A CIDADANIA: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E SENTIDOS NO ENSINO DA GEOGRAFIA ESCOLAR.
Marcielly Lima Coneição¹
Adão Fogaça ²
PROBLEMATIZANDO A CIDADANIA NA GEOGRAFIA ESCOLAR
Este artigo é produto da minha pesquisa de TFC – Trabalho Final de Curso de licenciatura em Geografia na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Aqui trago às reflexões sobre o meu processo de formação desde o primeiro contato com o ambiente escolar, até a compreensão do sentido da cidadania e da própria Geografia no ensino e a elaboração do projeto educativo e análise dos desenhos elaborados pelos alunos na aplicação do projeto.
Já no primeiro contato com escola nas disciplinas de oficinas entregadas e estágio supervisionado I, os graduandos do curso de licenciatura em Geografia, foram aconselhados a examinar os documentos escolares: PPP (projeto politico pedagógico), planos de ensino, planos de aulas e os livros didáticos. Estas análises possibilitam o professor estagiário entender o processo de construção das aulas e a organização da escola.
Ao examinar estes documentos as palavras: cidadania, cidadão, e as frases: exercício da cidadania, cidadão critico e cidadão consciente, ressurgiram. Resumidamente, no plano de ensino da professora, estava descrito que ensino da Geografia escolar produziria cidadãos críticos, e a apropriação dos conteúdos da Geografia, possibilitaria os alunos exercerem a sua cidadania.
Partindo desse pressuposto, a cidadania tem uma relação intrínseca com a Geografia escolar, pois recebe a incumbência de formar cidadãos críticos e conscientes.
1 Universidade Federal de Matogrosso - Marcielly-lima@hotmail.com 2 Universidade Federal de Matogrosso - Fogacabrasil2010@hotmail.com
Entretanto, através dos estágios pode-se notar que pouco se fala de cidadania, e fazendo uma retrospectiva do curso de licenciatura em Geografia, observamos que nunca foi debatido em aula o tema, contudo, nos textos discutidos nas disciplinas da graduação, a palavra cidadania e cidadão crítico e/ou consciente estiveram sempre presentes. A partir daí uma questão se colocava: a cidadania estava em todo lugar, mas não estava em lugar nenhum.
Busca-se nesse trabalho identificar a visão do aluno sobre a cidadania, e para alcançar este objetivo, foi elaborado um projeto educativo aplicado na escola, onde foram recolhidos desenhos nos quais os estudantes puderam representar suas perspectivas em relação à cidadania, e a partir desses desenhos poderemos entender a visão do aluno e como ele representa a cidadania e como ele entende o processo de construção da cidadania e se percebe nesse processo.
O projeto educativo consistiu em discernir a compreensão social e individual dos alunos e, assim, potencializá-las, fazendo com que os alunos do primeiro ano do ensino médio, se reconhecessem como sujeitos sociais e cidadãos. O projeto educativo foi aplicado no dia 02 de dezembro de 2014, nas turmas do 1° ano A e D ensino médio da Escola Estadual Leovegildo de Melo, localizada no bairro CPA III, setor V, Cuiabá-MT.
O objetivo do projeto foi construir juntamente com os alunos um debate crítico sobre contradições da nossa sociedade, de ordem civil, politica e social. Analisando o artigo 1° da constituição de 1988, utilizando charges, música, e elaborando desenhos e croquis.
O projeto foi aplicado em duas aulas, primeiramente iniciamos a aula com uma avaliação diagnostica, antes de introduzir o assunto. Esta avaliação compreender o que os alunos entenderam por cidadania, como é representada essa palavra para eles no cotidiano, solicitamos que os alunos desenhassem algo que representasse a palavra cidadania, e a partir dessa atividade começamos a discutir o tema da aula.
Apresentamos aos alunos Art. 1° da Constituição Federal de 1988, com o intuito de mostrar aos alunos a cidadania como fundamento da constituição. Segue o artigo:
TÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - A soberania; II - A cidadania;
III - A dignidade da pessoa humana;
IV - Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - O pluralismo político
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Nesse momento da aula levamos os alunos à reflexão a respeito dos avanços obtidos tanto no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, quanto em relação aos direitos coletivos, a importância que a chamada Constituição Cidadã teve e tem para a retomada das ações e políticas públicas, após o fim da ditadura militar – na medida em
que promoveu a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias são fundamentais para o cidadão.
Elencando os direitos garantidos na constituição no Artigo 3° pedimos que os alunos refletissem sobre a realidade desses direitos no cotidiano. Durante esse momento da aula foram utilizadas algumas charges que faziam uma crítica à questão da desigualdade social, da exploração nas relações de trabalho, a violência, a precarização da saúde, da educação, segurança. Segue o artigo:
Artigo 3° Constituem objetivos fundamentais da república federativa do Brasil: I- Construir uma sociedade livre, justa e solidaria;
II- Garantir o desenvolvimento nacional;
III- Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV- Promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Após este debate foi apresentado o clipe da música “O Cidadão”, do cantor Zé Ramalho. Segue a letra:
Cidadão (Zé Ramalho)
Ta vendo aquele edifício, moço? Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição Eram quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão E me diz desconfiado
"Tu tá aí admirado? Ou tá querendo roubar?"
Meu domingo tá perdido Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber E pra aumentar meu tédio Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente Vem pra mim toda contente
Mas me diz um cidadão "Criança de pé no chão Aqui não pode estudar" Essa dor doeu mais forte Por que é que eu deixei o norte?
Eu me pus a me dizer Lá a seca castigava Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer Ta vendo aquela igreja, moço?
Onde o padre diz amém Pus o sino e o badalo Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também Lá foi que valeu a pena Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar Foi lá que Cristo me disse
“Rapaz deixe de tolice Não se deixe amedrontar Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra Não deixei nada faltar Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra Não deixei nada faltar Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas Eu também não posso entrar
Após ouvir o clipe pedimos aos alunos que descrevessem o que eles observaram na letra da música que se parece com a realidade. A música O Cidadão fala exatamente da desigualdade social que impossibilita a cidadania de ser concreta. Essa música foi introdução à questão do não acesso à cidade pela população pobre trabalhadora, a precarização da educação, da saúde e da segurança.
Discutimos com os alunos a luta de classes e a exploração do trabalho, a construção desigual do espaço geográfico e a falta de acesso do cidadão a cidade e as suas instituições de cultura, lazer, esporte e educação de qualidade.
A última atividade foi à elaboração dos croquis, foi pedido aos alunos que representassem a cidade que eles moram e identificassem nela locais onde eles têm e não têm acesso.
CIDADANIA: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE GEOGRAFIA ESCOLAR.
A educação é compreendida como o principal instrumento de promoção da cidadania. Assis e De Lima (2011) compreendem a educação como um processo contínuo que se inicia na infância com conhecimentos advindos da família sendo a primeira etapa, posteriormente, a escola com papel extremamente importante, pois é um espaço institucionalizado de ensino e por fim a sociedade que contribui para formação do caráter do individuo. As uniões desses três eixos educacionais contribuem e influenciam diretamente na educação e na formação do cidadão.
Em uma perspectiva de igualdade de direitos e deveres os parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, Brasil (1996), desde as séries iniciais, apontam para a necessidade de que educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Fazendo com que a escola se transforme em um espaço social de construção dos significados éticos necessários e contitutivos de toda e qualquer ação de cidadania, propondo o debate e dicussões “a dignidade do ser humano, a igualdade de direitos e a importância da solidariedade e do respeito.
A Geografia nesse sentido contribui com o conhecimento do espaço, este produto e produtor das relações sociais. Através das leituras espaciais mais abrangentes das divisões sociais e territoriais do trabalho, tendo como condutora de análise a acumulação capitalista, entendemos que a apropriação desse espaço é desigual.
O Estado reorganiza territorialmente a relação capital e trabalho transformando a estrutura regional em centro-periferia, tornando o país urbano, com um intenso processo de metropolização. A concentração territorial intensifica os bolsões de pobreza e, consequentemente, conflitos; aumentando a marginalidade e criminalidade, atos de violência que são cada vez mais intensos, frente ao crescente desemprego; gerando o crescimento desordenado das maiores cidades, principalmente das metrópoles. (Conceição, 2005, p.168)
Damiani (2001) considera que a noção de cidadania envolve o sentido que se tem do lugar e do espaço, já que se trata da materialização das relações de todas as ordens, próximas ou distantes. Conhecer o espaço é conhecer a rede de relações a que se está sujeito, da qual se é sujeito. Alienação do espaço e cidadania configuram um antagonismo a considerar.
A partir das leituras dos autores nos capitulos anteriores e dos desenhos recolhidos em sala de aula, concluimos que ao se tratar de cidadania que há um total afastamento do real, do simbolico e o imaginário. A cidadania simbólica é representativa, contratual imposta pelo estado, segue imagens 01.
Fonte: Arquivo pessoal
A cidadania imaginária é a idealização que vem com o discurso da sustentabilidade e do politicamente correto, e da ideologia da concientização e que reduz e despolitiza a cidadania.
Nesse viés, os meios de comunicação de massa viabilizam a despolitização da sociedade, repassando de forma direta e indireta a responsabilidae ao individuo, ao tempo que massifica um discurso de culpabilidade social.
Desta forma, paradoxalmente, se faz uma reinversão de papéis. Conforme o Banco Mundial, serãos os próprios pobres responsáveis pela garantia dos seus direitos, através da gestão participação e da cooperação de garantia do desenvolvimento sustetável. Portanto, cabendo ao pobre superar sua pobreza. Conceição, 2005. P. 168.
Fonte: Arquivo pessoal
E a cidadania é real, é do vivido, subversiva e de luta, que percebe a desigualdade, a exploração do trabalho humano, a precarização da vida, percebe as constradições e ao compreender-las, busca-se a superação. Representando nos desenhos as necessidades básicas dos alunos de uma casa para morar e de se alimentar. Nessas representações os alunos denunciam que a cidade para eles se resumiu em um trajeto: casa, escola igreja, e por não ter poder de consumo não tem acesso a cidade na totalidade.
Fonte: Arquivo pessoal
A partir dos materiais recolhidos na aplicação do projeto, pode-se chegar há um dos objetivos, identificar a visão dos alunos sobre o conceito de cidadania e o sentido da mesma para cada um.
A elaboração dos desenhos como avaliação diagnostica, teve o objetivo de compreender a representação da cidadania para os alunos aquilo que lhe são imposto, pelo estado e pela escola. Grande parte dos alunos colocaram uma casa como o centro, levando a entender que para eles o direito a moradia era primordial. Em todos os desenhos o ambiente urbano foi representado com uma casa, a naturza ao redor e um sujeito/cidadão.
CONCLUSÃO
Como já descrito no decorrer deste trabalho, a cidadania tornou-se o sentido de se ensinar geografia na escola e, talvez o sentido da própria escola. Os conteúdos e os caminhos que percorrem essa cidadania produzem um de tipo de cidadão e um projeto de sociedade.
A cidadania e os direitos foram conquistas importantes para todos os países no mundo (e em cada um se deu em um tempo e de uma forma diferente), inclusive a brasileira, contudo, a cidadania em sua construção histórica é um mecanismo utilizado para amenizar a desigualdade social produzida pelo capitalismo, mas não para
eliminá-la, todavia, nunca foi a intenção atingir igualdade econômica e social, erradicando a pobreza. A cidadania vem reconfigurando no decorrer do tempo histórico e tem encorpado o discurso da sustentabilidade e a ideologia da conscientização, que reduz a cidadania e despolitiza.
A cidadania em muitos momentos se confunde com a educação porque uma é a possibilidade da outra. Em uma sociedade onde alguns têm poder e direito e a maioria não, absolutamente, é inatingível à ideia de cidadania.
Fundamental é ter a clareza que para alcançarmos a eliminação da extrema desigualdade social em que vivemos, devemos superar esta educação fadada à aprendizagem mecânica e empobrecedora do trabalho alienado (afinal, é preciso saber ler para manusear máquinas) e como instrumento do estado de controle e manipulação coletiva, inimiga da emancipação humana, da autonomia, e da formação de estudantes politizados.
Como Considera Damiani (2001) é preciso que homem/mulher comum chegue ao nível da razão, da totalidade, do movimento, da história, para discernir completamente as condições em que vive se apropriando do espaço, se percebendo como produtor e produto deste espaço, para que este se realize como espaço social. Assim existe cria-se a possibilidade do individuo recuperar as perdas da privação e lutar por construções novas, resgatando sua cidadania.
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