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Ativismo judicial e proteção de direitos humanos

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Ativismo judicial e proteção de direitos humanos

João Paulo K. Forster1 1. Introdução

Mais do que meramente ‘ganhar força’, a conduta ativista já caracteriza, em grande medida, o Judiciário brasileiro. Há precisamente uma década, a expressão ‘Supremocracia’ (VIEIRA, 2008) foi cunhada e amplamente recebida no meio jurídico como sendo uma descrição adequada do fenômeno que o Brasil atravessava. Nesses últimos dez anos, o protagonismo, de parte do Supremo Tribunal Federal (STF), só fez reforçar a noção de uma possível ‘juristocracia’ (HIRSCHL, 2004) em solo pátrio. Não se pode confundir, no entanto, que o ativismo judicial necessariamente conduza ao cenário em que o Judiciário seria o Poder dominante; nem se pode negar que essa ‘técnica’, se admitida como tal, é o meio necessário para que esse cenário se concretize.

A judicialização dos mais variados temas (saúde, educação, política, dentre outros) segue colocando o Judiciário nas manchetes dos jornais, forçando os magistrados a decidirem sobre temas que seriam de natural atribuição do Poder Legislativo. Mais, mesmo quando o legislador brasileiro consegue romper sua habitual inércia na produção de texto normativo efetivamente aproveitável aos cidadãos, o Judiciário é frequentemente consultado – e em particular, o STF – sobre a legalidade ou constitucionalidade dessas leis. Nesse contexto, a contraposição entre ‘autocontenção’ (judicial restraint) e ‘ativismo’ (judicial

activism) ganha corpo, especialmente a partir da compreensão dessas expressões no direito

comparado e se a mera transposição dos termos se ajusta bem ao direito brasileiro. Percebe-se que adaptações são necessárias, como Percebe-se verá.

A tutela de todos os direitos é afetada pela postura adotada pelo Judiciário. O fato é que, em se tratando de direitos humanos sub judice, os efeitos da decisão propagam-se de forma indeterminada e frequentemente duradoura. Ao saber que o solo jurídico é sempre instável e a evolução dos direitos vem ao custo de certa instabilidade, há de se ponderar o que refere Bobbio, tratando da temática dos Direitos Humanos:

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos esses, qual é sua natureza e seu fundamento, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das

1 Mestre e Doutor em Direito (UFRGS). Professor do Centro Universitário Ritter dos Reis. Coordenador da

Pós-Graduação Lato Sensu em Direito (UniRitter). Professor do Mestrado em Direitos Humanos (UniRitter). Advogado. Endereço eletrônico: joao_forster@uniritter.edu.br

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solenes declarações, eles sejam continuamente violados. (BOBBIO, 2004, p. 25)

A governança democrática proposta por Bobbio e o desenvolvimento dessas instituições que assegurem os Direitos Humanos, evitando retrocessos indevidos ou apenas seu flagrante desrespeito, passa por considerações de ordem processual, mormente quando se examina a temática do ativismo judicial. Cabe ponderar, dessa forma, se o emprego de uma postura ativista é consentânea à proteção dos direitos humanos, na perspectiva dos moldes característicos da segurança jurídica – cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade (ÁVILA, 2012) e da preservação do Estado Democrático de Direito, para preservação do princípio da separação dos Poderes.

Como bem ensina GUASTINI (2011, p. 433), existem diferentes doutrinas da interpretação jurídica, que podem assumir, em síntese, duas formas diversas: uma prescritiva, que consiste na elaboração de “regras, diretivas ou métodos de correta interpretação e construção jurídica, destinas a guiar ex ante o trabalho do intérprete” (Ibid.) e outra valorativa, avaliando “ex post a correção de uma ou outra interpretação (...) de uma ou outra técnica interpretativa, de uma ou outra construção jurídica, de uma ou outra decisão judicial.” (Ibid.) Essas doutrinas, no viés mais tradicional, contrapõem literalismo e intencionalismo. No viés moderno, confrontam a autocontenção e o ativismo, não apenas nos Estados Unidos, onde tradicionalmente são examinadas com profundidade na literatura.

2. Metodologia

A metodologia empregada na pesquisa faz uso de pesquisa bibliográfica, examinando autores relevantes aplicados ao tema proposto, bem como faz exame de jurisprudência e legislação. A partir daí, faz-se uso do método indutivo para, a partir do exame de casos à luz dos tribunais brasileiros, se apresentarem conclusões gerais sobre o tema. 3. Resultados e Discussão

Na prática brasileira, o ativismo judicial possui viés diferenciado. Há que se compreender que existe, na realidade, um ativismo que pode ser entendido como ‘liberal’ e outro que pode ser caracterizado como ‘conservador’. Então, a palavra, em si própria, não encerra a completa descrição do fenômeno. No Brasil, o fenômeno perpassa todas as instâncias jurisdicionais. Em uma visão mais ampla de ativismo, que corresponde também à ampliação dos poderes do juiz, teremos desde o primeiro grau de jurisdição um julgador que se desvincula do texto legal para proferir suas decisões, ‘criando lei(s)’. Em perspectiva mais restrita, um simples ‘transporte’ do ativismo como se vê no direito estadunidense não é possível.

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Enquanto a Suprema Corte Americana tem o poder de definir o resultado da controvérsia não apenas para as partes envolvidas, mas gera precedente, conforme a doutrina do stare decisis, as Cortes brasileiras têm resultados diferentes. Em matéria de efetivos precedentes no Civil Law, temos de considerar que, no Brasil, eles possuem eficácia vinculativa diferenciada. Para tanto, tome-se como exemplo a classificação dos precedentes judiciais efetuada por Hermes Zaneti Jr., que indica: “(1) precedentes normativos vinculantes, (2) precedentes normativos formalmente vinculantes e (3) precedentes normativos formalmente vinculantes fortes” (2016, p. 322). Então, o estudo do ativismo no Brasil passa, necessariamente, por uma melhor compreensão desse sistema de precedentes diferenciado e a noção de que o ativismo, nessa linha, pode ser um risco menor em cortes inferiores e sistêmico se considerarmos a atuação das Cortes Superiores brasileiras.

As decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, portanto, merecem maior atenção no tema, podendo ser utilizado como base para estudo de caso o julgamento do HC coletivo 143.641/SP bem como a APDF nº 54, ou, ainda, o RE nº 888.815.

4. Conclusões

O ativismo judicial é um fenômeno mundial, com diferentes alcances nos sistemas de Civil Law e de Common Law. O estudo de casos julgados nas Cortes Superiores é de extrema relevância e o seu conhecimento pode auxiliar na previsão de julgamentos a serem realizados por essas Cortes. Em direitos humanos, o ativismo judicial pode ser um método valioso para superar a letargia legislativa, propiciando soluções mais céleres para problemas prementes.

No entanto, sob o viés da segurança jurídica (mediada pelos parâmetros de cognoscibilidade, confiabildiade e calculabilidade, conforme ÁVILA, 2012, p. 256), o ativismo também pode apresentar situação de risco mediante interferência indevida em direitos humanos. Tal risco se apresenta na medida em que a atuação do julgador se confunde com o poder criativo do legislador, temos, dentro dos precedentes entendidos por vinculantes, uma efetiva lei que se criou sem o procedimento legislativo adequado. Caso após caso, o Supremo Tribunal Federal tem se debruçado sobre temas que não seriam direcionados ao Judiciário para julgamento.

Em julgados recentes, o Supremo Tribunal Federal mostrou ser possível atribuir ao texto literal da Carta de 88 interpretação bem diversa daquela que seria permitida pela sua simples leitura. Essa desvinculação completa do texto fragiliza as garantias constitucionais e permitiria, em igual medida, a alteração de disposições expressas de tratados e pactos dos quais o Brasil é signatário. Então, na mesma medida em que o ativismo pode incrementar a protetividade de direitos humanos, pode, com a mesma facilidade, solapar-lhes o conteúdo e a proteção, indicando a necessidade de identificação de barreiras de contenção mínima a essa atividade, o que merece maior e mais aprofundado estudo.

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5. Palavras-chave

Ativismo judicial; Autocontenção judicial; Direitos Humanos; Cortes Superiores. Referências bibliográficas

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