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A percepção de profissionais da saúde, usuários e familiares de um CAPS-AD acerca do tratamento da dependência do álcool

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A PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE, USUÁRIOS E FAMILIARES DE UM CAPS-AD ACERCA DO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL

Yara dos Santos1 Alessandra d’Avila Scherer2

Resumo: As substâncias psicoativas sempre fizeram presentes na história da humanidade. No

entanto, o olhar para a pessoa que faz o uso se modificou, incluindo em relação ao álcool. Assim, após a Reforma Psiquiátrica, foram implantados os serviços substitutivos dos hospitais psiquiátricos, sendo os Centros de Atenção Psicossociais para usuário de álcool e outras drogas (CAPS-AD), destinado especialmente para este público. Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, delineada de campo e corte transversal, tendo como instrumento de coleta entrevistas semiestruturadas com roteiro pré-estabelecido. O objetivo desta pesquisa foi caracterizar a percepção de profissionais de saúde, usuários e familiares de um CAPS-AD acerca do tratamento da dependência do álcool. O estudo foi realizado em um CAPS-AD da região da Grande Florianópolis (SC), com o intuito de se aproximar das percepções desses atores sobre os sentidos atribuídos ao uso do álcool, os tratamentos oferecidos no serviço, e os pontos positivos e negativos acerca do tratamento da dependência do álcool. Os resultados apontam que ainda existe a concepção de doente em relação ao usuário do serviço. Os sentidos atribuídos ao uso do álcool pelos participantes foram: como forma de enfrentamento da vida, influência da cultura, como uma droga, tristeza e perdas. Foram apontados como tratamento oferecido as consultas multidisciplinares, bem como a realização dos grupos terapêuticos. Notou-se que há mobilização em direção da redução de danos, mas que não são demonstradas nas práticas profissionais. Os participantes demostraram como ponto positivo no tratamento a participação familiar, no entanto percebeu-se de forma pouca efetividade na participação. Dos pontos negativos os resultados apontam para a adesão terapêutica como desafio, a pouca participação familiar nas intervenções terapêuticas, e a influência da cultura de forma negativa. A atenção integral ao usuário se mostra de forma discreta, sendo identificada a falta de ações articuladas e integradas com os demais pontos da rede de saúde do município.

Palavras-chaves: Saúde mental, CAPS-AD, Dependência do álcool.

1 Acadêmica da 10ª fase do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. E-mail:

yarinhah55@hotmail.com

2 Professora e Orientadora do Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em

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1 INTRODUÇÃO

No cenário mundial, os transtornos decorrentes do uso de substâncias psicoativas (SPA) são um crescente problema de saúde pública. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 10% da população mundial consome abusivamente SPA independentemente de idade, sexo nível de instrução e poder aquisitivo (BRASIL, 2004).

O uso de SPAs se caracteriza por alterar o funcionamento do Sistema Nervoso Central (SNC), podendo levar à dependência química. Segundo a 10ª Revisão de Classificação Internacional de Doenças (CID-10), a dependência química está conceituada dentre os Transtornos metais e de comportamentos decorrentes do uso de substâncias psicoativas. Esta classificação define os seguintes critérios para a dependência química: forte desejo ou compulsão para o uso; comprometimento da capacidade de controlar; estado fisiológico de abstinência; evidência e tolerância aos efeitos; preocupação com o uso; e uso persistente (OMS, 2001). Outro sistema que apresenta classificação sobre doenças mentais é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), da Associação Psiquiátrica Americana. Segundo DSM-IV, a dependência química apresenta critérios que levam ao seu diagnóstico, que são: tolerância; abstinência; frequência de consumo em maior quantidade; tempo gasto para a obtenção e utilização da substância; atividades importantes (sociais, ocupacionais ou recreativas) são abandonadas; o uso contínuo, apesar da percepção do problema (APA, 2002).

Os critérios apresentados são utilizados como parâmetros para o diagnóstico da dependência química. Assim, a dependência química pode estar relacionada a substâncias consideradas lícitas ou ilícitas. As SPAs consideradas lícitas são aquelas que têm comercialização legal, já as ilícitas são as proibidas por lei (BRASIL, 2013). Assim, o consumo nocivo de álcool tem maior prevalência em relação ao uso de SPA de caráter ilícito se tornando um agravante aos problemas de saúde pública mundial (BRASIL, 2004; OMS, 2001).O consumo do álcool é permitido em quase todas as sociedades do mundo, tornando esse consumo parte da cultura. Segundo a OMS, aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas e seu uso indevido é um dos fatores que contribuem para a diminuição de saúde mundial (BRASIL, 2003; LARANJEIRAS et al, 2007).

A dependência do álcool é caracterizada por um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual um dos critérios para o seu diagnóstico é que, o uso de tal substância se torna prioridade na vida do sujeito relacionado aos outros comportamentos já existentes em sua vida. (BRASIL, 2003; OMS, 2001).Nesse sentido, a

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dependência do álcool é considerada um problema que se relaciona aos vários aspectos da vida dos sujeitos biopsicossocialmente (BRASIL, 2011).

A Política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas cita que, entre as dez doenças mais incapacitantes do mundo, cinco são de origem psiquiátrica e dentre elas está o alcoolismo. No Brasil a dependência de álcool apresenta uma prevalência variada de 3% a 10% na população adulta, sendo considera a mais consumida dentre as substâncias psicoativas. Segundo o Ministério da Saúde, o alcoolismo é responsável por 50% das internações psiquiátricas masculinas, 20% em unidade de gastroenterologia e 90% das internações por dependência de drogas em hospitais psiquiátricos brasileiros, sendo que pessoas com este problema são quatro vezes mais hospitalizadas que a população em geral. (BRASIL, 2003).

É nesse contexto, que no ano de 2007 no Brasil, o Decreto Nº 6117, de 22 de maio de 2007, aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispondo sobre medidas para redução do uso indevido de álcool. Neste documento, discorrem-se medidas referentes: ao diagnóstico sobre o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil; propagandas de bebidas alcoólicas; ao tratamento e à reinserção social de usuários e dependentes de álcool; à realização de campanhas de informação, sensibilização e mobilização da opinião pública quanto às consequências do uso indevido e do abuso de bebidas alcoólicas; à redução da demanda de álcool por populações vulneráveis; à segurança pública; à capacitação de profissionais e agentes multiplicadores de informações sobre temas relacionados à saúde, educação, trabalho e segurança pública; ao estabelecimento de parceria com os municípios para a recomendação de ações municipais. Tais medidas fundamentam estratégias para o enfrentamento coletivo dos problemas relacionados ao álcool (BRASIL, 2007).

As dificuldades encontradas acerca dos problemas de tratamento relacionados à dependência do álcool estão relacionadas a complexidade do fenômeno. Há dificuldades na constituição desse fenômeno, que se apresenta multifacetado e possui inúmeras “articulações entre variáveis biológicas, farmacológicas, psicológicas, socioculturais, políticas econômicas e antropológicas” (SCHNEIDER e LIMA, 2011 p.169).

No cenário da Reforma Psiquiátrica, foi implementada a Lei Federal 10.216/2001 que rege sobre os direitos e a proteção das pessoas acometidas por transtornos mentais. E, no ano de 2002, a Portaria nº 336 passou a complementar Lei Federal 10.216/2001. Esta portaria estabeleceu novos modelos assistenciais à saúde mental. Dentre eles se incluem os denominados Centros de Atenção Psicossocial. Este novo molde de assistência passa a ser

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categorizado por porte e clientela, sendo denominados CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi e CAPS-AD (BRASIL, 2001).

Nesse modelo de assistência psicossocial, o CAPS-AD se dispõe a atender pessoas com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, sendo os serviços oferecidos e caracterizados por:

I - trabalhar de portas abertas, com plantões diários de acolhimento, garantindo acesso para clientela referenciada e responsabilização efetiva pelos casos, sob a lógica de equipe Interdisciplinar, com trabalhadores de formação universitária e/ou média, conforme definido nesta Portaria;

II - atendimento individual para consultas em geral, atendimento psicoterápico e de orientação, dentre outros;

III - oferta de medicação assistida e dispensada;

IV - atendimento em grupos para psicoterapia, grupo operativo e atividades de suporte social, dentre outras;

V - oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível universitário ou de nível médio, nos termos desta Portaria;

VI - visitas e atendimentos domiciliares;

VII - atendimento à família, individual e em grupo;

VIII - atividades de reabilitação psicossocial, tais como resgate e construção da autonomia, alfabetização ou reinserção escolar, acesso à vida cultural, manejo de moeda corrente, autocuidado, manejo de medicação, inclusão pelo trabalho, ampliação de redes sociais, dentre outros;

IX - estimular o protagonismo dos usuários e familiares, promovendo atividades participativas e de controle social, assembleias semanais, atividades de promoção, divulgação e debate das Políticas Públicas e da defesa de direitos no território, dentre outras;

X - fornecimento de refeição diária aos pacientes assistidos, na seguinte proporção: a) os pacientes assistidos em um turno (4 horas) receberão uma refeição diária; b) pacientes assistidos em dois turnos (8 horas) receberão duas refeições diárias; e c) pacientes que permanecerem no serviço durante 24 horas contínuas receberão 4 (quatro) refeições diárias (BRASIL, art.6º).

Os CAPS-AD ainda estão num processo de implementação, visto que o dependente de álcool ainda é concebido de forma dicotomizada, fragmentada, e determinista. Essa concepção reducionista se reflete na efetividade na adesão ao tratamento. (MARQUES e MÂNGIA, 2009; PINHO et al, 2008; SCHNEIDER e LIMA, 2011).A adesão ao tratamento, segundo Marini (2011) é a mudança de comportamento frente à participação, ou seja, o êxito alcançado após a participação em um determinado tratamento. Leite e Vasconcellos (2003) concluem que adesão à terapêutica medicamentosa em geral não prioriza o papel do paciente no processo de tratamento. Sendo assim, a pesquisa de Pinho et al (2008) aponta a importância da rede social no processo de tratamento, sendo que esta possibilita a articulação dos demais serviços oferecidos (BRASIL, 2005).

O CAPS-AD se caracteriza por ser um serviço que é constituído por uma equipe multiprofissional que rege ações interdisciplinares (OLIVEIRA et al, 2010;MARQUES e MÂNGIA, 2009). Nesse sentido, o serviço visa a implementação de estratégias de acordo

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comas especificidades de cada território. (BRASIL, 2005). Estas ações são focadas nos aspectos sociais e que devem ser somados aos aspectos referentes ao próprio individuo. (BRASIL, 2011).

Peixoto et al (2010) apontam que as abordagens atuais nos CAPS-AD estão num caminho de não adesão ao tratamento. O mesmo autor também chama a atenção para a escassa articulação do CAPS-AD com a rede de apoio. Portanto, tais reflexões revelam a divergência entre a legislação e as medidas propostas pelo molde de atenção biopsicossocial e as estratégias que de fato estão sendo ofertadas e implementadas nos serviços oferecidos pelos CAPS-AD (PEIXOTO, et al 2010).

De acordo com tais medidas, cada serviço deveria articular suas intervenções terapêuticas com base nos usuários, sendo a equipe profissional a responsável por esse manejo (SENAD, 2013) E, a despeito disso, o documento da Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas traz em seu texto a seguinte afirmação: que “[...]é o gestor local, articulado com as outras instâncias de gestão do SUS, que terá as condições mais adequadas para definir os equipamentos que melhor respondem às demandas de saúde mental de seu município”(BRASIL,2005 p.30).

A dependência do álcool se tornou um problema de saúde pública mundialmente, e o Brasil se inclui nesse lugar. Assim, há inúmeras pesquisas acerca desse problema social que é a dependência do álcool. Entretanto, as pesquisas chamam atenção para os problemas da assistência terapêutica ofertada para essa população. (SCHNEIDER e LIMA, 2011; SCHNEIDER, 2011; SCHNEIDER et al, 2003; MELONI e LARANJEIRA, 2004; PINHO et al, 2008; KING e CRUZ, 2005; SCADUTO e BARBIERI, 2009).

Diante da complexidade que norteia o tratamento da dependência do álcool no CAPS-AD, busca-se com esta pesquisa conhecer a percepções dos profissionais de saúde, usuários e familiares de um CAPS-AD acerca do tratamento da dependência do álcool. Assim, torna-se relevante responder a pergunta de pesquisa: Qual a percepção de profissionais de

saúde, usuários e familiares de um CAPS-AD acerca do tratamento da dependência do álcool?

Sendo assim, este estudo apresentou como objetivo geral: analisar a percepção de profissionais de saúde usuários e familiares de um CAPS-AD acerca do tratamento da dependência do álcool. E como objetivos específicos: identificar o sentido atribuído ao uso do álcool na percepção dos profissionais de saúde, usuários e familiares; identificar os tipos de tratamento oferecidos pelo CAPS-AD na percepção dos profissionais de saúde, usuários e

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familiares; e identificar os pontos positivos e negativos acerca do tratamento da dependência do álcool na percepção dos profissionais de saúde, usuários e familiares.

Este estudo se mostra relevante para a sociedade levando em consideração que a dependência do álcool acarreta muitos efeitos considerados negativos, tanto para a sociedade, quantoaos reflexos diretos na vida do sujeito (BRASIL, 2005). Neste sentido, um estudo feito por Meloni e Laranjeira (2009) sobre o custo social e de saúde do consumo do álcool, ressaltam a relação com a violência, problemas familiares, problemas profissionais entre outros.Para tanto, a associação desses problemas sociais com relação ao sujeito dependente de álcool, apenas revela uma ideia estereotipada e moralista da situação apresentada. Para Faria e Schneider (2009) essa ideia provém de um contexto baseado no modelo psiquiátrico que reduzia o tratamento meramente em internações hospitalares e terapia farmacológica, a fim de se alcançar a abstinência das SPAs.

Mesmo após a implementação dos dispositivos substitutivos sobre saúde mental, a forma de assistência ainda se caracteriza de forma reducionista e fragmentada. Schneider (2010) aponta que a assistência prestada ainda é contraditória ao que rege a lei 10.216/2001. A autora ainda fundamenta que o sujeito é assistido ora sob um olhar que é permeado pelo modelo médico, ora por um modelo jurídico-moral que culpabiliza o sujeito e sua família (SCHNEIDER, 2010).Tais reflexões direcionam para a importância dos estudos realizados acerca das intervenções terapêuticas oferecidas por esses dispositivos, de forma que podem influenciar no processo de tratamento dos usuários do CAPS-AD (SCHNEIDER, 2010).

Dentre os artigos encontrados há os que referiam que os tratamentos oferecidos nos CAPS-AD como influenciadores no tema do tratamento ao dependente químico. É o que aponta Schneider (2010) quando ressalta a divergência encontrada entre o modelo proposto nas medidas psicossociais e o que acontece na realidade das instituições. Um dos apontamentos do referido estudo é que a concepção de assistencial se caracteriza como de maneira hegemônica, se voltando para o sujeito como doente, objetivando a abstinência, e percorrendo uma prática que se reduz ao modelo biomédico e moralista. (SCHNEIDER, 2010).

No que diz respeito a assistência prestada, Schneider e Lima (2011) mostram que no tratamento da dependência química prevalece um modelo reducionista, pois hora se volta para o sujeito sob uma ótica que se reduz a psicológica, outrora o modelo focado no biológico se destaca. Ainda aponta para a crítica destas duas concepções “justapostas”, que concebem o

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problema ainda de forma fragmentada não considerando uma compreensão integral do sujeito. ( SCHNEIDER e LIMA, 2011 p.176)

Ainda para Schneider e Lima (2011) a concepção fragmentada desse problema de saúde é reproduzida pelos profissionais que atuam na área. Dentre o resultados da pesquisa dos autores citados, a concepção das intervenções voltadas na perspectiva de redução de danos não apareceu no estudo. Tal autor aponta para o problema da não capacitação dos profissionais da área, revelando um despreparo dos profissionais para atuação nesta área específica (SCHNEIDER e LIMA, 2011).

Rodrigues e Sanches (2014) concluem em sua pesquisa que os profissionais de saúde que atuam na Estratégia de Saúde da Família (ESF) concebem a problemática do álcool e outras drogas permeadas por preconceitos e estigmas. Essa concepção se reflete no modo em que esses usuários são abordados pela equipe, considerados como não aderindo ao tratamento. Os profissionais também reconhecem a falta de capacitação para lidar com as especificidades do fenômeno que envolve o tema álcool e outras drogas (RODRIGO e SANCHES, 2014).

Portanto, a pesquisa se justifica na busca de conhecimento acerca do tratamento oferecido no CAPS-AD. O que possibilita reflexões acerca das lacunas existentes na assistência desse serviço para os usuários, bem como a sobre a sua articulação com a rede de saúde.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

No presente projeto de pesquisa se propôs a analisar as diferentes percepções

dos que acreditam serem os principais protagonistas relacionados no processo que tange ao tratamento do dependente de álcool num CAPS-AD, que são: Usuário, Profissional de saúde e Familiares. Não obstante, analisar as características entre cada categoria dos sujeitos que participaram da pesquisa. É nesse sentido que se tecerá por uma fundamentação teórica que perpassará pelas seguintes discussões: a concepção de dependência química apresentada num breve contexto histórico; as políticas públicas relacionadas ao álcool e outras drogas; redução de danos; e, CAPS-AD.

2.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA HISTÓRIA DAS “DROGAS”

Em se tratando de consumo de substâncias psicoativas, pode-se levar inicialmente a pensar num “problema social” ou pensar em algum tipo de proibição do

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consumo. Em relação a isso, pode ser pensada a substância psicoativa relacionada à palavra droga, que carrega consigo uma imensa discriminação social. Mas, o que se pode perceber é que nem sempre as drogas foram consideradas ruins, e que a ótica proibicionista se concebeu historicamente.

As drogas ou as substâncias psicoativas (SPAs) acompanham o homem desde a Antiguidade, estando presente em várias culturas e com diferentes objetivos, dentre eles os relacionados a festas, celebrações religiosas e místicas, remédios, dentre outros (NUNES e JÓLLUSKIN, 2007). Contudo, historicamente, o modo de consumo e a proporção na qual se atingiu esse consumo se modificaram, e paralelamente, o olhar para quem consome também.

No século XX, as SPAs foram consideradas danosas à saúde e uma ameaça à sociedade, produzindo-se nesse período uma visão criminalizada das pessoas que faziam uso dessas substâncias (CFP, 2013). É nesse contexto que em 1912, aconteceu a Primeira Conferência Internacional do Ópio, realizada em Haia, quando as primeiras resoluções em relação ao proibicionismo de algumas SPAs se instala, visando acabar com a produção, consumo e comércio (CFP, 2013). Sendo consolidado pela Convenção Única sobre Entorpecentes, de 1961, o paradigma proibicionista na luta contra o “flagelo das drogas” (FIORE, 2012). Assim, cada Estado tomou providências particulares em relação às políticas proibicionistas e diminuição da oferta (CFP, 2013).

Nesse contexto, no Brasil sob a ótica proibicionista, o consumo de drogas, fora desde então tratado de forma a segregar as pessoas que consumiam. Estava relacionada a práticas criminosas, desordem social e considerados “marginais”. Nos anos 1960, o momento em que quem consumia foi considerado “drogado” e trazendo consigo os estigmas3 e preconceitos de uma sociedade, e sendo considerado como um “doente mental” (CFP, 2013).

No início do século passado, a Liga Brasileira de Higiene Mental se prevalecia, com o intuído de fazer uma “limpeza social”, retirando os ditos loucos, drogados e alcoólatras4 da sociedade. Os manicômios públicos eram os lugares aonde se “depositavam” esse “lixo social”, tal lugar era financiado pelo Estado, que objetivava retirar essas pessoas da sociedade elitizada (CFP, 2013).

3 Erving Goffman em sua obra Estigma: Notas sobre manipulação da identidade deteriorada, traz o termo

estigma como um “atributo profundamente depreaciativo”.

4Alcoólatra era como se designava-se a pessoa que fazia uso abusivo de álcool, referindi-se ao dependente do álcool como alguém que idolatra, e consequentemente “escolhe” o beber. O termo utilizado atualmente é alcoolista tebdo como proposta retirar a responsabilizade do “problema” apenas da pessoa que faz o uso.

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No texto da Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental, quinze anos depois de Caracas, percorre-se, no final dos anos 70, sobre a crise nos modelos de assistência focado nas internações em hospitais psiquiátricos, nesse contexto, emergia as críticas protagonizadas pelos movimentos sociais que defendiam os diretos dos pacientes psiquiátricos (BRASI, 2005). Nos escritos de tal documento traz uma definição permeada pela complexidade em que acontece, apresentando Reforma Psiquiátrica como:

Processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado dos serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais, nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (BRASIL, 2005, p.6)

Com a Constituição de 1988 o Sistema Único de Saúde- SUS foi criado, formado pelas três esferas do Estado, federal, estadual e municipal. E no ano de 1989 o Projeto de Lei do Deputado Paulo Delgado foi apresentado no Congresso Nacional, propondo a “regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo” (BRASIL, 2005, p.7).É nesse contexto com proposta de mudança e críticas ao modelo assistencial oferecido que passam a entrar em vigor no Brasil normas federais para a implantação dos serviços substitutivos do hospitais psiquiátricos: CAPS, NASP e Hospitais-dia (BRASIL, 2005). A Lei Paulo Delgado ou 10.216 foi sancionada, no Brasil, no ano 2001, apresentando modificações em seu texto que redirecionam a assistência em saúde mental, que privilegia o tratamento focado em bases comunitárias, dispondo sobre proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais (BRASIL, 2005).

A partir desse panorama, pode-se discorrer, então, sobre a relação dos sujeitos considerados dependentes químicos e transtornos mentais. A dependência química é considerada uma doença mental sendo catalogada pela Classificação Internacional de Doenças (CID10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV).

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A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) discorrerá sobre padrões de consumo de drogas, visando que tal precisão na diferenciação desses padrões seja uma possibilidade para se fazer um “bom diagnóstico” (SENAD, 2013, p.49). Considerando, portanto, o uso, abuso e dependência de drogas como os padrões a serem identificados (SENAD, 2013). A partir disso, estabelece-se como uso de drogas a “auto administração de qualquer quantidade de substância psicoativa” (SENAD, 2013, p 49). Já o abuso de drogas é caracterizado quando o uso “aumenta o risco de consequências prejudiciais ao indivíduo” (SENAD, 2013, p. 50). Sobre as características do padrão de consumo considerado abuso de drogas, o CID 10 se refere ao termo como “uso nocivo”, e o DSM se refere como “abuso”. A diferença entre essas duas classificações é que no primeiro se entende que o uso gera consequências danosas físicas e mentais, e o DSM inclui as consequências sociais na vida do sujeito (SENAD, 2013).

No que tange o termo dependência química se dispenderá uma discussão mais ampla de conceito. A dependência química é conceituada quando “ocorre perda do controle no consumo, e os prejuízos associados são mais evidentes” (LARANJEIRA e ZANELATTO, 2013, p.28). Laranjeira e Zanelatto (2013) apontam para os seguintes fenômenos que se

apresentam na dependência do álcool: e ; tolerância,

síndrome de abstinência; saliência no comportamento de uso; alívio ouevitação dos sintomas de abstinência; sensação subjetiva da necessidade de consumir; e reinstalação da síndrome de dependência após a abstinência (LARANJEIRA e ZANELATTO, 2013).

A OMS elaborou tais critérios a fim de caracterizar a dependência do álcool como uma doença primária crônica, que possui fatores que influenciam o desenvolvimento e manifestações, como fatores genéticos, psicossociais e ambientais (SENAD, 2013). A elaboração destes critérios serviram para se fazer um diagnóstico mais objetivo e facilitar no direcionamento do tratamento, tal qual se inclui no CID-10 e DSM IV (SENAD, 2013).

Sob outra perspectiva, com o livro Álcool e Drogas publicado pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo no ano 2011, em um de seus capítulos intitulado Intervenções Clínicas: Uso, abuso e dependência de drogas, discorrem-se sobre diferentes níveis de consumo (CRPSP, 2011). O texto citado se refere ao uso e abuso como sendo comportamento evitável, porém não atribuindo apenas ao sujeito tal “responsabilidade” da situação (CRPSP, 2011). Sobre a dependência, indica ser um vínculo desequilibrado que o sujeito estabelece com a SPAs, somando-se “sinais” que o caracterizam dependente, constituindo um fenômeno complexo que exige uma abordagem no amplo espectro de suas

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vidas (CRPSP, 2011). Essa concepção se direciona para uma compreensão da dependência como um fenômeno biopsicossocial cujo manejo de abordagem são variáveis, sendo que o tratamento é entendido de forma a abarcar “cuidados clínicos, suportes sociais psicoterapia e equipe clínica” (CRPSP, 2011, p.39).

No contexto em que o olhar para as SPAs se modifica na história, paralelamente também se transformam as formas de olhar para o sujeito que as consome. Em relação às estratégias de cuidados, apresentam-se basicamente dois modelos para tratar o fenômeno da dependência. O proibicionismo, pautado numa prática de que visa a abstinência como “pré-requisito” para o inicio do tratamento, e como objetivo final, remetendo-se à concepção de dependência como doença e alcançar a “cura” (CFP, 2013, p.27). A outra estratégia de cuidados é focada na Redução de Danos (RD), que visa prevenir e reduzir consequências negativas ao que são associadas à determinados comportamentos (SENAD, 2013). Sendo esclarecido por Rodrigues e Sanches (2014. p.4) como “qualquer ação que visa minimizar os riscos e danos causados pelo uso de álcool e outras drogas à saúde de um indivíduo. [...] está voltada não apenas para a promoção da saúde, mas também à valorização da cidadania e à garantia dos direitos humanos”.

2.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À DEPENDENCIA DO ÁLCOOL

No Brasil as políticas públicas voltadas à assistência desse fenômeno são recentes, tendo como precursora a Política Nacional Antidrogas (BRASIL, 2002). Rodrigues e Sangues (2014) apontam que esta política era pautada no modelo proibicionista, já citado neste estudo. E, no ano de 2005, considerando a relevância das políticas publicas sobre o tema, esta política foi realinhada e como resultado se criou a Política Nacional sobre Drogas (SENAD, 2010). Ao contrário da pioneira, a proposta não tinha como caráter a proibição, e teve as mudanças quanto as perspectivas que passaram a contemplar a redução de oferta, de demanda e de danos. (RODRIGUES e SANCHES, 2014).

A Política Nacional sobre Drogas está instituída pela Lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, que prescreve medidas para a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social do “dependente de drogas”(BRASIL, 2006).

Os objetivos da Política Nacional sobre Drogas têm como foco a prevenção, tratamento, recuperação, reinserção social e redução de danos sociais e à saúde. (SENAD, 2010). Neste último, a promoção de “estratégias e ações de redução de danos, [...] deve ser

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realizada de forma articulada inter e intra-setorial, visando à redução dos riscos, das consequências adversas e dos danos associados ao uso de álcool e outras drogas para a pessoa [..]” (SENAD, 2010, p.19).

Já o Decreto Nº 6.117, de 22 de maio de 2007 aprova a Política Nacional sobre o Álcool, dispondo sobre medidas para a redução do uso indevido e sua associação com a violência e criminalidade (BRASIL, 2007). Dos objetivos fundamentais que abarcam estratégias para o enfrentamento do tema, “contemplando a intersetorialidade e a integralidade de ações para a redução dos danos sociais, à saúde e à vida causados pelo consumo desta substância [...]” (BRASIL, 2007).

A Política do Ministério da Saúde a Atenção ao Usuário de Álcool e outras drogas de 2004 aponta uma crítica ao modelo que tinha como objetivo a abstinência (BRASIL, 2004). No texto deste documento é resgatado um conceito sobre saúde pública que convém acrescentar que "implica levar em conta diversidade e especificidade dos grupos populacionais e das individualidades com seus modos próprios de adoecer e/ou representarem tal processo" (Paim, 1980 apud BRASIL, 2004a p. 10).

De modo a integrar os modelos de assistência prestada ao usuário de álcool e outras drogas a Portaria MS 3088/2011 institui a Rede de Atenção Psicossocial destinadas às pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de Crack, álcool e outras drogas (BRASIL, 2011). Os objetivos específicos da Rede dispostos no art. 4, visam:

I - promover cuidados em saúde especialmente para grupos mais vulneráveis (criança, adolescente, jovens, pessoas em situação de rua e populações indígenas); II - prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras drogas;

III - reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e outras drogas; IV - promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas na sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia solidária;

V - promover mecanismos de formação permanente aos profissionais de saúde; VI - desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de danos em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil;

VII - produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede;

VIII - regular e organizar as demandas e os fluxos assistenciais da Rede de Atenção Psicossocial; e

IX - monitorar e avaliar a qualidade dos serviços por meio de indicadores de efetividade e resolutividade da atenção.

Tais objetivos servem como perspectiva para a assistência em toda a Rede de Atenção Psicossocial, que deve ser articulada com os pontos de atenção do SUS (CFP, 2011). A imagem a seguir visa ilustrar essa articulação com a rede intersetorial.

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Fonte:Contribuições do Conselho Federal de Psicologia para a constituição da Rede de Atenção Psicossocial no Sistema Único de Saúde a partir do Decreto 7.508/2011.

2.3.1 CAPS-AD NA REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL

A Rede de Atenção Psicossocial conta um dispositivo que constitui a rede intitulado Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPS visam o acolhimento das pessoas com sofrimento e transtorno mental, buscando a integração familiar e social, incentivando a busca de autonomia, e oferecendo atendimento médico e psicológico (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).

O CAPS se baseia numa perspectiva de assistência de base comunitária e territorial. As intervenções são pautadas no contexto da vida dos usuários (LEITÃO et al, 2012). A noção de território trazida pelo CAPS não está somente ligada a geografia do local onde está alocado, mas além disso o objetivo é promover a autonomia justamente nos locais onde vivem e restabelecendo laços sociais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).

Como já citado neste estudo existem tipos de CAPS que se caracterizam pelo público alvo ao que se dispõe, assim o CAPS-AD está voltado para as pessoas que fazem o uso prejudicial de álcool e outras drogas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). As atividades envolvidas perpassam por atendimentos individuais, em grupos, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares (ZANATTA et al, 2012). Souza e Pinheiro (2012) mostram a importância das atividades oferecidas pelo CAPS-AD e ressaltam as oficinas terapêuticas como propostas de

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intervenções que vão ao encontro dos objetivos deste dispositivo. No entanto, Pinto et al (2011) chama a atenção para o desenvolvimento de um projeto terapêutico singular que visa atender o usuário contemplando os diferentes prismas que envolvem sua vida.

3 MÉTODO

Esta pesquisa visou analisar a percepção dos familiares de saúde, usuários e familiares de CAPS-AD acerca da dependência do álcool, sendo assim caracterizada uma pesquisa exploratória. Em relação a natureza dos dados se caracterizará com uma abordagem qualitativa, ou seja, não é baseado na quantificação, analisa o fenômeno de forma complexa. (DIEHL, 2004). Desta forma, a pesquisa propôs saber como os profissionais da saúde, usuários e familiares percebem o tratamento da dependência do álcool no CAPS-AD. Quanto ao corte, é do tipo transversal, pois a pesquisa investigou um fenômeno num curto período de tempo, sendo delineada pesquisa de campo.

Os participantes foram selecionados para a pesquisa a partir da compreensão que estes são sujeitos que podem “apresentar características que possibilitem a investigação da influência de determinada exposição na ocorrência de determinado fenômeno” (GIL, 2002 p. 108). Foram selecionados dois profissionais da saúde, dois usuários do CAPS-AD e um familiar.

A seleção dos profissionais da saúde para a presente pesquisa se baseou na premissa de que o profissional é responsável pela organização e elaboração de projetos terapêuticos assistenciais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004), sendo considerado pela pesquisadora relevante para a presente pesquisa. Entendeu-se a relevância da participação do usuário neste estudo, sendo considerado fundamental nos objetivos do CAPS-AD de promoção de saúde e reabilitação psicossocial. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Com relação à seleção dos familiares se julgou relevante a participação neste estudo, sendo considerados como “parceiros” no que tange o tratamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004 p.29).

Os participantes foram pessoas vinculadas a um CAPS-AD do Estado de Santa Catarina. Sendo estes tendo idade mínima de 18 anos de ambos os sexos. Dos critérios de inclusão dos participantes se requeriu que os profissionais de saúde estivessem no exercício da função no CAPS-AD há no mínimo 1 (um) ano. Em relação aos participantes usuários, foram entrevistados os que tinham como diagnóstico principal a dependência do álcool. Dos familiares, foram incluídos na pesquisa as pessoas que mantinham vínculos estreitos com os

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usuários. A pesquisadora entendeu que vínculos estreitos não necessariamente precisam ser parentes consanguíneos. Podem ser também de vínculo afetivo, que coabita junto ao usuário ou parceiro (a). Foi previsto a realização com dois familiares, no entanto não foi possível realizar a entrevista com um dos familiares. O mesmo faltou no dia agendado para a entrevista. Foi reagendado outro dia, mas o familiar faltou novamente. Assim, por motivo de tempo da realização da coleta de dados não foi possível realizar contato outro familiar.

Foi realizado um primeiro contato com a coordenadora do CAPSad a partir do agendamento de uma visita a instituição. Após, esse contato foi indicado pela mesma um profissional de referência para sugerir os participantes da pesquisa. Sendo assim todos os contatos com os participantes foram por intermédio do profissional de referência, bem como os agendamentos das datas e horários das entrevistas.

Informou-se aos participantes que um dos critérios para a participação na pesquisa seria a assinatura dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e Termo de Consentimento para Gravação (TCG). Foi informado a cada participante que a entrevista seria feita individualmente. O local da aplicação da entrevista foi numa sala disponibilizada pelo serviço do CAPS-AD, caracterizando-se um local privativo, livre de ruídos e sem interrupções. A duração de cada entrevista durou em média 30 minutos.

Os dados coletados a partir das entrevistas foram transcritas e organizadas em categorias. Desta forma se visou maior clareza das respostas obtidas. Os dados coletados foram relacionados com o referencial teórico abordado neste estudo. Desse modo, a análise de dados dessa pesquisa vai ao encontro das propostas por Gil (2002). Tal autor estabelece fases pelas quais a análise de dados perpassará, referindo a redução de dados, categorização e interpretação de dados (GIL, 2002).

A análise de dados foi realizada a partir da análise de conteúdo apresentada por Bardin (2011). Esta autora aponta que análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise que visa obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (BARDIN, 2011).

Objetivou-se neste estudo comtemplar os devidos cuidados éticos conforme o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi então submetida e aprovada no CEP UNISUL, estando em acordo com a RESOLUÇÃO Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 da qual estabelece diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisas com seres humanos.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A partir dos objetivos específicos desta pesquisa e por meio das entrevistas com roteiro semi-estruturado foram elaboradas três categorias a fim de analisar as respostas dos participantes. A partir das categorias foram criadas subcategorias de análise a posteriori. A fim de dar mais clareza para a apresentação das informações e no intuito de preservar a identidade dos participantes estes foram representados pelas seguintes siglas: P1, P2, U1, U2, F1. Todos os participantes seguiram os critérios de inclusão para esta pesquisa. As informações pertinentes aos participantes da pesquisa serão apresentadas no quadro a seguir: Quadro 1 – Dados de identificação dos participantes da pesquisa

Fonte: Elaboração da autora, 2015.

4.1 O SENTIDO ATRIBUÍDO AO USO DO ÁLCOOL NA PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, USUÁRIOS E FAMILIARES

Na categoria nomeada o sentido atribuído ao uso do álcool na percepção dos profissionais de saúde, usuários e familiares se pretendeu buscar o sentido que cada

TABELA DOS PARTICIPANTES Classificação dos profissionais da saúde Participantes Profissão Idade Tempo de exp.

Profissional Especialização

P1 Psicóloga 39 2 anos Psicologia clínica (em andamento) P2 Assistente social 36 1 ano Gestão estratégica de pessoas

Usuários do Capsad

Participantes Profissão Idade Estado civil Quadro clínico Tempo de tratamento U1 Vigilante 48 Casado Alcoolismo Aprox. 3 anos U2 Aposentado 48 Casado Alcoolismo e

depressão Aprox. 2 anos Familiares de usuários do Capsad

Participantes Profissão Idade Escolaridade Estado civil Vínculo com o usuário F1 Manicure 44 Ensino

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participante atribuía ao uso do álcool. Sendo assim, criaram-se cinco subcategorias de análise para as respostas que foram: forma de enfrentamento da vida, influência da cultura, como uma droga, tristeza e perdas.

Pode-se perceber na subcategoria forma de enfrentamento que dois participantes atribuem o uso do álcool a resolução de algum problema. Sendo assim, o participante P1 trouxe em sua fala que “Pra mim é uma forma das pessoas lidarem com situações que elas

não conseguem lidar bem. [...], como se pode observar, parece ser uma forma alternativa encontrada.” E o participante P2 “ [...] colocaram que é por algum tipo de problema, por alguma questão que o levaram a isso”. A partir das respostas dos dois participantes se

percebe ir ao encontro da ideia trazida por Guareschi (2001) de que infere uma culpabilização, “uma individualização do social” (GUARESCHI, 2001 p.150). Sendo assim, as respostas apontam uma visão reducionista da qual se é voltada para o fenômeno, não incluindo a responsabilidade social (GUARESCHI, 2001). Dessa forma, entende-se que os participantes ao trazerem respostas para o qual sentido atribuído ao uso do álcool como uma forma de enfrentamento, leva-se a ideia de que o sujeito se culpabilize pelo uso do álcool, não levando em consideração as relações que ele estabelece.

A influência da cultura foi um sentido atribuído ao uso do álcool pelos participantes.

O participante P2 menciona “[...] é bastante complexa. Envolve desde o contexto cultural.” Nesse sentido o participante reforça a ideia de que as substâncias psicoativas (SPAs) se fazem presentes desde os primórdios da humanidade e de acordo com cada cultura ela vai se estabelecendo, se moldando de forma diferente para cada individuo (BRASIL, 2003). Nesse sentido, pode-se perceber que os estigmas arraigados frente às pessoas que fazem o uso abusivo de substâncias psicoativas. O que vai ao encontro do que Ronzani e Furtado (2010) apontam, que de um lado está o incentivo do uso exagerado do álcool e do outro quando esse uso se torna um problema, se faz uma associação negativa, abarcando uma imagem de fraqueza moral e julgamento, podendo-se levar a exclusão social. (RONZANI e FURTADO, 2010) Esse pensamento se relaciona com a questão de ambiguidade que se faz presente no uso do álcool, no qual é trazido pelos autores citados. O documento de políticas de atenção aos usuários de álcool e outras drogas as diversas despesas que o governo abarca com o uso abusivo/dependência de álcool, podem constatar a imensa produção midiática relacionadas as bebidas alcoólicas (BRASIL, 2003). Portanto, pode-se apontar que a cultura influencia na vida do sujeito, sendo que este, direta e indiretamente se constitui imerso na cultura em que vive.

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As respostas dos participantes levaram à construção de outra subcategoria chamada

como uma droga. Com essa subcategoria pode-se perceber que o sentido atribuído ao uso do

álcool se dá como se fosse uma droga. “O álcool é uma droga que leva a pessoa, leva a

pessoa a perder tudo. [...] é um vício igual os outros, só que um vício lícito né.” (U2) A

percepção deste participante aponta para uma discussão relacionada as substâncias psicoativas consideradas lícitas e ilícitas. Apesar de o álcool ser uma substância lícita não diminui a consequência que tal uso e abuso podem gerar (BRASIL, 2010; 2007). No entanto, pode-se sugerir a partir da fala, a representação de uma forma de se querer se enquadrar numa determinada realidade social.

A subcategoria doença foi criada a partir das falas apresentadas a seguir: “Mas pra

cair é bem fácil, [...] é a própria doença da pessoa mesmo, é uma doença, é considerada uma doença. E a gente tem que se trata.” (U2). Esse dado revela uma manutenção da

percepção do uso abusivo do álcool como doença, trazendo um olhar reducionista do fenômeno (CRPSP, 2011). Desse modo mesmo o CAPS-AD sendo caracterizado como um serviço substitutivo dos hospitais psiquiátricos, ainda se prevalece a ideia de doença e o tratamento objetivando a abstinência. Essa ideia provém de uma perspectiva biomédica que não incluem as outras dimensões que também se fazem presente nessa relação, como aspectos clínicos, socioculturais e históricos. (CFP, 2013) Outro participante também reforça esse pensamento “É uma doença mesmo, então acho que tem que ser tratada como tal, [...] que

tem que ser levada bem a sério como se fosse mesmo uma pessoa doente, como é né.” (F1).

Além disso, percebe-se que essa manutenção da perspectiva de doente vai ao encontro dos resultados também obtidos no estudo realizado num CAPS-AD de Recife sobre o modelo de atenção a saúde mental. Tal estudo mostrou que esse pensamento se relaciona com o fato de se identificar como alguém que desvia da conduta regida pelo social e que dessa forma permanece no lugar de não se responsabilizar pelas condutas (MORAES, 2008), o que se sugere uma concepção determinista frente ao uso/abuso como cita SCHNEIDER (2010). Assim, conclui-se que as falas apontam para um olhar reducionista e determinista do fenômeno do uso álcool, não levando em consideração as outras dimensões que compõe a relação que cada indivíduo estabelece com o álcool.

A próxima subcategoria denomina-se perdas. Percebeu- se que as falas dos participantes revelam sentimentos de perda atribuídos ao uso do álcool, o que pode ser representado a seguir por U2, ao mencionar “Eu por exemplo dessa vez agora que eu

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família. [...] Se eu não pensasse direitinho. Perder tudo é isso aí. É a tua liberdade. É o teu direito de ‘vim’ né, na sociedade. Fica marginalizado, fora dela.” (U2) Nesse sentido, essa

fala representa um sentimento de perda da sua família, da qual se assemelha com os resultados trazidos Zanatta et al (2012), onde aponta que é a partir dessa percepção de perda dos vínculos familiares que as pessoas geralmente procuram alguma ajuda para seu problema. Contudo, ao trazer a questão do marginalizado, demonstra que as perdas vão além de “apenas” vínculos familiares. Esse pensamento vai ao encontro do que fala Jodelet (2001), quando aponta que a construção de uma identidade social, e em se tratando de um estereótipo do uso do álcool, acontece a partir de uma interiorização de imagens negativas relacionadas a um determinado problema. Nesse sentido, sugere-se que acontece uma marginalização não apenas por parte da sociedade, mas uma marginalização do próprio indivíduo em relação a como ele se percebe.

Pode ser observado o sentimento tristeza como a próxima categoria representado a seguir: “É uma coisa bem séria mesmo e muito triste, é uma coisa bem intensa.” (F1) Percebe-se que o sentido atribuído ao uso do álcool demostra a afetividade envolvida nesse processo. Pois as pessoas que vivenciam e se relacionam com a dependência do álcool acabam por afetar de forma negativa as relações interpessoais gerando algum tipo de sofrimento. (BRASIL, 2004b). Sendo assim, aponta-se que haja um sofrimento existente tanto para o dependente do álcool quanto para as pessoas que estão inseridas nas suas relações.

4.2 OS TRATAMENTOS OFERECIDOS PELO CAPSAD NA PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, USUÁRIOS E FAMILIAR

Neste capítulo será apresentado os tratamentos oferecidos pelo CAPSAD sob a percepção dos profissionais de saúde, usuários e familiar entrevistados. Nesse sentido, foram subcategorizados os dados a partir das respostas de cada classe de participantes.

Os profissionais da saúde percebem o tratamento oferecido trazem como dado as intervenções realizadas no serviço representado por:

A gente tem os grupos terapêuticos né. Agente tá agora ainda colocando mais grupos ne. Tanto nosso aqui mesmo do caps como trazendo um outro grupo pra cá. Porque a gente também não pode barrar um outro grupo que esteja trabalhando de uma forma bacana. Por isso tem que ter contato com AA com enfim. [..]Tem o grupo cidadania também que se trabalha, tem o específico agora que vai

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iniciar pra alta. Mas tem outros que eles também participam que é álcool e qualquer outro tipo de substância. [...] Tao junto trabalhando nesses grupos terapêuticos ou individual. Que é o atendimento com a psicóloga, tem atendimento com a assistente social, em relação a dúvidas, deveres, de direitos da previdência, né, ou não, né. Eles recorrem muito a gente pra tirar uma ou outra dúvida as vezes de empresa também. A gente pode auxiliar né como assistente social. E, tem a parte clínica. Tem o atendimento com o clínico geral, psiquiatras e com enfermeiros (P2).

Nesse sentido, pode-se analisar que o tratamento é percebido de forma a abranger consultas com a equipe multiprofissional do CAPS-AD, por grupos terapêuticos. Sendo essas atividades previstas nas intervenções no serviço (BRASIL 2005). Sendo assim, demostra a inserção de outro tipo de intervenção quando são mencionadas as interações com grupos de ajuda mútua. Onde se trata de uma assistência informal, sendo que os resultados obtidos ainda não têm um controle social (SPOHR, LEITÃO e SCHNEIDER, 2006), podendo-se observar uma contradição de concepção acerca da assistência prestada às pessoas dependentes do álcool e outras drogas (SCHNEIDER, 2010). Nesse sentido, nota-se que a assistência prestada apresenta a existência de contradições acerca das intervenções terapêuticas propostas para um serviço.

Não foi citado pelos entrevistados quaisquer tipos de capacitação especializada em saúde mental direcionada para o exercício da função no serviço. Dado este que vai de encontro do conceito de saúde ampliada que “exige uma postura mais dinâmica, pró-ativa e fundamenta em um episteme que dê conta do sujeito em sua integralidade” (SCHNEIDER e LIMA, 2011 p. 170). Assim, os resultados demostram uma fragilidade na prática profissional exercida no serviço.

Na percepção dos usuários em relação ao tratamento segue também uma concepção semelhante a dos profissionais. Os usuários mencionaram a consultas com os profissionais do serviço, sendo eles médicos psiquiatras, assistente social, psicólogos, e enfermeiros, de acordo com o que rege o quadro de profissionais que formam um equipe no CAPS-AD (BRASIL, 2002). Sendo representado pelo seguinte:

Grupos é muito importante, porque agente vê a, a, a, realidade de outras pessoas né que é mais ou menos parecida com a nossa. [...] Que no início foi um tratamento bem mais, vamos dizer assim... mais intenso. [..] é diversificado aqui. Você pode vir no grupo da cidadania, vir no grupo das psicólogas que têm, têm outros grupos

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aqui. E então a única coisa dizer que é muito bom aqui. É muito importante (U2).

As atividades mencionadas vão ao encontro das propostas nos documentos do CAPS-AD (BRASIL, 2007). Porém, não foi possível identificar a partir das percepções atividades que envolvam a redução de danos e a reinserção social, tais como atividades geradoras de renda, com o intuito de promover uma aproximação dos usuários do CAPS-AD com a comunidade como preconiza a Política de Atenção ao usuário de álcool e outras drogas. Essas atividades têm como objetivo promover a desmistificação dos estigmas e estereótipos vinculados às pessoas dependente de álcool e outras drogas (BRASIL, 2003). Os dados demostram um entendimento fragmentado acerca do tratamento, pode-se observar certa passividade em relação às atividades oferecidas.

Em relação a percepção do familiar entrevistado acerca do tratamento da dependência do álcool oferecido pelo CAPS foi possível identificar alguns pontos importantes, a partir da seguinte fala:

Então né não é perder esse foco né de tá olhando um todo, um todo pra pessoa que é ultimamente o meu marido ta vindo aqui pro psiquiátra de dois em dois meses. E quando vem é pra pegar receita do médico. E isso já tinha acontecido nos outros tempos né, que se tratava com outro médico naquela época. Então isso é ruim. Fica só nesse, nesse foco assim mais distante que eu digo (F1)

O dado representado demonstra que entrevistado percebe a existência de práticas com enfoque na concepção biológica da dependência do álcool. O participante também aponta para escassa relação entre as práticas profissionais que não sejam a médica. Segundo o Documento de Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogos em Políticas de Álcool e outras drogas as intervenções acerca da dependência do álcool deveria ter o movimento de tirar como único prisma a lógica biológica (CFP, 2013). Os resultados aqui demonstram que a percepção do participante vai ao encontro do que é previsto para a atuação a essa demanda, apontando uma dificuldade no serviço.

4.3 OS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS ACERCA DO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL NA PERCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE, USUÁRIOS E FAMILIARES

Neste capítulo serão apresentados os resultados acerca da percepção dos profissionais de saúde, usuários e familiar em relação aos pontos positivos e negativos do

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tratamento da dependência do álcool no CAPS-AD. As percepções foram agrupadas de acordo com as subcategorias criadas.

Sobre os fatores positivos do tratamento da dependência do álcool no CAPS-AD a partir da percepção dos entrevistados. Os mesmos trouxeram a participação da família como fator positivo no tratamento. Como afirma “É muito difícil se a gente não tiver ajuda de

familiar. [...]” (U2) Dessa forma infere-se que se identifica a importância da participação da

família no tratamento, também representado a seguir:

o que agente percebe é que quando ele tá em ambiente familiar com apoio ele consegue ficar firme, né ficar fora do álcool, e o meu marido também é tanto que ele já faz um bom tempo que ele não coloca mais nenhuma gota de álcool na boca né. Então a pessoa se sente mais né apoiada (F1).

O exposto acima aponta o apoio da família como importante, mas é mencionado como um tipo de ajuda, tendo em vista que as entrevistas foram direcionadas para o tratamento no CAPS-AD. Desta forma, infere-se que a participação da família ainda se dá de forma que deslocada, e não é percebida como ator social juntamente com o dependente do álcool (MORAES, 2008). Sendo assim, sugere-se que as percepções em relação a importância da família seja mais no sentido de ajudar o usuário do serviço do que se perceberem parte integrante do tratamento.

Na subcategoria denominada como ajuda se percebeu que os dados revelam percepções referentes ao serviço CAPS-AD de forma positiva, no entanto pode se inferir que percebem como algo a agradecerem pelo tratamento, não sendo mencionado a assistência prestada como um direito a saúde concedido pelo Estado (BRASIL, 1988). Como pode ser representado por:

ah eles são bons pra mim. (U1) Penso que foi um coisa muito boa que começo ater. Ate então antes da.. ah quanto tempo nos vivemos nesse problema, né não tínhamos nada de apoio. E agora que a gente soube, faz o que uns três anos que a agente ficou sabendo. E foi uma ajuda muito boa, uma novidade muito boa, uma coisa que veio pra melhor, pra ajudar nas pessoas, né. (F1)

Não, eu acho muito importante. É porque, é.. é um lugar onde agente tem apoio de todos os sentidos. Desde a parte medica ate, clinica, como na parte de... de ...como é que se diz..? (pausa) ai que a gente ta fazendo ali agora... grupos né. Então caps é uma coisa bem importante para mim. Eu parei de é... quando eu comecei a me tratar aqui em 2013 né então isso foi um alicerce no caso pra mim não.. pra mim não voltar né. [...] graças a deus. (U2)

Nesse sentido, parece que há uma mescla nas percepções em relação a assistência prestada. Apresentando-se a dificuldade em relação aos objetivos do serviço do CAPS-AD e

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inferindo a existência de dificuldades em relação à percepção dos participantes acerca dos objetivos das práticas assistenciais prestadas no serviço.

Em relação aos pontos negativos referentes ao tratamento da dependência do álcool foi construída a subcategoria adesão terapêutica como desafio, representada nas respostas de dois participantes da pesquisa. Sendo que um deles fala “Um dos desafios é a

adesão ao tratamento. Pra todos os usuários do serviço. Mesmo que seja dependente de outra droga.” (P1) Nesse sentido, aponta para a discussão em relação ao objetivo ao qual se

pretende alcançar com a assistência no CAPS-AD. Ao se referir à palavra adesão, nota-se que o participante sugere que a assistência prestada tenha como ideal a lógica da abstinência do álcool. Tal proposta se refere à perspectiva de redução de danos preconizada pela Política de atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas. Lembrando que essa proposta não exclui a abstinência do álcool como algo a ser alcançado, mas não estabelece como única meta de tratamento. Inclui intervenções que possibilitem a garantia da autonomia e dos direitos humanos, de forma a excluir práticas punitivas e criminalizadoras (CFP, 2013). Assim, os profissionais de saúde que trabalham nesse âmbito deveriam ter uma visão ampliada do que é a perspectiva de redução de danos e que o termo ou a expressão adesão ao tratamento não aponte apenas para uma visão biológica ou medicamentosa.

Contudo, apesar das aparentes dificuldades que se apresentam para o entendimento de se conseguir trabalhar numa perspectiva que redução de danos, a fala do participante P2 pode revelar que há tentativas de se seguir uma perspectiva de assistência voltada para a necessidade de cada usuário no serviço (BRASIL, 2004). Nesse sentido, P2 diz que “[...] responsabilizar pelo tratamento né, não precisa vir sempre. Ele vem na medida

que ele conseguir vir né, eu pelo menos não trabalho visando a abstinência do paciente. Porque a gente sabe que nem sempre é possível no momento.” A partir disso, pode-se

perceber que apesar de concordar que abstinência não é o foco da assistência como o que preconizam atividades terapêuticas na perspectiva da redução de danos, o participante não parece se apropriar de práticas profissionais que visam tal objetivo no serviço.

Tratando-se ainda no que se refere à supressão do uso da substância como fator que indica o sucesso do tratamento, o ideal de abstinência parece ainda ser uma meta clara para os usuários do serviço. Podendo ser representada nas seguintes falas: “Ah eu não quero

mais sabe disso, iiiii... Deus me livre.” (U1) E “eu acho que a pessoa tem que ter a consciência do que tá acontecendo contigo, com a bebida. E tem que ter na cabeça que você tem que parar né, de qualquer jeito” (U2). Esse pensamento pode se tornar algo a produzir

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mais sofrimento para a pessoa pois pode ser gerador de sentimentos de impotência e culpabilização nos casos de recaídas (ZANATTA et al, 2012). Também se notou a falta de entendimento frente aos projetos terapêuticos individuais, propostos como objetivo de atividades para este serviço, segundo o documento do CAPS-AD. Todavia, não foi citado por nenhum entrevistado a existência de atividades diferenciadas para cada usuário. Pode-se sugerir a partir disso, que há dificuldades no desenvolvimento de práticas que levem em consideração a individualidade de cada usuário.

Ainda, em relação à adesão terapêutica como desafio, alguns participantes citaram o tratamento medicamentoso: “Venho nas consultas, tudo. Meu deus. Tranquilo. Não falto

o psiquiatra, médico. E se precisa de médico tem aqui. Já faz três anos que eu, que eu vejo o cara e sinto cheiro da cachaça já de longe. [..] mas to tomando bastante remédio também né”. Este dado parece apontar que o mesmo não exclui o uso farmacológico no tratamento,

nem tão pouco resume seu tratamento à medicação, percebendo como importante o uso da medicação. Isso vai ao encontro do que fala Schneider (2010) quando aponta em uma de suas pesquisas, que um existente processo de transformar problemas sociais em cunho biológico. Seguindo daí um movimento de isentar a responsabilidade social e “culpabilizar a vítima” (SCHNEIDER, 2010, p.695). Nesse caso, parece que o movimento não é de excluir a questão biológica, mas parece que não dá conta de realizar essa articulação no modelo assistencial previsto para esse serviço.

Outro ponto negativo identificado em relação ao tratamento foi a falta de participação da família, apresentada como uma subcategoria. Sendo representado a seguir:

Pros familiares a gente ta tentando fazer um tempo a gente tem um grupo só que as pessoas não vem. Infelizmente. A gente convida, a gente tenta sensibilizar. E as pessoas não tem vindo. Por exemplo ontem teve esse grupo de familiares. Veio uma mãe só. Dai acabei fazendo um atendimento individual com ela né. Pra ela não ficar sem atendimento. Mas a gente ta ate questionando se a gente vai manter esse grupo ou não. Por conta da falta de interesse dos familiares. A gente acredita que é importante né de.. a presença do familiar no tratamento é importante na adesão do usuário de álcool e outras drogas né a gente acredita nisso. Mas infelizmente a gente não ta conseguindo fazer com que as famílias participem. (P1)

A resposta aponta que apesar de identificar atividades voltadas para a família, como está previsto o documento do CAPS-AD, não há uma completa efetividade no que se propõe. Tal documento orienta estimular a participação e promover um envolvimento apontando que os familiares também são atores sociais importantes na assistência (BRASIL,

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2004). Nota-se que há a tentativa por parte do serviço de incluir o familiar, visto que percebem como indispensáveis, mas isso não acontece na prática exercida.

A cultura mais uma vez é retomada neste estudo, sendo apontada como fator negativo em face do tratamento da dependência. “é uma cultura muito machista, né. A

cultura mesmo nesse sentido dificulta bastante.” (P2) Percebe-se que a resposta leva a

pensar que a cultura influencia de forma negativa no tratamento. Tal evidência vai ao encontro da ideia de a que a dependência do álcool afetaria principalmente homens dos quais a “cultura da masculinidade e a capacidade de beber estão diretamente relacionadas” (KELLER, 1980 apud CEZAR, 2005 p.12). Assim, Butler (2003) aponta que o gênero é culturalmente constituído. Desta forma, os dados apontam que há uma percepção que a cultura tem influência no comportamento das pessoas.

Outro dado encontrado mencionado pelos profissionais entrevistados foram a dificuldade na articulação a rede de saúde da qual o CAPS-AD está inserido.

A rede até um tempo atrás a rede de saúde [...] trabalhava cada um na sua.. cada um isolado né. A gente vê que é uma tendência, não sei se só de Santa Catarina né do Brasil. Mas a gente ta trabalhando isoladamente. E ai de um tempo pra cá a gente começou a investir mais nisso sabe. Investir é quando a gente ta encaminhando um paciente pra unidade básica a gente telefona a gente conversa com o profissional de lá. A gente fala por que que a gente tá encaminhando né mas a gente ainda tem algumas dificuldades. [...] assim acho que ta melhorando, acho que a gente não tá totalmente em rede. Mas a gente ta fazendo um esforço para que isso melhore. (P1)

Percebeu-se que se reconhece a dificuldade existente na articulação do CAPS-AD com os pontos de rede de saúde. (BRASIL, 2005) Do qual, pode-se inferir que ainda não contempla os serviços baseados na intersetorialidade e integralidade das ações (BRASIL, 2004; PINHO et al, 2008 e SCHNEIDER e LIMA, 2011). No entanto, nota-se que há um esforço por parte dos profissionais. Contudo, os resultados apontam para a escassa articulação que o CAPS-AD estabelece com a rede de saúde do município, apesar das tentativas de articulação com a rede básica de saúde, ainda aparece com escassez e pouco eficaz.

5 Considerações finais

Essa pesquisa possibilitou compreender as percepções dos profissionais de saúde, usuários e familiares de um CAPS-AD de acerca do tratamento da dependência do álcool. Nesse sentido, foi possível perceber, a partir das entrevistas com os participantes os sentidos que os mesmos atribuem acerca do uso do álcool, bem como percebem os as intervenções

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realizadas no tratamento da dependência do álcool. A pesquisa também possibilitou aos participantes apontarem pontos positivos e negativos acerca do tratamento da dependência do álcool no CAPS-AD.

Pode-se perceber nos resultados desta pesquisa fatores que se assemelham as dificuldades encontras em outras pesquisa realizadas nesses serviços substitutivos da Reforma Psiquiátrica, voltados para pessoas dependentes de álcool e outras drogas, os CAPS-AD. Tais dificuldades apontadas nesta pesquisa foram, dentre elas, a escassa articulação com a rede de saúde e a adesão ao tratamento. Dentre os aspectos relacionados à adesão ao tratamento demostrados a partir dos resultados estão à influência da cultura, a falta de participação familiar.

Percebe-se que as formas de concepção frente à demanda da dependência do álcool trazidas pelos profissionais da saúde, usuários e familiar demostram influenciam na forma de assistência no caso dos familiares. Sendo que foi percebido a existência das intervenções previstas para o CAPS-AD, como consultas interdisciplinares, grupo terapêuticos para usuários e familiares. A participação do familiar foi apontada pelos profissionais como escassa sendo que estes não participam dos grupos oferecidos. Em detrimento disto demostrou a importância que a família apresenta uma possível recuperação na dependência do álcool.

Os resultados demostraram que, mesmo quatorze anos após a Lei 10.216/2001 conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, os serviços substitutivos ainda estão num processo de implementação do modelo assistencial. Do qual não resume a dependência do álcool como única forma de tratamento à questão biomédica. Sugerindo que nesta pesquisa ainda aparecem nos resultados as percepções do fenômeno como doença a ser tratada.

Sugere-se outras pesquisas nesse âmbito do qual possam ser utilizadas para identificar os nós que impedem ou dificultam a implementação ideal do serviço. Juntamente com interação dos serviços substitutivos com os demais dispositivos da rede básica de saúde. O CAPS-AD é um serviço substitutivo dos hospitais psiquiátricos estabelecido pela Reforma Psiquiátrica, portanto as lógicas e práticas assistenciais caminham a passos lentos para uma atenção integral ao indivíduo, bem como para a sociedade em geral.

REFERÊNCIAS

Referências

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