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A DELIMITAÇÃO DE PERÍMETROS DE INUNDAÇÃO SEGUNDO A
DIRETIVA FLOODS (OU DL. n.º 115/2010): AVALIAÇÃO DE
METODOLOGIAS
THE DELIMITATION OF FLOOD PRONE AREAS ACCORDING TO FLOOD
DIRECTIVE (OR DL. n.º 115/2010): EVALUATION OF METHODOLOGIES
Marafuz, Inês, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal,
ines.mfuz@gmail.com
Gonçalves, Pedro, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal,
pedrommgoncalves@gmail.com
Pereira, António, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal,
antoniojsp@hotmail.com
Gomes, Alberto, CEGOT-Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, Portugal,
albgomes@gmail.com
RESUMO
As cheias são eventos naturais recorrentes com implicações a nível social, humano e económico. Tendo em conta os pressupostos da atual legislação sobre as cheias em Portugal, particularmente o Dec. Lei 115/2010, compara-se a utilização de diferentes fontes de informação altimétrica, i.e., dados obtidos através do levantamento topográfico da planície aluvial, cartografia de base à escala 1/1000 e 1/2000 e dados do Airborne Laser Scanning (ALS), em função dos resultados que permitem alcançar, e das vantagens e limitações que acarretam. Assim, concluiu-se que o rigor na delimitação dos perímetros de inundação e na obtenção da coluna de água dependem, substancialmente, dos dados de base utilizados. Quanto mais pormenorizados estes forem, mais rigorosos e verosímeis serão os perímetros de inundação.
ABSTRACT
Floods are natural events recurring with social, human and economic implications. Given the assumptions of the current legislation on floods in Portugal, particularly the DL. Nº 115/2010, it was compared the use of different sources of the altimetry data, i.e., data obtained through the topographic survey of the floodplain, base maps scale 1/1000 and 1/2000 and Airborne Laser Scanning (ALS) data according to the results which achieve, advantages and limitations of their use. Thus, it was concluded that the accuracy in the delimitation of flood prone areas and obtaining water column depend, substantially, of the basis cartography used. The more detailed it is, the more rigorous and credible will be the flood prone areas.
1. INTRODUÇÃO
As cheias são eventos naturais recorrentes mas de difícil previsão conduzindo a diversos impactos em termos sociais, humanos (perdas humanas) e económicos (prejuízos em infraestruturas, bens e quebra de funcionalidades). Em Portugal, os efeitos destes episódios têm aumentado nas últimas décadas (Quaresma e Zêzere, 2011), em parte, devido ao intenso processo de urbanização que transforma a dinâmica natural de inundação nos vales e planícies aluviais. O quadro legislativo vigente que regulamenta as questões das cheias em Portugal, procura estabelecer medidas que permitam a avaliação e gestão dos riscos de inundação, de forma a minimizar as suas consequências para as comunidades, os seus bens e as atividades económicas. Salienta-se ainda a obrigatoriedade de delimitar áreas potencialmente afetadas por cheias e de se imporem restrições à ocupação do solo nos
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locais ameaçados por estes processos (Dec. Lei 115/2010, Dec. Lei 166/2008). Com este trabalho pretendeu-se avaliar e comparar a utilização de diferentes fontes de informação altimétrica para a delimitação de perímetros de inundação. Assim, apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos nos estudos efetuados nas bacias hidrográficas do rio Arda, Caima e Leça, em Portugal e na Ribeira de Mougás, na Galiza, em Espanha.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
Segundo o Decreto-Lei nº. 115/2010 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2012, a delimitação das áreas ameaçadas por cheias deve ser apoiada em estudos hidrológicos e hidráulicos em áreas urbanas, que incluam o edificado e infraestruturas, sendo que em meio rural pode resultar apenas da representação da cota da maior cheia conhecida e da análise geomorfológica, pedológica e topográfica do terreno. Com efeito, seguindo os mesmos princípios de modelação hidráulica para obter a altura da coluna de água e a superfície inundada para seções transversais do vale, usaram-se vários dados altimétricos de base (quadro 1), a saber: dados obtidos através do levantamento topográfico (estação total e GPS de alta precisão) de seções transversais do rio Arda, no setor da Várzea em Arouca (figura 1A); cartografia de base à escala 1/2000 no setor de Ossela em Oliveira de Azeméis (figura 1B) e 1/1000 para o setor de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos (figura 1C) e a utilização de dados ALS na ribeira de Mougás, na Galiza (figura 1D). O objetivo desta análise foi o de avaliar as vantagens e as limitações que estes dados de base permitem obter face aos resultados conseguidos.
Quadro 1 – Dados de base e métodos usados na delimitação dos perímetros de inundação.
No setor de Várzea, realizou-se um levantamento topográfico para a aquisição de dados altimétricos detalhados da planície aluvial, necessários ao cálculo dos parâmetros hidráulicos e posterior obtenção da altura da coluna de água. A delimitação dos perímetros baseou-se na morfologia do terreno e na consulta de informação histórica sobre os eventos que ocorreram nesta área. Nos restantes setores, efetuou-se a modelação semi-automática com recurso ao software Hec-Ras para a delimitação dos perímetros de inundação e da altura da coluna de água. Na extensão do - ArcGis/Hec-GeoRas - foram criados os parâmetros geométricos necessários, como o curso de água, as margens, a direção do fluxo, as obstruções à livre circulação da água, os perfis transversais, entre outros. Apesar do método ser o mesmo, os dados de base usados na geração dos MDTs foram diferentes. No caso do Rio Caima, utilizaram-se dados altimétricos à escala 1/2000 e os valores dos caudais máximos de cheia inseridos no Hec-Ras foram obtidos usando a fórmula de Loureiro. Também no setor do rio Leça, usou-se informação altimétrica mas à escala 1/1000 e recorreu-se a à fórmula cinemática de Giandotti para a predeterminação dos caudais máximos. No último setor de estudo, utilizou-se a informação altimétrica de base proveniente do ALS, cuja nuvem de pontos, após filtragem dos pontos do solo, possuía uma densidade de pontos de 0,66 pontos/m2 e um espaçamento médio de 1,24 m, o que permitiu criar um
Aquisição
altimétrica Local Dados de base
Cálculo do caudal de
ponta de cheia Modelação Levantamento
topográfico Rio Arda
- Informação altimétrica obtida através do levantamento topográfico; - Ortofotomapas. Fórmula estatística de Loureiro - Medições em Autocad; - Cálculos no Excel (extensão Solver) Cartografia
vetorial Rio Caima
- Altimetria e planimetria à escala 1/2000 (equid. 2m); - Ortofotomapas. Fórmula estatística de Loureiro Modelação semi-automática (Hec-Ras) Cartografia
vetorial Rio Leça
- Altimetria e planimetria à escala 1/1000 (equid. 1m); - Ortofotomapas. Fórmula cinemática de Giandotti Modelação semi-automática (Hec-Ras)
Dados ALS Ribeira de Mougás
- Nuvem de pontos ALS
correspondentes ao solo após filtragem (0,66 Ptos/m2); - Ortofotomapas. Fórmula estatística de Loureiro Modelação semi-automática (Hec-Ras)
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MDE detalhado (2 metros de píxel). Para a predeterminação do caudal de ponta de cheia recorreu-se ao método estatístico de Loureiro, uma vez que se trata de uma área muito próxima de Portugal.
Figura 1 – Dados de base e resultados obtidos na delimitação de perímetros de inundação: A – Perfis transversais realizados no campo; A’ - Perímetros de inundação delimitados de forma expedita a partir desses perfis (T10, 50 e 100 anos); B – Cartografia vetorial à escala 1/2000; C – Cartografia vetorial à escala 1/1000 e perfis transversais traçados no software Hec-Ras; B’ e C’ - Altura e extensão da coluna de água para o T100 anos,
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obtidas com o software HEC RAS; D – Nuvem de pontos derivada do ALS e D’ – perímetros de inundação obtidos com o software Hec-Ras para os T10, 50 e 100 anos.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A cartografia de base que serve os diferentes métodos condiciona os resultados obtidos. A carência de dados altimétricos obriga a um moroso levantamento de campo e à delimitação de perímetros de inundação de forma expedita, em função da morfologia do vale (figura 1A’). Por outro lado, quando se acede a informação altimétrica mais detalhada como é o caso da cartografia à escala 1/1000 ou 1/2000 ou ainda dos dados do ALS, é possível efetuar a modelação semi-automática com resultados mais rigorosos, o que nos permite obter não só a extensão da cheia mas também a coluna de água e a sua velocidade (figura 1B’, C’ e D’). Uma síntese comparativa de algumas vantagens e desvantagens, consoante o uso das diferentes fontes de informação altimétrica está expressa no Quadro 2.
Quadro 2 – Avaliação dos diferentes métodos de aquisição altimétrica para a delimitação dos perímetros de inundação e obtenção da altura das colunas de água.
Aquisição
altimétrica Vantagens Desvantagens
Levantamento topográfico
- Informação altimétrica muito precisa uma vez que se pode fazer o levantamento topográfico de várias seções transversais,
escolhendo o distanciamento entre as mesmas e o número de pontos que se tiram;
- Muito útil quando o objeto de estudo são pequenos setores de um curso de água.
- Levantamento topográfico moroso e dispendioso;
- Problemas de visibilidade e receção de sinal no GPS devido à presença de vegetação muito
alta no rio e na planície aluvial.
Cartografia vetorial (equidistância
curvas de nível ≤ 2m)
- Facilidade e rapidez na geração do MDT através da informação de base; - Os ficheiros vetoriais podem ser modificados e atualizados, com as medições
de campo.
- Exige cartografia de base muito detalhada e atualizada (mínimo à escala 1/10000); - Medições no terreno para se obter a altura dos obstáculos à circulação da água de forma a
incorporar estes elementos no MDT;
ALS
- Grande quantidade e rigor altimétrico da nuvem de pontos;
- Melhor apropriação da topografia associada aos cursos de água: leito, talvegue, margens.
- Problemas de processamento dos dados do ALS devido à sua enorme quantidade; - Necessidade processamento inicial dos dados
do ALS.
AGRADECIMENTOS
São devidos agradecimentos às Câmaras Municipais de Oliveira de Azeméis e de Matosinhos que facultaram diversa cartografia de base, nomeadamente, cartografia vetorial à escala 1/2000 e 1/1000, respetivamente. A Manuel Borobio, Diretor do Instituto do Territorio - Conselleria do Medio Ambiente, Territorio e Infraestructuras da Xunta de Galicia, e ao Professor Doutor Pérez Alberti pela cedência de parte dos dados.
REFERÊNCIAS
Decreto‐Lei n.º 166/2008. Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território – DR. I Série. N.º 162 (22 de Agosto de 2008).
Decreto‐Lei n.º 115/2010. Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território – DR. I Série. N.º 206 (22 de Outubro de 2010).
Directiva 2007/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à avaliação e gestão dos riscos de inundações. Jornal Oficial da União Europeia (23 de Outubro de 2007).
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Quaresma, I.D.; Zêzere, J.L. (2012) - Extensão e Impacto dos Desastres Naturais de Origem Hidro-Geomorfológica em Portugal no século XX. Riscos, Segurança e Sustentabilidade, volume 1, C. Guedes Soares, A.P. Teixeira, C. Jacinto (Eds.), Edições Salamandra, Lisboa, pp 325-339
Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2012. Diário da República – I Série. N.º 192 (3 de Outubro de 2012).