• Nenhum resultado encontrado

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DO AGENTE PÚBLICO: pluralidade do polo passivo e a teoria da dupla garantia.*

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO E DO AGENTE PÚBLICO: pluralidade do polo passivo e a teoria da dupla garantia.*"

Copied!
27
0
0

Texto

(1)

Raíssa Alves dos Santos1

RESUMO

O tema objeto do presente artigo trabalha as distintas interpretações conferidas ao art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988. A forma de responsabilização do ente público está expressa no texto constitucional, sendo incontestável a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causado por seus agentes públicos, no exercício de sua função, a terceiros, e o direito de regresso da Administração Pública contra o responsável pelo dano. Entretanto, existe um debate se é possível o cidadão, lesado pela prática de ato administrativo do Estado, ajuizar ação indenizatória diretamente em face do agente público que imputa ser causador do dano. O Superior Tribunal de Justiça defende esta possibilidade, enquanto que o Supremo Tribunal Federal adota a teoria da dupla garantia em que é defendida a ilegitimidade passiva do agente público. Neste artigo, objetiva-se analisar estas interpretações, averiguando se a posição adotada pelo STF foi superada e contribuindo para acabar com o quadro de insegurança jurídica que se formou a partir deste impasse. Com uma explicação sobre as Responsabilidades do Estado e do agente público nos dias atuais, passando por uma rápida avaliação de suas mudanças ao longo da história, bem como da análise crítica dos argumentos dos defensores de cada posicionamento, foi possível concluir que o nosso sistema constitucional migrou de um tipo de responsabilidade solidária entre Estado e agente público para a responsabilidade regressiva do agente perante a Administração. Com isso, foi constatado que o agente estatal não pode ser demandado diretamente pelo administrado por atos decorrentes de sua atividade. Palavras-Chave: Responsabilidade civil do Estado. Responsabilidade do Agente Público. Teoria da dupla garantia. Legitimidade Passiva.

1 INTRODUÇÃO

A responsabilidade do Estado integra um dos temas de maior importância para o Direito Público, pois compreende a relação jurídica entre o Estado e os administrados, apresentando-se como instrumento asapresentando-segurador dos direitos dos indivíduos e limitador ou controlador da atuação estatal. O instituto da responsabilidade do Estado passou por algumas mudanças ao longo da história, superando a fase da completa irresponsabilidade do ente público ao reconhecimento, quase total, de sua responsabilização.

* Artigo científico apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento do Curso de Direito, no Centro de Ensino Superior do Seridó – CERES, campus de Caicó/RN, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito, sob a orientação do professor Ms. André Melo Gomes Pereira.

1 Bacharelanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do

Seridó – Campus Caicó/RN. Endereço postal: Rua Joel Damasceno, nº 671, Bairro Centro, Caicó/RN, CEP 59.300-000. Endereço eletrônico: rayssa.alves@hotmail.com.

(2)

Acompanhando este quadro de transformação, a Constituição Federal Brasileira de 1988, seguindo o exemplo das Constituições de 1946 e 1967, adotou a responsabilidade civil do Estado fundada no Direito Público, aplicando no nosso ordenamento jurídico, mais especificamente, a teoria do risco administrativo.

Nesse sentido, a referida teoria do risco serve como fundamento para a responsabilidade objetiva do Estatal, consagrada no art. 37, §6º da CF/1988, em que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado que prestam serviços públicos são objetivamente responsáveis pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo assegurado, ainda, o direito de regresso contra o agente causador do dano nos casos de dolo ou culpa. Assim, é pacífico que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, compreendendo o dever de reparação dos danos causados aos administrados pela sua conduta estatal sem a necessidade de demonstrar a existência de culpa.

Ainda que manifesta a forma de responsabilização do ente público, a doutrina e a jurisprudência ainda divergem sobre algumas questões que envolvem o tema. Há um debate em nosso ordenamento jurídico com relação à legitimidade passiva da ação indenizatória decorrente dos atos praticados pelo ente público, em razão da leitura do art. 37, §6º da Constituição Federal de 1988 que permitiu mais de uma conclusão.

Essa controvérsia se fundamenta na possibilidade de o administrado ter ou não liberdade de escolher contra quem demandar nesse tipo de ação, refletindo claramente na composição do polo passivo. Se o agente público puder responder apenas regressivamente, será o ente estatal o único legitimado para compor o polo passivo da demanda indenizatória, tendo responsabilidade objetiva de reparar o dano. Porém, se o administrado puder optar por demandar diretamente o agente público, este possuirá legitimidade passiva conjuntamente com o Estado, mas terá responsabilidade subjetiva.

A respeito dessa controvérsia, há julgamentos completamente opostos das maiores Cortes de Justiça do nosso país, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), acarretando uma enorme insegurança jurídica não só para o lesado que poderá ter seu direito de reparação adiado por erro na composição do polo passivo da demanda, mas também para o próprio servidor público que ficará na expectativa de ser demandado diretamente a qualquer momento.

Afinal, pode o administrado escolher contra quem demandar? O agente público pode responder diretamente pelos atos praticados em nome da administração pública? Ou seria apenas de maneira regressiva? Um tema de tanta relevância não pode ser carreado por questionamentos tão básicos com relação à legitimidade passiva da demanda.

(3)

O objetivo deste trabalho é analisar se há de fato uma superação da teoria da dupla garantia, como é defendido pela maioria da doutrina. Para isto, nosso estudo começará a ser feito a partir de explanações no item 2 a respeito da teoria do risco administrativo, explicando como funciona não só a responsabilidade do Estado e do agente público, mas também o direito de regresso na nossa Constituição Federal e o que é a teoria da dupla garantia. Em seguida, no item 3 será analisada a responsabilidade do Estado e do agente público nas Constituições anteriores, destacando as principais mudanças ao longo da história no que concerne à legitimidade passiva da demanda indenizatória proposta pelo administrado.

O item 4, por sua vez, trará as principais divergências sobre o tema, abordando não só as posições do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 327.904 e do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.325.862, como também trazendo os argumentos doutrinários que defendem cada posicionamento. Após, no item 5, abordaremos a resposta a qual chegamos com a análise do problema.

Por fim, na conclusão (item 6), serão destacadas as dificuldades resultantes da indefinição a respeito do polo passivo da demanda indenizatória e o posicionamento para o qual este trabalho se inclina, o do STF ou do STJ.

Para concretização dos objetivos apresentados buscar-se-á amparo bibliográfico e jurisprudencial, trazendo o que cada autor e Tribunal defende e as principais controvérsias do tema. Além do mais, será feia uma breve explanação histórica de nossas Constituições no que diz respeito às responsabilidades do Estado e dos agentes públicos, que não visa esgotar toda análise histórico-constitucional em virtude da complexidade e do espaço disponível.

2 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

A Teoria do Risco Administrativo advém do Direito Público, tendo como pioneiro o

jurista francês Léon Duguit,e começou a ser adotada na medida em que se tornou perceptível

que o Estado estava adquirindo um maior poder em relação aos administrados, tornando cada vez maior a sua interferência na vida destes, submetendo-os ao seu controle, em suas relações individuais e sociais. Mesmo sendo protegidos pelas normas do ordenamento jurídico, os particulares, para ter condições de suportar os prejuízos oriundos da poderosa atividade estatal,

teriam que empenhar esforços que excederiam seus limites.2

2 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

(4)

Diante disso, com fundamento na justiça social e com objetivo de atenuar as dificuldades e impedimentos que o indivíduo teria que suportar quando prejudicado por condutas de agentes estatais, o Estado, por ser mais poderoso, passou a arcar com um risco

natural decorrente de suas inúmeras atividades.3 Surgindo, então, a Teoria do Risco

Administrativo que defende a visualização do dano sofrido pelo indivíduo como consequência do funcionamento do serviço público, não importando se foi bom ou ruim, devendo existir

apena nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo administrado e o comportamento estatal4.

Essa teoria leva em conta o risco que a atividade estatal gera para os administrados e a possibilidade de causar danos a determinados membros da comunidade, impingindo-lhes um

ônus não suportado pelos demais5.

Nas palavras de Caio Mário da Silva:

O princípio da igualdade dos ônus e dos encargos exige a reparação. Não deve um cidadão sofrer as consequências do dano. Se o funcionamento de serviço público, independentemente da verificação de sua qualidade, teve como consequência causar dano ao indivíduo, a forma democrática de distribuir por todos a respectiva consequência conduz à imposição à pessoa jurídica do dever de reparar o prejuízo e, pois, em face de um dano, é necessário e suficiente que se demonstre o nexo de causalidade entre o ato administrativo e o prejuízo causado.6

Então, o ônus proveniente de atos lesivos deve ser repartido entre todos os membros da comunidade, que devem contribuir para a reparação dos danos através de recursos públicos, para evitar que algumas pessoas suportem sozinhas o ônus por causa de atividades no interesse de todos.

2.1 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

Como já dito inicialmente, foi através de um acentuado processo de modificação do direito público que surgiu a Teoria do Risco Administrativo que, por consequência, deu origem à responsabilidade do Estado por atos administrativos como conhecemos hoje, objetiva ou sem necessidade de demonstrar culpa. Assim, responde o Estado da mesma forma e sob os mesmos

3 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p. 556.

4 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10. ed. rev., atual e reform. Com

acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1349.

5 JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito administrativo. Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2015, p. 357. 6 SILVA, Caio Mário da apud STOCO, Rui. op. cit., p. 1349.

(5)

fundamentos, tanto em relação aos atos administrativos praticados pelo Executivo, quanto pelo

Legislativo e pelo Judiciário, quando estes atos ocasionarem prejuízo aos administrados7.

Além dos atos administrativos, o Estado também pratica atos de natureza legislativa e judiciária, através dos seus agentes. A responsabilidade do Estado por atos legislativos dependerá da declaração de inconstitucionalidade material pelo STF do referido ato (Lei, Decreto, Portaria, etc) com a demonstração dos danos eventualmente suportados. A responsabilidade dos atos administrativos é equiparada à responsabilidade dos atos legislativos,

sendo, portanto, também objetiva.8 A responsabilidade do Estado pelos atos judiciários não é

diferente, admitindo atualmente a jurisprudência a responsabilidade objetiva. No Código de Processo Civil de 1973 havia a previsão de responsabilidade pessoal do Juiz nos casos de dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de seu ofício, nos termos

do art. 133.9 No entanto, com o advento do Novo Código de Processo Civil, de 2015, há

expressa previsão de que o Juiz responderá regressivamente nos casos supracitados10.

Desta forma, a responsabilidade do Estado é sempre objetiva, impendentemente da natureza do ato. Cumpre asseverar que ao longo deste trabalho, ao nos referirmos à responsabilidade do Estado por ato praticado por seu agente, este ato é o de natureza administrativa.

Ademais, atividade lesiva da Administração Pública poderá decorrer do descumprimento de um contrato ou da infração das obrigações gerais que todos têm de

respeitar11. Nestes termos, a responsabilidade poderá ser, respectivamente, contratual ou

extracontratual, sendo esta última a mencionada ao longo deste trabalho.

A responsabilidade objetiva do Estado está presente em nosso ornamento jurídico atual

no §6º, art. 37 da Constituição Federal de 198812, que seguiu o exemplo de Constituições

7 FREITAS, Marisa Helena D'Arbo Alves de. Responsabilidade do estado pelos danos causados às vítimas de crimes. 2001. 238f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Faculdade de História, Direito e Serviço Social de

Franca da Universidade Estadual Paulista, França, 2001. Cap.2. p. 72. Disponível em: <http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/101461/freitas_mhda_dr_fran.pdf?sequence=1>. Acesso em: 16 out. 2016.

8 JÚNIOR. Dirley da Cunha. Curso de direito administrativo. Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2015, p.

373/374.

9 Ibid., p. 374.

10Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 março de 2015. Código de processo civil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 29 out. 2016.

11 FREITAS, op. cit., p. 73. 12 Art. 37. (Omissis)

(6)

anteriores, como será abordado mais adiante, e alguns anos após foi acolhida pela Código Civil

de 2002 através do art. 4313, alcançando o ideal legislativo e a garantia que a sociedade exigiu.

Neste primeiro momento interessará a análise da primeira parte do §6º, art. 37, no qual afirma expressamente a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos pelos danos que seus agentes causarem a terceiros.

Nesse tipo de responsabilidade, por ser baseada na Teoria do Risco Administrativo, não é necessário demonstrar o elemento subjetivo, dolo ou culpa, do fato danoso, sendo suficiente a comprovação de que o dano é decorrente de um ato do agente público, sem qualquer participação do lesado. Por esta razão, o Estado tem o dever de indenizar o administrado independentemente se o fato ocorrido é lícito ou ilícito, basta que o particular comprove relação

de causalidade entre o fato e o dano.14

Segundo Carvalho Filho15:

Esta responsabilidade passou a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos, como, por exemplo, a identificação do agente, a culpa deste na conduta administrativa, a falta de serviço etc.

Entretanto, esta responsabilidade não afasta a possibilidade de o Estado responder subjetivamente por culpa do serviço, em determinadas situações. Nas palavras de José Cretella Júnior:

Havendo dano e nexo causal, o Estado será responsabilizado patrimonialmente, desde que provada a relação entre o prejuízo e a pessoa jurídica pública, fonte da

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988. Constituição da república federativa do Brasil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 out. 2016

13Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que

nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código civil. Brasília, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 out. 2016.

14JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito administrativo. Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2015, p.

357/358.

15FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

(7)

descompensação ocorrida, de modo que somente a força maior ou a culpa exclusiva da vítima exonerariam a Administração da obrigação reparatória. 16

Portanto, em regra, temos a responsabilidade objetiva estabelecida no §6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988 como uma norma autolimitadora da soberania estatal, reconhecendo a soberania do cidadão perante o poder do Estado, uma vez que não seria justo atribuir aos administrados, hipossuficiente em relação ao Estado, o encargo de comprovar a existência da culpa da Administração.

2.2 RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO E O DIREITO DE REGRESSO

Apesar de não ser necessária a comprovação de culpa ou dolo em face do Estado pelos atos que afetem a esfera patrimonial e moral do administrado, o mesmo não valerá para o agente público causador do dano. A parte final do §6º, art. 37 da Constituição Federal consagra a responsabilidade subjetiva do agente público.

Então, para que o agente seja responsabilizado é indispensável a verificação de culpa ou dolo no ato praticado. Se não houve a configuração de qualquer dos elementos subjetivos, não é possível responsabilizar o agente público, uma vez que este tipo de responsabilidade está fundamentada no conceito de culpabilidade, devendo todo indivíduo responder pelas

consequências de suas condutas na medida do que praticou.17

Ainda em análise do dispositivo constitucional, ao Estado é assegurado o direito de agir regressivamente contra o causador do dano, desde que culpado, para dele cobrar o ressarcimento do prejuízo decorrente do ato danoso. Só existe direito de regresso, então, quando o agente teve culpa ou dolo comprovados e o Estado indenizou a vítima do dano, sendo a propositura deste tipo de ação obrigatória após o trânsito em julgado da decisão que condenar

o Estado.18A obrigatoriedade da ação regressiva se justifica pelo legítimo interesse público em

repor o prejuízo sofrido pelo erário. Como bem explica Cretella Júnior

16JÚNIOR, José Cretella apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10.

ed. rev., atual e reform. Com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1348.

17RODRIGUES, Ricardo Ramos. A responsabilidade civil do estado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n.

94, nov 2011. Disponível em:

<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10745>. Acesso em 9 out. 2016.

(8)

O direito de regresso é o poder-dever que tem o Estado de exigir do funcionário público, causador do dano ao particular, a repetição da quantia que a Fazenda Pública teve de adiantar à vítima de ação ou omissão, decorrente do mau funcionamento do serviço público, por dolo ou culpa. 19

Como se percebe, a causa de pedir da ação regressiva a ser ajuizada pelo Estado se fundamenta em uma conduta danosa causada por culpa ou dolo do agente. Destarte, quando o fato danoso tiver sido provocado pela atividade estatal e não for possível identificar o agente causador (culpa anônima do serviço), o Estado será obrigado a reparar o dano, em virtude da responsabilidade objetiva, mas não poderá exercer o seu direito de regresso, tendo em vista que

não foi identificado o agente.20

Cumpre mencionar que, pode o Estado tentar um acordo com o agente público para obter a indenização por meio da via administrativa. Na hipótese de não ser celebrado o acordo, o Estado deverá escolher a via judicial, propondo ação indenizatória e sendo-lhe vedado

descontar, por sua exclusiva iniciativa, parcelas indenizatórias dos vencimentos do servidor.21

Ademais, era pacífico na doutrina a imprescritibilidade das ações regressivas que visam ao ressarcimento do prejuízo causado por agentes do Poder Público, isto é, aqueles que estejam no exercício da função pública mediante título formal conferido pelo Estado, sendo servidor ou não, em virtude da redação final do art. 37, §5º da Constituição Federal. Existia prazo prescricional apenas para aquelas ações em que o causador do dano é um terceiro, sem vínculo

com o Estado.22

No entanto, o Supremo Tribunal Federal julgou tema com repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 669.069 no dia 03/02/2016 conferindo uma nova interpretação ao dispositivo constitucional e fixando a tese da prescritibilidade quinquenal da ação de reparação

de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil23. Está aguardando julgamento o RE

852.475 que decidirá se prescrevem também as ações de ressarcimento ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa, enquanto isso, todos os processos existentes no país que

19JÚNIOR, José Cretella apud STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 10.

ed. rev., atual e reform. Com acréscimo de acórdãos do STF e STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1477.

20FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p. 589.

21Ibid., p. 588/589. 22Ibid., p. 591.

23BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 669.069, Tribunal Pleno. Relator: Min. Teori

Zavascki. Acórdão Eletrônico DJe-136. Brasília, 30 jun. 2016. Disponível em:

(9)

tratem desta questão estão suspensos por decisão proferida pelo Ministro Teori Zavascki,

publicada dia 20/06/2016.24

As ações regressivas propostas pelo Estado em face do agente que causou o dano a terceiro é uma espécie de ação de ressarcimento ao erário que pode decorrer de ato ilícito ou de ato de improbidade administrativa. Desta maneira, em virtude do recente julgamento do Supremo, não é mais imprescritível a ação regressiva que tiver como origem um dano decorrente de ilícito civil, tendo, portanto, um prazo de 5 (cinco) para ser proposta após o trânsito em julgado da sentença que condenou a Administração Pública. Enquanto que as ações regressivas decorrentes de ato de improbidade administrativa estão suspensas até que o RE 852.475 se manifeste a respeito da prescrição.

2.3 TEORIA DA DUPLA GARANTIA

O texto constitucional do §6º, art. 37 traz, nitidamente, duas relações jurídicas distintas, com pessoas e fundamentos diversos. Na primeira parte do dispositivo é regulada a relação entre o Estado e o administrado, atribuindo responsabilidade objetiva àquele. A segunda relação jurídica é entre o Estado e seu agente, garantindo o direito regressivo ao ente estatal contra o agente que responderá nos casos de culpa ou dolo, vinculando as partes desta relação à teoria da responsabilidade subjetiva.

Essa dupla relação jurídica presente no dispositivo constitucional é conhecida como dupla garantia e começou a ser utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para explicar que a Constituição, ao fazer a diferenciação das relações jurídicas, quis atribuir duas garantias diferentes. A primeira garantia é ao particular que outrora fora lesado, que não precisará comprovar culpa ou dolo da Administração Pública para que o Estado seja responsabilizado. A outra garantia é dada ao agente público que, por outro lado, só será demandado administrativa e civilmente pela Administração a qual se encontra vinculado.

No entanto, a teoria da dupla garantia vem sendo responsável por uma dissonância em nosso ordenamento jurídico, uma vez que a maior parte da doutrina defende que o agente possa ser demandado diretamente pelo particular lesado e o Superior Tribunal de Justiça, seguindo este raciocínio, julgou uma ação legitimando o polo passivo da demanda em que estava presente o servidor.

24BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 852.475. DJe. Brasília. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=852475&classe=RE-RG&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 04 nov. 2016.

(10)

Afinal, nos dias atuais a teoria da dupla garantia foi superada pelo entendimento de que é possível demandar o agente público? Para entender as transformações que ocorreram até os dias atuais e responder a esta indagação, iremos analisar no próximo tópico a mudança da responsabilidade civil do Estado e dos servidores públicos nas Constituições anteriores.

3 RESPONSABILIDADE DO ESTADO E DO AGENTE PÚBLICO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

A teoria da responsabilidade Estatal foi a que teve o mais significativo desenvolvimento no âmbito do Direito Público. Surgiu a partir da irresponsabilidade total do Estado, haja vista que na época vigoravam os governos absolutos e estes possuíam imunidade, e atingiu a responsabilidade do ente público, fundando-se inicialmente na culpa (fase civilista) e

posteriormente para a fase da responsabilidade sem culpa (fase publicista).25

3.1 FASE DA IRRESPONSABILIDADE DO ESTADO

A nossa primeira Constituição surgiu em 1824, apenas dois anos após a proclamação da Independência, e trouxe consigo muitas influências da Revolução Francesa. Nessa época, o Estado não respondia pelos danos causados a terceiros, tendo em vista que ainda existia o governo absoluto, de modo que, responsabilizá-lo significaria colocá-lo no mesmo nível dos

seus súditos, desrespeitando a sua plena soberania.26

O art. 179, XXIX, da Constituição de 1824 previa a responsabilização pessoal dos

empregados públicos pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções27, ou

seja, era adotada a tese da Irresponsabilidade do Estado por danos causados aos administrados. Existia ainda uma observação expressa excluindo a responsabilidade do Imperador por danos

25FREITAS, Marisa Helena D'Arbo Alves de. Responsabilidade do estado pelos danos causados às vítimas de crimes. 2001. 238f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Faculdade de História, Direito e Serviço Social de

Franca da Universidade Estadual Paulista, França, 2001. Cap.2. p. 70. Disponível em: <http://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/101461/freitas_mhda_dr_fran.pdf?sequence=1>. Acesso em: 19 out. 2016.

26FILHO, Julio César Gaberel de Moraes. Responsabilidade civil do Estado: histórico das Constituições brasileiras.

In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 53, maio 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2880>. Acesso em 12 out 2016.

27Art. 179. (omissis)

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsáveis pelos abusos, e omissões praticados no exercício das suas funções, e por não fazerem effectivamente responsáveis aos seus subalternos.

BRASIL. Constituição (1824), de 25 de março de 1824. Constituição política do império do Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf>. Acesso em: 13 out. 2016.

(11)

causados a terceiros, uma vez que aquele era o titular exclusivo do Poder Moderador, fato que

o liberava de ser responsabilizado por qualquer ato28.

Em 1891 nasceu a primeira Constituição após o fim do período imperial, promulgada por Prudente de Moraes em uma época na que qualquer lembrança que remetesse à Monarquia

era abominada.29 No entanto, a nova Constituição pouco mudou em relação à anterior, repetiu

a regra da Irresponsabilidade do Estado e responsabilidade pessoal do funcionário público30. A

única mudança existente no aspecto da responsabilidade estatal foi a prerrogativa de imunidade do Imperador que não se estendeu ao Presidente da República.

Assim, para que o particular pudesse conseguir a reparação do dano sofrido, teria que provar o abuso ou omissão de algum funcionário público, dependendo de dolo ou culpa deste.

3.2 FASE DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO FUNDADA NO DIREITO PRIVADO (TEORIA CIVILISTA)

A Constituição de 1934 inaugurou a fase subjetivista do ordenamento jurídico brasileiro com a adoção de teorias civilistas principalmente no que condiz a Responsabilidade do Estado, seguindo a tendência inaugurada pelo Código Civil de 1916, surgiu o Estado responsável.

A partir desta Constituição passou a existir uma responsabilidade solidária entre o

funcionário que causou o dano e o Estado31. Entretanto, o ente público só respondia quando

comprovada a culpa individual do seu agente, isto é, quando se demonstrasse que este, no

28Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

BRASIL. Constituição (1824), de 25 de março de 1824. Constituição política do império do Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em: <http://www.monarquia.org.br/PDFs/CONSTITUICAODOIMPERIO.pdf>. Acesso em: 13 out. 2016.

29FILHO, Julio César Gaberel de Moraes. Responsabilidade civil do estado: histórico das constituições brasileiras.

In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XI, n. 53, maio 2008. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2880>. Acesso em 12 out 2016.

30Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no

exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.

BRASIL. Constituição (1891), de 24 de fevereiro de 1891. Constituição da república dos Estados Unidos do

Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 13 out. 2016.

31Art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou

Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. §1º Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.

§2º Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário culpado.

BRASIL. Constituição (1934), de 16 de julho de 1934. Constituição da república dos Estados Unidos do

Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em:

(12)

exercício de sua função, procedeu com negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.

A Constituição seguinte, de 1937, outorgada por Getúlio Vargas na época que ficou conhecida como Estado Novo, não trouxe nenhuma alteração no que se refere à

responsabilidade civil do Estado32, muito embora tenha sido inspirada na Constituição da

Polônia. Esta foi a última Constituição Brasileira da fase civilista.

Contudo, esta fase durou pouco tempo, haja vista que a responsabilidade do Estado começou a sofrer forte influência de princípios do direito público.

3.3 FASE DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO FUNDADA NO DIREITO PÚBLICO (TEORIA PUBLICISTA)

A Constituição de 1946 deu início à fase objetivista no Brasil, passando a utilizar teorias publicistas e seguindo a tendência dos países modernos. Como já amplamente explanado, a responsabilidade civil objetiva surgiu a partir da modernização da sociedade e a comprovação da culpa se tornou insuficiente para solucionar os conflitos advindos de danos causados pelo Estado.

A Constituição não falava mais em comprovação de culpa, sendo necessária apenas para os casos de ação regressiva, e trazia a obrigação do poder público indenizar o dano causado por

funcionário público33, mesmo que estivesse investido ilegalmente no cargo, desde que

comprovado o nexo causal entre o ato ou omissão e o dano.

A sexta Constituição Federal, datada de 1967, diferiu muito pouco da Constituição anterior, trazendo igualmente a responsabilidade objetiva do Estado e a ação regressiva contra

o funcionário público34. Em 1969 houve a primeira Emenda à Constituição e mais uma vez

32Art. 158. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, estadual ou

municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos. BRASIL. Constituição (1937), de 10 de novembro de 1937. Constituição da república dos Estados Unidos do

Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em: 13 out. 2016.

33Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus

funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido dolo ou culpa destes.

BRASIL. Constituição (1946), de 18 de setembro de 1946. Constituição da república dos Estados Unidos do

Brasil. Rio de Janeiro, Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em: 13 out. 2016.

34Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários, nessa

qualidade, causem a terceiros.

(13)

nada mudou com relação a responsabilidade pelos danos causados pela Administração Pública. Teoricamente, a única diferença entre as Constituições de 1946 e a de 1967 foi um alargamento da possibilidade de responsabilização estatal que anteriormente era da “pessoa jurídica de direito público interno” e passou a ser da “pessoa jurídica de direito público”, dando a entender que abrangia tanto as pessoas de direito interno como externo. Na prática, nada mudou.

Por fim, a atual Constituição Federal, de 1988, conhecida como Constituição cidadã, seguiu adotando a responsabilidade objetiva do Estado e garantindo o direito de regresso contra o agente causador do dano, nos mesmos termos das Constituições de 1946 e 1967. A novidade no atual texto constitucional foi a atribuição de responsabilidade objetiva também às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, art. 37, §6º.

Como podemos perceber, as Cartas Constitucionais brasileiras passaram por distintas fases, demorando quase duzentos anos para ocorrer a evolução da responsabilidade pelos danos decorrentes da atividade administrativa para a forma que conhecemos hoje, objetiva e sem culpa, bastando apenas comprovar o nexo de causalidade entre a Administração e o efeito danoso. Uma evolução que acompanhou as necessidades e modernização da sociedade, tendo

se mostrado justa para a época em que vivemos.

4 SUJEITO PASSIVO NA AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO

Realizada a distinção entre a responsabilidade do Estado perante o particular e do agente causador do dano perante o Estado, e um rápido estudo histórico acerca das mudanças destas responsabilidades nas nossas Constituições, passa-se ao estudo da questão da legitimidade passiva do agente causador do dano na ação indenizatória movida pelo particular.

É uníssono na doutrina e na jurisprudência que a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviço público têm idoneidade para figurar no polo passivo da ação indenizatória. Terão, portanto, a condição de rés, porque a elas é imputada a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano. Diverge-se, todavia, se é viável ajuizar a ação diretamente contra o agente estatal causador do dano, sem a presença da pessoa jurídica. Em uma primeira linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal, vem entendendo que o agente público é parte ilegítima no polo passivo da ação indenizatória, vez que o meio adequado para responder pelo seu ato é a ação regressiva movida pela Administração Pública.

BRASIL. Constituição (1967), de 24 de janeiro de 1967. Constituição da república Federativa do Brasil. Brasília, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm>. Acesso em: 13 out. 2016.

(14)

Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando recentemente no sentido de que existe um litisconsórcio passivo facultativo, cabendo ao lesado escolher livremente em face de quem ajuizará a ação indenizatória.

Analisemos agora os julgamentos paradigmas de nossas Cortes a respeito do assunto.

4.1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: O RECURSO ESPECIAL 1.325.862

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.325.864, julgado pela Quarta Turma em 05/09/2012, do qual foi relator o Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o particular pode escolher contra quem ajuizar a ação reparatória do dano decorrente da atividade administrativa, reacendendo as discussões a respeito do tema.

Para contextualizar a situação fática, um Procurador do Estado do Paraná propôs ação indenizatória em face de uma Escrivã de Cartório Judicial em virtude de uma sentença publicada erroneamente condenando o Estado por litigância de má-fé. Em primeiro grau, o pedido indenizatório foi julgado improcedente, cuja sentença fora mantida em segundo grau.

No julgamento do Recurso Especial, o Relator Min. Salomão, ao enfrentar a controvérsia a respeito da legitimidade passiva, reconheceu que a possibilidade de o lesado ajuizar a ação diretamente contra o agente público, suposto causador do dano, sem a participação do Estado, vem dividindo a jurisprudência.

O Relator destacou que o entendimento do Supremo sempre foi linear em admitir a ação direta do lesado em face do servidor público e muito embora as decisões utilizadas como precedentes tenham sido proferidas com base na Constituição de 1967, o sistema de responsabilidade do Estado era exatamente o mesmo. Considerou, ainda, que a decisão do RE 327.904 vem sendo interpretada de maneira equivocada e genérica, pois se trata de uma situação fática peculiar em que o ato tinha natureza política, não sendo a regra do sistema e caso distinto

do analisado pelo STJ.

Cumpre transcrever uma parte do voto do Ministro35:

3.2. Com o devido respeito ao entendimento diverso, penso que a melhor solução está mesmo com os antigos, em franquear ao particular a possibilidade de ajuizar a ação diretamente contra o servidor, suposto causador do dano, contra o Estado ou contra ambos, se assim desejar.

35BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial nº 1.325.862, Quarta Turma. Relator: Min. Luis Felipe

Salomão. DJe. Brasília, 30 jun. 2016. Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGene rica&num_registro=201102527190>. Acesso em: 17 out. 2016.

(15)

O art. 37, § 6º, da CF/1988 prevê uma garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos diretamente da pessoa jurídica que, em princípio, é mais solvente que o servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público.

Vale dizer, a Constituição, nesse particular, simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do risco administrativo; não prevê, porém, uma demanda de curso forçado em face da Administração Pública quando o particular livremente dispõe do bônus contraposto. Tampouco confere ao agente público imunidade de não ser demandado diretamente por seus atos, o qual, aliás, se ficar comprovado dolo ou culpa, responderá de outra forma, em regresso, perante a Administração.

Na verdade, quando a Constituição Federal pretendeu "blindar" os agentes públicos o fez explicitamente - exceção que deve ser interpretada de forma restritiva -, como, por exemplo, na imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos (art. 53). (...)

Assim, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o servidor público ou contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado, por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades da Federação.

Destarte, com a licença do entendimento diverso, não tenho dúvidas em afirmar a legitimidade passiva do servidor público para responder diretamente pelo dano gerado por atos praticados no exercício de sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a própria existência de dano indenizável são questões meritórias.

A posição adotada pelo STJ defende que o art. 37, §6º, da Constituição não impede o ajuizamento da ação em face do agente, apenas objetiva assegurar uma maior garantia de ressarcimento por meio do patrimônio público. Ou seja, a decisão sobre a melhor forma de ser satisfeita sua pretensão caberia ao particular, que deverá analisar os prós e contras em demandar diretamente o agente, o Estado ou ambos em litisconsórcio facultativo.

Caso escolha demandar o Estado, há o benefício de não ser necessário comprovar culpa ou dolo, uma vez que a responsabilidade é objetiva. Existe também a vantagem de o ente estatal ser solvente, havendo a garantia de que existirão recursos para pagar eventual indenização. No entanto, o administrado poderá se submeter ao recebimento da indenização por meio de precatório, uma forma bastante lenta de quitação das verbas devidas.

Em contrapartida, se optar por demandar o agente público, terá que provar a existência de culpa, mas não precisará se submeter ao sistema de precatórios para receber possível indenização, podendo cobrar o agente público pelos meios comuns de execução, o que tornaria o processo mais célere. Contudo, sofrerá o risco de o agente demandado não ter patrimônio suficiente para ressarcir o prejuízo causado.

Essa é a posição de um grande número de doutrinadores36 sobre o assunto e vem sendo

reforçada pelos tribunais estaduais e federais, como o TRF da 3ª Região que em janeiro de

36É a posição de FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual.

(16)

2016 adotou o posicionamento do STJ no processo de nº 0013018-23.2014.403.6000, no qual era parte ré o Procurador da República.

Acerca do assunto, Carvalho Filho ensina37:

O mandamento contido no art. 37, §6º, da CF visou a favorecer o lesado por reconhecer nele a parte mais frágil, mas não lhe retirou a possibilidade de utilizar normalmente o direito de ação.

O entendimento configura-se como notoriamente restritivo: não se compadece com o amplo direito de ação assegurado aos administrados em geral e deixa em situação cômoda o agente que efetivamente perpetrou o dano. Por outro lado, não vislumbramos no ordenamento jurídico fundamento para a blindagem do agente causador do dano em virtude da possibilidade de ser ajuizada ação em face do Estado. Semelhante pensamento, portanto, é antagônico ao sistema de garantias outorgado pela Constituição.

Há ainda doutrinadores, a exemplo de Hugo Machado, que afirmam que o administrado, optando pela ação contra o agente público e o Estado, estará promovendo o sentido punitivo da indenização, funcionando como um remédio contra os frequentes abusos praticados pelos

agentes públicos em nome do Estado38.

4.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 327.904

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 327.904, do qual foi Relator o Ministro Carlos Ayres Britto, julgado pela Primeira Turma em 15/08/2006, decidiu pela impossibilidade de o administrado lesado ajuizar ação diretamente contra o agente público que causou o evento danoso. Desde então, o Pretório Excelso vem utilizado o julgado como precedente.

Apenas para fins de conhecimento, uma vez que para o presente trabalho interessa apenas a tese que fora discutida na decisão, o caso prático que justificou a atuação do STF foi de um ex-Prefeito que editou um Decreto de Intervenção em face de hospital e maternidade de propriedade privada, o que ocasionou prejuízos financeiros à unidade de saúde e ensejou a propositura da ação indenizatória contra o ex-Prefeito.

Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2015, p. 371; MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 7. ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 1006/1007; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 64, de 4.2.2010.São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1034; entre outros.

37FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p. 585.

38MACHADO, Hugo de Brito. Direitos fundamentais do contribuinte e a efetividade da jurisdição. São Paulo:

(17)

A ilegitimidade passiva do ex-Prefeito foi reconhecida logo no primeiro grau e o processo extinto sem resolução do mérito. Em sede de apelação, a sentença foi mantida integralmente e o Recurso Extraordinário foi proposto alegando o desrespeito ao art. 37, §6º da CF de 1988.

O Ministro Carlos Ayres Britto, em seu voto, descartou expressamente a possibilidade de o particular escolher contra quem demandar, argumentando que a responsabilidade do agente, se existir, dar-se-á apenas por meio de Ação Regressiva e só após a prova da culpa ou dolo do servidor público, vez que o eventual prejuízo decorreu de um ato tipicamente administrativo.

Importante transcrever trecho do voto do Ministro Ayres Britto39:

9. À luz do dispositivo transcrito [art. 37, § 6º, da CRFB], a conclusão que a chego é única: somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns.

10. Quanto à questão da ação regressiva, uma coisa é assegurar ao ente público (ou quem lhe faça as vezes) o direito de se ressarcir perante o servidor praticante de ato lesivo a outrem, nos casos de dolo ou de culpa; coisa bem diferente é querer imputar à pessoa física do próprio agente estatal, de forma direta e imediata, a responsabilidade civil pelo suposto dano a terceiros.

11. Com efeito, se o eventual prejuízo ocorreu por força de um atuar tipicamente administrativo, como no caso presente, não vejo como extrair do § 6º do art. 37 da Lei das Leis a responsabilidade “per saltum” da pessoa natural do agente. Tal responsabilidade, se cabível, dar-se-á apenas em caráter de ressarcimento ao Erário (ação regressiva, portanto), depois de provada a culpa ou o dolo do servidor público, ou de quem lhe faça as vezes. Vale dizer: ação regressiva é ação de “volta” ou de “retorno” contra aquele agente que praticou ato juridicamente imputável ao Estado, mas causador de dano a terceiro. Logo, trata-se de ação de ressarcimento, a pressupor, lógico, a recuperação de um desembolso. Donde a clara ilação de que não pode fazer uso de uma ação de regresso aquele que não fez a “viagem financeira de ida”; ou seja, em prol de quem não pagou a ninguém, mas, ao contrário, quer receber de alguém e pela vez primeira.

12. Vê-se, então, que o § 6º do art. 37 da Constituição Federal consagra uma dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente, perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular.

A relação existente entre o Estado e o agente público é interna, constituída dentro da pessoa estatal. Enquanto que a relação entre o Estado e o particular é externa, formada

39BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 327.904, Primeira Turma. Relator: Min. Carlos

Ayres Britto. Diário de Justiça. Brasília, 08 set. 2006. v. 8, n. 86, p. 75-78. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=327904&classe=RE&codigoClass e=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 19 out. 2016.

(18)

exteriormente ao Estado.40 Assim, em virtude da relação interna, não haveria como o lesado ajuizar ação diretamente contra o agente público, vez que este só responderá perante a Administração em regresso.

Ademais, percebe-se que o agente atua tão somente em nome do Estado, sendo o querer e o agir desses o que formam o querer e agir da própria Administração Pública, existindo uma

relação de imputação41. Por esse motivo, deve a conduta do agente, desde que no exercício de

sua atividade funcional, recair sobre a Administração Pública que responderá direta e objetivamente perante o terceiro lesado.

Nesse sentido, temos o entendimento de Hely Lopes Meirelles que afirma ser a responsabilidade civil do servidor público a obrigação de reparar o dano causado à Administração no desempenho de suas funções, defendendo, ainda que implicitamente, a impossibilidade da presença do agente público no polo passivo da demanda indenizatória ajuizada pelo administrado. Nas palavras do grande jurista:

A responsabilidade civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa.

A responsabilidade civil aqui tratada é a do funcionário para com a Administração, e não do Estado para com o particular lesado por ato da Administração. 42

Diante disto, como a responsabilidade do servidor é de reparar a Administração Pública e não o particular lesado, pressupõe-se que apenas o Estado é o responsável por reparar o dano ocasionado pelo servidor perante o particular. Para reafirmar este entendimento, Hely Lopes ainda afirma:

Responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agente públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal.43

40MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27. ed., rev. e atual. até a Emenda

Constitucional 64, de 4.2.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1008.

41LIMA, Osvaldo Antônio de. Ação regressiva do Estado contra o seu agente causador do dano. 1999. 40 f.

Monografia (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de Cuiabá, Cuiabá, 1999. Cap. 6., p. 30.

42MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional

71, de 29.11.2012, por Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Brule Filho. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 566.

(19)

É, portanto, o Estado o único que pode ocupar o polo passivo da demanda ajuizada pelo administrado, uma vez que é dele a obrigação de reparar o dano causado por agentes públicos a terceiros.

No mesmo sentido, José Afonso da Silva defende que “o prejudicado há que mover a ação de indenização contra a Fazenda Pública respectiva ou contra a pessoa jurídica privada

prestadora de serviço público, não contra o agente causador do dano. ”44 O mesmo raciocínio

percorre José Cretella Júnior para o qual a obrigação de indenizar cabe ao Estado, não ao agente público, já que ela “decorre de ato próprio, porque o ato do agente público não é atribuído à sua pessoa física, em si e por si, desvinculada do Estado, mas é ato inerente à pessoa jurídica pública

da qual o funcionário é preposto. ”45

O julgamento do RE 327.904 se tornou referência no que tange a matéria no STF, sendo mencionado posteriormente em vários outros julgamentos e, consequentemente, servindo como parâmetro. Como exemplo temos os julgamentos recentes do RE 908.331 AgR, em 15/03/2016, no qual foi Relator o Min. Dias Toffoli e do RE 593.525 AgR, em 09/08/2016, de relatoria do Min. Roberto Barroso.

No voto do Min. Luís Roberto Barroso, no RE 593.525, ele afastou o argumento da parte recorrente de que não era pacífica a jurisprudência da Corte sobre o tema:

2. Não merece prosperar o argumento da parte recorrente no sentido de não ser pacífica a jurisprudência desta Corte referente à discussão em debate. O precedente citado na petição recursal (RE 90071/SC, Rel. Min. Cunha Peixoto) não reflete a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Esta Corte, ao julgar o RE 327.904, Rel. Min. Ayres Britto, pacificou sua jurisprudência no sentido de que o art. 37, § 6º, da Constituição autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns.46

Por conseguinte, o Supremo vem consagrando a teoria da dupla garantia nas ações que chegam para julgamento. Com isso, o agente público fica protegido contra as ações temerárias que poderiam ser movidas contra ele com intuito intimidatório.

44SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9ª ed. ver. São Paulo: Malheiros, 1992, p.

575.

45JÚNIOR, José Cretella. Comentários à constituição Brasileira de 1988. 2ª ed. vol. IV, Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1992, p. 2356.

46BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 593.525 AgR. Relator: Min. Roberto

Barroso. Acórdão Eletrônico DJe-216. Brasília, 07 out. 2016. Disponível em:

(20)

5 APRECIAÇÃO CRÍTICA ACERCA DOS POSICIONAMENTOS DO STJ E STF

Não obstante os argumentos favoráveis ao posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, buscaremos defender aqui a tese do Supremo Tribunal Federal de que não é possível o administrado demandar o agente estatal na ação indenizatória, só podendo acionar o Estado que, nos casos de dolo ou culpa, atuará regressivamente contra o causador do dano.

Diante do panorama histórico das nossas Constituições, o instituto da responsabilidade do Estado mudou de forma significativa, superando a fase da irresponsabilidade estatal chegando até a sua responsabilização de maneira objetiva. Nesta perspectiva, as primeiras Cartas Constitucionais traziam expressamente que apenas os funcionários públicos respondiam perante o lesado pelos atos danosos praticados. Com o passar dos anos esta responsabilidade, que era única e exclusiva do agente público, passou a ser compartilhada com o Estado, sendo os dois solidariamente responsáveis, por expressa previsão legal, pelos danos ocasionados por aquele.

Ocorre que, a partir da Carta Magna de 1946, o sistema da solidariedade entre agente e órgão público foi substituído pelo sistema da regressividade, podendo a Administração Pública reaver do servidor que ocasionou o dano, na hipótese de comprovação de dolo ou culpa, o que pagou ao particular à título de indenização.

Como aborda Pontes de Miranda:

A Constituição de 1946, em vez de adotar o princípio da solidariedade, que vinha de 1934, adotou o princípio da responsabilidade em ação regressiva. Os interesses do Estado passaram à segunda plana - não há litisconsórcio necessário, nem solidariedade, nem extensão subjetiva da eficácia executiva da sentença contra a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, ou contra outra pessoa jurídica de direito público interno. Há, apenas, o direito de regresso.47

No entanto, o nobre jurista parece discordar da solução adotada pelo constituinte, deixando transparecer certa contradição quando em seguida afirma:

Inferior, portanto, às Constituições de 1934 e 1937, nesse ponto, a de 1946. A legislação ordinária pode regular, todavia, os casos de litisconsórcio necessário e voluntário, de solidariedade e de extensão subjetiva da eficácia executiva da sentença. Tal legislação não é excluída pelo art. 194.48

47MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1946. 2.ª ed. vol. 5, Rio de Janeiro: Borsoi, 1953. p. 263. 48Ibid., p. 263.

(21)

Desta forma, não se pode negar houve uma alteração na regra da responsabilidade solidária desde a Constituição de 1946 e era este sistema que reconhecia a concorrência de devedores e legitimava a possibilidade de o administrado agir em face de quem escolher, pois na solidariedade é outorgado ao credor o direito de exigir e receber de um ou de alguns dos

devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum49.

Portanto, embora o renomado jurista Pontes de Miranda discorde do legislador constituinte afirmando que pode existir legislação ordinária que regule o litisconsórcio e solidariedade nestes casos, houve uma superação pela própria Constituição do sistema de solidariedade, não havendo qualquer legislação em sentido contrário. Assim, o agente estatal só poderá responder perante o órgão público ao qual é vinculado e em sede de ação regressiva. Estando o argumento de quem defende a solidariedade em dissonância com a ordem constitucional moderna.

Outrossim, o Estado é uma entidade abstrata criada pelo homem para administrar a vida da coletividade, não possuindo vontade nem ações próprias. Portanto, a vontade da administração é imputada ao órgão que a compõe e este, por sua vez, é composto por agentes

que realizam em última instância a vontade estatal.50 Em razão disso, a atuação do agente é

sempre imputada diretamente ao Estado, surgindo, assim a Teoria do Órgão formulada pelo

alemão Otto Gierke51 e amplamente dotada no Brasil.

Como bem sintetiza Di Pietro, por essa teoria, a pessoa jurídica expressa a sua vontade por meio dos seus órgãos, de sorte que quando os agentes que os compõem manifestam essa

vontade, é como se a própria pessoa o fizesse52.

Nesta teoria adotada pelo Direito Brasileiro, há uma fusão da pessoa jurídica de direito público e o seu agente, não havendo como separá-los como se fossem representado e

representante, haja vista que eles são considerados uma unidade53 e para haver representação

são necessárias duas vontades e duas figuras distintas. Desta forma, se no exercício da atividade que lhe compete o agente vier a causar prejuízos ao particular não se considera que tenha havido, propriamente, ação ou omissão do agente público, posto que atuando naquela qualidade – ainda que ilicitamente, pouco importa – é o ente estatal (e não seu agente) que está atuando;

49Art. 275 do Código Civil de 2002.

50FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 27. ed. rev., ampl. e atual. até

31-12-2013. São Paulo: Atlas, 2014, p. 14/15.

51JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de direito administrativo. Salvador, BA: Editora JusPodivm, 2015, p. 160. 52PIETRO, Maria Zanella Di apud JÚNIOR, Dirley da Cunha. op. cit., p. 161.

53MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 27 ed., rev. e atual. até a Emenda

(22)

se daí resultar dano, terá sido causado pelo Estado, e somente este deverá responder perante o

prejudicado.54

Ademais, o argumento do Min. Felipe Salomão de que podendo o administrado escolher por demandar o agente público irá ser beneficiado, pois não se submeterá ao sistema de precatórios, não é legítimo. Como argumenta Danilo Gomes Sanchotene, há muito tempo as unidades da federação estão vivendo uma crise econômica, principalmente no que tange ao pagamento de suas dívidas através de precatórios e não podemos utilizar desta situação para

quebrar uma garantia prevista expressamente na Constituição.55

Utilizar o agente estatal como instrumento para o particular obter o seu fim econômico, livrando-o da crise da Administração Pública é infringir o atual sistema de distribuição de

responsabilidade entre o agente público e o Estado.56 Além disso, coloca em risco a autonomia

e produtividade do próprio agente que não atuará mais tranquilamente, tendo receio de tomar decisões difíceis e acabar respondendo processos, muitas vezes, apenas com a simples intenção de o intimidar.

Não possui fundamento também quando o Ministro assevera em seu voto que a decisão do STF no RE 327.904 vem sendo interpretada de maneira equivocada e genérica, pois se trata de um ato de natureza política. Ora, se o Estado responde da mesma forma e sob os mesmos fundamentos, pelos atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, quando causarem prejuízo aos administrados, bem como não existe distinção a respeito do tipo de responsabilidade dos atos de natureza legislativa e judiciária, não há, portanto, que se falar em situação peculiar por ter sido ato de natureza política, sendo a teoria da dupla garantia aplicada da mesma maneira independentemente da natureza do ato.

Prova disso, é o entendimento mais recente do STF sobre a matéria, no RE 593.525, em que no caso havia sido praticado pelo agente público ato tipicamente administrativo e foi

declarada a sua ilegitimidade para compor o polo passivo.57

54LIMA, Osvaldo Antônio de. Ação regressiva do Estado contra o seu agente causador do dano. 1999. 40 f.

Monografia (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade de Cuiabá, Cuiabá, 1999. Cap. 6., p. 31.

55SANCHOTENE, Danilo Gomes. Dupla garantia na responsabilidade civil do estado: garantia em função do

servidor ou do administrado? Jus Navigandi, mar. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/37322/dupla-garantia-na-responsabilidade-civil-do-estado-garantia-em-funcao-do-servidor-ou-do-administrado>. Acesso em: 14 out. 2016.

56Ibid.

57BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 593.525 AgR. Relator: Min. Roberto

Barroso. Acórdão Eletrônico DJe-216. Brasília, 07 out. 2016. Disponível em:

(23)

Por fim, quando o STJ, para dar maior legitimidade ao seu julgamento, menciona ser baseado em precedentes do STF, acaba incorrendo em equívoco, uma vez que as decisões da Suprema Corte que autorizam a demanda em face do agente público já foram superadas desde 2006 com o julgamento do RE 327.904, que desde então vem sendo utilizado como precedente para novos casos que chegam àquele Tribunal, como bem afirma o Min. Barroso no RE 593.525 acima transcrito.

Considerando, então, não só o fato de que o nosso sistema constitucional optou por responsabilizar objetivamente os entes estatais pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros e estabelecer a ação regressiva do Estado contra o responsável no caso de dolo ou culpa, mas também a revisão da matéria pelo STF de maneira fundamentada e consistente, é excluída a possibilidade de o terceiro prejudicado demandar a reparação dos prejuízos diretamente contra o agente público, prevalecendo a teoria da dupla garantia.

6 CONCLUSÃO

Diante do que fora demonstrado, podemos perceber que não houve uma superação da teoria da dupla garantia, como é defendido por muitos, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal vem reaplicando sua tese até os dias atuais.

O §6º, do art. 37 da Constituição traz o dever de o Estado indenizar o particular que sofreu um dano, sem a necessidade de comprovação de culpa, uma vez que a responsabilidade é objetiva, e a este garante o ressarcimento do valor ao qual foi condenado por meio de uma ação regressiva em face do agente público causador do dano, desde que comprovada a existência do elemento subjetivo. Assim, o texto constitucional consagra uma garantia em favor do administrado de ter o dano reparado objetivamente pelo órgão público e em face do agente que só poderá responder perante o órgão ao qual é vinculado.

Ademais, foi feita uma análise das mudanças de nossas Constituições com relação a este tema, na qual foi possível perceber que o sistema da responsabilidade solidária entre o agente público e o Estado foi substituído, desde a Constituição de 1946, pelo sistema da regressividade. Está em descompasso com a Carta Constitucional atual o argumento de que ainda existe solidariedade entre Estado e agente público por danos causados a particulares no exercício da função administrativa.

Ainda de acordo com a leitura do texto constitucional, não está à disposição do particular a possibilidade de optar entre receber do Estado ou do agente público. Atribuir ao administrado esta oportunidade de escolha quebra o sistema constitucional, uma vez que é pacífico que o

(24)

Estado manifesta sua vontade e age perante os administrados por meio dos atos praticados pelos seus agentes, sendo o Ente Estatal, por meio de um raciocínio lógico, o próprio responsável por causar o dano decorrente de sua atividade. Por via de consequência, deverá arcar com a indenização a que for condenado e o modo pelo qual tal pagamento deve ser feito é por meio do sistema de precatórios, conforme determina a Constituição Federal no art. 100.

A indefinição existente no tema acarreta uma forte insegurança jurídica não só para o administrado que deseja conquistar a reparação do dano sofrido, mas também para o agente público que perderá a confiança ao realizar o seu trabalho temendo ter seu patrimônio, conquistado ao longo de muitos anos de serviço público, afetado a qualquer momento por uma ação movida pelo particular, muitas vezes apenas com o intuito de inibir algum ato lícito que pudesse ir de encontro com seus interesses particulares.

A jurisprudência do STF já entendeu ser possível o acionamento direto do agente estatal, no entanto, tal entendimento já foi superado e a tese de que o art. 37, §6º da Constituição Federal traz uma dupla garantia vem sendo adotada em julgamentos recentes, como é exemplo o RE 908.331 e o RE 593.525.

Portanto, em virtude da mudança do sistema constitucional de atribuição de responsabilidade civil do Estado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal deve ser norteadora para as demais decisões constitucionais no mesmo sentido, prevalecendo a tese da dupla garantia, em que o agente estatal não pode ser demandado diretamente pelo administrado por atos decorrentes da sua atividade como “representante” da vontade do Estado.

ABSTRACT

The subject matter of this article deals with different interpretations conferred to the art. 37, §6º of the Federal Constitution 1988. The public entity responsibility is expressed in the constitutional text, being unquestionable the objective responsibility of the State for damages caused by its public officials, in the exercise of their functions, the third parties, and the right of recourse of Public Administration against the responsible for the damage. However, there is a debate whether it is possible for the citizen, injured by the practice of an administrative act of the State, to propose an action for compensation directly against the public official who attributes to be the cause of the damage. The Superior Court of Justice defends this possibility, while the Federal Supreme Court embraces the dual guarantee theory in which a passive illegitimacy of the public official is defended. This article aims to analyze these interpretations, investigating whether the position adopted by the Federal Supreme Court was exceeded and contributing to an end to the legal uncertainty frame created by this impasse. As an explanation about the responsibility of the State and the public official nowadays, going through a rapid assessment of its changes throughout history, as well as the critical analyses of the arguments of the advocates of each placement, it was possible to conclude that our constitutional system migrated from a joint liability between the State and public official to a regressive liability of

Referências

Documentos relacionados

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

A utilização de um site como ferramenta no ensino de aprendizagem pode levar à introdução de um novo conceito, o e-portefólio, servindo este espaço de repositório de trabalhos

Para além deste componente mais prático, a formação académica do 6º ano do MIM incluiu ainda disciplinas de cariz teórico, nomeadamente, a Unidade Curricular de

Ainda que a metastização cerebral seja condição rara em caso de neoplasia com localização primária no intestino, em casos de exceção em que tal invasão se verifica por parte

A cirurgia, como etapa mais drástica do tratamento, é indicada quando medidas não invasivas como dietas restritivas e a prática regular de exercícios físicos

As análises serão aplicadas em chapas de aços de alta resistência (22MnB5) de 1 mm de espessura e não esperados são a realização de um mapeamento do processo

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar testes de tração mecânica e de trilhamento elétrico nos dois polímeros mais utilizados na impressão