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AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

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AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA ESCOLA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

MIRTES APARECIDA ALMEIDA SOUSA Universidade Federal de Campina Grande Introdução

Quando as crianças chegam à escola dos anos iniciais do ensino fundamental são portadoras de inúmeras marcas que caracterizam sua personalidade e suas atitudes. Tais marcas são reflexos de suas vivências, que por sua vez representam as manifestações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma sociedade. Logo, a infância é bastante influenciada por estes fatores supracitados. É na escola o principal lugar que podemos perceber as implicações das representações e crenças sociais das crianças. Então, podemos destacar que as relações de gênero estão circunscritas neste contexto e são muitas vezes responsáveis por direcionar as práticas infantis tanto na escola como em todos os ambientes sociais que as crianças pertencem.

Dessa forma, considerando a importância das relações de gênero nos anos iniciais do ensino fundamental, apresentaremos neste artigo algumas reflexões sobre a temática gênero e educação na infância. Nossas reflexões nos levam a compreender que as questões de gênero sempre estiveram presentes na vida das crianças, influenciando desde suas atividades lúdicas nos ambientes de socialização até suas interações no ambiente escolar. Neste sentido, ressaltamos a necessidade que os professores dos anos iniciais do ensino fundamental possuem para mediar as relações dos alunos a fim de que consigam interagir de forma harmônica e produtiva em suas práticas sociais.

Fundamentação teórica

Nos anos iniciais do ensino fundamental, as crianças continuam reproduzindo práticas que aprenderam na educação infantil e outras práticas que são provenientes do seu convívio familiar. É comum desde cedo os adultos convencionarem o que é próprio para cada sexo, ou seja, o que é melhor para ser feito por meninos e por meninas. Assim, encontramos estas representações nas cores das roupas dos bebês e dos brinquedos que são oferecidos às crianças para a prática de suas atividades lúdicas.

É perceptível que na escola encontramos facilmente as características de gênero dos alunos, pois suas atitudes e até mesmo a construção do seu conhecimento é direcionada pelas relações de gênero. Ressaltamos que historicamente existem diversas relações permeadas por significados convencionados como corretos para homens e mulheres, que conseqüentemente refletem nos papéis “certos” que meninos e meninas devem assumir, pois tudo depende do gênero a que pertencem.

De acordo com Heilborn (2007, p.1), temos a seguinte definição de gênero:

Gênero é um conceito das ciências sociais que se refere à construção social do sexo. Significa dizer que a palavra sexo designa agora, no jargão da análise sociológica, somente a caracterização anatomofisiológica dos seres humanos e a atividade sexual propriamente dita. O conceito de gênero existe, portanto, para distinguir a dimensão biológica da social. O raciocínio que apóia essa distinção baseia-se na idéia de que há machos e fêmeas na espécie humana, mas a qualidade de ser homem e ser mulher é realizada pela cultura.

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Diante do exposto, fica claro que o conceito de gênero passa pela dimensão social e cultural e não é determinada pelos aspectos biológicos. Este fato nos leva a refletir que os homens e as mulheres tanto constituem como constroem uma cultura.

Entendemos que as crianças passam por um processo de construção cultural de suas identidades e não são só suas características físicas que determinam o seu papel na sociedade. Podemos mencionar que quando as crianças são pequenas estão propícias a muitas interações, tanto de adultos, quanto de adolescentes e outras crianças. No entanto, é fácil nos depararmos com alguns preconceitos em relação a essas interações e o fator que mais contribui para a mitificação destas relações interativas é a questão de gênero, pois mesmo vivendo em um mundo contemporâneo, dinâmico e complexo como o nosso ainda há práticas que reafirmam atitudes como a distinção entre os brinquedos de meninos e das meninas, estabelecendo até mesmo regras para o brincar de cada criança pertencente ao sexo masculino e ao feminino. Podemos observar que nesta situação não ocorre uma reflexão substancial em relação ao prazer que a criança teria ao manipular determinados objetos lúdicos.

É plausível a constatação de que a falta de questionamento acerca dos brinquedos oferecidos às crianças já se tornou banalizada na sociedade. Logo, a normalidade que as coisas são encaradas impede que as crianças vivenciem momentos de desenvolvimento e aprendizagem devido a ausência de objetos lúdicos diferenciados e o contato com crianças do sexo oposto. Ao chegar na escola este fato de discriminação sexual permanece e acaba acarretando, em alguns casos, problemas para a plena efetuação de atividades escolares na sala de aula e também em outras atividades nos momentos de intervalo no ambiente escolar.

Levando em consideração que atividade lúdica que é típica da criança, em idade escolar nos deparamos com a afirmação de Carneiro (1995) que identifica nas atividades lúdicas três importantes funções, ou seja, a socializadora, a psicológica e a pedagógica. Podemos destacar que em todas estas funções das práticas lúdicas as relações de gênero estão presentes, e é sobretudo na escola dos anos iniciais do ensino fundamental que percebemos tais influências.

Na perspectiva da socialização, temos conhecimento, por exemplo, que determinados jogos só possuem sentido quando jogados junto com alguém, logo a interação é necessária para a eficácia da ação. Portanto, quando falamos em interação nos remetemos as relações humanas em sociedade e como os ambientes sociais são constituídos por homens e mulheres, como também por meninos e meninas quando nos referimos ao universo infantil, existe a necessidade de visualizar no outro um elemento referencial.

Assim, a criança ou as crianças, dependendo se o jogo for em dupla ou coletivo irá ou irão pressupor a importância da observação nas atitudes tomadas pelo (s) adversário (s) no jogo. É justamente, nestas atitudes que há representações de gênero, em alguns jogos os meninos apresentam um comportamento ativo e já em outros jogos destinados as meninas, elas apresentam comportamentos passivos. Notamos aí uma dicotomia entre as possíveis posturas de meninos e meninas que são muitas vezes fruto de imitações provenientes do mundo dos adultos. Por um lado, de acordo com a socialização entre crianças do mesmo sexo é possível obtermos um comportamento quase que idêntico entre as crianças. Por outro lado, se a socialização for efetuada entre crianças do sexo oposto estaremos diante de uma oportunidade para a interação que será produtiva pelo fato do possível diálogo que leva em consideração as diferenças, ou seja, as concepções distintas de mundo que meninos e meninas possuem.

Ainda levando em consideração a socialização podemos ressaltar que na escola ao serem propostos jogos educativos, os professores precisam estar atentos para realizarem uma mediação pedagógica eficiente, pois os jogos que possuem regras pré-definidas podem sofrer modificações após o diálogo entre alunos e alunas, de modo a não favorecer uns em detrimento dos outros. Assim, as regras existentes após a discussão serão cumpridas e

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rigorosamente respeitadas pelos indivíduos envolvidos neste processo. Desta forma, estaremos diante de uma relação democrática entre os seres pertencentes a cada sexo. Não ocorrendo, portanto, a imposição do poder de uns em relação aos outros. É importante lembrarmos que práticas de subordinação precisam ser discutidas e abolidas desde cedo com as crianças para evitarmos preconceitos relativos às questões sexuais.

Na perspectiva psicológica, atividade lúdica na escola pode contribuir no tocante a extravização dos sentimentos, ocorrendo desabafos verbais ou gestuais de acordo com as aflições ou alegrias das crianças. Neste momento, crianças de ambos os sexos possuem a possibilidade de externar o que sentem e para isso é preciso que os educadores abram espaço para situações como estas sem repreensões, só porque um menino ou uma menina demonstraram um comportamento que não é bem aceito socialmente devido a sua sexualidade, como no caso dos meninos, demonstrações de tristeza através do choro. Não queremos deixar de considerar os limites que os educadores precisam impor no ambiente escolar, mas não podemos promover na escola a configuração de mais um local de discriminação sexual sem que haja nenhum questionamento por parte dos integrantes da equipe pedagógica.

Ainda relacionando atividade lúdica com a questão de gênero, temos na perspectiva pedagógica que tal atividade é capaz de ensinar ao indivíduo formas de raciocinar, de levantar hipóteses e prestar atenção às ações dos outros. Assim, ao aprender posturas que são decorrentes das interações entre meninos e meninas, veremos que os indivíduos terão grandes possibilidades de assimilar de forma mais útil e prática conteúdos escolares que necessitam da preparação das estruturas mentais. Estas estruturas, por sua vez, também sofrem influências das interações, acerca das quais já afirmamos que se tornarão mais produtivas e interessantes se forem compartilhadas por representantes de ambos os sexos.

Porém, não é tão fácil assim propiciar no ambiente da escola dos anos iniciais do ensino fundamental um espaço onde a socialização entre meninos e meninas promoverá uma boa aprendizagem e desenvolvimento. Tal fato deve-se a impregnação cultural existente na sociedade e influencia diretamente as atitudes das crianças. Em relação à impregnação cultural Brougère (2000, p. 40) nos leva a refletir a partir de suas considerações:

A impregnação cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de elementos dessa cultura, passa, entre outras coisas, pela confrontação com imagens, com representações, com formas diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a cerca ou propõe universos imaginários. Cada cultura dispõe de um “banco de imagens” consideradas como expressivas dentro de um espaço cultural.

Se fizermos uma relação entre os elementos, as representações e todas as imagens presentes numa cultura, facilmente iremos identificar que as questões que envolvem gênero são totalmente permeadas palas implicações da cultura numa sociedade. Por isso, as crianças em idade escolar trazem consigo internalizadas inúmeras representações, que se configuram em verdadeiras idéias sobre o que sejam o homem e a mulher na sociedade.

É interessante mencionarmos que provavelmente quando as crianças realizam atividades escolares relativas ao trabalho e as profissões, o valor cultural destas é amplamente considerado. É comum que as crianças citem que as atividades profissionais de liderança e poder que conseqüentemente exigem maior capacidade tanto intelectual como física são destinadas aos homens. Ao passo que as atividades profissionais de cargos inferiores que não exigem tanta capacidade física e mental são destinadas às mulheres. Assim, podemos inferir que mesmo com o conhecimento em nível de senso comum que homens e mulheres já ocupam os mesmos cargos, ainda é possível encontrar preconceitos, até mesmo, inconscientes

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por parte das crianças que estudam nos anos iniciais do ensino fundamental. Tal fato reflete o contexto cultural o qual as crianças estão inseridas.

É importante que os professores dos anos iniciais do ensino fundamental busquem orientar as crianças para que não haja a consolidação de práticas preconceituosas na escola, que é dentre muitas outras funções o local de se promover o ensino e a aprendizagem, como também o respeito ao próximo. Ressaltamos que já existem livros e outros materiais didáticos que norteiam o trabalho do professor sob novas perspectivas no que diz respeito à questão de gênero. Por isso, encontramos no documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), volume 10 – Pluralidade Cultural e Orientação Sexual (Brasil, 2001, p.144) a seguinte afirmação: “A discussão sobre relações de gênero tem como objetivo combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de condutas estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua transformação”. Assim, verificamos que documentos oficiais para a educação brasileira já trazem a tona um espaço para o debate das questões de gênero na educação. Fica explícito que a busca por transformações se faz necessária, pois atualmente em nossa sociedade não há mais sentido conviver com relações desiguais entre os sexos.

É lamentável que ainda existam práticas sociais desiguais nas relações de gênero e justamente por esta razão é que vemos na escola um excelente local para trabalhar com as crianças as relações de gênero sob uma ótica interativa que proporcionam o desenvolvimento global e a aprendizagem da criança.

Segundo Andrade (2002) desde a década de 70 os cursos de formação de educadoras já estão abrindo espaço para discussões que envolvem as relações de gênero, pois já se constatou a importância das discussões teóricas, como também as implicações da temática na prática. Logo, analisamos que está ocorrendo um progressivo avanço nas discussões das relações entre educação e gênero. Este fato se torna bastante positivo, pois ao passo que há debates na academia em cursos de licenciaturas os graduandos possuem mais possibilidades de refletir sobre a questão de gênero nas práticas escolares.

Mediante as reflexões acerca da temática de gênero os professores e as professoras dos anos iniciais do ensino fundamental poderão fazer as mediações necessárias com as crianças. Assim, elas terão direito a conhecimentos que contribuirão na sua formação humana. Pois, temos consciência que as crianças passam por um amplo e complexo processo de formação ao longo de suas vidas sofrendo influências de vários segmentos sociais, dentre eles podemos destacar a família e a escola, sendo que esta última possui uma imensa responsabilidade por se tratar do local próprio para a educação formal e sistematizada.

Considerações finais

Compreendemos que as relações de gênero na escola dos anos iniciais do ensino fundamental são presentes nas práticas escolares e refletem aspectos sociais, históricos e culturais, dentre outros, do mundo dos adultos. Sendo assim, na infância as crianças apreendem posturas e comportamentos que homens e mulheres efetuam na sociedade. São as interações propiciadas com o universo dos adultos e com o mundo infantil que possibilitam as crianças seu pleno desenvolvimento e a consolidação das aprendizagens. Dessa forma, as crianças em idade escolar acabam construindo suas próprias identidades com base em padrões fixados pela cultura. Destacamos que a cultura de gênero ocupa um importante espaço na construção do conhecimento acerca de aspectos que envolvem as relações sociais como também na busca de se auto-identificar de acordo com os padrões existentes na sociedade.

Ressaltamos que os professores e as professoras dos anos iniciais do ensino fundamental precisam estar atentos a questão de gênero que está presente na escola e que influencia inúmeras atitudes das crianças, como por exemplo,em suas atividades lúdicas. Por isso, os educadores precisam entender a existência da complexidade das relações de gênero na

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educação e realizar uma mediação pedagógica eficaz, visando os aspectos positivos das interações humanas que são capazes de promover o desenvolvimento integral do indivíduo.

Portanto, consideramos que as reflexões expostas não esgotam a análise do objeto de estudo enfocado. Entretanto, abre perspectivas para o aprofundamento através de novos estudos em torno da questão.

Referências

ANDRADE, Sandra dos Santos. Dinâmicas de gênero nas práticas escolares. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA. Pró-Reitoria de Integração e Desenvolvimento Estadual. Pró-Reitoria de Ensino de Graduação. Coletânia de textos didáticos do curso Pedagogia em serviço. Campina Grande: UEPB, 2002.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. 3 ed. Brasília: Ministério da Educação, 2001. v. 10: pluralidade cultural e orientação sexual.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

CARNEIRO, Maria Ângela Barbato. O jogo e suas diferentes concepções. Revista da associação brasileira de psicopedagogia, São Paulo, v. 14, n.33, p. 30-34, 1995.

HEILBORN, Maria Luiza. Gênero: Uma Breve Introdução. Disponível em:

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