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PAISAGENS SONORAS, CANÇÕES E OCUPAÇÃO URBANA Deslocamentos, percursos e sonoridades em espaços diversos de Belo Horizonte

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PAISAGENS SONORAS, CANÇÕES E OCUPAÇÃO URBANA

Deslocamentos, percursos e sonoridades em espaços diversos de Belo Horizonte Coordenação: Graziela Mello Vianna

Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

RESUMO GERAL DA MESA:

O grupo de pesquisa GRISsom, vinculado ao GRIS, do departamento de Comunicação Social da UFMG, se dedica à pesquisa das produções simbólicas do som, do ruído e da canção. A partir de relatos de experiência realizados em novembro de 2013, a mesa tem como um de seus objetivos apontar e discutir formas “amplificadas” de acesso a produções artísticas que promovam a reflexão acerca do som como lugar de memória privilegiado, permitindo ao público (re)descobrir e (re)significar assim os sons e canções que compõem e/ou se integram à paisagem sonora da cidade.

Palavras-chave: paisagens sonoras; ocupação urbana; memória; canção.

Índice dos temas da mesa

I O som das estrelas, as canções da lua...p.2 Nísio Teixeira

II Noel Rosa – um percurso sonoro em Belo Horizonte...p.15

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-

I

-

O SOM DAS ESTRELAS, AS CANÇÕES DA LUA1

Nísio Teixeira2

Universidade Federal de Minas Gerais – MG

Resumo: O relato aqui presente indica dois tipos de inventários realizados para o Espaço do Conhecimento UFMG no Circuito Cultural da Praça da Liberdade durante o Seminário Internacional Som e Memória, em 2013: o primeiro deles coletou sons de estrelas, quasares, cometas e outros fenômenos com a intenção de organizar sessões regulares no planetário do Espaço, em que exibições de imagens destes fenômenos foram associados a exemplos sonoros, acompanhados de palestras e/ou discussões acerca da radioastronomia. O segundo inventário foi composto por músicas inspiradas, ou que homenageiam o satélite natural da Terra com o objetivo de programar uma transmissão ao vivo de imagens pelo telescópio do observatório do Espaço do Conhecimento UFMG para a fachada do prédio, que se dispõe para as pessoas que circulam pela Praça da Liberdade em Belo Horizonte.

Palavras-chave: paisagem sonora; radioastronomia; canção; lua; planetário; observatório.

Introdução

Entre os dias 12 e 16 de novembro de 2013 o GRISsom organizou o Seminário Internacional Som e Memória, com a proposta de relacionar as discussões promovidas pelo grupo em torno da linguagem sonora, canção, paisagem sonora, performance e memória, desde a sua criação em 2010, através das ações de pesquisa, ensino, extensão e, entrementes, as produções técnicas desenvolvidas pelo grupo. Um primeiro objetivo foi promover o diálogo com outros pesquisadores e profissionais da área. Outro objetivo foi “amplificar” o acesso através de ações a/e produções artísticas que promovessem a reflexão acerca do som e da canção como lugar de memória privilegiado, permitindo ao público (re)descobri-los e (re)significa-los a partir de ações e intervenções imbricadas em diversas cenas e paisagens sonoras da capital mineira.

1

Trabalho apresentado na mesa Paisagens sonoras, canções e ocupação urbana – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

2

Doutor em Ciência da Informação, professor adjunto do Departamento de Comunicação Social da UFMG, pesquisador do GrisSOM do mesmo departamento. nisiotei@gmail.com.

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Para alcançar estas metas, além das conferências e debates3 realizados nos dois primeiros dias do seminário (12 e 13/11), o grupo promoveu ainda, em parcerias externas ao campus UFMG, a partir do terceiro dia, percursos sonoros pela capital mineira em torno da vida e obra do cantor e compositor Noel Rosa (que será destacado adiante); mostras comentadas de filmes na sala Humberto Mauro (Palácio das Artes/BH) que têm na dimensão sonora um papel de destaque (foram exibidos, com a presença e comentários dos diretores, o longa-metragem “Matéria de Composição”, de Pedro Aspahan e o curta-metragem “Fantasmas”, de André Novais) e também que discutem a dimensão da tradição da canção em cenários específicos (os documentários “Canção d‟Além Mar”, de Heloísa Valente, exibido na referida sala e “Roda” de Carla Maia e Raquel Junqueira, exibido na casa de shows A Casa no sábado).

Ainda na sexta, no terceiro dia do evento, o grupo participou do lançamento do livro “Performances da Memória”, organizado por Mônica Toledo, então pós doutoranda atuante no programa de pós-graduação do curso de Comunicação Social, e promoveu, em parceria com o Espaço do Conhecimento UFMG na Praça da Liberdade, duas ações em torno do som das estrelas e das canções da lua (que destacaremos abaixo). No final de semana, integrou-se à promoção de dois shows de A Casa, respectivamente, nos dias 15 e 16/11 como encerramento do evento: o primeiro deles com o grupo Angenor, especialista no

3Além dos autores desta mesa, participaram das conferências e debates como palestrantes: Pedro Rebelo, da

School of Creative Arts da Queen’s University of Belfast; Elias Santos, então coordenador executivo da Rádio UFMG Educativa, co-fundador do GRISSom; Pedro Marra, jornalista e mestre pelo PPGCOM da UFMG; Luiz García, doutor em História Social da Cultura pela UFMG e coordenador do Observatório de Museus; Marcelo Dolabela, poeta, pesquisador, roteirista e compositor. graduado em Letras e mestre em Comunicação Social pela Universidade de São Parcos (SP), Fábio Martins, professor da UFMG, radialista e coordenador da Rádio em Revista, publicação do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG; Sônia Caldas Pessoa, jornalista, doutoranda em Estudos Linguísticos pela UFMG; Alessandra Dantas graduada em Comunicação Social pela UFMG com o radiodocumentário “Vozes da Cidade”; Cleiber Pacífico, então chefe de produção da Rádio UFMG Educativa; Milena Szafir, mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e graduada na FAU-USP, possui também formação técnica em P.D. (computação) pela ETESP-FATEC e complementação no exterior como educadora em „metodologia não-formal‟; Saulo Pedrosa da Fonseca, graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e pós-graduado em Comunicação, Imagens e Culturas Midiáticas pela UFMG; Rafael Azevedo, mestre em Comunicação Social pela UFMG. Bacharel em Comunicação Social pela mesma instituição, também atua como compositor, arranjador, produtor e técnico de áudio.

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repertório de Cartola e o segundo Revista Proibida, com repertório de Rosana, Fábio Jr. entre outros4.

Destacaremos a seguir, como proposto, o processo de construção destes dois inventários e ações desenvolvidas em parceria com o Espaço do Conhecimento UFMG. Cabe salientar, antes de tudo, que o Espaço do Conhecimento UFMG é direcionado à formação e divulgação científicas, pertence ao circuito cultural da Praça da Liberdade e “oferece exposições, mostras, experimentos interativos, jogos, cursos, oficinas, palestras e debates, com programação gratuita para todas as idades”5

. A parede externa da edificação que fica à vista na praça é, na verdade, uma fachada digital na qual se pode projetar imagens e sons. O Espaço também possui um planetário e um terraço com observatório astronômico que se integram às ações acima descritas. A proposta de ação do GRISsom junto ao Espaço focou, precisamente, no uso e ocupação destes três espaços – fachada, planetário e observatório – para a noite de quinta-feira, 14 de novembro: o som das estrelas e as canções da/sobre a lua, ações que, por sua vez, resultam da articulação de pesquisa, ensino e extensão desenvolvida pelo grupo.

O som das estrelas

A proposta do som das estrelas foi organizada em parceria com os professores Leonardo Marques (graduado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais e especializado em Ensino de Astronomia pela Universidade Federal de Ouro Preto) e Francisco Pazzini (licenciado em Física e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais). O trabalho de coleta e organização do material teve ainda o apoio fundamental da bolsista Ana Clara Matta de Moraes Bethonico, do programa de extensão Cultura e Ciência no Ar (ProExt MecSisu 2013, coordenado pela professora Adlane Vilas Boas Ferreira), além de outros funcionários do Espaço UFMG do Conhecimento6.

4

A programação completa está disponível em https://sommaismemoria.wordpress.com/programacao/

5 Para saber mais, ver http://www.espacodoconhecimento.org.br/

6 Novamente aqui contamos com todo o empenho da equipe do Espaço UFMG do Conhecimento. Além do próprio Leonardo Marques, André Mintz, Vitor Amaro, Renne Lommez, Carlos Almeida, Ida Gracia Rossi,

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Esta proposta teve dois momentos: uma hora antes das sessões de escuta das estrelas foi apresentada uma palestra sobre “Radioastronomia: Ondas Astronômicas” nas quais os conceitos principais e introdutórios eram apresentados ao público. Em seguida, o público interessado pode apreciar a sessão de escuta das estrelas, com duração total de dez minutos. Foram organizadas três sessões após a palestra inicial.

A ideia original era conceber uma imersão gradativa nas formas de como se construía a representação sonora dos objetos celestes, tendo como ponto inicial paisagens sonoras terrestres e suas representações para, a partir de um exemplo de tempestade solar, associar os demais sons estelares a representações visuais dos mesmos, disponíveis na biblioteca do sistema digital full dome Power Dome da Carl Zeiss, que seriam, assim, exibidas no domo do planetário. A parte inicial, contudo, foi descartada, em função de se tratar de representações sonoras distintas: se, de um lado, a paisagem sonora terrestre proposta, seja do campo (ruídos de pássaros, grilos etc.) e sua movência gradativa ao espaço da cidade (trânsito, conversas etc.) guarda uma representação mais, digamos, direta com a imagem proposta, o mesmo não caberia para a segunda e maior parte da sessão em que entrariam em cena uma combinação daquilo que a radioastronomia chama de transdução, ou seja, a conversão em energia mecânica sonora da informação eletromagnética que deriva dos corpos celestes.

Como sugere CAPOZZOLI (2005), nos anos 1930, se “a astronomia havia nascido com a luz visível e nessa época estava orgulhosa dos grandes telescópios que tomavam forma (...) a comunidade astronômica, especialmente nos Estados Unidos, se teria dado conta de que a luz visível e o rádio só diferem por seus comprimentos de onda e são duas fontes de energia que penetram na atmosfera” (CAPOZZOLI, 2005, p. 36-37). Como explica o professor Leonardo,

alguns institutos de Rádio Astronomia disponibilizam imagens em falsas cores e áudio associados a algum sinal eletromagnético. As imagens em falsas cores é obtida associando alguma frequência invisível a uma cor, sendo todas as outras proporcionais a essa frequência. Nos áudios são

Tamira Marinho, além dos estagiários Celton, Kayke e dos demais da equipe de suporte, produção e funcionários do Espaço, aos quais aproveitamos a oportunidade para agradecer o apoio e a acolhida às propostas aqui descritas.

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associados sons à alguma onda eletromagnética, sendo a frequência do som proporcional à frequência das ondas eletromagnéticas. A transformação da energia eletromagnética em som (onda mecânica) denominamos de transdução. (...) No século XX ocorreram as primeiras detecções de ondas de rádio emitidas por corpos celestes. A partir dessas detecções surgiu a Radio Astronomia, uma área que se desenvolveu paralelamente à Astronomia Óptica. Além das ondas de rádio os corpos celestes emitem outras radiações eletromagnéticas, como o raio X e o infravermelho. As ondas de infravermelho estão relacionadas com o nascimento de novas estrelas imersas em grandes nebulosas. Enquanto as ondas de raios X estão relacionadas com grandes desacelerações ou altas temperaturas da matéria, que ocorrem em buracos negros que surgiram da morte de uma estrela massiva. As informações coletadas por ondas eletromagnéticas de diferentes frequências podem se complementar e ampliar o conhecimento dos fenômenos celestes. (MARQUES, s/d)

Assim, vários bancos de áudios são produzidos a partir de ondas eletromagnéticas captadas de fenômenos celestes a partir de fontes como o Jordrell Bank Centre for Astrophysics da Universidade de Manchester, o Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN) e a Agência Espacial Americana (NASA), além de várias associações amadoras.

Na concepção da sessão foram organizados, então, cinco conjuntos de movimentos desta transdução sonora dos corpos celestes – dos mais próximos aos mais distantes - no sentido de propiciar ao público participante uma experiência audiovisual duplamente representativa destes corpos/fenômenos estelares, no espaço de escuta e exibição do planetário do Espaço do Conhecimento UFMG: auroras; atividades solares; chuvas de meteoros; planetas e satélites; pulsares, estrelas e buracos negros (ver anexo I).

Ainda como explica SOARES (s/d), as auroras “são partículas carregadas eletricamente são expelidas da superfície solar e chegam na atmosfera terrestre. A interação com a atmosfera terrestre provoca as auroras e ondas eletromagnéticas com diferentes frequências são emitidas”. A atividade solar ocorre a partir do “plasma na superfície solar que se movimenta com velocidade alta e permite a emissão de ondas de rádio” (SOARES, s/d). No terceiro caso, a imagem de um cometa representa a transdução de uma chuva de meteoros provocada pelos meteoroides deixados por um cometa que passa pela orbita da Terra: “a dissipação de energia em forma de calor aquece o fragmento e provoca a emissão de ondas eletromagnéticas” (SOARES, s/d). Os planetas abordados foram Júpiter, Saturno e

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seus satélites naturais, nos quais “a interação da matéria desses corpos celestes entre si e com o vento solar possibilita a emissão de ondas eletromagnéticas” e, por fim, uma sequência de pulsares, estrelas e buracos negros, nos quais “a alta aceleração de desaceleração da matéria nesses corpos celestes permite a emissão de ondas eletromagnéticas de altas frequências” (SOARES, s/d).

Na formatação final desta experiência junto ao público, outro ponto ainda foi discutido entre a equipe: como identificar cada um desses conjuntos e espécimes estelares ao público presente? Optou-se por trabalhar um intervalo de segundos de silêncio entre um corpo celeste e outro na edição final que sincronizou a transdução dos sons estelares com as respectivas representações de suas imagens para permitir que o professor pudesse apenas identificar, nesse intervalo e com uma breve intervenção ao vivo junto ao microfone, o corpo celeste a ser apresentado, num timing mais espontâneo que uma locução previamente gravada na faixa sonora editada das transduções dos corpos celestes.

A experiência salutar foi muito bem recebida pelo público que pôde se informar e apreciar, a um só tempo através de um duplo exercício representativo visual e sonora de elementos estelares, esta propiciada pela transdução da radioastronomia.

As canções da lua

O luar/Do luar não há mais nada a dizer/ A não ser/Que a gente precisa ver o luar

Gilberto Gil, Luar (a Gente

Precisa Ver O Luar), 1984

A segunda proposta, a de um inventário das canções sobre a lua, surgiu a partir de provocações durante a atividade de laboratório de rádio, jingles, MPB e memória no início do segundo semestre de 2013. Após uma breve divagação acerca da canção “O luar”, de Gilberto Gil, de 1984, foi colocado aos estudantes se, de fato, não haveria mais nada a dizer, ou melhor, a se cantar, sobre o luar. Isso porque, imerso numa “cidade grande que ignora os verdadeiros crepúsculos” como resumiu a professora Olgária Mattos a partir da obra de Charles Baudelaire (TEIXEIRA,

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2010) e agora, mais ainda, com a “cabeça baixa” para os aplicativos, tablets e smartphones, o prazer desinteressado do luar já não seria mais interessante aos citadinos. Prova disso seria – hipótese lançada – uma diminuição de canções de/sobre a lua precisamente nos últimos 30 anos.

O desafio foi pensar então se após 1984 conseguiríamos elencar, de imediato, canções que pudessem dizer/cantar o nosso satélite natural. Ao final e ao cabo, de fato, olhando os anos da maioria das músicas aqui listadas, há poucas recentes. Ainda que o exercício e a amostragem não tenham sido amplos e seguido uma metodologia mais rigorosa, fica a impressão de que, sim, talvez estejamos olhando e cantando menos o luar...

A ideia então foi seguir a linha do meu projeto de extensão Aqui e Outrora, que, dentre outros objetivos, visa divulgar os artistas e canções de outrora, mais as contribuições dos estudantes para o desafio lançado pela disciplina. Em seguida, a sistematização para a exibição na fachada exigiu certa programação do repertório selecionado. Uma gama ampla de canções, de línguas, estilos e gêneros diversos, que pudessem, organizadas em blocos, seguir uma cadência interessante. Assim, consolidou-se a seguinte estrutura: uma primeira parte introdutória traz logo de cara “Luar do sertão”, não só porque é um clássico nacional, mas também porque outrora a abertura da música, de forma orquestral, era a vinheta da própria abertura da Rádio Nacional, em sua primeira transmissão, décadas atrás. Foi feita assim a deferência histórica com uma das vozes características do início da indústria cultural no Brasil em sua fase mecânica de produção: Vicente Celestino.

Em seguida, “Lunik 9”, bela lembrança de uma discente da disciplina, pois nessa música do disco de estreia do Gil, ele parece já antecipar o "problema" que voltaria em 1984: o de se cantar o luar no tempo moderno - questão, aliás, já presente e cantada na própria “Luar do Sertão”: o homem urbano já não aprecia a lua como o homem rural, na letra de Catulo da Paixão Cearense. Considerando o horário da exibição, em seguida optou-se por algumas opções para o público infantil. Essa dupla combinação, com mais dois hits recentes que pegam carona no rock do Pequeno Cidadão reforçam a tônica inicial, meio de convocação contemporânea de

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canções sobre a lua, reforçada ainda, na sequência, por Paralamas do Sucesso e, novamente, Gil, com a canção-desafio do luar.

Feito o introito, passamos a apresentar então blocos temáticos por gênero musical. Como vários cortes tiveram de ser feitos em função do tempo (três horas apenas, pois uma quarta hora “extra” anteriormente calculada teve de ser cortada pois nos esquecemos que já teria início, quando da exibição, o horário de verão naquela semana de novembro) optou-se pelo corte integral de alguns desses blocos cancioneiros, como os do pop/axé/sertanejo; reggae e dois blocos finais, em torno de baladas de um universo pop folk de Neil Young, Nick Drake, passando pelo chorinho brasileiro e música clássica (enfim, muita coisa saiu - mas a maioria, novamente, composições produzidas antes de 1984...).

Assim, bloco de introdução e cortes definidos, tem-se um segundo bloco, calcado nas marchinhas, com inserções gradativas de Standards do jazz, Dick Farney, Sinatra e a virada para os boleros e tangos. Ben E. King faz a transição para o bolero rock dos Beatles e daí para o rock, em seus contornos iniciais dos anos 1950 à psicodelia dos anos 1960. E aí vem o último bloco, marcado por uma articulação MPB-latina (ainda assim canções em outras línguas, como Portugal, Itália e França também tiveram de cair, infelizmente), em especial a partir de “Tonada de la luna llena” interpretada por Caetano Veloso no álbum “Fina Estampa”. Em seguida, o foco é MPB, num ritmo gradativamente mais suave pra terminar com a referência a pelo menos um chorinho só, “Luar de Coromandel”, escolha também de um dos discentes da disciplina, perfazendo um total de 53 músicas (ver anexo II). Trilha sonora estabelecida por uma seleção de músicas inspiradas, ou que homenageiam o satélite natural da Terra, passou-se então para a definição da imagem a ser exibida na fachada durante a execução das canções. Mas aí outro detalhe técnico remodelou a proposta em sua versão final: a previsão do tempo para uma noite encoberta suspendeu a ideia inicial que era acoplar uma transmissão ao vivo da imagem da lua cheia vista pelo observatório no terraço astronômico para a fachada do prédio. Apesar de, posterior (e infelizmente), a meteorologia ter falhado, uma outra solução já teve de ser então previamente definida: uma animação

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gradativa das fases da lua exibida em todo o campo da fachada durante a execução das músicas.

De toda forma, novamente, funcionou muito bem a proposta junto ao público externo que circulava na praça da Liberdade. No momento entre as canções 23 e 37, por exemplo, testemunhamos grupos de pessoas de variadas faixas etárias, de transeuntes a moradores de rua, que paravam e, após contemplar a fachada, em seguida, dançavam ao som das canções escolhidas – tornando-se bem sucedida e aberta para experiências futuras, a ideia de combinar uma representação visual do corpo celeste, no caso, a lua, associada a mais de 50 músicas selecionadas, com estéticas e inspirações diversas como forma de sensibilizar e mobilizar os passantes de um dos principais pontos turísticos da capital mineira.

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ANEXO I

O som das estrelas – ordem de escuta dos arquivos de transdução trabalhados na sessão

1.Geomagnetic Chorus

Chorus consists of brief, rising-frequency tones that sound like the chorus of birds singing at sunrise, hence the name "chorus" or "dawn chorus". Chorus at Earth is generated by electrons in Earth's Van Allen radiation belts.

2.Whistler Cluster

These sounds are audio frequency electromagnetic waves produced by lightning.

3.Solar1

4.Sun burst 2005

5.Solar burst

6.Geminides- comets - 3 pings

7.Jupiter Bowshock

8.Saturn

9.Galáxia

Galactic Background signals are generated by relativistic electrons spiraling in the galactic magnetic field.

10.Pulsares

PSR B0329+54 - period 0.79sec

PSR B0833-45, The Vela Pulsar

PSR B0531+21, The Crab Pulsar

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ANEXO II

As canções da lua – ordem de escuta dos arquivos trabalhados na sessão

1- Vicente Celestino – Luar do Sertão -Catulo da Paixão Cearense (1952) 2 – Gilberto Gil – Lunik 9 – Gilberto Gil (1967)

3 – Caetano Veloso – Lua de São Jorge – Caetano Veloso (1979)

4 – A Turma do Balão Mágico – Nosso lindo balão azul – Guilherme Arantes (1982) 5 – Pequeno Cidadão – O sol e a Lua – Antonio Pinto, Taciana Barros (2009)

6 – AC/DC – What´s next to the moon – Angus Young, Malcolm Young,Bon Scott (1978) 7 – Toploader – Dancing in the Moonlight- Sherman Kelly, Joseph Washbourn, Julian Deane, Alan Douglas, Greg Fidelman, Kick Horns, Daniel Hepgrave, Matt Knight, Rob Green, Dave Shiffman( 2000)

8- Jay Z and Kanye West (feat. Beyoncé) -Lift off- Pharrell Williams, Kanye West, Seal Samuel, Mike Dean, Shawn Carter, Jeff Bhasker, Bruno Mars (2011)

9 – Thiago Pethit – Moon – Thiago Pethit (2012)

10 – Paralamas do Sucesso – Tendo a Lua – Herbert Vianna,Tetê Tillett (1991) 11 – Gilberto Gil – O Luar- Gilberto Gil (1984)

12 – João Petra de Barros- Linda pequena – Braguinha e Noel Rosa (1934)

13 – Aurora Miranda & João Petra de Barros – Se a Lua contasse- Custódio Mesquita (1933)

14 – Francisco Alves e Madelou de Assis – A Lua veio ver- Francisco Alves, Ary Barroso e Irmãos Valença (1933)

15 – Carlos Galhardo – Luar Carioca – Geraldo Augusto e J.Piedade ( 1946) 16 - Billie Holiday – What a little moonlight can do? – H. Woods (1935)

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18 – Déo – No mundo da Lua – José Gonçalves e Wilson Batista (1942) 19 – Carmen Miranda – Tenho raiva do luar – Assis Valente (1934)

20 – Bando da Lua – Lua Triste – Maércio Azevedo e Maurício Joopert (1935) 21 – Ella Fitzgerald - Blue Moon – Richard Rodgers e Lorenz Hart (1957)

22 – Dick Farney, com Orquestra Radamés Gnatalli – Luar sobre a Guanabara – Norival Reis e Rutinaldo (1952)

23 – The Glenn Miller Orchestra – Moonlight serenade- Mitchell Parish, Glenn Miller (1939) 24 – Frank Sinatra – Fly me to the Moon – Bart Howard ( 1964)

25 – Gregorio Barrios – Luna Lunera – Tony Fergo (1999)

26 – Nelson Gonçalves - Noite Cheia de Estrelas – Cândido das Neves (1956) 27 – Roberto Paiva – Quem há de dizer – Lupicínio Rodrigues (1999)

28 -Ângela Maria – Só vives para a Lua – Othon Russo e Galeano Ricardo (1953) 29 – Jarry Butler – Moon River – Henry Mancini, Johnny Mercer (1961)

30 – Ben E. King – Stand by me -Ben E. King, Jerry Leiber, Mike Stoller (1960) 31 – The Beatles – Mr. Moonlight – Roy Lee Johnson – 1964

32 – Celly Campelo – Banho de Lua Tintarella di luna – Fillipi, Fred Jorge e Migliacci (1960) 33 - Dircinha Batista – À luz da lua prateada – E. Madden, G. Edwards, vs. Ferreira Gomes(1954)

34 – Roberto Carlos – Na lua não há – Helena dos Santos (1963) 35 – Elvis Presley – Blue Moon of Kentucky – Bill Monroe (1954)

36 – Creedence Clearwater Revival - Bad Moon Rising – John Fogerty (1969) 37 – The Doors – Moonlight Drive – Manzarek/Krieger/Morrison/Densmore (1967) 38 – Secos & Molhados – Flores astrais – João Ricardo, João Apolinario (1974) 39 – Raul Seixas – Lua Cheia – Raul Seixas (1983)

40 – Zé Ramalho- Taxi Lunar – Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho (1983) 41 –Alceu Valença -No romper da aurora – Alceu Valença (1994)

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43- Caetano Veloso – Tonada de luna llena – Simon Diaz (1994) 44- Mercedes Sosa – Luna tucumana – Atahualpa Yupanqui (1977) 45 – Milton Nascimento – Lua girou – Milton Nascimento (1976) 46 – Edu Lobo – Lua nova – Torquato Neto (1966)

47 – Chico Buarque – Mar e Lua – Chico Buarque (1980) 48 - Tom Jobim – Luíza – Tom Jobim (1987)

49- Chico Buarque e Paula Morelembaum – Imagina – Chico Buarque e Tom Jobim (1983) 50 – Toquinho – Acende uma Lua no céu – Toquinho e Vinicius de Moraes (1983)

51 – Maria Bethânia – Lua vermelha – Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes (1996) 52- MPB4 – A Lua – Renato Rocha (2005)

53 – Abel Ferreira – Luar de Coromandel – Abel Ferreira (1976)

Referências

CAPOZZOLI, Ulisses. No reino dos astrônomos cegos – uma história da radioastronomia. Rio de Janeiro: Record, 2005.

SOARES, Leonardo Marques. Os Sons das Estrelas: Experiências de Transdução em um Planetário Digital Full Dome. Anais do I Seminário Internacional Som e

Memória. Belo Horizonte. No prelo.

TEIXEIRA, Nísio. Ver e ouvir estrelas. Caderno Mosaico. Jornal Hoje em Dia. 25 de julho de 2010, p. 1 e 2.

Sites:

http://www.jb.man.ac.uk/pulsar/Education/Sounds/sounds.html. http://www.astrosurf.com/luxorion/audiofiles.htm.

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II

NOEL ROSA – UM PERCURSO SONORO EM BELO HORIZONTE7

Graziela Mello Vianna8

Universidade Federal de Minas Gerais – MG

Resumo: Na década de 1930, o poeta boêmio da Vila Isabel passou alguns meses em terras belo-horizontinas. A Belo Horizonte de hoje sofreu transformações, tornou-se diferente daquela de Noel Rosa. Mas, a partir do conceito de percurso sonoro, propomos uma reflexão sobre a ação de se apropriar sonora e fisicamente daqueles percursos que poderiam ser os mesmos daqueles passos de outrora do famoso artista da música popular brasileira. Portanto, de acordo com essas propostas de apropriação do espaço urbano, o flâneur -ouvinte segue os passos de Noel pela cidade guiado por uma narrativa sonora constituída por diversos “relevos sonoros”, tais como a performance da voz, as canções do compositor e os elementos que constituem a paisagem sonora urbana.

Palavras-chave: Noel Rosa; Belo Horizonte; Memória; Percurso sonoro

1 Flâneries pela paisagem sonora urbana

A cidade está entrecortada por dispositivos de comunicação como cartazes publicitários, o rádio, a televisão, o cinema, meios de transporte e formas de ocupação do espaço urbano diversas. A cidade não é estática, não é apenas o que pertence ao seu território, algo plenamente representável num mapa. Na

7

Trabalho apresentado na mesa Paisagens sonoras, canções e ocupação urbana – Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Música, realizado de 05 a 07 de agosto de 2015, na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

8 Doutora em Comunicação pela ECA-USP, professora adjunta do Departamento de Comunicação Social da

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contemporaneidade, os circuitos informativos e midiáticos também pertencem e alteram a paisagem urbana. Entendemos paisagem como a porção de uma área cujos sentidos da percepção de quem a observa consegue ver, escutar e sentir e alcançar de um determinado ponto de vista. A paisagem pode ser considerada ainda como objeto de consumo, domínio da intervenção e atividades humanas (LOPES, 2006). Concordamos assim com Di Felice (2009) que reivindica um novo olhar para as cidades atuais ao considerar a dinâmica e fluidez das paisagens pós-urbanas. “As praças, as ruas, as avenidas deixam de serem os lugares únicos da experiência social urbana e passam a ser flanqueados por outras especialidades imateriais e informativas (publicidades, imagens, luzes, paisagens sonoras etc.) que se sobrepõem criando metageografias e novas experiências de habitar (DI FELICE, 2009, p.153).”

Portanto, a paisagem urbana ganha relações de sentido a partir das relações e das funções sociais que lhe são atribuídas. “Em cada época, o processo social imprime materialidade ao tempo, produzindo formas/paisagens. As paisagens construídas e valorizadas da sociedade revelam sua estrutura social e conformam lugares, regiões e territórios. A paisagem é a materialidade, mas é ela que permite à sociedade a concretude de suas representações simbólicas”. (SANTOS, 2002, p.13-14)

No presente artigo, privilegiamos as sonoridades que constituem o “relevo”

das paisagens urbanas, ou melhor, de acordo com o termo cunhado pelo pesquisador canadense Murray Schafer, a “paisagem sonora”9

que constitui as cidades. Schafer (2001) considera como paisagem sonora "qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de estudos. O termo pode referir-se a ambientes reais ou a construções abstratas como a composição musical" (SCHAFER, 2001, p.366).

Refletimos aqui sobre a experiência de quatro percursos sonoros produzidos para a ocasião do Seminário Internacional do Som e da Memória, organizado pelo grupo de pesquisa e extensão GRISsom (UFMG), para pensarmos sobre a experiência da escuta nas paisagens urbanas. Os percursos convidavam o

9 Tradução para o português do termo original em inglês - soundscape, derivado de landscape - utilizado pelo pesquisador em sua pesquisa acerca da paisagem sonora mundial.

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ouvinte/flâneur a atravessar a cidade guiado por um dispositivo sonoro que apresenta narrativas nas quais a cidade que envolve o ouvinte é também o cenário da narrativa sonora que se escuta por meio do dispositivo. Tais produções que descreveremos mais demoradamente adiante, fazem uso do registro de elementos constituintes da paisagem sonora de hoje e da década de 1930 , da performance da voz e das canções de Noel Rosa para guiar o ouvinte-flâneur pela paisagem urbana do centro de Belo Horizonte, permitindo ainda uma transposição no tempo a partir dos vestígios da cidade nos tempos em que foi habitada por Noel .

Baudelaire (2001) considerava a cidade sedutora, uma vez que as ruas labirínticas da cidade constituem o fascínio da multiplicidade e do efêmero, o gosto pelo movimento ondulante da multidão para o “perfeito divagador” ou “observador apaixonado”. Convidamos portanto esse ouvinte-flâneur a se deixar seduzir pela paisagem urbana, considerando, de acordo com Benjamin, a cidade como “o autêntico chão sagrado da flânerie” ( BENJAMIN,1994, p.191).

Ao flanar pela cidade, percebemos marcas das transformações da vida cotidiana da cidade, marcas do tempo, “uma vez que os elementos temporais mais heterogêneos coexistem, portanto, na cidade (...). “Quem entra em uma cidade sente-se como em um tecido de sonho, onde um acontecimento de hoje se articula com o mais remoto (LION apud BENJAMIN, 2006, p.478/479).”

Para além das marcas do tempo percebidas pela arquitetura, o relato do flâneur também nos permite perceber no espaço urbano contemporâneo, rastros do tempo, pois, concordando com Benjamin, em uma de suas Passagens,

a rua conduz o flâneur em direção a um tempo que desapareceu. Para ele, qualquer rua é íngreme. Ela vai descendo, quando não em direção às mães, pelo menos rumo a um passado que pode ser tão mais enfeitiçante por não se o seu próprio passado, seu passado particular. Entretanto, este permanece sempre o tempo de uma infância. Mas porque o tempo de sua vida vivida? No asfalto sobre o qual caminha, seus passos despertam uma surpreendente ressonância. A iluminação a gás que recai sobre o calçamento lança uma luz ambígua sobre este duplo chão. (2006, p.461)

Os percursos convidavam a flanar pela cidade por meio de uma transposição no tempo: experenciar a cidade hoje por meio de uma narrativa que evoca um tempo passado – a passagem de Noel Rosa por Belo Horizonte na década de 1930. Mas, o que seria afinal um percurso sonoro? Quais são as características desse tipo de

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narrativa? Evidenciaremos a seguir tais delimitações e as nossas referências iniciais para esse tipo de produção.

2 (Re)descobrindo a cidade com os percursos sonoros

O termo “soundwalk” foi utilizado pela primeira vez na década de 1970 por membros do projeto World Soundscape Project de Murray Schafer. O termo designa excursões cujo principal objetivo é ouvir o ambiente. Tais excursões podem tanto ser uma escuta atenta e direta da paisagem sonora quanto uma composição sonora que faz uso dos elementos dessa paisagem para guiar o ouvinte em uma experiência estética de escuta. Hildegard Westerkamp, compositora, radio artista e pesquisadora do projeto de Schafer define soundwalk como:

Uma exposição dos nossos ouvido a cada som ao nosso redor, não importa onde estivermos. Podemos estar em casa, podemos estar caminhando atravessando uma rua no centro, passando por um parque, andando por uma praia; podemos estar sentados em um consultório médico, na recepção de um hotel, em um banco; fazendo compras em um supermercado, em uma loja de departamentos ou em um sacolão chinês; parados no aeroporto, na estação de trem ou na parada de ônibus. Não importa aonde iremos, daremos prioridade aos nossos ouvidos. Eles foram negligenciados por nós durante muito tempo e, como resultado disso, nós contribuímos pouco para o desenvolvimento de um ambiente acústico de boa qualidade. (WESTERKAMP, 2007, p.49)10

Utilizamos no presente texto o termo “percurso sonoro” como tradução do termo original inglês soundwalk ou do francês parcours sonore. Consideramos aqui o segundo tipo de excursão proposto por Westerkamp, ou seja, uma narrativa

10

It is exposing our ears to every sound around us no matter where we are. We may be at home, we may be walking across a downtown street, through a park, along the beach; we may be sitting in a doctor's office, in a hotel lobby, in a bank; we may be shopping in a supermarket, a department store, or a Chinese grocery store; we may be standing at the airport, the train station, the bus-stop. Wherever we go we will give our ears priority. They have been neglected by us for a long time and, as a result, we have done little to develop an acoustic environment of good quality. (tradução livre nossa) - texto originalmente publicado em 1974

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sonora que faz uso de elementos da paisagem sonora para conduzir o ouvinte-participante em uma apropriação estética da cidade.

Foi na capital francesa durante o período do meu estágio de doutoramento no exterior em 2007 que tive a primeira oportunidade de experenciar um parcours sonore, ou melhor , um percurso sonoro. O programa do Festival Paris Cinéma na edição de 2007 , anunciava:

Após 3 anos de sucesso do conceito de passeio (“balade”) urbana, lúdica e de convívio com o outro em lugares em torno do cinema em Paris, Paris Cinema propõe dois novos percursos sonoros na companhia de Isild Le Besco pelo Marais e Florence Loiret-Caille por Belleville.(PARIS CINÉMA, 2007)11

O Festival propunha que o ouvinte baixasse os arquivos gratuitamente (durante o período do festival) disponibilizados no site do coletivo responsável pela produção ou fizesse um empréstimo de um aparelho audio guide em dois cinemas (localizados nos bairros dos dois percursos propostos). No cinema e no site, estavam disponíveis também mapas dos trajetos a serem percorridos.

Dessa forma, tive também o primeiro contato com as produções do coletivo soundwalk, um coletivo sonoro internacional com base em Nova Iorque, fundado no início dos anos 2000 por Stephan Krasneanski que propõe “audio guides misturando ficção e realidade para oferecer uma exclusiva e poética descoberta da cidade, em uma ponte entre a flânerie baudelairiana e uma experiência cinemática” (SOUNDWALK, 2015). Tal coletivo produziu percursos em diversas metrópoles além de Paris, tais como Nova Iorque ou Shangai, além de instalações sonoras e outras produções artísticas onde o som é o principal elemento significante.

Participar do percurso sonoro foi uma experiência de apropriação da cidade, de espaços públicos e privados de uma maneira diferente do que até então, eu, uma pesquisadora estrangeira vivendo há alguns meses na cidade, tinha vivenciado. Fui guiada pelo Marais por meio de diversos elementos sonoros: a performance da voz, a música, os sons dos passos da narradora e por elementos da paisagem sonora

11

Après le succès rencontré depuis trois ans par le concept de balade urbaine, ludique et conviviale, autour des lieux du cinéma à Paris, Paris Cinéma propose deux nouveaux parcours sonores et scénarisés en compagnie d'Isild Le Besco à travers Le Marais, et Florence Loiret-Caille à travers Belleville.(tradução livre nossa)

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urbana registrados previamente. O percurso sonoro me colocou no lugar de participante/flâneur que acompanhava a voz sem corpo de Isild Le Besco pelos cenários onde se desenrolava a história ficcional: as ruas do Marais, praças, livrarias, sexshops, pátios fechados de prédios cujos códigos de entrada eram informados pela narradora. Enfim, o cenário da narrativa conduzida pela narradora/protagonista e seguida por mim –ouvinte/participante/coadjuvante/flâneur era a própria cidade de Paris, mas não a Paris turística, mas a cidade das pessoas que ali habitam, desvelada ao flanar por lugares públicos e privados.

De volta ao Brasil, três anos mais tarde, já como professora do departamento de Comunicação da UFMG, passei a utilizar esse modelo de narrativa como atividade de ensino e extensão nas disciplinas que leciono relacionadas ao som (Som e Sentido; Laboratório de Rádio; Linguagem , técnicas e processos de rádio) e nos projetos de extensão que coordeno na região do Vale do Jequitinhonha. Foram produzidos a partir de 2010 vários percursos com a participação dos alunos e bolsistas envolvidos, na região do hipercentro de Belo Horizonte (percurso av. Paraná, Percurso do Vinil); na cidade de Jequitinhonha (Jequi 200 anos), na FAFICH (50 anos da comunicação), dentre outros.

Tais produções sempre buscaram valorizar a paisagem sonora urbana nas suas narrativas tendo como objetivo principal promover uma escuta atenta do ambiente, ou seja, seguimos assim os objetivos iniciais propostos pelos pesquisadores do projeto World Soundscape Project .

Assim , a partir dessas experiências prévias, na ocasião da organização do Seminário Internacional do Som e da Memória, decidimos produzir quatro percursos sonoros que partiam de um tradicional bairro de Belo Horizonte, o bairro Floresta, e percorriam o hipercentro de Belo Horizonte passando por locais frequentados pelo compositor carioca Noel Rosa durante a sua estadia de nove meses na cidade na década de 1930. Mas, o que Noel fazia na capital mineira? Tentaremos responder a essa questão a seguir.

3 “Belo Horizonte, bem mesmo é estar aqui:” Noel Rosa e sua passagem pela capital mineira

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Noel Rosa , nascido em 1910, na década de 30 já era um compositor com o talento reconhecido no meio musical e pelos ouvintes das emissoras de rádio do país. Também era conhecido o seu gosto pela boemia carioca. A vida desregrada e a tuberculose acabam por levá-lo a morar em Belo Horizonte. Uma temporada na capital mineira, naquela época com seu clima ameno e ar puro de montanha, foi uma das sugestões do seu médico, dr. Edgar Graça Melo para tratamento da tuberculose. Além do clima, a irmã de sua mãe morava em Belo Horizonte, uma capital planejada, inaugurada poucas décadas antes, que parecia ter uma vida mais pacata do que a boemia do Rio de Janeiro, o que também faria bem à saúde de Noel. Assim, em janeiro de 1935, Noel Rosa parte do Rio de Janeiro com a sua esposa Lindaura para morar em Belo Horizonte. A julgar pela carta escrita por Noel a seu médico (e, postumamente, transformada na canção Ao meu amigo Edgar por João Nogueira), a estadia realmente lhe fez bem:

Já apresento melhoras Pois levanto muito cedo

E deitar as nove horas Pra mim já é um brinquedo

A injeção me tortura E muito medo 'me mete' Mas minha temperatura Não passa de 37 (…) Creio que fiz muito mal Em desprezar o cigarro Pois não há material Pro meu exame de escarro

Até agora só isto

Para o bem dos meus pulmões E nem brincando desisto

De seguir as instruções Que o meu amigo Edgard

Arranque desse papel O abraço que vai mandar

O seu amigo Noel

No entanto, os registros da sua passagem pela cidade demonstram que rapidamente Noel fez novos amigos na cidade e, com eles, frequentava a zona boêmia de BH, os bares e restaurantes do centro, o Grande Hotel e a Rádio Mineira, onde chegou a participar do concurso de marchinhas promovido pela emissora. Para o concurso, Noel compôs Uatch e é classificado em 5º lugar.

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Apesar das novas amizades, das supostas melhoras e da descoberta da boemia belorizontina, Noel desabafa a um amigo que prefere viver 1 ano no Rio a 10 na capital mineira (MARTINS, 1999) e no final do mesmo ano de 1935, volta com a esposa para o Rio de Janeiro. Um ano e meio mais tarde, Noel Rosa sucumbe à doença que o levara às terras mineiras, a tuberculose, e falece em abril de 1937.

4 Seguindo os passos de Noel: pesquisa e produção do percurso sonoro

Para fazer um levantamento das experiências de Noel Rosa durante os nove meses que viveu em Belo Horizonte, partimos inicialmente de uma pesquisa bibliográfica acerca dos registros sobre a sua estadia em trabalhos anteriores de pesquisadores sobre a trajetória do compositor. Também consideramos textos de cronistas, jornalistas e escritores que flanaram por Belo Horizonte na década de 30, para, por meio das referências à paisagem urbana daquele tempo, reconstituir a paisagem sonora urbana nas narrativas criadas.

A partir desse levantamento, foram considerados alguns pontos da cidade frequentados por Noel Rosa no bairro Floresta e no centro da cidade. Apesar da pesquisa bibliográfica nos mostrar que Noel também frequentou bairros periféricos, privilegiamos no recorte metodológico os pontos localizados na região central de Belo Horizonte para que fosse possível realizar os percursos a pé.

Assim, como podemos verificar no recorte do folder da programação do Seminário Internacional do Som e da Memória (FIG.1) , os pontos considerados nas versões finais dos quatro percursos propostos foram: a Praça da Estação, ponto de chegada de Noel Rosa e Lindaura na cidade; a casa da tia Carmen, localizada no bairro Floresta; o viaduto da Floresta, caminho de Noel entre a casa da tia Carmen e o centro da cidade, o Conservatório de Música; a charutaria Flor de Minas e a Livraria Francisco Alves, frequentadas por Noel e seus amigos mineiros; o Restaurante Colosso, onde Noel fez a sua primeira roda de samba; a Rádio Mineira e o bar do Grande Hotel (hoje, o ainda boêmio ed. Maletta).

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FIGURA 1 - Mapa dos percursos sonoros Noel Rosa

A partir da definição dos pontos do trajeto, os 80 alunos da oficina Som e Sentido do curso de graduação em Comunicação Social da UFMG foram divididos em quatro grupos de 20 integrantes. Cada grupo produziu um percurso sonoro. Em cada grupo, foram criadas equipes com funções distintas pré-estabelecidas. Foram estas:

1- seleção do material bibliográfico levantado na pesquisa inicial; pesquisa acerca de onde estiveram situados os locais frequentados por Noel, tais como a antiga charutaria, a livraria, o restaurante que não existem mais;

2- pesquisa acerca da produção musical de Noel Rosa, com levantamento das canções compostas por Noel ao longo da sua carreira e ainda, mais especificamente, das canções compostas durante a sua estadia em Belo Horizonte. Seleção dos registros fonográficos a serem utilizados como trilha sonora dos percursos; levantamento de registros históricos da paisagem urbana de 1930.

3- Roteirização de uma narrativa ficcional inspirada no cotidiano de Noel na cidade, desvelado na pesquisa bibliográfica;

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4- Produção externa do percurso: definição de pontos de referência para orientar o ouvinte/ participante ao longo do trajeto, cronometragem do tempo gasto para chegar de um ponto a outro, registro da paisagem sonora urbana. 5- Produção em estúdio: direção e gravação da locução, edição do material

sonoro.

Assim, os grupos foram provocados a criarem narrativas ficcionais inspiradas nas experiências de Noel Rosa em Belo Horizonte e nas paisagens sonoras daquele tempo desveladas na pesquisa bibliográfica. Tais narrativas deveriam obrigatoriamente ter como cenário a paisagem urbana, mais especificamente, os locais habitualmente frequentados por Noel durante a sua estadia na cidade. Para tanto, exigiu-se um novo trabalho de pesquisa, uma vez que vários destes desapareceram e, ainda que tivéssemos acesso ao endereço antigo onde o local se situava, percebemos que a numeração das ruas mudou. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e com antigos moradores para descobrirmos a localização exata dos locais mencionados.

Os roteiros deveriam prever a inserção de elementos constituintes da paisagem urbana atual e da década de 1930, de acordo com as referências das crônicas e demais textos levantados na pesquisa bibliográfica. O ouvinte/flâneur se inseriria por duas vias nessa paisagem: in loco ouvindo-a ao caminhar por ela e por meio da narrativa. Para dar ritmo à caminhada, foram inseridas canções de Noel que incluíram aquelas compostas durante o seu período em BH: Iolanda, Uatch e Belo Horizonte. As narrativas eram entremeadas ainda por instruções sobre a direção que o ouvinte/flâneur deveria tomar para chegar de um local a outro e os pontos de referência entre tais locais. Para que tais instruções fossem precisas, uma equipe de cada grupo se encarregou de selecionar tais pontos de referência, assim como cronometrar o tempo médio que o ouvinte gastaria para alcançar tais pontos.

Com o roteiro pronto, a paisagem sonora urbana registrada e as canções selecionadas, passamos ao trabalho em estúdio, com a gravação das vozes e, posteriormente, a edição e mixagem de todos os elementos sonoros. Os quatros percursos finalizados foram então disponibilizados ao público em aba específica do

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site do Seminário Internacional do Som e da Memória.12 Os participantes do evento eram instruídos a baixarem previamente os arquivos referentes ao percurso escolhido e a salvá-los em um MP3 player e nos encontrarem no terceiro dia do evento (16 de novembro de 2013) às 9 horas da manhã, na rua São Manoel no bairro Floresta, em frente a dois pequenos edifícios, lugar onde se localizava a casa da tia de Noel na Belo Horizonte dos anos 1930. A casa da tia Carmen foi o ponto de partida para os quatro percursos desenvolvidos.

No dia marcado, percorremos a cidade juntamente com um grupo de 50 ouvintes/flâneurs/participantes, passando pelos lugares frequentados por Noel Rosa. O ponto de chegada foi o edifício comercial e residencial Arcanjo Maletta, onde outrora se situava o Grande Hotel, cujo bar abrigava o encontro de artistas, radialistas e políticos. Ainda que o hotel não exista mais, o Maletta (como é conhecido pelos belorizontinos) também tem uma reconhecida vocação boêmia. Lá, ao final dos percursos, brindamos a Noel ao som de suas canções.

5 Pontos de chegada

A história de Belo Horizonte está nos documentos oficiais e mapas da cidade e na memória das pessoas que vivenciaram as transformações pelas quais a cidade passou. Mudanças como o fim dos bondes, os sons das ruas, músicas que tocavam nas rádios e vitrolas, a construção de prédios comerciais e outras tantas ocorridas no espaço urbano são registradas por jornalistas e cronistas que flanam pela cidade em épocas distintas. Espaço esse constituído pelas estruturas impostas pela arquitetura e pela topografia, mas também por elementos sonoros e visuais dinâmicos que se relacionam com as práticas sociais de seus habitantes. Consideramos a paisagem sonora como dinâmica, que se transforma cotidianamente e na qual o ouvinte tem um papel determinante.

Acreditamos que os percursos sonoros cumprem o objetivo de promover uma escuta crítica da paisagem sonora e das transformações ocorridas entre 1930 e os

12

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dias atuais. Entendemos que os vestígios da paisagem desvelados por meio de pistas costuradas nas narrativas e registradas por cronistas, escritores e jornalistas, antigos flâneurs da cidade, conduzem o ouvinte à uma transposição do tempo, a Belo Horizonte da década de 1930. Tal transposição se dá ao longo de uma flânerie pela cidade. Portanto, ao flanar pela cidade no século XXI, o ouvinte/participante/flâneur percebe, a partir dessa escuta crítica, as marcas daquele tempo hoje, no espaço e tempo presentes.

Para muitos, lugares antes desconhecidos lhes foram apresentados, para outros, a paisagem urbana foi ressignificada por meio da narrativa sonora e dos vestígios desse outro tempo. Tornamo-nos todos flâneurs baudelairianos, seduzidos pela cidade à procura dos vestígios de uma paisagem urbana distante no tempo, mas cujas marcas ainda hoje persistem no espaço urbano.

Referências

BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Sobre a modernidade. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

BENJAMIN, Walter . Obras escolhidas III: Charles Baudelaire um lírico no auge

do capitalismo. 3a. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.

DI FELICE, Massimo. Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo: Annablume, 2009.

LOPES, Denilson. Paisagens da cultura, paisagens sonoras. In : FREIRE FILHO, João ; JANOTTI JUNIOR, Jeder. Comunicação e música popular massiva. Salvador :Edufba, 2006.

MARTINS, Fábio. Senhores ouvintes, no ar…a cidade e o rádio. Belo Horizonte: C/Arte,1999.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2002.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

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WESTERKAMP, Hildegard. Soundwalking. In : Autumn Leaves, Sound and the

Environment in Artistic Practice. Paris : Ed. Angus Carlyle/Double Entendre, 2007.

pp. 49-59

PARIS CINÉMA. Programmes 2007. Disponível em < http://www.pariscinema.org/fr/2007/programmes-2007/pariscinerandos.html> Acesso em 30/mai./2015.

SOUNDWALK. About Soundwalk. Disponível em <

Referências

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