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Educação e Profissionalização Feminina no Brasil: o caso da FFCL-USP e FNFi-UB ( )

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Academic year: 2021

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Preconceitos que permanacem: Gênero nas ‘ciências naturais e exatas’. ST 25 Luiz Otávio Ferreira

Nara Azevedo

Bianca Antunes Cortes Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Educação e Profissionalização Feminina no Brasil: o caso da FFCL-USP e FNFi-UB (1934-1968)

Introdução

É crescente a percepção no meio acadêmico brasileiro de que a invisibilidade das mulheres enquanto agente social resulta mais de um viés interpretativo, sustentado em um universo limitado de fontes primárias, do que de sua efetiva ausência. Trata-se, portanto, de um desafio historiográfico identificar as fontes que contribuam para a construção de uma nova abordagem que evidencie a presença de mulheres nas dimensões privada, e, sobretudo pública da vida social, bem como de um desafio teórico lidar com a questão da desigualdade e das diferenças de gênero. Logo, as mulheres que se dedicam às ciências como profissão enfrentam essa dupla desigualdade.

Considera-se o ingresso tardio das mulheres ao ensino superior, notadamente a partir da Reforma Universitária de 1968 e das políticas de ciência e tecnologia implementadas na década de 70 e 80, um fator de explicação para a desigualdade de gênero que se verifica no mundo acadêmico1. Contudo, no projeto que vimos desenvolvendo constatamos que um expressivo contingente feminino – em sua maioria proveniente dos meios urbanos e das camadas média e alta da sociedade – integrava o quadro de pesquisadores e professores das três principais instituições de pesquisa biológica e biomédica situadas no Rio de Janeiro. Essa tendência, que se inicia nos anos 1940 e se afirma nas décadas seguintes, pode ser atribuída à crescente escolarização feminina que ocorreu a partir das reformas da educação do ensino primário e secundário, promovidas desde a década de 20 no âmbito estadual e federal, e do ensino superior, que instituem tanto a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e a Universidade do Brasil em 1937, destacando-se ali as faculdades de filosofia. Nesse sentido, pode-se dizer que as faculdades constituíram um original laboratório social de inovadoras experiências de gênero tanto para mulheres, quanto para homens. A

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permanência da subordinação ao poder masculino conviveu com a reestruturação da ordem familiar, que permitiu a conquista de novas funções e papéis sociais femininos. Moviam-se as fronteiras da vida privada para a esfera pública, rompendo-se o isolamento em que as mulheres estavam confinadas no mundo doméstico2 . Essa característica – própria das etapas iniciais da constituição das instituições sociais3 –, tornava as faculdades de filosofia permeáveis à influência do ambiente social, de onde, provavelmente, provinham mais fortemente as discriminações de gênero, uma vez que os mecanismos de desigualdade operados pela estratificação social da ciência tendem a se manifestar em circunstâncias maduras de institucionalização .

O objetivo deste estudo é compreender o papel das faculdades de filosofia na educação e profissionalização das mulheres nas áreas de história natural, física e química. Para isso, elegemos como foco de análise a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), criada em 1934, e a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FNFi-UB), estabelecida em 1939. Pretendemos caracterizar a importância destas instituições como lócus privilegiado de formação e profissionalização feminina no período delimitado na pesquisa, investigando a origem social, familiar e étnica, a procedência escolar ao nível do ensino secundário, a forma de ingresso no ensino superior, os processos de treinamento para o ensino e pesquisa, os grupos e/ou tradições de pesquisa nos quais se inseriram, as estratégias de carreira, a produção científica, e a consagração acadêmica das egressas desses cursos. É nosso propósito também verificar as redes sociais de origem das alunas e professoras, e as redes intelectuais nas quais se inseriram a partir da posição que ocuparam no mundo universitário. Além disso, procuraremos evidenciar as semelhanças e as diferenças do ambiente social e intelectual dessas instituições, que podem ser compreendidas à luz dos respectivos contextos sociais e culturais, representados pelas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo 4.

Enfatizando-se, as conotações sociais e não biológicas de gênero, e rejeitando uma concepção fixa de oposição entre homens e mulheres, trata-se de analisar como esta oposição se estabelece, problematizando a diferença e a mudança dos papéis sociais designados às mulheres e aos homens em contextos sociais e culturais determinados 5. A partir do segundo decênio do século XX, no Brasil, a educação ocupou o lugar de

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protagonista nos debates políticos e nas experiências pedagógico-administrativas ocorridas em diversas unidades da federação. De acordo com o recenseamento realizado em 1920, 48,8% da população brasileira era alfabetizada – 19,9% da população feminina e 28,9 % da masculina 6. O ano de 1932 data a cisão ocorrida entre conservadores e liberais na ABE: o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova marca a diversidade dos interesses e a incompatibilidade das propostas. Além da defesa do ensino público, estatal e gratuito, os liberais entendiam que era preciso alterar profundamente o habitus pedagógico, combinando a renovação da formação docente com uma série de tentativas de reformar os costumes da família 7. Confrontavam-se assim com os interesses privatistas e com os dogmas da Igreja católica no que se referia ao papel educador da família. A característica excludente do sistema de ensino implementado no país se manifestaria na dualidade de sua estrutura, na qual o ensino primário e profissional era desvinculado da universidade e do ensino secundário preparatório para a universidade. De um lado, admite-se que as novas condições sociais e econômicas favoreceram o acesso das mulheres às escolas, de outro, os valores culturais tradicionais, que demarcavam a maternidade e a vida doméstica como missão feminina, tiveram grande peso na formulação do conteúdo dos currículos educacionais. O ingresso das mulheres no mundo do trabalho se legitimava a medida em que as profissões eleitas traduzissem o exercício de funções marcadamente femininas, como por exemplo, cuidar e educar 8. Em 1940 mais de um terço de todas as mulheres brasileiras que haviam concluído o ensino médio, eram portadoras de diplomas da escola normal, conforme visto, não cumprindo requisito à época necessário para o ingresso no nível superior de ensino.

As reformas do ensino empreendidas tiveram como um de seus efeitos mais importantes a redefinição dos papéis sociais femininos, atribuindo-lhes novas funções públicas e alterando as expectativas quanto às oportunidades de educação e de profissionalização das mulheres. Nesse sentido, pode-se dizer que a ampliação do acesso de mulheres ao nível superior, que começa a ocorrer a partir dos anos 1940, foi um efeito inesperado das reformas educacionais ocorridas nas duas décadas precedentes. Na condição de comissionadas (dispensa das funções didáticas sem prejuízo dos vencimentos), elas ingressaram nos cursos de ciências ou humanidades 9, embora, legalmente, somente ensino secundário habilitasse o acesso ao ensino superior. Quinze anos depois, em 1956, foram

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registradas 1286 inscrições, das quais 50% eram de mulheres 10.

As novas oportunidades de escolarização em nível superior e sua articulação com a profissionalização feminina a partir da criação das faculdades de filosofia durante a década de 30, ainda é um tema pouco explorado pela historiografia, notadamente no que concerne a presença de mulheres nas ciências. Fator crucial para se compreender o ingresso de mulheres na carreira científica, a educação em nível superior será investigada a partir das faculdades de filosofia, principais centros de formação universitária feminina no período 1934-1968.

1BARROSO, C. (1975). A participação da mulher no desenvolvimento científico brasileiro. Ciência e Cultura, 27(6): 613-620, junho. TOSI, L. (1981).A mulher brasileira, a universidade e a pesquisa científica. Ciência e Cultura, 33(2): 167-177, fevereiro.

2 BESSE, S. (1999). Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil (1914-1940). São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo; ARAÚJO, R. (1993). A vocação do prazer. A cidade e a família no Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro, Rocco; MALUF, M. e MOTT, M. L. (1998). Recônditos do mundo feminino. In: Sevcenko, N. (org. do volume) História da vida privada no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, pp. 367-423.

3 MERTON, R. (1970). Ciência, tecnologia y sociedad em la Inglaterra del siglo XVII. Madrid, Alianza Editorial; MICELI, S. (1977). Poder, Sexo e Letras na República Velha. São Paulo, Perspectiva.

4 PONTES, H. (1998). Destinos mistos: os críticos do grupo Clima em São Paulo (1940-1968). São Paulo, Cia. das Letras; RIBEIRO, A. (2000). Heloisa Alberto Torres e Marina São Paulo Vasconcellos: entrelaçamento de circulos e formação das ciências sociais. Tese de Doutorado em Sociologia, IFCS/UFRJ, 276 pp.

5 PERROT, M. (2005). As mulheres e os silêncios da história. Bauru, EDUSC; SCOTT, J. (1002). História das mulheres. In: Burke, Peter (org.).A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista.

6 HAHNER, J. (2003). Emancipação do Sexo Feminino. Santa Cruz do Sul, EDUNIS.

7 NAGLE, J. (2001). Educação e Sociedade na Primeira República. Rio de Janeiro, DP&A editores; NUNES, C. (2001). As Políticas Públicas de Educação de Gustavo Capanema no Governo Vargas. In: BOMENY, H. (org.) Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro, FGV.

8 MAGALDI, A. (2003).Educando a Família, Construindo a Nação (anos 1920/30) In: MAGALDI, A.; ALVES, C. & GONDRA, J. (orgs). Educação no Brasil: História, Cultura e Política. São Paulo, EDUSF, pp. 419-443; GOUVÊA, M. & PAIXÃO, C. (2004). Uma nova família para uma nova escola: a propaganda na produção de sensibilidade em relação à infância (1930-40). In: XAVIER, M. (org). Manifesto dos Pioneiros da Educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro, FGV/FUMEC, pp. 345-363

9 LIMONGI, F. (1989). Mentores e Clientelas da Universidade de São Paulo, in: Miceli, S. (org). História das Ciências Sociais no Brasil. Vol.1. São Paulo. Vértice/IDESP/FINEP.

10 FÁVERO, M.L. (coord.) (1989). Faculdade Nacional de Filosofia. Projeto ou trama universitária? Vol.1 Rio de Janeiro, Ed. UFRJ. Caminhos e Descaminhos. Vol.2 Rio de Janeiro, Ed. UFRJ; FÁVERO, M.L. (1992). Faculdade Nacional de Filosofia. Depoimentos. Rio de Janeiro, PROEDES, UFRJ, p. 55-56.

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Referências

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