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O Senhor está perto de quem tem o coração ferido (Sl 34, 19)

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Nota Pastoral sobre os fiéis divorciados a viver em nova união

“O Senhor está perto de quem tem o

coração ferido” (Sl 34, 19)

Orientações pastorais

em ordem a maior integração eclesial

dos fiéis divorciados a viver em nova união

† António Marto, Bispo de Leiria-Fátima

Leiria, 31 de maio de 2018

Ref. CE2018B-005

Movido de afeto e misericórdia de pastor, dirijo à nossa Diocese de Leiria-Fátima a presente nota pas-toral, a fim de aplicar o que estabelece o Papa Francisco no capítulo VIII da Exortação Apostólica

Amoris Laetitia (AL), a Alegria do Amor. Apresento algumas orientações e critérios para uma maior integração na vida da comunidade cristã dos fiéis divorciados a viver em nova união, propondo-lhes um caminho de acompanhamento e discernimento.1 1. A boa nova do matrimónio cristão “A alegria do amor que se vive nas famílias é também o júbilo da Igreja” (AL 1). É nesta atitude que acolhemos a Exortação Apostólica Amoris Laetitia (AL), que o Papa Francisco ofereceu à Igreja no fi-nal dos dois sínodos dos bispos sobre a família no mundo atual. Agradecemos ao Santo Padre o seu olhar positivo, os seus estímulos e as propostas para uma renovação da pastoral matrimonial e fami-liar perante as dificuldades e os desafios que os casais e as famílias hoje têm de enfrentar e superar.

1 Temos por base a reflexão feita pelos bispos das dioceses do centro do País (Aveiro, Coimbra, Guarda, Lei- ria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco e Viseu). Nela tivemos em conta os pronunciamentos de outros episco- pados: o documento dos bispos da região pastoral de Buenos Aires, aprovado por carta do Papa como magisté-rio autêntico, bem como os dos bispos de Malta, da Alemanha e da região Emília-Romanha, na Itália. Esta nota pastoral foi enriquecida pelos contributos do Conselho de Coordenação Pastoral, do Conselho Presbiteral, do Departamento de Pastoral Familiar e da Assembleia Diocesana do Clero, segundo o método sinodal.

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Numa linguagem simples e concreta, o Papa conduz-nos a descobrir, antes de mais, a beleza e o valor do matrimónio cristão como obra prima e graça de Deus criador para constituir uma família feliz. Ma- trimónio e família são dom de Deus e, simultaneamente, uma vocação e missão específica do ser hu-mano. “O matrimónio e a família recebem de Cristo, através da Igreja, a graça para testemunhar o Evangelho do amor de Deus. O sacramento do Matrimónio não é uma convenção social, um rito vazio, ou mero sinal externo de um compromisso. O sacramento é um dom para a santificação e salvação dos espo- sos” (AL 71-72), para a sua missão familiar, para o seu caminho de felicidade. É um caminho de cres-cimento e de realização do homem e da mulher, a percorrer ao longo da vida com generosidade, compreensão e perseverança paciente.

É, assim, oportuno começar por reafirmar a beleza deste sacramento, caminho de santidade constan-temente proclamado pelo Magistério e defendido pelo Papa Francisco. Como cristãos, acreditamos que é possível vivê-lo em plenitude com a ajuda da graça divina, da oração e do cuidado pastoral. De facto, “não podemos renunciar a propor o matrimónio com receio de contradizer a sensibilidade atu- al, ou para ir ao encontro da moda, ou, então, por sentimentos de inferioridade face à degradação mo-ral e humana. Estaríamos a privar o mundo de valores que podemos e devemos oferecer. É verdade que não tem sentido limitarmo-nos a uma denúncia retórica dos males atuais, como se com isto pu- déssemos mudar alguma coisa. Nem tão pouco adianta pretender impor normas com a força da auto-ridade. O que nos é pedido é um esforço mais responsável e generoso, que consiste em apresentar as razões e as motivações para optar em favor do matrimónio e da família e dispor, deste modo, as pes-soas para responder à graça que Deus lhes oferece” (AL 35). Manifesto aqui o sincero reconhecimento às famílias cristãs que testemunham o amor esponsal e a quantos permanecem fiéis ao matrimónio, por vezes de forma heroica. O mesmo reconhecimento e um encorajamento é devido àqueles maridos e esposas que, não obstante as separações, perseveram na fidelidade ao amor conjugal e à graça sacramental, sem procurarem uma nova união. A este pro- pósito, é bom lembrar que os fiéis divorciados que não estão em nova união e procuram viver segun-do a fé cristã podem aceder aos sacramentos e participar normalmente na vida da Igreja, sempre que a sua consciência o não impeça. Recomendo, por isso, às famílias e às comunidades cristãs que os es-cutem, compreendam, acolham e ajudem a sentir-se em casa. 2. A Amoris Laetitia, o dom do matrimónio e as fragilidades Anunciando a beleza do amor humano entre um homem e uma mulher e do matrimónio na perspeti-va cristã, o Papa Francisco não esquece as múltiplas fragilidades, crises e sofrimentos que perturbam as relações conjugais e a vida das famílias. Neste sentido, sublinha “a necessidade de uma pastoral da reconciliação e da mediação” e recomenda o apoio da “comunidade local e dos pastores” às pessoas e

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famílias que sofreram “um fracasso matrimonial” (AL 242). No caso das “pessoas divorciadas que vi-vem numa nova união, é importante fazer-lhes sentir que fazem parte da Igreja” e promover “a sua participação na vida da comunidade” (AL 243). Pastores2 e fiéis devem, por isso, abrir o coração para acolher o convite do Papa Francisco: “Convido os fiéis que vivem situações complexas a aproximar-se com confiança para falar com os seus pastores ou com leigos que vivem entregues ao Senhor (...). E convido os pastores a escutar, com carinho e serenidade, com o desejo sincero de entrar no coração do drama das pessoas e compreender o seu ponto de vista, para as ajudar a viver melhor e reconhe-cer o seu lugar na Igreja” (AL 312). A complexa situação dos fiéis divorciados em nova união e a sua integração na vida da comunidade cristã exigem acolhimento com misericórdia, “um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito” (AL 243). Cabe aos pastores esse dever, que hão de cumprir “segundo a doutrina da Igreja e as orientações do bispo” (AL 300).

A Amoris Laetitia apresenta-nos a missão de cuidar sobretudo de quatro pontos mais urgentes na ação pastoral: a preparação para o matrimónio, o acompanhamento dos casais jovens, o apoio à famí-lia na transmissão da fé e a maior integração eclesial das pessoas divorciadas a viver em nova união. Os três primeiros pontos são já objeto dos cuidados pastorais da Igreja, em especial da pastoral fami-liar. Esta nota pastoral centra-se especificamente no quarto ponto. 3. O acolhimento aos fiéis divorciados a viver em nova união “Embora não cesse jamais de propor a perfeição e convidar a uma resposta mais plena a Deus, a Igre-ja deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados pelo amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança” (AL 291). De facto, algumas pessoas dirigem-se à Igreja na sua condição de divorciados a viver em nova união, interrogando o grau da sua pertença à comunidade cristã, a sua idoneidade para assumir a responsa- bilidade de padrinho ou madrinha, ou a possibilidade de serem readmitidos à Confissão e à Comu-nhão eucarística. Agradecemos ao Senhor estes encontros, conscientes de que a comunidade cristã, na sua totalidade, é chamada a amadurecer um caminho de acolhimento, conjugando caridade e ver- dade. Parece-nos, por isso, importante indicar os elementos essenciais que sirvam de ajuda ao dis-cernimento proposto por pastores e outros agentes pastorais nas situações singulares. Como já referimos, o Papa convida os fiéis em situações matrimoniais complexas a falar com sacerdo-tes ou leigos sobre o que vivem. Exorta também os pastores “a escutar, com carinho e serenidade”, de modo a ajudar estas pessoas “a viver melhor e reconhecer o seu lugar na Igreja” (AL 312). Deste en- contro pode resultar o desejo de iniciar um caminho de discernimento que empenha o pastor e a pes-soa em causa ou o casal. De facto, tal caminho poderá ser percorrido pelo homem e a mulher juntos, ou somente por um deles, conforme a sua decisão.

2 Sempre que se fala de pastor ou pastores, entenda-se qualquer padre, diocesano ou religioso, habilitado para o exercício do ministério, tenha ou não ao seu cuidado alguma comunidade de fiéis.

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Neste percurso, o pastor deve acentuar o fundamental, o anúncio do amor e da ternura de Cristo (“ke-rygma”), que estimule ou renove o encontro pessoal com Jesus Cristo vivo (cf. AL 58), e não o aspeto juridicista ou moralista da lei. Há que ter em conta a situação de fé de cada pessoa, “se não quiser tornar-se mera defesa de uma doutrina fria e sem vida” (AL 59). Estamos diante de pessoas que se encontram em dificuldade de viver a sua fé cristã, que sentem a necessidade de ser acolhidas, de ou- vir repetidas vezes que o Senhor não está longe delas, que as ama e lhes oferece uma nova possibili-dade de crescer na fé e de se integrar mais na sua Igreja. No início ou ao longo do caminho de discernimento, uma ajuda importante a prestar aos fiéis divorci- ados a viver em nova união é orientá-los para quem os possa informar e aconselhar em ordem a ave- riguar a existência, ou não, de algum fundamento para iniciar um processo de nulidade do matrimó-nio no Tribunal Eclesiástico. A quem não tiver as condições para a declaração de nulidade de matrimónio e, todavia, quer viver a fé cristã numa boa relação com Deus e com a Igreja, é proposto um “itinerário de responsável discer-nimento pessoal e pastoral” (AL 300), acompanhado por um pastor em quem confie. O objetivo deste caminho é conseguir uma maior integração na vida da Igreja, através de uma adequada participação na comunidade eclesial. Ao lado do pastor a quem compete o acompanhamento, podem ser também de grande ajuda, se for oportuno, esposos e famílias cristãs que, com a riqueza da sua humanidade, fé, experiência de vida e competência, saibam acolher, escutar e caminhar com os acompanhados, atra-vés da partilha e da oração. Neste itinerário de discernimento, quando as circunstâncias concretas de um casal o tornem factível, especialmente quando ambos sejam cristãos com um caminho sólido de fé, pode-se examinar a pos-sibilidade do compromisso de viverem em continência conjugal. A Exortação Apostólica não ignora as dificuldades desta opção (cf. AL, nota 329) e deixa aberta a possibilidade de aceder ao sacramento da Reconciliação, mesmo quando se falhe nesse propósito (cf. AL nota 364). Por outro lado, reconhece que há situações complexas em que, com tal opção, “se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole” (AL, nota 329), pelo que pode não ser verdadeiramente aconselhável. Também nestes casos, permanece sempre possível prosseguir o caminho de discernimento.3 4. O percurso de acompanhamento e discernimento 4.1. As várias etapas “Acompanhar, discernir e integrar a fragilidade”, título do capítulo VIII da Exortação Apostólica, indi- ca já o método e a meta do caminho de ajuda pastoral aos fiéis divorciados em nova união. Como sub-sídio para os pastores, enquanto orientadores espirituais, e para as pessoas interessadas, há um “guia prático para o percurso de discernimento acompanhado”, o qual se desenvolve nas cinco etapas se-guintes:

3 Cf. Nota pastoral dos bispos argentinos da região pastoral de Buenos Aires, nn. 5 e 6).

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a) oração e exercícios espirituais, com vista à aquisição da liberdade interior; b) memória e exame de consciência acerca do matrimónio sacramental e das suas consequências, com vista à aceitação, reconciliação interior e “cura” das feridas; c) avaliação da relação atual, bem como da consciência da presença de Deus e da vida espiritual dos dois envolvidos e da sua família; d) discernimento da vontade de Deus para eles neste momento e da melhor maneira de a pôr em prática; e) avaliação final do percurso e confirmação da decisão. A metodologia poderá ser sempre a mesma em todas as etapas: oração e avaliação pessoal; partilha entre os dois elementos do casal; e diálogo com o orientador espiritual, a partir do vivido, recebendo a oportuna ajuda para continuar. 4.2. Acompanhamento como exercício da “via caritatis” O acompanhamento pastoral é um exercício da “via caritatis”, um convite a seguir “o caminho de Je-sus, o da misericórdia e da integração” (AL 296). Este itinerário reclama a caridade do pastor que acolhe o fiel, o escuta atentamente e lhe mostra o rosto materno da Igreja, na medida em que aceita a sua reta intenção e o seu bom propósito em iluminar toda a vida com a luz do Evangelho e praticar a caridade (cf. AL 306 e 312).

O orientador espiritual deve aparecer como pastor e não como “controlador da graça”, porque “a Igreja não é uma alfândega, mas uma casa paterna onde há lugar para todos com a sua vida fatigante” (Evangelii Gaudium 47). Convém ter presente que o pressuposto fundamental do discernimento é que ele não se fixa apenas num problema, mas deve ter em consideração toda uma vida pessoal, uma pessoa concreta que per- corre o caminho para Deus. Por isso mesmo, procura-se ordenar as etapas e as dimensões desse per-curso, para identificar onde e como é que Deus convida aquela pessoa à conversão e à vida. Mais do fixar-se num momento ou num evento determinado, o discernimento deve estar atento às moções em curso no interior da pessoa, em todas as suas particularidades e percurso histórico. Há que evitar dar a entender que se trata de uma “autorização” geral para aceder aos sacramentos. De facto, trata-se de um percurso de discernimento pessoal, no foro interno, isto é, na consciência, acompanhado em encontros regulares por um pastor, que ajuda a distinguir adequadamente cada ca-so singular à luz do ensinamento da Igreja. Com efeito, há que distinguir adequadamente entre situações diferentes, porque nem todos os casos são iguais, tal como especifica a Amoris Laetitia. A título de exemplo, “uma coisa é uma segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade comprovada, dedicação generosa, compro-misso cristão, consciência da irregularidade da situação e grande dificuldade para voltar atrás sem

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sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. (....) Coisa diferente, porém, é uma nova união que vem de um matrimónio recente, com todas as consequências de sofrimento e confusão que afe- tam os filhos e famílias inteiras, ou a situação de alguém que falhou repetidamente aos seus compro-missos familiares” (AL 298).

Em todo este itinerário, “devem garantir-se as necessárias condições de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina, na busca sincera da vontade de Deus e no desejo de chegar a uma res-posta mais perfeita à mesma” (AL 300). Evitar-se-á, assim, a ideia de rápidas “exceções”, privilégios ou dupla moral da Igreja. Isto mostra que todo o verdadeiro percurso de discernimento leva a uma conversão e que é um trabalho sério da consciência. Mas, se alguém faz ostentação da sua situação ir-regular como se fosse o ideal cristão, não reúne as condições para fazer este percurso. 4.3. Ter em atenção os condicionamentos No discernimento, é necessário avaliar os condicionamentos ou fatores atenuantes ou agravantes que podem existir em cada situação particular, relativos à responsabilidade, culpabilidade e imputabili-dade de um ato (cf. AL 301-302.305). “A propósito destes condicionamentos, o Catecismo da Igreja Católica exprime-se de maneira categórica: «A imputabilidade e responsabilidade de um ato podem ser diminuídas e até anuladas pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros fatores psíquicos e sociais»” (AL 302; CIC 1735). Assim, “por causa dos condicionamentos ou fatores atenuantes, é possível que uma pessoa possa es- tar numa situação objetiva de pecado – mas que subjetivamente não seja culpável ou não o seja ple- namente – e possa viver na graça de Deus, possa amar e possa também crescer na vida de graça e ca- ridade, recebendo para isso a ajuda da Igreja” (AL 305), podendo nestes casos ter acesso aos sacra-mentos da Reconciliação e da Comunhão eucarística (cf. AL, nota 351). Em síntese, o discernimento diz respeito à história concreta e ao dinamismo interior da pessoa e não às ideias, indo para além dos casos. 5. Critérios pastorais para o discernimento e integração na comunidade 5.1. Fazer um exame de consciência Neste itinerário, é conveniente e útil “fazer um exame de consciência”, de acordo com os pontos apre-sentados no n. 300 da Amoris Laetitia: a) “Através de momentos de reflexão e de arrependimento”. É o passo da apresentação à Igreja e manifestação de disponibilidade para a conversão. Começa-se por reconhecer, num clima de fé e oração, que a própria situação não responde objetivamente à proposta do Evangelho, reconhe-cendo também as eventuais responsabilidades ou culpas. A pessoa coloca-se na atitude de quem

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espera receber a “misericórdia de Deus gratuita, imerecida e incondicional” (AL 297). Todos te-mos necessidade de nos converter e dizer com o publicano: “Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador”! b) “Questionar-se como se comportaram com os seus filhos quando a união conjugal entrou em cri- se”. Isto é, interrogar-se sobre a responsabilidade própria de pais, para compreender de que mo-do foi gerida a relação com os filhos no momento da crise e após a nova união. O bem dos filhos não permite que se faça deles objeto de disputa ou de pressão: “Nunca, nunca e nunca tomeis o fi- lho como refém!... Os filhos não devem carregar o fardo desta separação; que eles não sejam usa-dos como reféns contra o outro cônjuge, mas cresçam ouvindo a mãe falar bem do pai, embora já não estejam juntos, e o pai falar bem da mãe” (AL 245). c) “Se houve tentativas de reconciliação”. Trata-se de reconhecer se na rutura da relação anterior houve esforço sincero de procurar a reconciliação ou de avaliar se essa separação é irreversível. d) “Como é a situação do cônjuge abandonado”. O critério da caridade e da justiça é muito importan-te para estabelecer as consequências da rutura. É preciso garantir que são respeitados os deveres da justiça e da caridade em relação ao cônjuge e aos filhos. Havendo injustiças não resolvidas, o acesso aos sacramentos seria particularmente escandaloso. e) “Que consequências tem a nova relação sobre o resto da família e da comunidade dos fiéis”. Há que avaliar os efeitos públicos da separação, quer entre os familiares quer na comunidade cristã, até para evitar sentimentos de conflito e de escândalo. f) “Que exemplo oferece a nova relação aos jovens que se devem preparar para o matrimónio”. É o critério do testemunho e da sua possível influência na perceção do valor do matrimónio por parte dos noivos e dos jovens. A estabilidade conjugal da nova união e o bem dos filhos também estão entre os critérios que orien-tam o discernimento pessoal e pastoral. A Exortação Apostólica convida a revalorizar a importância da consciência pessoal na vida cristã dos fiéis e da Igreja: “A partir do reconhecimento do peso dos condicionamentos concretos, podemos acrescentar que a consciência das pessoas deve ser mais incorporada na praxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção de matrimónio” (AL 303). 5.2. A tarefa dos pastores No itinerário de discernimento, a tarefa dos pastores não é a de “pretender substituir-se à consciên-cia das pessoas” (AL 37), ou oferecer “receitas simples” (AL 298), mas a de ajudá-las, com paciência, a iluminar e formar a sua consciência, a fim de que elas mesmas cheguem a tomar uma decisão sincera diante de Deus e a fazer o melhor que podem (cf. AL 37). Na realização deste ministério, todos temos a responsabilidade de evitar cair nos dois extremos, isto é, no rigorismo que condene as pessoas, ou no laxismo que legitime qualquer situação. “Por pensar

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que tudo seja branco ou preto, às vezes fechamos o caminho da graça e do crescimento e desencora-jamos percursos de santificação que dão glória a Deus” (AL 305). Por isso, devemos exercitar-nos com prudência na “lei da gradualidade”, para descobrir a presença, a graça e a ação de Deus em cada situação e ajudar as pessoas a aproximar-se mais d’Ele, mesmo quan-do “não estão em condições de compreender, apreciar ou praticar plenamente as exigências objetivas da lei” (AL 295). 5.3. Um percurso que continua A finalidade de todos estes critérios é superar uma leitura meramente emotiva da situação, ajudar a curar as feridas, a trabalhar os ressentimentos, a decidir os novos passos a dar, ou as novas opções a fazer. Em todo o caso, este discernimento não é um percurso fechado, “é dinâmico e deve permanecer aber-to para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa” (AL 303), confiando na ajuda da graça de Deus para progredir na vida cristã. 6. A integração na Igreja A meta da integração plena na Igreja é, naturalmente, uma vida de acordo com a condição batismal do fiel cristão, que inclui diversas expressões: a vivência da fé em Jesus Cristo, a prática da caridade cris- tã, a participação sacramental, a construção da sociedade humana segundo o Evangelho, a colabora-ção em serviços na comunidade eclesial. Em determinadas circunstâncias especiais, pode não ser possível concretizar algum destes aspetos da vida cristã, sem que, por isso, essa pessoa deixe de fazer parte da Igreja ou tenha nela um estatuto in-ferior.

Pode acontecer, portanto, que o discernimento antes referido leve a concluir que a integração não passe necessariamente pela participação sacramental. Isso não dispensa de procurar outras formas: presença ativa na comunidade e participação nas suas atividades, integração em grupos ou movimen-tos de oração ou espiritualidade, compromisso nos diversos serviços eclesiais, etc. (cf. AL 299). Não é de excluir que as pessoas que fizeram este itinerário possam ser consideradas idóneas para se- rem padrinhos ou madrinhas, leitores na liturgia, cantores, catequistas, membros dos conselhos pa-roquiais, ou exercer cargos de responsabilidade em movimentos eclesiais, obras sociais e caritativas. Também neste aspeto se deve avaliar cada caso em particular e as circunstâncias da comunidade. Ao orientador espiritual não compete propriamente tomar a decisão, mas assegurar que todo o pro- cesso decorreu como devia e reconhecer o papel da consciência das pessoas. Se assim foi, deve tam- bém ele confirmar, por parte da Igreja, a decisão tomada pela pessoa ou pelo casal. Deste modo se da-rá por terminado o processo de acompanhamento, discernimento e integração. Então, com a ajuda do

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orientador espiritual e a sua assinatura, a pessoa ou o casal redigirá um testemunho do percurso e da decisão, em dois exemplares. Um fica na sua posse e o outro é enviado ao bispo diocesano, para seu conhecimento. No caso em que o acompanhante não foi o pároco, a pessoa ou o casal que fez o per-curso informá-lo-á também da decisão a que chegou. Conclusão Acolher, acompanhar, discernir e integrar são os verbos-chave da Amoris Laetitia que nos orientam em toda esta nota pastoral. Eles exprimem a proximidade do Senhor e da sua Igreja aos casais e às famílias em situações de fragilidade, a ação pastoral que a concretiza e o empenho de evangelização e de formação que nos pede. Todos somos chamados a esta missão. Como ajuda pastoral nas situações de fragilidade, através do Departamento de Pastoral Familiar, a Diocese vai disponibilizar um Serviço de Apoio à Família, que assumirá as responsabilidades de auxi- liar a pessoa ou o casal e o pastor acompanhante, de indicar um padre para esta função, caso seja so-licitado, e de organizar os materiais necessários para o percurso. Recomendo aos pastores e responsáveis de comunidades cristãs, aos dirigentes de movimentos ecle-siais, de associações de fiéis ou de grupos, aos superiores de comunidades religiosas e aos agentes da pastoral familiar que acolham esta nota pastoral como contributo para ler, meditar e pôr em prática as indicações da Amoris Laetitia. Peço-lhes, ainda, que a deem a conhecer aos fiéis e, juntos, reflitam sobre ela, procurando os meios de pôr em prática as suas orientações. Em atitude de saída e acolhi-mento aos mais frágeis, vão ao encontro e sensibilizem as pessoas a quem ela possa interessar. Onde for possível e oportuno, por iniciativa das equipas locais da pastoral familiar ou outras, constituam-se grupos de pessoas divorciadas para partilhar experiências e ajudar-se mutuamente, em ordem ao aprofundamento e descoberta de novas possibilidades de vivência cristã e participação comunitária. Exorto, por fim, as comunidades cristãs a serem abertas a um verdadeiro acolhimento, dispostas a prestar atenção às situações difíceis, pacientes em propor caminhos de discernimento, generosas em favorecer possibilidades e lugares de integração; numa palavra, sensíveis à misericórdia divina, por-que “o Senhor está próximo de quem tem o coração ferido” (Sl 34, 19).

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