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Muito tem se falado, e atualmente com mais relevância, sobre as. insistentes investidas dos entes públicos em tentar criminalizar a falta

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A criminalização de dívida fiscal

própria

Jessica Garcia Batista*

21 Dezembro 2018 | 06h00

Jessica Garcia Batista. FOTO: DIVULGAÇÃO

Muito tem se falado, e atualmente com mais relevância, sobre as insistentes investidas dos entes públicos em tentar criminalizar a falta de pagamento de tributos, apontando como crime contra a ordem tributária aquelas situações em que os contribuintes declaram

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tributos próprios, mas não realizam o pagamento da importância reconhecida aos cofres dos entes públicos.

Como se sabe, o poder de persuasão dos Entes Públicos é grande, e em agosto passado a comunidade jurídica se deparou com julgamento atípico promovido pela Corte Superior de Justiça.

O caso analisado tratado pelo Superior Tribunal de Justiça diz respeito ao que seria efetivamente crime tributário, quando o contribuinte declara tributos, no caso julgado o ICMS, e não promove o pagamento ao Estado. Este julgamento se fez necessário, porque havia até então entendimentos divergentes nas duas Turmas que julgam matérias criminais. O recurso foi julgado em um habeas corpus, n.º 399.109/SC.

O interessante deste precedente, e que se deve dar a devida atenção, é a conclusão apresentada sobre a sistemática de apuração dos tributos indiretos. No caso do ICMS, o relator apontou que, ao se realizar a aquisição de insumos, nasce para o contribuinte o direito à apropriação do crédito do imposto destacado na nota, exceção esta paga pelo contribuinte/remetente anterior.

Na sequência, a decisão afirma que aquele contribuinte que adquiriu o insumo, e promoveu a subsequente venda (venda comum, ou após processo produtivo), apropriando-se do crédito pretérito, promove a apuração do imposto devido pela consequente venda do produto. Neste momento, o julgamento apontou que se o valor do imposto é destacado na nota, ele seria retido em nome do destinatário do produto.

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Neste ponto, então, é que se concentraria o entendimento pela suposta prática de crime contra a ordem tributária, porque o contribuinte apurou, descontou e declarou o imposto, retendo o ICMS, mas que deixa de promover o pagamento ao ente responsável, o Estado, e estaria praticando, assim, o delito tributário.

Entretanto, ao se falar especificamente do ICMS, tributo considerado no debate em tela, não se pode concordar com a inteligência empregada para a conclusão da confirmação de crime. Isto porque o ICMS não é um imposto retido de terceiros, exceto, é claro, nos casos de substituição tributária. O tributo, pela sistemática da Constituição Federal (art. 155), é imposto próprio do contribuinte, mas que para sua apuração é permitida a apropriação do crédito destacado nos documentos fiscais de aquisição de insumos e mercadorias, que posteriormente serão revendidas pelo contribuinte, ou seja, essa é a sistemática para a garantia da não-cumulatividade do imposto.

Não se fala aqui de retenção, considerando que o pagamento se daria em nome de terceiros, já que o contribuinte que declara o valor devido é o único responsável pelo seu pagamento. É relevante verificar que se ele não efetiva o pagamento, não nasce o direito do Estado em exigi-lo do contribuinte ou pessoa (física ou jurídica) que adquiriu o produto na etapa subsequente. A sistemática da não cumulatividade é a forma que a legislação encontrou para organizar e disciplinar o pagamento, somente isso.

Pois bem, após intenso debate, com duas teses de defesa, uma para a confirmação do crime tributário e outra pela inexistência de conduta tipificada para a situação, acabou que o julgamento final, em princípio, perfilou o entendimento pela configuração do tipo penal

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previsto no art. 2.º, II, da Lei 8.137/90, como a configuração de delito de apropriação indébita tributária.

Diante deste cenário, ao contrário do que parece, a questão não está pacificada, já que o próprio Supremo Tribunal Federal declarou em diversas oportunidades que o mero inadimplemento de tributos, e para a questão considerou justamente o tributo declarado e não pago pelo contribuinte, não é causa para configuração de crime contra a ordem tributária. Por conta disso, a questão será sendo levada à apreciação da Corte Suprema, e de quem espera-se seja avaliada com a atenção e cuidado costumeiros.

Porém, o problema prático que surge agora, decorrente do resultado deste julgamento, é a movimentação frenética das autoridades

administrativas para promoverem a readequação de seus

procedimentos internos, visando justamente implementar aquele sonho antigo de criminalizar o não pagamento de dívidas fiscais, e com isso fomentar uma melhora na arrecadação por meios extremamente coercitivos. Nada mais é que nova tentativa de coação para arrecadar.

A primeira a se movimentar foi a Secretaria da Receita Federal do Brasil, que já editou Portaria 1.750, de 15/11/2018, declarando a criação de ferramenta no site da instituição visando a divulgação dos comunicados encaminhados ao Ministério Público com a relação de dados e nomes dos contribuintes suspeitos de cometerem crimes como contrabando, contra a ordem tributária e Previdência Social, o que é bastante justificável.

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Agora, vem a notícia da implementação da mesma sistemática está sendo desenhada pelo Estado de São Paulo. A tentativa é forçar a busca pelo pagamento dos tributos devidos pelos contribuintes considerados contumazes, sob o risco de se iniciar os procedimentos penais, mediante instauração de inquérito policial, e ao final, a ação penal, o que, diga-se, já é feito com certa frequência pelo Estado Paulista.

Inegável que tal vitória judicial deu o embasamento que faltava para a utilização desta ferramenta como meio de coerção para a cobrança de tributos. Ainda que seja necessário, e legítima a cobrança de tributos, não se pode criminalizar o mero inadimplemento.

Apenas para ilustrar o descompasso, a Seção do Superior Tribunal de Justiça que trata de matéria tributária, portanto a responsável pelo julgamento da legalidade ou legitimidade da cobrança de tributos, considerando as normas tributárias e cíveis, já declarou, inclusive em julgamento sedimentado para observância de todas as Cortes de Justiça do País, pela sistemática dos recursos repetitivos que fixam a tese de análise e o posicionamento da Corte a respeito, que o mero inadimplemento de tributos não é causa suficiente para se declarar o ato como ilícito, e de infração à lei, para justificar a vinculação da responsabilidade solidária, do art. 135 do CTN, para redirecionamento do débito em face dos sócios/administradores/gerentes da pessoa jurídica.

Como dito, a celeuma passará pelo crivo do STF, e espera-se que a correção do entendimento se faça, pois não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhuma norma que possa corroborar com o entendimento firmado pelo STJ, ainda mais quando no país, até

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aquele fatídico julgamento, imperava o entendimento da aplicação dos crimes tributários da Lei 8.137/90 somente para aqueles atos de comprovada ilicitude, o que não alcança o inadimplemento.

Urge uma decisão rápida e eficaz sobre a questão, pois se toda a ordem legal e jurisprudencial vigente até o famigerado julgamento do HC 399.109/SC não for validada, o país estará imerso em grave insegurança jurídica, que em última instância, contribuirá para a derrocada de toda a economia, já que nenhum empresário manterá a intenção de permanecer com suas atividades, dado o risco diário e iminente de ver-se envolvido em inquéritos policiais e ações penais, ante a criminalização da falta de pagamento de tributo.

*Jessica Garcia Batista, sócia do escritório Peluso, Stüpp e Guaritá Advogados

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-criminalizacao-de-divida-fiscal-propria/

Referências

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