SENTENÇA Processo Digital nº: 1045888-10.2016.8.26.0100
Classe - Assunto Procedimento Comum - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro Requerente: Adriana da Rocha Correia
Requerido: Phaser Incorporação Spe S.a.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Denise Cavalcante Fortes Martins Vistos.
ADRIANA DA ROCHA CORREIA, qualificada na inicial, ajuizou uma
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL c/c RESTITUIÇÃO DE VALORES e Pedido de Antecipação de Tutela em face de PHASER INCORPORAÇÃO SPE. S/A, sustentando, em síntese, que firmou com a ré compromisso de compra e venda do imóvel descrito a fls. 02 pelo valor de R$ 240.602,40 (duzentos e quarenta mil seiscentos e dois reais e quarenta centavos), tendo efetuado o pagamento de R$ 58.036,96 (cinquenta e oito mil e trinta e seis reais e noventa e seis centavos). Afirma que por questão de ordem financeira não tem mais interesse em dar continuidade ao compromisso avençado e que enviou notificação extrajudicial informando a ré sobre a rescisão, não recebendo qualquer resposta. Defende a devida aplicação do Código de Defesa do Consumidor e devolução de 90% dos valores pagos. Requereu a rescisão do acordo entabulado, com a restituição de 90% dos valores pagos a título de parcelas e, em antecipação de tutela, a suspensão da exigibilidade das parcelas e que a ré se abstenha de incluir o nome da autora em cadastros de proteção ao crédito.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 24/61.
Por decisão de fls. 67/68, foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela. Regularmente citada, a ré ofereceu contestação, aduzindo não se opor à resolução da promessa de venda e compra, no entanto, deve a rescisão ser declarada por culpa exclusiva da demandante. Aduz que a autora não é consumidora, mas sim, investidora imobiliária, visto ter comprado dois imóveis, e que a mesma anuiu ao disposto na cláusula 10, item 2.2.1, “e”, devendo ser respeitado o entabulado contratualmente. Nesse sentido, a ré concorda com a rescisão, reconhecendo o direito da ré em restituí-la no porcentual de 30% dos valores efetivamente recebidos pela ré, visto que a retenção de apenas 10% não seria suficiente para cobrir suas despesas. Requereu a improcedência da ação.
Juntou documentos de fls. 113/197. Réplica a fls. 200/208.
É a síntese do necessário.
DECIDO.
O processo comporta julgamento antecipado, nos termos do artigo 355, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, vez que desnecessária a produção de outras provas, estando a matéria fática suficientemente demonstrada através dos documentos já juntados aos autos.
Neste sentido: “Constantes dos autos elementos de prova documental suficientes para formar o convencimento do julgador, inocorre cerceamento de defesa, se julgada antecipadamente a controvérsia”. (STJ. Ag. 14.952-DF-AgRg. 4ª Turma. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo. J. 04.12.91, negaram provimento, v.u., DJU 03.02.92, p. 472).
E ainda: “Em matéria de julgamento antecipado da lide, predomina a prudente discrição do magistrado, no exame da necessidade ou não da realização da prova em audiência, ante as circunstâncias de cada caso concreto e a necessidade de não ofender o princípio basilar do pleno contraditório”. (STJ. REsp 3.047-ES. 4ª Turma. Rel. Min. Athos Carneiro. J. 21.08.90, não conheceram, v.u., DJU 17.09.90, p. 9.514).
Cuida-se de ação de rescisão contratual cumulada com devolução de valores pagos, na qual alega a autora que deseja rescindir o contrato celebrado com a ré, porém entendem abusiva a retenção de valores pagos imposta pela empresa requerida. Pleiteia a rescisão do contrato com a restituição de 90% dos valores pagos atinentes às parcelas do imóvel.
Destaco que a relação jurídica travada entre as partes possui natureza consumerista, uma vez que a autora é destinatária final do serviço prestado pela empresa ré, que o faz de forma contínua e habitual no desenvolvimento de sua atividade comercial, enquadrando-se perfeitamente nos conceitos de consumidor e fornecedor de serviços, nos moldes dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor.
Desse modo, de rigor a aplicabilidade das regras previstas na Lei 8.078/90, no que concerne a boa fé objetiva e a inversão do ônus da prova.
O pedido comporta procedência.
Operada a rescisão do contrato, vez que não há resistência da requerida, pleiteia a autora a restituição dos valores pagos em princípio de pagamento do preço.
Consoante interpretação finalística do artigo 53 da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, o direito da autora à restituição parcial das quantias pagas é inegável.
pena de nulidade, a previsão de cláusulas contratuais que estabeleçam a perda total das prestações pagas nos contratos de compra e venda de imóveis mediante prestações. Visa-se, com isso, impedir que o fornecedor crie vantagens exageradas para si em prejuízo do consumidor, parte mais fraca na relação de consumo.
A vedação, portanto, recai sobre toda e qualquer disposição que imponha a perda total de parcelas pagas. Com isso, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, entende-se por derrogado parcialmente o artigo 35 da Lei 6.766/79, que vinculava o direito à restituição de prestações pagas somente quando quitado mais de 1/3 das parcelas ajustadas.
Com efeito, evidenciado o direito de ressarcimento da requerente, a fim de evitar o odioso enriquecimento sem causa da parte ré, resta apreciar o percentual de devolução das parcelas pagas.
No caso em tela, o contrato de promessa de venda e compra prevê, em sua cláusula décima, item 2.2.1 (fl. 129), o direito do compromissário comprador a ser restituído de parte das parcelas pagas. Estabeleceu-se uma série de despesas a serem descontadas do valor amortizado, o percentual a ser restituído limitado a 50%, com um mínimo de 30%.
O percentual de retenção máximo previsto no contrato, de 70% dos valores pagos, mostra-se descabido e irrazoável, na medida em que, a luz dos princípios consumeristas, é excessivamente oneroso ao compromissário comprador.
Nesse diapasão, a pretensão da autora, qual seja, de retenção pela ré de apenas 10% dos valores pagos, mostra-se razoável, na medida em que possibilita a devolução de parte dos valores pagos, sem gerar prejuízos a incorporadora pelos gastos já realizados, muito menos ocasionando enriquecimento ilícito por parte da requerida. Deve-se, contudo, corrigir monetariamente a quantia, uma vez ser mera reposição do valor da moeda.
A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, acompanhada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo entende como razoável a retenção, para casos análogos, de percentual entre 10 e 20% dos valores quitados.
Nesse sentido, destaca-se a inteligência do voto proferido pelo Desembargador Carlos Alberto Garbi, em recente julgamento de caso semelhante:
“(...) A sentença condenou a ré a devolver aos autores 90% dos valores desembolsados a título de parcelas contratuais. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, acompanhado pela jurisprudência deste Tribunal, tem admitido a retenção, pelo promitente vendedor, de porcentagem do valor que lhe foi pago, para o fim de compensar os prejuízos decorrentes da utilização do imóvel, bem como, os encargos administrativos suportados,
que, sendo notórios, independem de prova. No caso em exame, os autores efetuaram pagamentos à construtora no total de R$ 75.637,08, conforme extratos apresentados pelos autores e pela ré (fls. 96/97 e 161). A ré, por sua vez, alega que a rescisão deve ocorrer de acordo com os termos contratuais (cláusula 5.4 fl. 55/56), com retenção de 40% dos valores pagos ou, alternativamente, 30%. Não se olvida que a parte responsável pela rescisão do contrato responde pelas perdas e danos (art. 389 do CC). Ocorre que, embora imputável aos compromissários compradores o desfazimento da avença, o perdimento de 60% do que pagou reputa-se excessivamente oneroso, sobretudo se considerada a natureza das verbas compensadas com crédito do autor. Razoável, portanto, admitir a retenção de 10% a título de despesas. administrativas, mantendo-se a sentença, percentual que não se mostra excessivo e que está de acordo com aquele adotado pela jurisprudência em casos semelhantes.(...) (Apelação nº 1007894-89.2014.8.26.0011, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. em, 18/08/2015)”.
Ratificam este entendimento:
“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA Rescisão decorrente da inadimplência incontroversa dos compradores Acerto da r. sentença ao fixar em 80% o percentual de devolução das parcelas pagas Mister a manutenção deste percentual, que não afronta a lei consumerista e se coaduna com a jurisprudência desta Corte e do STJ Percentual remanescente de 20% diz respeito ao presumido prejuízo da vendedora, incluídas aí todas as despesas do negócio Observância das disposições consumeristas, obstativa do enriquecimento sem causa Exegese dos artigos 51, II, 53, caput, e 54, §2°, do CDC - Entendimento perfilhado pela jurisprudência desta Corte e do STJ - Por prisma final, "ad argumentandum”, é de se ponderar que a reintegratória permitirá a fácil comercialização do bem Sentença de procedência parcial Recurso improvido”. (Apelação Cível nº 994.08.053463-2 Campinas 5ª Câmara de Direito Privado Relator Oscarlino Moeller 28.04.2010 V.U. Voto nº 20983).
E ainda:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEVOLUÇÃO DE IMPORTÂNCIAS PAGAS. RETENÇÃO. PERCENTUAL. REVISÃO DE PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. INEXISTÊNCIA DEMORA DA PARTE RÉ. 1. Em caso de extinção de contrato de promessa de compra e venda em que o promitente comprador não ocupou bem imóvel, é razoável que a devolução do valor pelo promitente vendedor ocorra com retenção 10% a 20% das
prestações pagas a título de indenização pelas despesas decorrentes do próprio negócio. 2. Incide a Súmula n. 7 do STJ quando a tese versada no recurso especial reclama a análise dos elementos probatórios produzidos ao longo da demanda. 3. Na hipótese em que a rescisão contratual deu-se por iniciativa do comprador, por não mais suportar o pagamento das parcelas, e em que se busca a restituição de valores superiores aos fixados na apelação, o termo inicial dos juros moratórios deve ser o trânsito em julgado, pois inexiste mora anterior da ré. 4. Agravo regimental provido.” (AgRg no REsp 1013249/PE, rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe 08/06/2010).
Assim, não há como prevalecer o quanto ajustado no contrato, sendo de rigor a restituição de 90% das quantias quitadas.
Quanto à forma de pagamento dos valores pagos, a restituição deve ocorrer imediatamente, sem decorrência de prazos. O Egrégio Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 543, que dispõe: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra
e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
E, ainda, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determina, através da Súmula nº02, que a devolução deve ocorrer em uma única parcela: “A devolução das
quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição”.
Diante do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, JULGO
PROCEDENTE o pedido da presente ação para DECLARAR rescindido o contrato
firmado entre as partes e para CONDENAR a ré a restituir à autora 90% (noventa por cento) das quantias pagas, relativas às parcelas das compras dos imóveis, corrigidas monetariamente desde o efetivo desembolso e acrescida de juros legais de mora a contar da citação.
CONDENO a ré, em razão da sucumbência, ao pagamento das custas e
despesas processuais, além de honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação.
Publique-se, registre-se e intime-se.
São Paulo, 12 de setembro de 2016.
DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA