uma organização em reconhecer o valor de uma informação, assimilá-la e então poder utilizá-la com uma finalidade comercial. Esta capacidade pode estar relacionada à trajetória histórica da firma, ao conhecimento acumulado e aos processos de aprendizagem da firma. Assim, nem todas as empresas absorvem de maneira homogênea os recursos disponíveis no cluster, ou seja, algumas firmas não terão capacidade para incorporá-los a sua estratégia de atuação. Da mesma forma, a existência de grupos de empresas inseridas no cluster com finalidades específicas, como por exemplo redes interorganizacionais para internacionalização, poderá gerar recursos que são de acesso limitado às empresas que participam do grupo.

Por fim, os recursos singulares pertencem às firmas individuais e são sustentados estrategicamente por mecanismos de isolamento tais como dependência da trajetória, assimetrias de conhecimentos, ambigüidade causal ou mesmo pela complexidade social dos recursos. Esta última categoria de recursos será a principal fonte de vantagem competitiva sustentável da empresa no mercado. Argumenta-se que a geração de vantagem competitiva sustentável das empresas em cluster poderá decorrer da combinação de recursos singulares, sistêmicos e de acesso restrito para o desenvolvimento de suas estratégias.

Segundo Barney (1997), para que a empresa explore e se aproprie dos recursos com potencial de geração de valor é necessário que exista um alinhamento entre as características dos recursos e sua estrutura organizacional. Por isso, mesmo entre empresas inseridas no mesmo cluster é possível identificar uma heterogeneidade na absorção e na combinação dos recursos e, por conseqüência, diferenças no desempenho competitivo dessas organizações. De acordo com Tallman et al. (2004), essas assimetrias resultam da arquitetura organizacional específica das empresas do cluster, que por meio de mecanismos de isolamento (REED e DEFILLIPPI, 1990), permitem que empresas no mesmo cluster apresentem diferentes níveis de desempenho sustentável.

3 Internacionalização de empresas em Clusters

No processo de internacionalização de empresas em clusters, as aglomerações geográficas podem exercer uma influência importante na competitividade das empresas e na inserção internacional. A competitividade refere-se à capacidade da empresa de formular e implementar estratégias concorrenciais, que lhe permitam ampliar ou conservar, de forma duradoura, uma posição sustentável no mercado (COUTINHO e FERRAZ, 1994). A análise da competitividade da empresa visando à inserção internacional deverá considerar os processos internos à empresa e à indústria, bem como as condições econômicas gerais do ambiente produtivo. O modelo de análise de Ferraz

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(1996) considera como determinantes da competitividade: fatores empresariais (internos à empresa), fatores estruturais (referentes ao setor industrial) e fatores sistêmicos.

Os fatores empresariais são aqueles sobre os quais a empresa detém o poder decisório e que podem ser controlados ou modificados através de condutas assumidas. Referem-se basicamente ao estoque de recursos acumulados pela empresa e às estratégias de ampliação desses recursos. Os fatores estruturais são aqueles sobre os quais a capacidade de intervenção da empresa é limitada pela mediação do processo de concorrência, estando apenas parcialmente sob sua influência. Estes fatores relacionam-se diretamente ao padrão de concorrência dominante em cada indústria. Já os fatores sistêmicos constituem externalidades para a empresa, sobre os quais a empresa detém escassa ou nenhuma possibilidade de intervir, servindo apenas de parâmetros no processo decisório. Os fatores sistêmicos podem ser: macroeconômicos, político-institucionais, legais e regulatórios, infra-estruturais, sociais e internacionais. Assim, consideram-se três níveis determinantes da competitividade: empresa, estrutura da indústria e sistema político-econômico (COUTINHO e FERRAZ, 1994).

De acordo com Meyer-Stamer (2001), a análise da competitividade sistêmica gerada pelos clusters necessita de uma visão mais abrangente do fenômeno, composta por quatro níveis: micro, meso, macro e meta. O nível micro refere-se às atividades dentro da empresa e ao desenvolvimento de acordos cooperativos para a criação de vantagem competitiva. O nível meso corresponde às ações de atores públicos e privados para a criação de vantagens que beneficiem um conjunto de empresas em determinadas localidades e/ou setores de atuação, tais como o desenvolvimento tecnológico e a promoção econômica e das exportações. No nível macro estão os ambientes econômico, político e legal, que afetam as empresas do país por meio das políticas monetárias, cambiais, orçamentárias, fiscais e de comércio exterior. Por fim, o nível meta implica em padrões de organização política e econômica orientados para o desenvolvimento do país, tais como: estrutura competitiva da economia, capacidade de formulação de visões e estratégias, coesão social, status social de empreendedores. Este nível transcende a atuação das empresas e do poder público, pois resulta da ação coletiva dos agentes: indivíduos, organizações e instituições.

Considerando a influência do nível macro na competitividade internacional e na obtenção de uma vantagem competitiva global, Fahy (2002) argumenta que, além dos seus recursos próprios, o desempenho da firma no mercado global depende dos recursos específicos do país que pretende atuar. Esse conjunto de recursos do país foi dividido em dois subgrupos: recursos básicos e recursos avançados. Os recursos básicos incluem aqueles inerentes ao país e fixos, tais como a localização do país, o clima, os recursos naturais existentes, bem como aqueles com mudanças periódicas como o custo da mão-de-obra, do capital e da tributação ao negócio. Os recursos avançados são os que requerem investimentos de maneira permanente ao longo do tempo, tais como o sistema educacional do país, a infra-estrutura de comunicação e marketing, a cultura, o nível de produtividade do país e a capacidade tecnológica e organizacional (FAHY, 2002).

No nível meso, observa-se que no cluster ocorre o desenvolvimento de recursos coletivos e de acesso restrito por meio de spillovers, que permitem a obtenção de vantagem competitiva quando utilizados pelas organizações que o compõem. Características associadas à ambigüidade causal, à dependência de trajetória e à complexidade social (BARNEY, 1991), além de vantagens decorrentes da dificuldade de replicação também existem nos clusters. Desta forma, os recursos do cluster também são fontes de vantagem competitiva e influenciam a internacionalização das empresas. Estas os acessam e os combinam com seus recursos singulares, decorrentes das características únicas da firma, tais com a sua trajetória histórica, para o desenvolvimento de sua

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estratégia de internacionalização (TALLMAN et al., 2004; HÉRVAS-OLIVER e ALBORS-GARRIGÓS, 2007).

Neste artigo propõe-se a utilização de três dimensões analíticas do processo de internacionalização das empresas em cluster: o nível micro, que abrange o acesso aos recursos singulares da firma; o nível meso, que se refere aos recursos acessíveis no ambiente do cluster; e o nível macro, que considera os recursos do país, tais como políticas públicas de apoio à internacionalização das organizações, infra-estrutura logística, política de tributação do setor, etc. Com base nessas três dimensões de análise, a Figura 2 apresenta o framework proposto neste trabalho.

Figura 2 – Framework do Processo de Internacionalização de Empresas em Clusters

O primeiro elemento é relacionado ao nível macro, que se refere aos recursos específicos do país, externos ao ambiente produtivo das empresas e ao cluster. Estes recursos poderão influenciar o desenvolvimento dos recursos da firma e do cluster. Neste trabalho propõe-se a classificação dos recursos do país como: recursos humanos (formação e disponibilidade de mão-de-obra), recursos tecnológicos (capacidade tecnológica da país), recursos de infra-estrutura (localização geográfica e logística de suprimentos e de distribuição), recursos financeiros (disponibilidade de recursos finaceiros e acesso ao crédito) e recursos políticos e legais (incentivos às empresas e à internacionalização, legislação tributária, estabilidade econômica).

A segunda dimensão refere-se ao nível meso, que abrange os recursos sistêmicos e de acesso restrito desenvolvidos no cluster. Esses recursos são apropriados pelas empresas e impactam no seu desempenho no mercado, bem como no desenvolvimento de sua estratégia de internacionalização. A teoria das redes evidencia a relação da empresa com o ambiente para o acesso e o desenvolvimento de recursos necessários ao processo de internacionalização (CHETTY e WILSON, 2003; GELLYNCK et al., 2007). No contexto das aglomeções, o nível meso trata do acesso aos recursos disponíveis no cluster

ESTRATÉGIA DE INTERNACIONALIZAÇÃO

Motivação Modo de ingresso Escolha dos Mercados

MICRO (EMPRESA) TANGÍVEIS Recursos físicos Recursos financeiros Recursos legais INTANGÍVEIS Recursos organizacionais Recursos humanos Recursos relacionais MESO (CLUSTER) Recursos Sistêmicos Recursos de Acesso Restrito MACRO (PAÍS) Recursos humanos Recursos tecnológicos Recursos de infra-estrutura Recursos financeiros Recursos políticos e legais

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para a formação de sua estratégia e que impactam no desempenho competitivo das empresas (HÉRVAS-OLIVER e ALBORS-GARRIGÓS, 2007). Entretanto, a apropriação desses recursos não ocorre de maneira homogênea, indicado a existência de três categorias de recursos: sistêmicos, de acesso restrito e singulares.

Conforme Fensterseifer e Wilk (2005), os recursos sistêmicos irão impactar da mesma maneira no desempenho das empresas do cluster, enquanto os recursos de acesso restrito estão limitados a algumas empresas em decorrência de suas diferentes capacidades absortivas ou da existência de grupos de empresas que desenvolvem recursos específicos.

Por fim, os recursos singulares correspondem ao nível micro de análise no framework. Tratam-se dos recursos desenvolvidos internamente pela organização, que podem ser tangíveis ou intangíveis. Os recursos tangíveis são sub-classificados em recursos físicos, financeiros e legais. Já os recursos intangíveis podem ser classificados em organizacionais, humanos e relacionais. Esses recursos poderão ter diferentes níveis de influência no processo de internacionalização das empresas, de acordo com as opções estratégicas adotadas no seu processo de internacionalização.

4 Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo analisar a influência do cluster no processo de internacionalização de empresas inseridas neste tipo de aglomeração, a partir da Visão Baseada em Recursos. O principal argumento desenvolvido ao longo deste ensaio é de que as empresas inseridas em cluster são influenciadas, além dos seus recursos de propriedade exclusiva da firma, por recursos do país e do cluster. Desta forma, propõe um framework baseado em três níveis de análise: macro, meso e micro, correspondendo, respectivamente, aos recursos do país, aos recursos sistêmicos e de acesso restrito do cluster, e aos recursos singulares da firma.

Como implicação teórica, o trabalho propõe a ampliação do nível de análise dos recursos acessíveis às empresas em cluster e a influência destes no processo de internacionalização. Considerando a inserção no cluster, o desempenho da empresa neste processo não decorre apenas dos seus recursos singulares, mas também da sinergia existente entre as organizações que compartilham o mesmo território.

Para os gestores públicos, este trabalho reforça a importância do apoio no desenvolvimento de recursos do país que estimulem a internacionalização das empresas, tais como formação de mão-de-obra, capacitação tecnológica e políticas de tributação. Por sua vez, os gestores de empresas em cluster poderão considerar em suas estratégias os recursos advindos do cluster como potencializadores de seus recursos internos. Além disso, os recursos de acesso restrito poderão ser importantes no desenvolvimento de estratégias para o processo de internacionalização e constituir uma fonte de vantagem competitiva tanto em relação às empresas do cluster com em relação às externas a ele. Desta forma, os gestores poderão identificar e buscar a inserção nos grupos de empresas que permitam acessar esses recursos.

Novos trabalhos poderão avaliar empiricamente a influência dos recursos de diferentes níveis no processo de internacionalização das empresas, buscando identificar quais são os recursos mais relevantes neste processo. Também poderá ser analisado o desenvolvimento dos recursos do cluster, e especificamente, como ocorre a apropriação heterogênea dos recursos de acesso restrito do cluster, identificando os fatores influenciadores neste fenômeno.

Notas:

(1) O termo em inglês path dependence foi traduzido neste trabalho como dependência da trajetória.

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(2) Spillover pode ser traduzido para o português como transbordamento. Neste trabalho optou-se em manter o termo no idioma inglês.

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