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Estrelas, Galáxias e Cosmologia A NOSSA GALÁXIA: Licenciatura em Ciências USP/ Univesp. Walter Maciel. 4.1 A Nossa Galáxia VIA LÁCTEA4

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Walter Maciel

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4.1 A Nossa Galáxia 4.1.1 A Forma da Via Láctea 4.1.2 A Via Láctea na História 4.2 Componentes da Via Láctea

4.2.1 Estrelas 4.2.2 Nebulosas 4.2.3 Gás Interestelar 4.2.4 Poeira Estrelar 4.2.5 Raios Cósmicos 4.2.6 Campo Magnético 4.3 Distâncias 4.3.1 Paralaxe Trigonométrica 4.3.2 Paralaxes Estatísticas 4.3.3 Movimentos de Aglomerados 4.3.4 Distâncias Espectroscópicas 4.3.5 Relação Período-Luminosidade 4.4 O Meio Interestrelar

4.4.1 O Campo de Radiação Interestelar 4.4.2 Linhas Espectrais Interestelares 4.4.3 Temperatura do Meio Interestelar 4.4.4 Nebulosas Ionizadas Interestelares 4.4.5 Poeira Interestelar

4.4.6 Moléculas Interestelares

Estrelas, Galáxias e Cosmologia

A NOSSA GALÁXIA:

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4.1 A Nossa Galáxia

A Via Láctea, nossa galáxia, pode ser observada a olho nu em noites claras em locais afastados de iluminação. Ela se estende como uma faixa esbranquiçada ao longo do céu, como pode ser visto na Figura 4.1a. Na mesma figura, podemos ver duas outras manchas esbranquiçadas, que são as Nuvens de Magalhães, duas galáxias externas à nossa, muito menores; na verdade, são galáxias satélites. Esses três objetos são exemplos de galáxias, que são grandes concentrações de estrelas, gás, poeira e outros objetos. Podemos observar milhões de galáxias no céu, com formas e tamanhos diferentes, sendo a Via Láctea apenas uma galáxia comum, semelhante a muitas outras que conhecemos. De fato, o estudo sobre a forma, conteúdo, estrutura e evolução da nossa galáxia é beneficiado pela observação de outras galáxias. Nosso planeta, assim como o Sistema Solar, está imerso na Via Láctea, o que torna mais difícil estudar algumas de suas propriedades, da mesma forma que o habitante de uma cidade ou bairro tem dificuldade maior em definir a sua estrutura em comparação com um observador situado a uma grande altura do solo. Por essa razão, o estudo da nossa galáxia deve ser feito sempre em comparação com outras galáxias, partindo do princípio – apoiado pelas observações – de que a nossa galáxia não constitui uma exceção entre as demais galáxias do Universo. Por exemplo, na Figura 4.1b, podemos ver a galáxia NGC 891, que é muito semelhante à nossa. Para diferenciar de outras galáxias, frequentemente indicamos a nossa com um G maiúsculo, como em “Galáxia”.

Figura 4.1: a. A Via Láctea e as Nuvens de Magalhães em Cerro Tololo (Chile); e b. A galáxia NGC 891 / Fonte: a. Roger Smith, AURA/NOAO/NSF; b. Torsten Boeker, Space Telescope Science Institute (STScI) e NASA.

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4.1.1 A Forma da Via Láctea

A partir de estudos mais detalhados em diversas faixas espectrais, podemos caracterizar a forma da Via Láctea, ou Galáxia (Figura 4.2). A primeira característica a ser notada é a faixa plana central, que também pode ser observada a olho nu na Figura 4.1b. O contraste entre a densidade de estrelas nesta faixa e em outras direções é muito alto, isto é, está claro que a maior parte das estrelas e demais objetos que constituem a nossa Galáxia está localizada nesta faixa. A segunda característica que podemos observar é um núcleo brilhante, que está presente também em muitas outras galáxias. Finalmente, podemos notar na faixa central a presença de manchas escuras, dando a impressão de

que, nessas regiões, o número de estrelas é menor, o que levou alguns astrônomos do passado a pensar que essas regiões seriam “buracos no céu”. Hoje sabemos que, ao contrário, nessas regiões, o número de estrelas não é menor do que nas regiões vizinhas, mas ocorre uma concentração de poeira interestelar – pequenos grãos sólidos como grãos de areia – e esta poeira absorve parcial ou totalmente a luz das estrelas localizadas naquela direção, levando à conclusão errônea de que há menos estrelas naquela direção. Um exemplo é o Saco de Carvão, uma estrutura observada na região da constelação do Cruzeiro do Sul.

Um aspecto importante dos estudos modernos da Via Láctea é podermos, atualmente, observar estrelas, galáxias etc. usando diversas faixas do espectro eletromagnético, desde os comprimentos de onda de rádio até os raios X e raios gama de alta energia. No caso da Via Láctea, assim como no caso do próprio Sol, de outras estrelas e galáxias, as imagens obtidas nos diferentes comprimentos de onda são frequentemente diferentes, pois retratam processos físicos diferentes, que produzem emissão ou absorção da radiação nas diferentes faixas espectrais. Em outras palavras, a possibilidade de observar os corpos celestes em comprimentos de onda diferentes da faixa visível do espectro – aquela para a qual nossos olhos são sensíveis – aumentou enormemente a quantidade de dados observacionais de que dispomos e o alcance de nossas teorias.

Figura 4.2: A Via Láctea, mosaico de imagens. / Fonte: NASA/JPL-Caltech.

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Como pode ser observado na Figura 4.2, nossa Galáxia inclui um disco achatado, que podemos dividir em duas componentes, o disco espesso e o disco fino, um bojo bem defi-nido e um halo composto basicamente por estrelas. As dimensões do disco são da ordem de 50 kpc, embora seja difícil precisar exatamente onde a Galáxia termina. O bojo é muito menor, alcançando valores abaixo de 3 kpc, aproximadamente. A

espessura do disco fino é da ordem de algumas centenas de pc1,

enquanto o disco espesso pode atingir cerca de 1 kpc2.

4.1.2 A Via Láctea na História

O nome da Via Láctea, utilizado em várias línguas modernas, remonta à Antiguidade clássica. Segundo a mitologia grega, Zeus (Júpiter) teve um filho – Héracles (Hércules) – com uma mortal, Alcmena, e queria que o garoto tivesse poderes associados aos deuses. Assim, levou-o para ser ama-mentado por sua esposa, a deusa Hera (Juno). Esta, não muito feliz com as infidelidades de Zeus, afastou de si o menino, derramando o leite pelo céu, o que deu origem à Via Láctea.

Em épocas mais recentes, modelos da Via Láctea foram desenvolvidos por diversos pesqui-sadores, como os de Thomas Wright (1750), William Herschel (1785) e, mais recentemente, Jacobus Cornelius Kapteyn (1922). Esses modelos tentavam reproduzir o aspecto achatado, que pode ser visto mesmo em observações feitas a olho nu. Entretanto, todos eles tinham um defeito fundamental. Uma vez que as distâncias das estrelas não eram conhecidas, o máximo que os modelos podiam fazer era obter uma descrição qualitativa baseada em contagens de estrelas nas diversas direções. Além disso, a absorção interestelar afeta a distribuição das estrelas e suas distâncias, e só foi bem compreendida a partir da década de 1930. Portanto, mesmo o modelo de Kapteyn, elaborado já a partir de observações mais precisas, previa uma Galáxia muito menor do que o tamanho real, pois a chamada extinção interestelar impedia totalmente a observação das estrelas em diversas direções, principalmente no plano galáctico e na direção do centro da Galáxia. Na controvérsia sobre as dimensões reais da Galáxia, tiveram um papel fundamental os aglomerados globulares, conjuntos de estrelas contendo centenas de milhares de objetos e com forma próxima à esférica (Figura 4.3a). Esses aglomerados têm uma distribuição em torno do centro da Galáxia, estando gravitacionalmente ligados a ela. Portanto, o centro de gravidade do sistema de aglomerados deveria coincidir mais ou menos com o centro da Galáxia. Como suas distâncias podiam ser determinadas com uma precisão relativamente alta,

1 pc (Parsec): Unidade de distância

usada em trabalhos científicos de astrono-mia para representar distância estrelares.

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a comparação dos resultados obtidos dessa maneira com o chamado “Universo de Kapteyn” mostrou claramente que as dimensões galácticas definidas por ele não eram corretas, e a Galáxia era muito maior do que se pensava.

Figura 4.3: a. Aglomerado Globular Omega Centauri; e b. A galáxia NGC 628. / Fonte: a. ESO; b. Gemini.

a b

Os comentários feitos até agora referem-se basicamente ao aspecto da Via Láctea como visto ao longo do disco, ou de dentro dele, como é o caso do Sistema Solar. Não podemos ver nossa Galáxia de uma posição localizada acima do disco, pois os artefatos humanos mais avançados mal conseguiram até agora atingir algumas partes do próprio Sistema Solar. Claramente, as distâncias galácticas são muito maiores, e em um futuro previsível não conseguiremos chegar a distâncias suficientemente grandes para observar nossa Galáxia “do alto”. Felizmente, pode-mos tentar mapear nosso disco usando observações de regiões HII, que são regiões em que o hidrogênio está ionizado e associadas a estrelas muito quentes; e também usando nuvens de hidrogênio neutro, tornadas “visíveis” por meio de observações em comprimentos de onda de rádio da chamada linha de 21 cm. Comparando os resultados com os de outras galáxias, pode-mos concluir que nossa Galáxia, se pudesse ser vista “de cima” teria um aspecto de um disco com braços espirais, como observamos em muitas outras galáxias. Assim, uma imagem realística da Via Láctea seria provavelmente parecida com a de uma galáxia como NGC 628, mostrada na Figura 4.3b. Nossa Galáxia é então uma galáxia espiral, dentro do sistema de classificação de galáxias de Hubble, no qual as galáxias podem ser espirais, elípticas ou irregulares. Atualmente, acredita-se que a Galáxia tenha uma barra próxima ao centro, cujas dimensões seriam da ordem de 3 a 4 kpc. Nesse caso, uma classificação mais precisa para a Via Láctea seria de galáxia espiral

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barrada. Finalmente, nossa Galáxia não está isolada no Universo. Muitas galáxias pertencem a grupos chamados aglomerados de galáxias, e a Via Láctea faz parte de um grupo chamado Grupo Local, que contém cerca de 40 a 50 objetos, entre os quais as Nuvens de Magalhães, galáxias irregulares satélites da nossa, que já vimos na Figura 6.1a, e a galáxia de Andrômeda, uma galáxia espiral muito parecida com a Via Láctea.

4.2 Componentes da Via Láctea

De modo geral, os principais componentes da Via Láctea são: 1. as estrelas;

2. as nebulosas; 3. o gás interestelar; 4. a poeira interestelar; 5. os raios cósmicos, e

6. o campo magnético galáctico.

Vamos a seguir descrever de maneira sucinta cada um desses componentes.

4.2.1 Estrelas

As estrelas, começando com nosso Sol, são provavelmente o principal componente da Via Láctea, armazenando a maior parte de sua massa visível. As estrelas podem ser estrelas de campo ou estrelas de aglomerados. Neste caso, os aglomerados podem ser do tipo globular, como vimos na Figura 4.3a, ou galácticos, em que o número de estrelas é pequeno, e sua associação gravitacional, menos intensa. Um exemplo de aglomerado galáctico é mostrado na Figura 4.4.

As estrelas, como o Sol, emitem luz ou radiação. As partículas associadas com a radiação chamam-se fótons. Portanto, essas estrelas criam um campo de radiação, composto pelos fótons emitidos por elas, e também por fótons produzidos em outros processos físicos, inclusive

Figura 4.4: Aglomerado aberto M7 em Escorpião. / Fonte: Allan Cook & Adam Block, NOAO, AURA, NSF.

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alguns que ocorrem fora da nossa Galáxia, mas que em sua trajetória a atravessam. A medida do campo de radiação é complexa, e atualmente envolve observações em faixas muito diferentes do espectro, desde a radiação de baixa energia observada em ondas de rádio até os raios X e raios gama. A Figura 4.5 mostra um esquema do campo de radiação interestelar, onde a orde-nada é essencialmente a energia do campo de radiação, e a abscissa é a frequência da radiação. A frequência está ligada ao comprimento de onda da radiação por uma relação simples, λ = c/ν,

onde c é a velocidade da luz no vácuo. Os valores correspondentes do comprimento de onda

são mostrados no eixo horizontal superior da Figura 4.5. As principais componentes são a componente B, devida à radiação de fundo cósmica, eco do Big Bang, a componente C, devida essencialmente aos grãos interestelares, e a componente D, que é a radiação somada das estrelas quentes localizadas no disco galáctico (seção 4).

4.2.2 Nebulosas

As nebulosas galácticas são essencialmente nuvens de gás e poeira, geralmente associadas com estrelas, tanto jovens quanto velhas. Um dos exemplos mais importantes é a Nebulosa de Órion, localizada próximo ao Cinturão de Órion na constelação do mesmo nome. A olho nu esta nebulosa parece uma pequena mancha branca próxima das Três Marias, mas imagens mais profundas revelam uma estrutura extremamente complexa, como se vê na Figura 4.6. Nebulosas como esta são chamadas nebulosas difusas ou regiões HII, isto é, regiões em que o hidrogênio está ionizado. O átomo de H tem apenas um elétron. Quando um fóton energético interage com este átomo, pode arrancar o elétron, que fica livre, isto é, separa-se do núcleo do H. Neste caso, dizemos que o

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H ficou ionizado, ou seja, perdeu seu elétron. Nebulosas como a nebulosa de Órion estão sempre associadas com estrelas muito jovens e brilhantes. Algumas dessas estrelas, como as pertencentes ao chamado “Trapézio”, podem ser vistas na Figura 6.6a. Sendo muito quentes, essas estrelas têm um excesso de fótons de grande energia, correspondente a cerca de 13.6 eV, suficientemente energéticos para ionizar o átomo de hidrogênio, que perde seu único elétron. Assim são chamadas “regiões HII”, para diferenciar de regiões em que o hidrogênio está neutro, ou seja, “HI”. Nas nebulosas difusas, que são brilhantes como Órion, podem também ser observadas regiões escuras, como a nebulosa da Cabeça de Cavalo (Figura 4.6b), que faz parte da nebulosa difusa, mas contém uma grande densidade de poeira, que absorve a luz das estrelas situadas além.

Um outro tipo de nebulosa que pode ser observado na Galáxia são as nebulosas planetárias, como visto na Figura 4.7a. Estas nebulosas são também associadas com estrelas muito quentes, que podem ionizar o hidrogênio, sendo, portanto, nebulosas fotoionizadas. Entretanto, são objetos de dimensões muito menores que as regiões HII, e foram ejetadas pela estrela então chamada progenitora – sendo, portanto, um aspecto do estágio final da vida das estrelas, ao contrário das regiões HII, que estão associadas com objetos jovens. No caso das nebulosas planetárias, as estrelas progenitoras têm massas abaixo de 8 massas solares enquanto estão na sequência principal, de modo que representam um estágio na evolução de estrelas de massa pequena ou intermediária. Apesar das diferenças evolutivas, a física das planetárias e regiões HII é semelhante, tratando-se essencialmente de gás e poeira sob a ação de fótons ionizantes.

Figura 4.6: a. A nebulosa de Orion, uma região HII; e b. a nebulosa Cabeça de Cavalo em Orion, uma nebulosa escura. / Fonte: a. NASA/ESA; b. Hunter Wilson.

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Um terceiro tipo de nebulosa, também ionizada, são os restos de supernovas ou rema-nescentes de supernovas, como a nebulosa do Caranguejo (Figura 4.7b). Estas nebulosas são também associadas com o final da vida das estrelas, mas são estrelas de grande massa (acima de 8 massas solares), que explodem como supernovas. Neste caso, os átomos da nebulosa são ionizados colisionalmente, isto é, os elétrons dos átomos são arrancados pelas colisões entre partículas de grande energia geradas na explosão. Portanto, os restos de supernovas não são fotoionizados como as regiões HII e as nebulosas planetárias.

Um tipo de nebulosa ocorre quando o gás e a poeira estão associados com estrelas quentes, mas não suficientemente quentes para ionizar os átomos de hidrogênio. Estas são chamadas nebulosas de reflexão (Figura 4.8), como as Plêiades na constelação do Touro. Neste caso, podemos estudar as propriedades dos grãos interestelares presentes na nebulosa, que refletem a luz das estrelas.

Figura 4.7: a. A nebulosa planetária NGC 7293; e b. A Nebulosa do Caranguejo, um Resto de Supernova. / Fonte: a. NASA/ESA; b. NASA/ESA.

a b

Figura 4.8: As Plêiades, um aglomerado

galáctico. / Fonte: David Malin/AAO. Figura 4.9: a. e b. Exemplos de espectros.

a

(10)

A distinção entre os diversos tipos de nebulosas, e mesmo entre as nebulosas e galáxias externas, somente foi possível a partir do desenvolvimento da Espectroscopia astronômica. Segundo as Leis de Kirchhoff, nuvens frias de gás apresentam um espectro de linhas de emissão, ao passo que fontes quentes emitem um espectro contínuo. Em um espectro de linhas de emissão, apenas existe emissão em algumas frequências ou em alguns comprimentos de onda. Já em um espectro contínuo, existe emissão em uma larga faixa de frequências. Assim, as nebulosas verdadeiras, como as regiões HII e as nebulosas planetárias, têm um espectro de linhas de emis-são sobre um contínuo muito fraco, enquanto estrelas (e galáxias compostas de estrelas) têm um espectro contínuo com linhas superpostas, que podem ser em emissão ou absorção. Esta linha de trabalho começou a ser desenvolvida no final do século XIX, em particular com o trabalho de W. Huggins. Um exemplo de espectro contínuo brilhante e de um espectro de linhas de emissão é mostrado na Figura 4.9.

4.2.3 Gás Interestelar

O gás interestelar tem uma presença mais discreta do que as nebulosas, mas ocupa todo o espaço do disco da Galáxia e de outras galáxias espirais. Ele pode ser detectado por meio de linhas de absorção na direção de estrelas quentes, como no caso das linhas H e K do íon CaII, ou seja, cálcio ionizado, observadas em absorção na direção de algumas estrelas, como exemplificado na Figura 4.10. A estrela emite radiação em toda a faixa de comprimentos de onda mostrada na figura, mas a absorção está localizada em alguns comprimentos de onda especiais, que correspondem a transições do íon de cálcio. No mesmo espectro, podemos notar uma linha da molécula CH+, também de origem interestelar. Esta linha está próxima da linha Hε, observada em absorção produzida na atmosfera da própria estrela. A distinção entre uma linha estelar como Hε e uma linha interestelar, como as linhas do CaII e de CH+, pode ser feita observando que a largura das linhas interestelares é muito pequena. Quando estudamos os processos de alargamento das linhas espectrais, vemos que um dos principais mecanismos de alargamento é o efeito Doppler, que depende da temperatura cinética do gás que causa a absorção. No caso das nuvens interestelares, sua temperatura é muito baixa, da ordem de 100 K ou menos. Já as estrelas têm atmosferas muito mais quentes, acima de 2.500 K tipicamente. Assim, o alargamento das linhas interestelares é muito menor do que o das linhas atmosféricas, podendo então ser feita a distinção entre as duas linhas.

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A detecção de linhas interestelares como as mostradas na Figura 4.10 é feita há muito tempo, tendo sido analisada pela primeira vez por Hartmann em 1904. Mais recentemente, surveys de grande porte na Galáxia têm produzido resultados muito mais impressionantes, como pode ser visto na Figura 4.11 para a emissão da linha de 21 cm do H neutro ao longo do plano galáctico. Neste tipo de imagem, podemos mapear corretamente a emissão e, consequentemente, a distribuição do gás interestelar, do qual o hidrogênio é o principal componente, alcançando cerca de 90% do total de átomos do gás.

4.2.4 Poeira Estrelar

A poeira interestelar ocorre em nuvens escuras, como vimos nas Figuras 4.2 e 4.6b. Esta poeira é composta por grãos sólidos, os quais têm dimensões tipicamente de algumas dezenas de angstroms até microns, ou milésimos de milímetros. Cada grão contém um grande número de átomos, cuja natureza pode ser desvendada a partir basicamente de três fontes de informação: a extinção interestelar, a polarização interestelar e a emissão de energia. Essas fontes de informação serão estudadas com mais detalhes na parte 4 deste curso. Por enquanto, basta saber que os grãos absorvem e espalham a luz das estrelas, como já vimos, processo que se chama extinção interestelar. Da mesma forma, a luz das estrelas é geralmente não polarizada, isto é, os campos elétrico e magnético que a constituem vibram em direções aleatórias. Eventualmente, pode ocorrer que uma direção é privilegiada para esta vibração, o que se reflete em um certo grau de polarização da luz. Os grãos podem causar esta polarização, em particular, quando têm

Figura 4.11: Emissão do hidrogênio neutro no plano galáctico na faixa radio. / Fonte: J. Dickey/UMn/F. Lockman/NRAO.

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formato alongado, não isotrópico. Assim, medindo a polarização, podemos obter informações sobre sua natureza. Finalmente, os grãos estão associados com o gás nas nuvens interestelares, o que é um resultado extremamente importante. Assim sendo, sua temperatura cinética é muito baixa, da ordem de algumas dezenas de graus K. Neste caso, eles emitem radiação na faixa infravermelha do espectro, o que pode atualmente ser observado e utilizado para esclarecer a natureza física dos grãos responsáveis pela radiação. Como exemplo, a Figura 4.12 mostra a emissão infravermelha pelos grãos localizados no plano galáctico medida pelos satélites IRAS/COBE.

Figura 4.12: Emissão da poeira interestelar no plano galáctico na faixa do infravermelho. / Fonte: IRAS/COBE.

4.2.5 Raios Cósmicos

Além dos fótons que existem no espaço interestelar, existem também partículas de alta energia chamadas raios cósmicos, que o atravessam. Os raios cósmicos são partículas de alta energia que atravessam o espaço interestelar, aproximando-se eventualmente do alto da atmosfera da Terra. São compostos basicamente de prótons, elétrons, núcleos de hélio e outros elementos, gerados em eventos energéticos tanto em nossa Galáxia quanto extragalácticos: explosões solares, explosões de supernovas, núcleos ativos de galáxias. Independentemente de sua origem, uma vez que atravessam o disco da Galáxia, podem interagir com os átomos do gás nesta região, o que afeta suas propriedades físicas. Por exemplo, o processo físico conhecido como espalação é a interação dos raios cósmicos de baixa massa com átomos pesados do meio interestelar, produzindo como resultado íons dos elementos Li, Be e B. Pode também ocorrer o processo em que raios cósmicos de massa mais alta interagem com átomos leves do meio interestelar, como o H, produzindo os mesmos elementos leves. Este processo é muito importante para o estudo da nucleossíntese desses elementos leves, os quais são facilmente destruídos durante a

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evolução das estrelas, de modo que sua principal fonte de produção é justamente o processo da espalação envolvendo raios cósmicos. No caso do 7Li, há ainda uma produção expressiva na nucleossíntese primordial, ocorrida alguns minutos depois do Big Bang, mas as abundâncias dos demais elementos leves somente pode ser explicada considerando este processo que envolve os raios cósmicos. Uma das principais características dos raios cósmicos é o seu espectro de energia, que dá informações sobre a origem destas partículas energéticas.

4.2.6 Campo Magnético

Finalmente, no disco da Galáxia, observa-se um campo magnético de baixa intensidade, que está associado ao disco e aos braços espirais. A origem deste campo é vivamente debatida, assim como sua influência na formação e equilíbrio das nuvens interestelares. O campo pode ser medido usando diversas técnicas, em particular, a partir do estudo dos grãos interestelares. Por essa razão sabemos que o campo está associado ao disco da Galáxia, e que sua intensidade é da ordem de alguns microgauss, muito mais baixa que o campo magnético solar, por exemplo. Mais recentemente, estudos detalhados em galáxias externas como M51 têm sido capazes de mapear os campos magnéticos nesses objetos. Provavelmente, esses resultados podem também ser aplicados à nossa própria Galáxia.

4.3 Distâncias

Um dos problemas básicos no estudo da astrofísica da Galáxia é a determinação de distâncias. De fato, existe basicamente um único método direto de determinação de distâncias astronômicas: a paralaxe trigonométrica, que se aplica atualmente a um número restrito de objetos relativamente próximos de nós. Para todos os demais, devem ser aplicados métodos indiretos, com incertezas variáveis. Entre os principais métodos atualmente à disposição podemos destacar os seguintes:

1. paralaxe trigonométrica; 2. paralaxe estatística;

3. movimentos de aglomerados; 4. distâncias espectroscópicas, e 5. relação período-luminosidade.

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4.3.1 Paralaxe Trigonométrica

Como foi mencionado acima, este é praticamente o único método direto de que dispomos. Consiste essencialmente em observar uma estrela com um intervalo de tempo de 6 meses, de modo que a Terra se tenha deslocado por uma distância de 2 UA, sendo a unidade astronômica definida pela distância média entre a Terra e o Sol, UA = 1,5 × 1013 cm = 150 milhões de km. Da Figura 4.13 podemos escrever a seguinte relação:

4.1

onde a distância d está em parsecs (pc) e a paralaxe p, em segundos de arco. Esta relação pode ser considerada como a definição do parsec, a unidade de distância mais utilizada na astrofísica da Galáxia, além de seus múltiplos: o kiloparsec (kpc), 1 kpc = 1.000 pc, e o megaparsec (Mpc), 1 Mpc = 106 pc. Levando em conta a distância da Terra ao Sol, é fácil ver que a relação de conversão entre o pc e o cm é 1 pc = 3.09 × 1018 cm. É também conveniente utilizar o ano-luz como medida de distância. Considerando a velocidade da luz no vácuo, c = 3 × 1010 cm/s, temos 1 pc = 3,26 anos-luz. Como exemplo, a estrela que tem a maior paralaxe medida é a Proxima Centauri, uma das estrelas do sistema triplo de α Centauri, para a qual p = 0,76”. Portanto, sua

1 d

p =

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O satélite Hipparcos (High Precision Parallax Collecting Satellite), lançado em 1989, consegue medir paralaxes até p = 0.001”, ou seja, pode ser aplicado a estrelas com distâncias abaixo de 1.000 pc, o que o torna aplicável a cerca de 120.000 estrelas. Mais recentemente, está em desenvolvimento o projeto GAIA, que deverá ser capaz de alcançar paralaxes cem vezes menores, ou seja, p = 0.00001”, correspondentes a distâncias de 100 kpc, portanto, da ordem

de grandeza das dimensões da Galáxia.

4.3.2 Paralaxes Estatísticas

Alguns métodos de determinação de distâncias das estrelas baseiam-se em suas propriedades cinemáticas, isto é, em seus movimentos observados na linha de visada e no plano do céu. De modo geral, podemos dividir a velocidade de uma estrela (velocidade espacial v) em duas componentes: a velocidade

radial vr, medida na linha de visada, e a

velocidade tangencial vt, medida perpendicularmente à linha de visada (Figura 4.14). Em geral, a primeira pode ser medida com precisão muito grande por meio do efeito Doppler. Este efeito, aplicado às ondas sonoras, nos é bastante familiar: trata-se da alteração de um som (uma sirene de ambulância, por exemplo) quando há um movimento entre a fonte (a ambulância) e o observador.

A velocidade tangencial tem geralmente uma aplicação mais limitada, por causa da dificul-dade em medir movimentos ao longo do plano do céu. Analisando o movimento das estrelas neste plano, podemos obter uma relação entre sua paralaxe p, sua distância d, sua velocidade

tangencial vt e seu movimento próprio μ, que é a taxa de variação do deslocamento angular

com o tempo, geralmente medido em segundos de arco por ano (“/ano):

4.2

Como exemplo, a estrela de Barnard tem o maior movimento próprio medido, μ = 10,34”/ ano. Sua paralaxe é p = 0,546”, de modo que sua distância é d = 1,83 pc e sua velocidade

tangencial é vt = 89,8 km/s. Naturalmente, conhecendo vr e vt , podemos obter a velocidade

espacial somando vetorialmente as duas componentes.

Figura 4.14: Velocidades estelares.

("/ano) (km/s) 4,74 (") t v p μ =

(16)

As medidas de velocidades são sempre relativas, isto é, referem-se a um determinado sistema de referência. Medidas feitas em telescópios no solo produzem velocidades relativas à Terra, ou geocêntricas. Uma vez que os movimentos da Terra em relação ao Sol são bem conhecidos, podemos com certa facilidade reduzir as velocidades geocêntricas a velocidades heliocêntricas, relativas ao Sol. Muitas medidas em astrofísica da Galáxia são apresentadas nesse sistema, mas há um outro sistema mais útil para os estudos galácticos. O Sol tem um movimento de rotação em torno do centro da Galáxia, como veremos em detalhes na parte 5 deste curso. Além disso, considerando os objetos da vizinhança solar, observamos que existem diferenças entre eles, isto é, existem irregularidades no movimento de rotação descrito pelo Sol e pelos demais objetos de sua vizinhança. Por essa razão, é conveniente definir um sistema de referência inercial chamado LSR, uma sigla para Local Standard of Rest, ou seja, Padrão Local de Repouso, ou Sistema Local de Velocidades. Nesse caso, precisamos obter as componentes do movimento do Sol relativas ao LSR, de modo que possamos converter as velocidades heliocêntricas em velocidades relativas ao LSR, e vice-versa. As velocidades relativas ao LSR são chamadas velocidades peculiares. Em média, podemos dizer que o Sol se move com uma velocidade da ordem de 20 km/s em uma direção conhecida como apex solar.

Uma vez definida a direção do movimento solar, podemos decompor as velocidades pecu-liares das estrelas em componentes paralelas e perpendiculares à direção do apex solar. Existem vários métodos de determinação de distâncias como as paralaxes estatísticas e paralaxes seculares, que se baseiam em medidas do movimento próprio de grupos de estrelas ao longo dessas componentes. Aplicam-se, portanto, a conjuntos de estrelas, sendo métodos estatísticos, em contraste com as paralaxes trigonométricas, que são basicamente medidas individuais.

4.3.3 Movimentos de Aglomerados

Um método bastante útil para a determinação de distâncias e para a calibração de distâncias na Galáxia é o método dos aglomerados móveis. Observações de aglomerados como as Hyades e outros revelam um “ponto de convergência”, ou “ponto de divergência” nas imagens desses aglomerados, um reflexo dos movimentos paralelos das estrelas do grupo. Uma analogia seria a impressão que temos de que os trilhos de uma longa estrada de ferro convergem para um ponto além. No caso dos aglomerados, esse ponto pode ser identificado e, medindo os ângulos entre as velocidades das estrelas do aglomerado e a direção do ponto de convergência, podemos

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4.3.4 Distâncias Espectroscópicas

Um método bastante útil para calcular distâncias astronômicas é o método das paralaxes espectroscópicas. Este método inclui uma série de procedimentos para a determinação de distâncias, todos eles baseados nas características espectrais observadas nas estrelas. Este método frequentemente envolve parâmetros básicos da estrela, como seu raio, luminosidade, gravidade etc. O sistema de classificação espectral usado atualmente, baseado no sistema

originalmente desenvolvido em Harvard, permite associar um tipo espectral a cada estrela, variando dos tipos iniciais O, B, até os tipos finais K, M. Esses tipos estão ligados à sequência de temperaturas efetivas Tef ou, de forma mais prática, aos índices de cor das estrelas, como os índices BV ou UB. Portanto, obtido o espectro de uma estrela, pode-se em princípio determinar sua temperatura efetiva, que está ligada à luminosidade estelar L, ao raio R e ao fluxo emitido pela estrela F. Além do tipo espectral, é necessário conhecer a classe de luminosidade da estrela, isto é, devemos determinar se a estrela pertence à sequência principal, se é uma gigante, supergigante etc., o que pode ser feito, por exemplo, a partir de sua gravidade, obtida também de suas características espectrais.

Tipicamente, o método de distância espectroscópica pode ser assim resumido: uma vez que esteja disponível um diagrama HR calibrado, como exemplificado na Figura 4.15, podemos usar a temperatura efetiva, ou o tipo espectral, ou o índice de cor, para obter a magnitude absoluta, ou a luminosidade, usando o diagrama HR. Neste caso, a distância pode então ser determinada a partir da definição de magnitude

4.3

onde mv é a magnitude aparente da estrela na banda V, em princípio conhecida, Mv, sua

mag-nitude absoluta, d, sua distância e Av, a absorção em magnitudes. Para objetos próximos, a absorção

pode ser desprezada, mas, para um cálculo mais correto, precisamos determinar a absorção Av, que

Figura 4.15: Exemplo de um Diagrama HR.

5log 5

v v v

(18)

é causada pela extinção interestelar, como veremos na parte 4 deste curso. Como exemplo, uma estrela da sequência principal (classe V) tem magnitude aparente visual mv = 8 e tipo espectral G2. Do diagrama HR calibrado, estimamos sua magnitude absoluta visual em Mv = 5.0. Aplicando a

relação 4.3 e desprezando a extinção, obtemos d = 40 pc.

Uma variante importante do método de distâncias espectroscópicas é o método de ajuste de sequências principais. Este método é aplicável a aglomerados de estrelas, sistemas em que todos os objetos foram formados a partir da mesma nuvem interestelar, tendo a mesma idade, a mesma composição química e, principalmente, estão localizados à mesma distância de nós. Uma vez obtido um diagrama HR calibrado para um aglomerado, isto é, um diagrama com a magni-tude absoluta M ou a luminosidade L no eixo vertical, podemos determinar a distância de um

segundo aglomerado, para o qual temos apenas um diagrama HR não calibrado, em que o eixo vertical contém a magnitude aparente. Deslocando verticalmente o diagrama HR do segundo aglomerado até que ambas as sequências principais se ajustem, podemos obter o módulo de distância m – M que, pela relação 4.3, fornece diretamente a distância do segundo aglomerado.

4.3.5 Relação Período-Luminosidade

Um método extremamente poderoso para determinar distâncias, tanto galácticas quanto extragalácticas, é o método baseado na relação entre o período e a luminosidade de algumas estrelas variáveis, em particular, as variáveis do tipo cefeida. Estas estrelas são pulsantes e apre-sentam variações regulares de brilho, como mostrado na curva de luz da Figura 4.16. Uma curva de luz é simplesmente um gráfico do brilho da estrela (sua magnitude) em função do tempo. A partir do trabalho desenvolvido no início do século XX por Henrietta Leavitt, sabe-se que os períodos das curvas de luz aumentam para as estrelas mais brilhantes, o que constitui a chamada relação período-luminosidade. Portanto, a aplicação deste método é, em princípio, muito simples: basta medir o período de variação luminosa da estrela, o que geralmente pode ser feito com grande precisão para obter a luminosidade, ou magnitude absoluta, usando a relação período-luminosidade. A distância d pode então ser determinada a partir da relação 3.4, como no caso anterior. Uma calibração para a relação pode ser escrita na forma

4.4

log

v

(19)

onde as constantes são dadas por a = - 2,8 e b = -1,4, e o período P está em dias. É interessante notar que a relação período-luminosidade, obtida de forma puramente empírica, pode ser justificada a partir de conceitos básicos da física estelar. A partir desses conceitos, podemos obter uma relação entre o período da pulsação da estrela e sua densidade média. Uma vez obtida esta relação, é fácil mostrar que log P ∞ log L, que é a relação entre o período e a luminosidade de

uma estrela pulsante.

Como exemplo do alcance deste método, vamos estimar a distância da galáxia M100, onde foram identificadas estrelas cefeidas. Da curva de luz mostrada na Figura 4.16, podemos estimar o período da variação de luz, P = t2 − t1 = 58,5 − 11,0 = 47.5 dias. Usando

a relação período-luminosidade, obtemos a magnitude absoluta: Mv = a log P + b = − 6,01, onde usamos os valores

a = − 2,78 e b = − 1,35. Da curva de luz podemos

estimar as magnitudes máxima e mínima: m(max) = 24,90

e m(min) = 25,90, de modo que a magnitude média é m(med) = 25,40. A distância pode ser calculada por 4.3,

d = 19,14 Mpc, ou seja, o método é extremamente

poderoso, podendo ser aplicado a objetos muito distantes.

4.4 O Meio Interestrelar

O meio interestelar é uma das principais componentes da Galáxia, tendo um papel funda-mental na formação das estrelas, que ocorre em nuvens interestelares, e na evolução química da Galáxia, pois o material reciclado nas estrelas pelas reações termonucleares é devolvido ao meio interestelar, onde é usado na formação de novas estrelas. Podemos caracterizar o meio interestelar pela comparação com outros “meios”, como o meio circunstelar, o meio intergaláctico (MIG) e o meio interplanetário. Evidentemente, há alguma superposição entre esses meios, mas, do ponto de vista da astrofísica da Galáxia, pode ser feita uma distinção entre eles. Por exemplo, quando observamos uma nebulosa planetária, ou uma nebulosa de reflexão, podemos considerar as nebulosidades associadas ao meio circunstelar, uma vez que o gás e a poeira estão associados a uma estrela ou conjunto de estrelas. Da mesma forma, a região onde se encontra o Sistema Solar, inclusive partículas do vento solar e outros objetos, pode ser considerada como parte do meio

Figura 4.16: Exemplo de uma curva de luz de estrelas variáveis cefeídas.

(20)

interplanetário. Em uma escala mais ampla, o meio intergaláctico é aquele associado com grupos ou aglomerados de galáxias, sendo muito mais rarefeito e inacessível do que o meio interestelar. Do ponto de vista da astrofísica da Galáxia, o meio interestelar é basicamente a região situada entre as estrelas, concentrado no disco galáctico, e disperso em nuvens interestelares. As dimen-sões totais do meio interestelar são, portanto, da ordem das dimendimen-sões do disco, grosseiramente algo como 25 kpc de raio e cerca de algumas centenas de parsecs de altura. Nesta região, estão concentradas as estrelas jovens e quentes formadas a partir desse meio, e também boa parte das estrelas mais velhas, que devolvem material processado ao meio interestelar.

A composição do meio interestelar é extremamente complexa, mas pode ser simplificada considerando que contém essencialmente gás e poeira. Entretanto, muitos objetos podem ser incluídos a partir dessa definição, como as nebulosas escuras, nebulosas de reflexão, nebulosas difusas (regiões HII), nebulosas planetárias, restos de supernovas, nuvens moleculares, nuvens de H neutro, meio internuvens, além da presença de um campo magnético, do gás coronal e dos raios cósmicos. Talvez uma maneira prática de caracterizar o meio interestelar seja a partir de sua densidade, provavelmente a característica mais distintiva dessas regiões. A Tabela 4.1 contém uma série de objetos astronômicos e as densidades volumétricas típicas desses objetos, em unidades de partículas por centímetro cúbico. As regiões interestelares podem ser grosseiramente divididas em regiões interestelares densas e difusas e, em ambos os casos, as densidades são muito mais baixas em comparação com outros objetos astronômicos, como pode ser visto na tabela. Essas regiões estão imersas em um meio internuvens, ainda mais diluído, que pode ser comparado qualitativamente com o ar que respiramos, espalhado entre as nuvens no céu. As baixas densidades do meio interestelar podem suscitar dúvidas em relação à sua importância, pois vemos que o meio interestelar é geralmente menos denso que o melhor dos vácuos que conseguimos produzir em laboratório. Ocorre que o meio interestelar está espalhado em distâncias muito grandes, de modo que o número de partículas observadas em uma coluna com 1 centímetro quadrado de área é muito grande, ou seja, a chamada densidade de coluna, representada pela letra N maiúsculo, pode alcançar muitas ordens de grandeza, como N 1022 cm-2 para o caso do hidrogênio interestelar.

(21)

Tabela 4.1: Densidades volumétricas Região n(cm-3) Interior solar 7 × 1026 Água 3 × 1022 Ar 2 × 1019 Fotosfera solar 1 × 1017 Atmosfera (M5 III) 2 × 1015 Envelope circunstelar (M) 1 × 108 Região IS densa 1 × 104 Região IS difusa 10 Meio internuvem 0,1 Gás coronal / MIG 10-4

Mesmo não conhecendo detalhadamente a estrutura complexa do meio interestelar, podemos obter um limite para a densidade de matéria nessa região. Em uma análise pioneira nos anos 1930, Jan Oort considerou um grupo de estrelas com movimentos perpendiculares ao plano da Galáxia, e determinou a aceleração gravitacional exercida sobre elas pela matéria contida no disco. Dessa forma, pôde determinar a densidade de matéria no plano, que é da ordem de ρt ~ 10 × 10-10 g/cm3. A densidade na forma das estrelas é conhecida, podendo ser obtida simplesmente somando as massas de todos os tipos de estrelas e considerando sua distribuição espacial. O valor obtido é da ordem de ρ* ~ 4 × 10-10 g/cm3. Portanto, calculando a diferença ρt - ρ*, podemos ter uma idéia do limite superior da densidade de matéria interestelar, ρis ≤ 6 × 10-10 g/cm3. Este limite é conhecido como o limite de Oort.

As diversas fases que compõem o meio interestelar apresentam certo equilíbrio, no sentido de que a energia armazenada em cada fase é semelhante. Isto é resultado da evolução do disco da Galáxia que, como veremos na seção 8, tem uma idade maior ou da ordem de 10 Gano. Entretanto, este fato não exclui a possibilidade de haver processos dinâmicos em atuação. Por exemplo, regiões HII e nebulosas planetárias têm temperaturas cinéticas altas e densidades altas em relação ao meio interestelar geral, de modo que devemos esperar uma expansão do gás ionizado. Outro exemplo são os ventos estelares, que, como o vento solar, são constituídos de partículas ejetadas pelas estrelas ao meio interestelar. A interação desses ventos com o gás interestelar envolve um transporte de energia e quantidade de movimento, sendo também um exemplo de processos dinâmicos no meio interestelar.

(22)

4.4.1 O Campo de Radiação Interestelar

Considerando que o disco da Galáxia, onde se concentra o meio interestelar, contém um grande número de estrelas quentes e jovens, além de outros objetos, devemos esperar uma grande quantidade de fótons nesta região, ou seja, um intenso campo de radiação. De fato, isto tem sido observado, em especial nas duas últimas décadas, quando detectores foram desenvolvidos para radiação em outros comprimentos de onda, além do espectro visível. Vimos na Figura 4.5 um espectro do campo de radiação interestelar que, como pode ser observado, tem diversas componentes, produzidas em diferentes processos físicos. A componente A é

a radiação integrada em rádio, produzida por diversas fontes galácticas e extragalácticas; a componente B é a radiação de fundo cósmica, eco do Big Bang, com uma temperatura de

corpo negro de 2,7 K; a componente C inclui, principalmente, a emissão infravermelha de

grãos de poeira interestelares, além de outras fontes; a componente D é a radiação estelar

integrada, em comprimentos de onda na faixa ultravioleta, e a componente E inclui radiação de alta energia nos domínios X e γ, emitida por fontes galácticas e extragalácticas.

A componente D tem uma importância especial para a física do meio interestelar, e apre-senta um corte em λ = 912 Å. Este comprimento de onda corresponde a fótons com a menor energia que podem ionizar o hidrogênio, os quais têm energia E = hv = 13,6 e V. O corte nesta

energia, para comprimentos de onda abaixo de 912 Å, significa que esses fótons são absorvidos próximo das fontes, dada a grande abundância do H, principal componente das nuvens inte-restelares. De fato, uma boa maneira de classificar essas nuvens pode ser a partir do estado de ionização do H: grosso modo, nas nuvens difusas, o hidrogênio está na forma atômica (H); nas nuvens densas, ou nuvens moleculares, o hidrogênio está na forma molecular (H2), e nas nuvens mais quentes, com temperaturas da ordem de 104 K, o hidrogênio está ionizado (H+ ou HII), como nas regiões HII e nas nebulosas planetárias.

(23)

4.4.2 Linhas Espectrais Interestelares

Vimos na Figura 4.9 alguns exemplos de linhas espectrais de emissão. Muitas informações importantes podem ser obtidas a partir da análise de linhas de emissão e absorção interestelares, como de resto em outras áreas da astrofísica, como a astrofísica estelar. Os átomos e íons têm diversos níveis de energia e, quando um elétron sofre uma transição de um nível para outro, ocorre a emissão ou a absorção de energia. As linhas espectrais são o resultado dos processos de emissão e absorção da radiação pelos átomos e íons de diferentes elementos, correspondentes a transições entre dois níveis de energia, um nível superior 2 e um nível inferior 1. A frequência da linha pode ser determinada a partir das energias E1 e E2 dos níveis 1 e 2, tal que E = E2 – E1 e

4.5

onde v é a frequência da linha, λ , o seu comprimento de onda, e c, a velocidade da luz no vácuo.

Na prática, os níveis de energia não são infinitamente finos, e a Equação 4.5 permite obter a frequência (ou comprimento de onda) no centro da linha. Em geral, ocorre um alargamento da linha, que lhe dá a aparência observada, como vimos, por exemplo, na Figura 4.10. Este alargamento pode ser produzido por diversos processos, como o alargamento Doppler, causado pelo movimento das partículas na direção do observador. Podemos então definir um perfil para a linha, isto é, uma função que caracteriza a variação do coeficiente de absorção (ou emissão) da linha em função da frequência, para frequências próximas do centro da linha.

Entre as linhas interestelares, tem especial importância a linha de 21 cm do H. Esta linha é produzida por uma transição radiativa entre dois subníveis do estado fundamental n = 1. Os dois subníveis têm uma diferença de energia hν = 5,9 × 10-6 eV, e a frequência da radiação emitida é ν = 1,420 × 109 Hz = 1420 MHz, correspondendo a um comprimento de onda λ = 21,1 cm. A probabilidade de transição espontânea é muito baixa, muito menor que a taxa de colisões eletrônicas. Esta baixa probabilidade de transição corresponde a um tempo de vida muito longo para o nível superior. Nessas condições, os níveis serão povoados colisionalmente, resultando populações características de equilíbrio termodinâmico (ET). Isto simplifica muito a análise e, admitindo que a linha de 21 cm do H é transparente, a densidade de coluna dos átomos de H pode ser obtida a partir do perfil observado da temperatura de brilho, que é proporcional

hc E hv= =

(24)

à emissão na linha de 21 cm. Neste caso, a emissão da radiação segue uma lei bem conhecida, chamada distribuição de Rayleigh-Jeans, segundo a qual a temperatura cinética do gás é diretamente proporcional à temperatura de brilho Tb, que pode ser

obtida diretamente das observações em rádio. Assim, medidas de Tb em função da

velocidade v (ou da frequência) para diferentes posições na Galáxia permitem determinar

a densidade de coluna de H neutro. Essas medidas são particularmente importantes para o mapeamento do hidrogênio nos braços espirais da Galáxia, como veremos na parte 5 deste curso. Na Figura 4.17a está representado um perfil para a direção da nebulosa planetária NGC 2371. Pelo menos três características podem ser identificadas na figura,

centradas nas velocidades v(LSR) = 4 km/s, –10 km/s e –15 km/s, com uma possível

característica em –25 km/s. Essas características são identificadas com diferentes nuvens interestelares, localizadas na direção considerada. Nesse caso, pelo método descrito, obtemos uma densidade de coluna N(HI) = 4,4 × 1020 cm-2.

A determinação da densidade volumétrica de partículas envolve o conhecimento da posição dos átomos de H e, portanto, das distâncias envolvidas. Estas distâncias podem ser determinadas geometricamente, para regiões internas ao círculo solar, ou considerando um modelo para a rotação diferencial galáctica, isto é, usando uma curva de rotação (parte 5). Neste caso, os resultados são limitados pela presença de componentes aleatórias e outros desvios da velocidade circular de rotação.

Outra linha intensa que permite determinar as densidades de coluna no meio interestelar é a linha Lyman-α, correspondente à transição entre os dois primeiros níveis de energia deste átomo, tal que λ = 1215,67 Å. Para esta linha podemos medir sua largura equivalente Wλ, que é essen-cialmente uma medida simples da intensidade da linha, seja em emissão ou absorção. Neste caso, a densidade de coluna N dos átomos absorvedores em cm-2 é proporcional à largura equivalente da linha, medida em Å, ou seja, N ∞ Wλ2. Um exemplo da linha Lyman-α em absorção de origem interestelar é mostrado na Figura 4.17b, onde é apresentado um segmento do espectro ultra-violeta na direção da estrela central da nebulosa planetária NGC 2392, obtido com o International

Ultraviolet Explorer (IUE). A estrela é muito quente, com uma temperatura acima de 70.000 K,

portanto, com uma emissão considerável nesta parte do espectro. A medida da largura equivalente resulta Wλ = 10 Å, o que corresponde a uma densidade de N(HI) = 1,9 x 1020 cm-2. Admitindo que a distância da nebulosa é d = 1,0 kpc e que o gás está uniformemente distribuído, obtemos

uma estimativa da densidade volumétrica média n(HI) = N(HI)/d = 0,1 cm-3. Considerando uma nuvem típica com dimensões de 10 pc, a densidade resultante é de 6 cm-3.

(25)

Muitas outras linhas interestelares podem ser observadas, tanto na faixa óptica do espectro (Na, Ca, CH, CN etc.) como na faixa ultravioleta. Algumas linhas interestelares foram vistas na Figura 4.10, próximo à linha estelar. A distinção entre linhas interestelares e estelares geral-mente é simples. Uma linha estelar tem uma largura muito maior do que as linhas interestelares, refletindo as maiores temperaturas da região em que a linha é formada. Na faixa ultravioleta, em comprimentos de onda acima de 1000 Å, podem ser observadas muitas linhas de íons de elementos como OI, NI, NII, CI, CII, CIII, CIV etc.

4.4.3 Temperatura do Meio Interestelar

Uma situação especial de um sistema físico é o chamado equilíbrio termodinâmico (ET). Neste estado, as principais características do sistema dependem apenas de um único parâmetro, que é a sua temperatura. No ET, são válidas as relações básicas como a equação de Boltzmann, a equação de Saha, a função de distribuição de Maxwell e a função de Planck. Todas essas são funções bem conhecidas, que permitem determinar com detalhes a estrutura física do sistema. A principal característica das condições do meio interestelar é a ausência de ET. Isto significa que as relações simples mencionadas não se aplicam exatamente, de modo que o cálculo das características do sistema é mais complexo. Apesar disso, podemos fazer algumas aproximações e determinar várias “temperaturas” diferentes, cada uma delas característica de um determinado processo físico. Além disso, podemos também estimar as temperaturas interestelares teoricamente. O princípio básico para a determinação das temperaturas é relativamente simples. Devemos

Figura 4.17: a. Exemplo de emissão na linha de 21 cm do hidrogênio e b. Exemplo de absorção interestelar na faixa do ultravioleta na direção de estrelas quentes.

(26)

inicialmente identificar todos os processos importantes para o aquecimento e o resfriamento do gás. Entre os primeiros temos a fotoionização de átomos neutros, o aquecimento pelos raios cósmicos, o aquecimento pelos raios X, o aquecimento pela formação de moléculas H2 e o aquecimento por fotoelétrons ejetados por grãos. Entre os processos de resfriamento, podemos citar a excitação colisional elétron-íon, a excitação colisional elétron-H, a excitação colisional H-íon e a excitação colisional H-H2. Nesses processos de resfriamento, partículas como elétrons perdem sua energia ao excitar níveis de energia de átomos ou íons, de modo que o gás como um todo se resfria. Uma vez identificado cada processo i, devemos calcular a taxa de

aque-cimento Γi ou resfriamento Λi de cada um deles. Se o sistema estiver em estado estacionário ou em equilíbrio, após um certo tempo que pode ser determinado, a temperatura convergirá para um valor T, que pode ser determinado sob a condição de que as taxas totais sejam iguais,

pois ambas as funções aquecimento e resfriamento geralmente dependem da temperatura. As temperaturas obtidas para o gás interestelar neutro são da ordem de 100 K ou ainda mais baixas.

4.4.4 Nebulosas Ionizadas Interestelares

As nebulosas ionizadas interestelares compreendem as nebulosas fotoionizadas regiões HII e nebulosas planetárias e as nebulosas ionizadas colisionalmente, os restos de supernovas. Vimos alguns exemplos desses objetos nas Figuras 4.6a (região HII), 4.7a (nebulosa planetária) e 4.7b (resto de supernova). As principais propriedades das nebulosas fotoionizadas estão relacionadas na Tabela 4.2.

Tabela 4.2: principais propriedades das nebulosas fotoionizadas.

Regiões HII Nebulosas planetárias

Tipo espectral O, B O, W

Temperatura efetiva 30.000 a 50.000 K 30.000 a 300.000 K

População I jovem I velha - II

Temperatura eletrônica 104 K 104 K Densidade eletrônica 10 a 102 cm-3 102 a 104 cm3 Massa total 102 a 104 M ʘ 0,01 a 1 Mʘ Dimensão típica 10 pc ≤ 0,5 pc Estado do H H+ H+ Estado do He He+ He+, He++

Elementos pesados ionizados ionizados

(27)

A interface entre uma região HII e o meio interestelar geral é muito estreita, menor que o tamanho típico dessas regiões. Para obter este resultado, basta estimar o caminho livre médio para um fóton ionizante, isto é, a distância média percorrida pelo fóton antes de ser absorvido. Devido à grande seção de choque de fotoionização do H, esta distância é muito pequena, muito menor que a dimensão típica da esfera de gás ionizado. Esta dimensão é tipicamente da ordem de alguns pc. Portanto, como consequência da elevada opacidade do gás neutro inte-restelar, a região de transição entre a região HII e a região HI circundante deve ser muito fina, tipicamente menor que 1 pc. Em outras palavras, a região ionizada, considerada esférica, pode ser caracterizada por uma dimensão relativamente bem definida, o raio de Strömgren, assim chamado devido à análise pioneira feita em 1939 por Bengt Strömgren. O raio de Strömgren pode ser estimado considerando o equilíbrio entre o número de fótons ionizantes emitidos pela estrela por segundo e o número de recombinações entre os prótons e elétrons por segundo. Para uma estrela com tipo espectral O5, adotando uma temperatura de 8.000 K para o gás ionizado, com uma densidade da ordem de 10 – 100 átomos de H por cm3, encontramos valores para o raio de Strömgren da ordem de 5 – 20 pc.

Aplicando a equação de equilíbrio de ionização às regiões HII, podemos determinar o seu grau de ionização x = ne /nH. Nesse caso, a principal fonte de energia e ionização é conhecida, sendo a própria estrela. Para uma região HII típica, o grau de ionização x = 1 em praticamente

toda a região HII, caindo bruscamente a zero, de acordo com nossa conclusão sobre a espessura da região de transição. Cálculos mais detalhados incluem o He e os elementos pesados no equilíbrio de ionização. Podemos também concluir que a região de He ionizado é interna à região de H ionizado, aumentando de acordo com a temperatura da estrela central.

A temperatura eletrônica de uma região HII pode ser determinada, como mencionado para o gás interestelar, a partir de medidas de linhas espectrais ou teoricamente. Novamente, os processos físicos relevantes são conhecidos, e as temperaturas obtidas são da ordem de 104 K, tanto para regiões HII como para nebulosas planetárias, sendo estas últimas geralmente mais quentes. Uma vez determinadas as condições físicas das nebulosas fotoionizadas, essencialmente sua temperatura eletrônica Te e densidade eletrônica ne, podemos determinar sua composição química com uma

precisão relativamente alta, pois essas nebulosas apresentam linhas de emissão brilhantes de muitos elementos como H, He, C, N, Ne, Ar, S etc. Esses resultados são muito interessantes para o estudo da evolução química da Galáxia, pois em geral é difícil obter abundâncias precisas desses elementos nas estrelas. Assim, os resultados das nebulosas fotoionizadas e das estrelas podem ser combinados, produzindo vínculos mais significativos aos modelos de evolução galáctica.

(28)

4.4.5 Poeira Interestelar

A poeira interestelar tem pelo menos 3 efeitos importantes e observáveis, que são a extinção interestelar, a polarização interestelar e a emissão de energia na faixa infravermelha do espectro. A extinção interestelar é simplesmente a alteração do brilho de uma estrela causada pela absorção pelos grãos interestelares. Para uma estrela com magnitude aparente visual mv,

magnitude absoluta visual Mv e distância d temos

4.6

onde Av = RvE(B – V) é a absorção em magnitudes, E(B – V) é o excesso de cor e Rv , a razão

entre a extinção geral e seletiva. Da relação 4.6 vemos que uma extinção alta, da ordem de alguns décimos de magnitude, tem um efeito importante no cálculo das distâncias. Em outras palavras, sem considerar a extinção interestelar, as distâncias das estrelas parecem maiores do que são na realidade. O excesso de cor é definido considerando a cor B – V de uma estrela não

avermelhada e a cor correspondente de uma estrela que sofre avermelhamento

4.7

e a cor intrínseca em princípio pode ser obtida conhecendo algumas propriedades físicas da estrela. Assim, basta medir as magnitudes em duas bandas, por exemplo, B e V, para obter a extinção. A razão Rv pode ser determinada observacionalmente em diversas direções na Galáxia, e os valores obtidos são geralmente da ordem de Rv = 3.

A principal informação sobre a extinção interestelar está contida na curva de extinção, como a mostrada na Figura 4.18. Por esta curva vemos que a extinção é muito baixa em grandes comprimentos de onda infravermelho e rádio e alta em pequenos comprimentos de onda, especialmente no ultravioleta. Isto nos dá uma ideia preliminar do tamanho dos grãos responsáveis pela extinção, que devem ser da ordem de centenas a milhares de angstroms. Comparando a curva de extinção com os resultados previstos para diferentes composições químicas, podemos também ter uma ideia da composição química dos grãos. Os principais candidatos são grãos de grafite, silicatos, SiC, gelos sujos (com impurezas), e também pequenas partículas chamadas PAH, ou hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

5log 5 5log 5 ( ) v v v m M− = d− +Av= d− +R E B V− 0 ( ) ( ) ( ) E B V− = B V− − B V

(29)

A luz se propaga como campos elétricos e magnéticos que vibram em direções aleatórias. Eventualmente, algum processo físico pode fazer com que determinados planos sejam privilegiados nessa propagação, de modo que a luz se torna polarizada. A polarização interestelar está também associada aos grãos. Grãos não isotrópicos, como grãos alongados ou com impurezas, podem polarizar a luz, se devidamente alinhados

segundo alguma direção privilegiada. Os grãos interestelares geralmente têm alguma carga elétrica, sofrendo a ação de campos magnéticos como o campo interestelar já mencionado. Como resultado, a luz refletida pelos grãos pode estar parcialmente polarizada, e o estudo desta polarização nos dá informações sobre a natureza dessas partículas.

Finalmente, os grãos têm uma emissão de corpo negro, localizada na faixa infraver-melha do espectro, como já vimos na Figura 4.5 (componente C). Sua temperatura pode ser determinada e resulta ser geralmente abaixo de 100 K. Portanto, deve-se esperar uma emissão na região infravermelha, o que efetivamente ocorre. Em objetos frios, cuja emissão de corpo negro ocorre na faixa de alguns m, pode-se observar, superposta a esta emissão, um certo excesso de infravermelho produzido pela emissão dos grãos localizados nas camadas externas do objeto. O estudo da formação e evolução dos grãos ainda está em uma forma muito rudimentar, mas as estrelas frias são provavelmente as principais fontes dos grãos, que são posteriormente ejetados para as nuvens interestelares.

4.4.6 Moléculas Interestelares

Cerca de duas centenas de moléculas são conhecidas no meio interestelar, em especial, nas nuvens densas, ou nuvens moleculares, sítios de formação estelar. Elas variam de simples molé-culas e radicais diatômicos até longas cadeias contendo mais de dez átomos. Parte considerável dessas moléculas inclui átomos de C e H, os mesmos que constituem as principais moléculas orgânicas associadas à vida.

(30)

Possivelmente, as moléculas mais importantes no meio interestelar são H2 e CO, que estão entre as mais abundantes. O hidrogênio molecular é uma molécula homopolar, o que significa que as transições de dipolo elétrico mais intensas são proibidas pelas regras de seleção. O CO não tem este impedimento, de modo que frequentemente é usado para estimar a abundância de H2. O CO pode ser observado em rádio, em sua linha de 4.6 m, cuja intensidade ICO pode ser obtida de maneira semelhante à linha de 21 cm do H. A densidade de hidrogênio molecular pode ser determinada por uma calibração do tipo

4.8

Valores médios do parâmetro X(CO) são da ordem de 4 × 1020 cm-2 K-1 (km/s)-1. Por exemplo, em uma região com temperatura de brilho Tb = 2 K, em um intervalo de velocidades

dado por ∆v = 20 km/s, temos ICO Tb ∆v = 40 K (km/s), de modo que N(H2) = 1,6 × 1022 cm-2. Um aspecto importante do estudo das moléculas interestelares é o conjunto de reações moleculares que afetam sua abundância. Diversos tipos de reações podem ser identificados, como as reações íon-molécula, reações neutro-neutro, associação radiativa, recombinação radiativa, recombinação dissociativa, reações de troca de carga, fotodissociação etc. O estudo dessas reações é muito complexo, necessitando de grande capacidade de armazenamento e eficiência no cálculo das reações. Para cada reação podemos definir uma constante de reação e uma taxa de reação, que devem ser conhecidas para calcular as abundâncias das espécies moleculares. A constante de reação pode ser muito diferente segundo o tipo de reação considerado e, para um dado tipo, pode variar com a temperatura de maneira intensa. Assim, nem sempre medidas em laboratório podem ser utilizadas para as condições extremas das nuvens interestelares. Por exemplo, reações íon-molécula ou reações de troca de carga podem ter taxas da ordem de 10-9 cm3/s, ao passo que reações neutro-neutro e associações radiativas geralmente têm taxas muito menores.

2 CO

(H ) (CO)

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