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Como a cartografia de controvérsias pode auxiliar na

compreensão de elementos culturais na rede: experiências

com uma inserção em uma associação de Maria da Fé/MG

Camila Loricchio Veiga

Universidade Federal de Itajubá – camiaetria@gmail.com

Resumo

Esse artigo tem como objetivo demonstrar utilizar a Cartografia de Controvérsias como método. Seu locus é a Associação Casa do Artesão, localizada em Maria da Fé/MG – Brasil. Questionando a possibilidade de utilizar a Cartografia de Controvérsias como método, mapeou-se uma das controvérsias: a dúvida a respeito da permanência da Associação no local atual, o Centro Cultural. Realizou-se, então, uma série de redes, que viabilizou a apreensão facilitada da complexidade da controvérsia. Argumenta-se que, por meio de uma demonstração virtual, as possibilidades de visualização na rede possam ser ampliadas e que essa visão auxilie a observar a rede e atores.

Palavras-chave: Cartografia de controvérsias;

Teoria ator-rede; Artesanato; Rede.

Abstract

This article has as an objective the demonstration of Controversy Mapping as a method. Its locus is the Associação Casa do Artesão (an artisans’ association), at Maria da Fé/MG, Brazil. Questioning if the Controversy Mapping could be used as a method, a controversy was chosen: the doubt concerning the continuity of the association in the current place, its Cultural Center. It was possible to build networks, that made understanding the controversy easier. It is considered that, through a virtual demonstration, the network’s visualization possibilities can be widened, and also that that vision helps understating the network and actors.

Keywords: Controversy mapping; Actor-network

theory; Artisans; Network.

Lígia Maria de Mendonça Chaves Incrocci

Universidade Federal de São Carlos - ligia.incrocci@gmail.com

Adilson da Silva Mello

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INTRODUÇÃO

Esse artigo é parte de uma pesquisa de mestrado que teve início em 2014, fruto de um projeto aprovado na “Chamada Universal - MCTI/CNPq Nº 14/2013 - Faixa A” e intitulado “Design, Engenharia de Materiais e Tecnologias Sociais: Produção Artesã e Inclusão no Mercado”. Os interlocutores de ambos constituem um grupo de artesãos e sua Associação, denominada Casa do Artesão Maiense, localizada no município de Maria da Fé, estado de Minas Gerais – Brasil.

A proposta inicial foi trabalhar, trazendo por base o conceito de Tecnologia Social (TS)1. Mas também leva-se em conta as diferentes áreas do conhecimento envolvidas no Grupo de Pesquisas proponente: ciências sociais, engenharia de materiais e design.

Enquanto um recorte da pesquisa maior, a visão trazida para este artigo percorre a ampliação de agência apresentada pela Teoria Ator-Rede2, em que tanto humanos quanto não-humanos são considerados dotados de agência na rede.

Dentro dessa incursão de pesquisadores, com formação em Design, Administração e Ciências Sociais, coletou-se uma gama de dados de campo sobre o cotidiano da Casa do Artesão, das associadas, dos produtos e das conexões que existem entre todos os atores envolvidos.

Pensando nos dados coletados e na Teoria Ator-Rede, que vem sendo trabalhada desde o início da pesquisa, tivemos contato com a Cartografia de Controvérsias3, pensada por Bruno Latour (2010) e Tommaso Venturini (2010, 2012), que permite descomplexificar o complexo da vida social, não sem muito esforço.

O objetivo desse artigo é, portanto, responder a indagação da possiblidade de utilizar a Cartografia de Controvérsias como método nesta pesquisa em específico, na qual se tem grande quantidade de dados off-line. 1 Segundo Dagnino (2008), a Tecnologia Social é caracterizada enquanto metodologias, produtos e/ou técnicas desenvolvidas na interação com a comunidade, podendo ser replicáveis, e representa efetivas soluções de transformação social.

2 Teoria Ator-Rede (Actor-Network Theory) , composta por Bruno Latour, Michel Callon e John Law, tem como pontos-chave a simetria de agência, o não-re-ducionismo no campo, a visão de que as redes não são estáveis e a reflexividade, onde o pesquisador não se considera diferente do objeto estudado. Mais à frente há um aprofundamento da mesma.

3 A Cartografia de Controvérsias se propõe como uma maneira de visualizar a complexidade da rede, um modo de traduzir as relações em um determinado mo-mento e sob um determinado ponto de vista. No item 3 se explana mais a fundo a mesma.

Divergindo dos caminhos pesquisados em Venturini (2012), cuja maior parte dos dados provém de textos e são trabalhados de forma virtual.

A estrutura do presente trabalho parte da apresentação da metodologia da pesquisa, seguida pelo locus da pesquisa (a Casa do Artesão Mariense) e pelos atores que a rodeiam. Em seguida situamos a Teoria Ator-Rede e a Cartografia de Controvérsias, para, por fim, ilustrar a Cartografia de Controvérsias sobre a permanência da Casa do Artesão no local atual.

A METODOLOGIA DA PESQUISA

A proposta pressupôs a combinação entre as dimensões cultural e ambiental, possibilitada pelas investigações acerca das formações sócio-técnicas, no âmbito dos agenciamentos identitários que grupos, comunidades e segmentos sociais produzem.

O trabalho de campo teve início em março de 2014, com finalidade de seleção do grupo de artesãos com o qual seria firmada a parceria para o projeto. Entretanto, as visitas para coleta de dados começaram somente no final do primeiro semestre do mesmo ano.

O primeiro contato com a Casa do Artesão passou por alguns percalços. No início, as informações passadas aos pesquisadores pelos associados eram dúbias e apresentavam desencontros de acordo com o informante. A situação começou a se configurar de forma diferenciada após a participação de 4 pesquisadores no Festival de Inverno, em julho de 2014. Este é um festival anual que reúne vários estandes de comida, roupas e artesanato.

A presidente da Casa do Artesão, que à época estava como interina, em decorrência da desistência da presidente anterior, anuiu com a participação dos pesquisadores nos finais de semana em questão, momento que frisou ser a época do ano na qual poderíamos observar melhor a dinâmica do grupo, posto que durante o Festival havia um movimento mais intenso de vendas.

Durante os quatro dias de Festival os pesquisadores trabalharam nas vendas da loja, auxiliando os artesãos que estavam escalados. Somente após este contato mais próximo entre pesquisadores e marienses, nossa presença foi aceita, constituindo-se no trabalho conjunto o elo necessário para o início efetivo da observação participante.

Depois do Festival de Inverno deu-se início às entrevistas nos locais onde eles produzem

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seu artesanato, locais aqui denominados de laboratórios. Em princípio, notou-se certa resistência deles em nos aceitar em seus laboratórios. A primeira que concordou com a visita foi a presidente. Depois dela foi mais fácil de trabalhar com os demais artesãos.

Em totalidade foram realizadas um total de 17 entrevistas com artesãs e mais 2 com pessoas externas ao grupo, porém relacionadas à formação da Casa do Artesão e influentes personagens do artesanato local.

Sob orientação etnográfica, os pesquisadores realizaram periódicas incursões ao campo, durante as quais o cotidiano da Casa do Artesão, dos associados em suas oficinas particulares, da cidade, puderam ser observados e registrados. O contato entre pesquisadores e associados se deu tanto de forma observacional, quanto por meio de entrevistas roteirizadas, ou não.

Durante a permanência em campo, procedeu-se ao registro fotográfico e gravação de áudio das visitas e entrevistas sociotécnicas, bem como a transcrição destas gravações, além de registros em cadernos de campo de todas as visitas.

Com as visitas à Casa do Artesão e aos seus laboratórios foi possível coletar informações relativas à organização do grupo como Associação, esquema de escalas, rixas iniciais que havia entre alguns associados, fofocas e, também, o público-alvo dos festivais e da própria Associação. É a partir da observação participante, ainda em continuidade, que os dados e informações aqui contidos puderam ser coletados.

A análise do material segue outros referenciais teóricos e não somente os proporcionados pelas ciências sociais, perpassando pelas áreas do conhecimento relacionadas ao Design, Administração e Engenharia de Materiais, o que torna esta pesquisa interdisciplinar.

O locus da pesquisa: A Casa do Artesão Mariense

Maria da Fé é uma cidade localizada no sul de Minas Gerais, e tem uma população estimada em 14.518 habitantes, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 20154. É uma cidade com 202.898 km², com grande parte da sua população residindo em área rural.

A Associação Casa do Artesão Mariense conta com 43 associados, trabalhando com os 4 Dados do IBGE, Ferramenta “Cidades@”, dispo-nível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil. php?lang=&codmun=313990&search=minas-gerais|ma-ria-da-fe> Acesso em: outubro de 2015.

mais variados materiais: palha de bananeira, palha de milho, madeira, biscuit, tecido, entre outros.

De acordo com o Caderno de Atas mantido por uma das artesãs, a Casa do Artesão Mariense foi inaugurada aos 7 de junho de 2008, sob iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. O objetivo era unir os artesãos marienses que não faziam parte de nenhum tipo de Associação ou cooperativa.

O espaço foi, à época, condicionado no Centro cultural da cidade, localizado na antiga estação ferroviária. Em um dos cômodos do Centro alocou-se a pequena loja para venda dos artesanatos tecidos pelos recém agrupados artesãos.

Ainda de acordo com o Caderno de Atas, constatou-se que a Prefeitura custeia os gastos referentes ao espaço da loja, cobrindo as contas de luz e água. O aluguel, por sua vez, não é cobrado por ser o espaço um prédio público.

No início, o funcionamento da Associação ocorria da seguinte forma: os artesãos se revezavam de acordo com a disponibilidade de cada um para trabalharem com as vendas dos produtos artesanais na loja, e não era cobrada nenhuma taxa sobre a venda de cada mercadoria. Atualmente ainda há o revezamento, mas é cobrada uma taxa sobre os produtos, que é destinada a cobrir os gastos da Associação como: sacolas, nas quais são colocados os artesanatos após as vendas, pequenos reparos, cartões de visita etc..

A taxa é de 5% para quem trabalha lá e sobe para 20% para quem não trabalha na loja, apenas deixa os produtos para venda. Mesmo sendo uma quantidade baixa, a taxa gera atrito entre as artesãs, posto que algumas gostariam que todo o dinheiro voltasse a ser dividido, desconsiderando que há gastos da Associação. Com relação à organização estrutural da Casa

Figura 1 - Foto do Centro Cultural de Maria da Fé, a Associação se encontra na lateral do mesmo, onde estão as 3 janelas.

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do Artesão, é importante destacar que já houve cinco presidentes da Associação, os primeiros sendo organizados pela secretaria e o Grupo Bem Viver da 3ª Idade, que foram parceiros na questão formação do grupo de associados.

O espaço onde a Associação está é de um ator que sempre se mostrou ativo na rede. A Casa do Artesão está lá desde a fundação no Centro Cultural, porém sempre foi foco de mudanças. Houve, por exemplo, uma ampliação de local durante o mandato de um prefeito anterior ao atual e, como estavam com mais associados e tinham aliados na Secretaria de Cultura e Turismo, foi possível essa articulação. Após a ampliação, ganharam um espaço maior, onde estão até hoje. Entretanto, o prefeito atual tem intenção de construir quiosques ao longo da principal rua do município para todas as associações locais, retirá-las dos locais que atualmente ocupam e cobrar pelo aluguel dos mesmos.

O rastreio da Controvérsia que está em vigência neste artigo se centra na questão do deslocamento desses grupos para os quiosques, que têm sua própria articulação na rede.

Também conseguimos acesso ao Estatuto Interno que guia as ações dos associados. Nele consta que o objetivo da Associação é “[...] fornecer aos artesãos de Maria da Fé, um espaço para exposição e venda dos seus produtos”. Constam nele: o regulamento interno, competências do artesão e competências do artesão de plantão.

Um fato que consideramos curioso foi que, apesar de listarem algumas questões como conduta pessoal de cada artesão, sobre reposição de produtos, troca dos mesmos, justificativas de faltas às reuniões mensais e sobre a presença na escala, não estão previstos pontos como penalidades e responsabilidades em caso de não cumprimento de alguma das normas, além de não atualizarem para

Figura 2 - Exemplo de produtos vendidos e organização na loja. Fonte: autores (2015)

as normas atuais utilizadas por elas, como a contribuição de 5% sobre a venda dos produtos de quem cumpre escala e 20% de quem não cumpre.

Durante o trabalho de campo também se descobriu que a Casa do Artesão não está formalizada. Existe, entretanto, a busca pela regularização legal, assim como a quebra do vínculo com qualquer instituição que atue como mediadora na configuração legal do grupo.

A ANT e a Casa do Artesão

Bruno Latour, Michel Callon e John Law, trabalharam em conjunto para gerar a Teoria Ator-Rede (ANT)5, ou Actor-Network Theory, que tem como preceitos um modo de pensar e estudar a heterogeneidade. É uma proposta de simetria generalizada, uma abordagem construtivista que teve influências da etnometodologia de Harold Garfinkel, dos conceitos da semiótica de Algidas Julius Greimas, da sociologia de Gabriel Tarde, da Filosofia das Ciências por Michel Serres, princípio metodológico da simetria de David Bloor, a noção de rizoma de Deleuze e Guattari e noção de dispositivo de Michel Foucault (FREIRE, 2006).

Para Callon, a ANT se refere à inovação, subjetividade e agência, segundo a qual não se pode compreender a constituição da coletividade sem levar em conta a “materialidade, as tecnologias e os não-humanos” (CALLON, 2008, p. 308). A ANT também é conhecida como “sociologia da tradução” e “sociologia da inscrição” (LEMOS, 2013).

Na visão de John Law (2014), a “materialidade do mundo é heterogênea, uma mistura de social, econômico, material, humano, ‘natural’ e técnico”. Uma das maneiras de entender essa materialidade é, para ele, a ANT, e os processos sociais poderiam ser entendidos por um toolkit, uma ferramenta que ele chama de material-semiotics (MORAES; ARENDT, 2013, p. 316).

5 A Teoria Ator-Rede pode ser abreviada, mas a preferência aqui por utilizar a abreviatura ANT ao invés de TAR, também utilizada em vários trabalhos, busca manter a relação que Latour (2012) traz com a palavra em inglês “ant”, formiga. Traçando uma analogia com um trabalho de formiga, que condiria com um viajante “cego, míope viciado em trabalho, farejador e gregário”. Desta forma, se optou por utilizar o termo ANT a fim de não perder essa carga de significado, que traduz o que Latour enxerga de um trabalho utilizando a Teoria Ator-Rede: lento, penoso, cheio de obstáculos e mudanças de per-curso (devido às incertezas, que serão tratadas adiante), com deslocamentos árduos e equipamento que verifica os vínculos bem pesado, como uma formiga que arrasta um peso muito maior do que pode carregar.

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atores heterogêneos, são conexões. O autor define o social como “um movimento peculiar de reAssociação e reagregação” (LATOUR, 2012, p. 25), podendo se relacionar a coisas que não são sociais em si. Torna-se um movimento, uma coisa que só é visível pelos traços, pelas linhas que vai deixando na rede, só existe enquanto está lá e enquanto se buscam essas associações.

Por sua vez, Callon (2008) argumenta que as entidades são mais importantes que pontos ou estruturas na rede, e devem ser observadas enquanto estão circulando, enquanto estão agindo. Só se observa quando uma ação acontece, quando vira realidade. A intenção deste pensamento é acabar com essa separação entre humanos e não-humanos, tanto que o termo usado para quem age nas relações é somente actante.

Actante vem da semiótica de Greimas e é o que gera uma ação, que age, gera movimento e modificações e pode ser humano ou não humano, é o que se chama aqui de Ator. São compostos tanto quanto compõem a rede. (LATOUR, 2012; LEMOS, 2013).

Também há a consideração de um intermediário, que é aquele ou aquilo que não modifica, apenas transporta relações, complementa a rede, mas não media nada, não é um actante. A dificuldade surge por não ser possível avaliar quem age e quem sofre agência da rede, nem de onde uma ação surge ao ponto em que a rede se constitui, posto que todos que agem nessa rede heterogênea, deveriam ser igualmente considerados. Neste momento emerge o conceito de simetria generalizada.

Em Callon (2008), tem-se que essa divisão não deve ser o foco, mas sim as agências, os agenciamentos sociotécnicos. Esses híbridos de natureza e humanos, e essas relações entre todos os atores, levaram a “reconstruir um labirinto heterogêneo de homens e máquinas, de grupos sociais e sistemas tecnológicos” (THOMAS et al., 2013, p. 12, tradução dos autores).

A questão posta sobre as associações e suas incertezas já começa por não se conseguir saber de onde, de qual fonte, a ação vem. Ou mesmo para onde ela vai, como valorá-la e fazer julgamento de qualidade dessas relações a priori, é um processo que se constrói (LEMOS, 2013).

Dentro da ANT, destaca-se o conceito de tradução, que, em definição, é aquele momento no qual a comunicação e transformação dos actantes se presta, onde as redes se constituem, é a ação que um ator faz a outro, ela é “uma operação semiótica entre actantes ,modificando ambos a partir de interesses Quando a atenção do estudo da ANT

foca as organizações há uma abertura que leva o pesquisador a não se concentrar somente no elemento considerado ou social ou humano, mas estender suas observações às materialidades presentes na realidade (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013, p. 558). Essa mediação de humanos e não-humanos sempre fez parte do próprio humano, ele se relaciona com todos. Lemos (2013) afirma que a própria constituição, como conjunto de elementos que constituem alguma coisa da modernidade acabou por fazer com que essa questão fosse ignorada, separando os híbridos de relações humanas e não-humanas em “sujeitos e objetos”.

Todos concordam no sentido de que o nome Teoria Ator-Rede, não é realmente próprio para o que ela é, mas o objetivo é simplesmente perceber essa nova maneira de analisar o mundo, de compreender as subjetividades e materialidades.

As redes sociais são pontos e possuem relações identificáveis, e não se pode descrever a ação realmente, considerando as origens das mesmas como pontos, mas sim como relações, pelas coisas que circulam e agem, já que a rede está sempre em movimento e em crescente mutação. É uma rede de afetações (LATOUR, 2012). Ela não age sozinha, em um único ponto, mas está inserida em um contexto, em que todos agem, inclusive os híbridos, surgidos da interação homem-natureza. Para Law (2014), a ANT é um grupo de procedimentos que não ignoram as complexidades da rede de relações, e nada existe fora dessas relações (MORAES; ARENDT, 2013, p. 315).

Vários conceitos são traçados e retraçados quando se considera a ANT e teorias adjacentes. Como exemplo: o que é o social?

Tem-se esta mesma indagação por parte de Latour no seu livro “Reagregando o Social” (2012). O autor argumenta que o próprio conceito de social deveria ser reunido, recompreendido, por estar sendo usado atualmente como um diferencial, um “material” que modifica aquilo a que se vincula. Esse conceito limita a possibilidade de rastrear as conexões da rede, pois prevê uma estabilidade da mesma.

Latour (2012) continua traçando o panorama até rever as questões da própria Sociologia, trazendo o que ele considera um paradoxo: “Sociologia da ciência”. Ele trabalha com a definição de “Sociologia de associações”, na qual o “Social” não é algo estabilizado, fixo em suas definições, conceitos, mas sim algo que é explicado por meio das associações que são encontradas. São várias associações entre

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• Simetria: tudo merece uma explicação; • Não reducionismo: crítica à prática da sociologia moderna, que parte ao campo com conceitos prontos ou reduções;

• Visão processual, contingente e precária do objeto analisado: nada pode ser encarado estável;

• Reflexividade: pesquisador não se considerar diferente do que está sendo estudado;

Conforme pôde ser apreendido, os autores trabalham tendo como foco as relações, e a ANT serve para enfatizar essas relações, esses movimentos que os atores deixam ao se relacionar, interagir. A proposta é trabalhar com uma sociologia de associações, na qual se seguem os atores, se busca descobrir a realidade criada por eles, as relações travadas, as novas associações que eles travam a todo o momento em que a rede se configura (LATOUR, 2012). E também traduzir isso por meio de uma Cartografia de Controvérsias, a ser abordada mais a fundo no próximo tópico.

A ANT foi desenvolvida se alimentando de vários direcionamentos para seguir como uma abordagem diferente para compreender as realidades que são construídas. Independentemente do ponto de vista escolhido, de John Law, Michell Callon, Bruno Latour, Annemarie Mol, as relações geradas pelas ações dos actantes são o elemento chave para tentar compreender o que ocorre, não se prendendo a conceitos pré-concebidos do ir à campo, considerando-se que não se esqueça da questão da simetria, para a qual tudo merece uma explicação e é essencial.

Ainda que, como as críticas e o próprio John Law (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013) tenham explicitado, haja falhas em considerar o que é essencial na pesquisa, o pensamento de que as realidades não são estáveis, podem e irão mudar a cada interação e movimentação dessa rede; e a mudança de paradigma do pesquisador não pode se considerar diferente da pesquisa, superior a ela, a exemplo de como aparece em Jamais Fomos Modernos (1994) de Latour, ao argumentar que na sociedade dita moderna não se estuda a si mesmo, apenas em sociedades externas à nossa.

A CARTOGRAFIA DE CONTROVÉRSIAS E A ANT

A ANT trabalha a questão das controvérsias. De acordo com Latour (2012), analisando as controvérsias se consegue trabalhar melhor as “instituições das ciências sociais”. Em definição, controvérsias são o que possibilita ao social específicos”, é o movimento, a circulação

(LEMOS, 2013).

Há níveis de interesse nesses momentos de tradução. Existem aqueles que são relacionados a um interesse particular e se relacionam com outros atores sob o mesmo interesse; quando há uma mobilização para despertar o interesse em outros; quando alguns deixam os interesses de lado para acompanhar outros interesses; quando se modificam todos os interesses envolvidos, se constrõem novos grupos, objetivos; quando existe uma mobilização coletiva em prol de um objetivo para que ele se torne indispensável. Têm-se, também, outros conceitos dentro de tradução, como delegação (ato de delegar) ou mudança. Quando acontecem essas modificações de objetivos, de interesses, ocorrem as traduções (LEMOS, 2013).

Ainda em Moraes e Arendt (2013), temos que, em estudos mais recentes, Moser, Law e Mol não consideram mais que o objetivo seja acompanhar como os objetos se estabilizam, mas sim como essas intervenções dos atores que criam realidades, as fazem existir, e a construção de uma rede não é nada mais que uma possibilidade. Na ANT se “redefine o próprio objeto de investigação da sociologia das ciências” (FREIRE, 2006), em que não se tem apenas uma construção social, mas sim uma “sócio-natureza”, se tem naturezas-culturas.

Em vários momentos e trabalhos são tratadas as questões de algumas críticas, como a questão da ANT não ser política, respondida por Law em A Sociology of Monsters “a política da ANT trata das distribuições hierárquicas, ou seja, de como ordens específicas criam inclusões e exclusões específicas que são realizadas de forma heterogênea” (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013, p. 563).

Para Law (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013) há dificuldades na abordagem da translação, que é examinar o processo de organização dessas redes heterogêneas, que são relacionadas ao problema encontrado de modificar acontecimentos para dados. Todos eles relacionados à atuação do pesquisador, seja por conta dele não ter testemunhado algum deles, ou não terem sido anotados de alguma forma e posteriormente esquecidos, não terem sido considerados relevantes, compreendidos e o próprio sistema de translação não ser confiável o suficiente (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013, p. 561).

Ainda em Cavalcanti e Alcadipani (2013), temos alguns princípios metodológicos que guiam a ANT na opinião de Law (CAVALCANTI; ALCADIPANI, 2013):

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dessa Cartografia é tornar a complexidade da vida social legível, dando o protagonismo devido aos atores que encabeçam cada fenômeno social (VENTURINI, 2010).

Deparamo-nos com vários problemas, ao tentar compreender como fazer isso. As controvérsias são aquelas que geram as tensões, geram as polêmicas na rede, ainda causam desarmonia na rede, que ainda não se tornaram caixas-pretas. Questiona-se, entretanto, como se selecionam as controvérsias relevantes, qual o melhor formato para fazê-lo, posto que também é construído, e ainda mais considerando que o pesquisador colabora na construção dessas controvérsias e, por vezes, é também um ator na rede.

O primeiro passo, em Lemos (2013), seria conseguir compreender quais são as controvérsias, para todos os atores se, concordam na desarmonia da mesma na rede constituída. Essa Cartografia se propõe a reunir o social, a partir dos rastros, mesma proposta da ANT em si, em buscar os indícios, as pistas para constituir esse mapa. Não podem generalizar nada na verdade, porque a questão não é gerar estereótipos, voltar à sociologia antiga que criava fotos ao invés de entender que as redes sempre se movimentam e reconstituem.

Em Lemos (2013) se têm alguns passos para evitar uma “má” controvérsia: evitar as frias, já harmonizadas ou que não interessam a vários atores; evitar controvérsias que já se constituíram como caixas-pretas, preferir as que ainda são debate, ainda geram discussões; fugir das que são ilimitadas, grandes demais, e por vezes não se têm recursos suficientes para rastreá-las, sejam eles monetários, humanos ou temporais mesmo; evitar assuntos que sejam difíceis de acessar ou secretos. Deve-se ter Deve-sempre em mente, porém, que ao final, se é que se pode chamar de final, não há uma verdade absoluta a ser encontrada, definida, não há essência, mas sim uma “coleção de rastros deixados” pelos atores.

Em Lemos (2013) há uma sintetização dos passos para uma criação de uma Cartografia de Controvérsias:

1. Definir a controvérsia;

2. Observar e descrever o porquê de ser uma controvérsia;

3. Identificar as características da mesma (quente/fria; presente/passada; secreta/ pública; difícil acesso/acessível; limitada/ ilimitada);

4. Recolher declarações, opiniões, ler literatura relacionada;

5. Identificar os atores humanos e não-humanos, esboçando a rede;

ser social, e às ciências sociais visualizarem e permitirem essa construção das redes, essas associações que são travadas. Elas são todo pedaço de ciência e tecnologia que ainda se consegue rastrear e não se solidificou ou fechou-se em uma caixa-preta. É como uma incerteza que os atores envolvidos na rede dividem, tudo aquilo que não virou consenso ou não é de conhecimento do coletivo, gerando, assim, discussões. Elas funcionam como “fóruns híbridos”, espaços de conflito e negociação entre atores, que abrem caixas-pretas e renovam discussões (VENTURINI, 2010).

É nas controvérsias, que são a chave importante na observação com a ANT, que se elaboram as relações, em que o social é constituído e desconstituído, já que não há uma estabilização verdadeira da rede. É o meio pelo qual se enxerga a rede. Rastreiam-se as controvérsias para se localizar as associações e relações, entender como o social se constitui naquele momento da rede, antes que se tornem caixas-pretas, que vão para o fundo da rede, e necessitariam ser desconfiguradas a fim de se entender como se constituem. Entretanto, ao se tornarem caixas-pretas, fica extremamente dificultoso entender quem e o quê as constituem. Elas se tornam os tais intermediários anteriormente citados. Como traz Lemos (2013):

toda Associação tende a virar uma caixa-preta, a se estabilizar e cessar a controvérsia. O interesse é sempre abrir as caixas-pretas, colocar de novo em causa (enquanto “matters of concern”, como prefere Latour) os elementos estabilizados, ressaltado a necessidade de olhar para as controvérsias (a construção das associações) e as suas novas e futuras estabilizações (em outras caixas-pretas). (LEMOS, 2013, p. 56, grifo do autor)

Ainda em Lemos (2013), temos a Cartografia de Controvérsias, como um método para “revelar as mediações”. Proposta por Latour e Venturini, elas “desenham” esse processo de rastrear os atores, segui-los, como as ações são distribuídas e se constituem, como se fossem mapas.

Em Venturini (2010) temos a descrição da Cartografia de Controvérsias enquanto a prática da ANT sem limitações de teorias e metodologias, o que não quer dizer desconsiderá-las, mas trabalhar com o máximo de pontos de vista possíveis. O autor prossegue dizendo que ela é construtivista e que o objetivo

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and relations”, mas em como o significado que atores dão pra essas questões modificam a rede. Pensar nesse significado;

• Pensar no Cosmos para a cosmopolítica. As verdades consideradas como verdades são potenciais controvérsias. É preciso multiplicar pontos de vista, atores e discussões.

Segue-se lembrando que a simetria que é trazida na ANT é mantida na Cartografia, e não significa, de forma alguma, uma simetria de pesos nas agências dos atores envolvidos. Assim, Venturini (2010) traz as diretrizes pra se lidar com os pesos de cada ponto de vista de uma controvérsia:

• Pesar a representatividade de cada ponto de vista.

o Como? Quantidade de atores que adere a ele. Dar o peso proporcional a cada um.

• Pesar a influência de cada ponto de vista.

o Como? Atores que têm mais influência na rede podem modificar mais a controvérsia.

• Pesar os interesses.

o Como? São as minorias que discordam de pontos de vista que trazem a controvérsia à tona, que fazem caixas-pretas abrirem.

• Justificar cada escolha de recorte em uma controvérsia.

É pensando em todas essas questões que propomos trabalhar no presente artigo uma controvérsia e seu peso em um período específico de tempo de incursão dos pesquisadores, sob o objetivo de compreender como é possível utilizá-la enquanto método na prática da pesquisa.

CONTROVÉRSIA DO LOCAL DA ASSOCIAÇÃO: DE MAIO DE 2014 A AGOSTO DE 2015

O local onde a Associação se encontra, o Centro Cultural é fonte de controvérsias recalcitrantes: a dúvida sobre a permanência no local; a construção de quiosques menores; pagamento de aluguel; organização interna; distribuição de produtos; escala. Como demandaria muito espaço percorrer detalhes e mapas de todas as considerações anteriores. Propõe-se neste artigo fazer um recorte das controvérsias relacionadas ao local, a partir do que foi coletado, quanto à permanência no mesmo e avaliar tudo por meio da cartografia de controvérsias.

A justificativa, para tanto, baseia-se no fato de ainda ser uma controvérsia no seu estado magmático, com atores interagindo a cada 6. Identificar as cosmogramas, ideologias

e visões de mundo;

7. Entender a representatividade, influência e interesses dos atores.

Seguem-se, ainda em Lemos (2013), as questões do que o pesquisador deve fazer:

1. Ouvir todos os atores, considerando que são eles que trazem a definição da controvérsia;

2. Observar os vários pontos de vista; 3. Descrever bem as controvérsias; 4. Dar peso proporcional aos atores. Além dessas recomendações, Lemos (2013) traz os seguintes instrumentos para o conjunto de mapas a ser gerado:

1. Glossário de termos aceitos e controversos;

2. Repertório de documentos;

3. Análise da literatura especializada; 4. Análise de opiniões publicadas na mídia;

5. Mapa das posições contrárias ou ações de discordância;

6. Limites ou escala da controvérsia; 7. Diagrama dos atores-rede; 8. Cronologia da controvérsia;

9. Tabela “cosmos” ou das ideologias diferenciadas.

Ao acompanhar a descrição e estudo da Cartografia de Controvérsias por Venturini (2010, 2012), temos que essa observação das mesmas também não é feita de forma simples. Ela requer três questões chave: não restringir a observação a apenas uma teoria ou método; observar o máximo de pontos de vista possível e sempre priorizar as “vozes” dos atores, acima das presunções do pesquisador. Vozes entre aspas, ao considerarmos que os atores não-humanos não possuem uma voz literal.

Venturini (2010) segue trazendo algumas “lentes” através das quais se pode observar as controvérsias

• Pensar nos argumentos usados e na literatura envolvida na controvérsia. Mapear a rede de referências;

• Pensar na literatura para os atores. Ampliar a rede pensada dessas referências até os atores envolvidos, os atores actantes, que fazem diferença nessa rede no caso;

• Pensar nos atores para as redes. Atores isolados não existem, atores atuam na rede e a modificam e são modificados por ela, trabalham relações. Observar as controvérsias é ver esse movimento de conexões e interações na rede;

• Pensar nas redes para o Cosmos. Pensar a observação além de “statements, actions

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a terceira oficina chamada “Comunicação em Vendas de Artesanato”, realizada pelo terceiro pesquisador, concomitantemente;

6. Percorrendo de julho a setembro de 2015: o pós-oficinas e fechamento da inserção dos pesquisadores no contexto.

Depois deste processo, listou-se cada um dos atores envolvidos em cada período, dotando-o de número, arbitrário apenas para poder utilizar como identificação, mas não simbolizando uma hierarquia.

Construímos, primeiramente em papel, um mapeamento de conexões, que (ator) na rede se conectava com qual. Até ter o mapeamento daquele momento completo.

Para demonstrar intensidade de agência, cada nó tem uma dimensão que varia de 2cm para 5cm, com variantes de meio centímetro, tendo então as possibilidades de 2cm; 2,5cm; 3cm; 3,5cm; 4cm; 4,5cm e 5cm.

As páginas das redes estão organizadas sequencialmente, para ser possível uma sobreposição das 6 camadas. Como a quantidade de nós é grande, também foi estipulada uma paleta de cores, conforme o tamanho e número da rede. Assim, conforme os nós somem ou aparecem é possível visualizar mais facilmente.

A paleta segue as cores recomendadas em Okabe e Ito (2008), para que haja acessibilidade ao leitor com daltonismo.

Mapeamento a controvérsia

A primeira referência que temos sobre uma possível mudança do local da Associação consta de 4 de julho de 2014, durante a primeira participação do Festival de Inverno. Tal mudança é relacionada, naquele momento, diretamente ao ator Prefeitura, em decorrência de rixas pessoais, envolvendo críticas à gestão e até alegações de roubo à Associação. Ao mesmo tempo, temos um ator externo que atuou como intermediário e trouxe um ponto de vista oposto para falar bem da Prefeitura, criticando a postura de recriminação para com esse ator.

Nesta época, também temos os elementos do Conselho de Turismo e a falta de movimento turístico sendo citados, principalmente o fator da inexistência de reuniões para se decidir caminhos para melhorar o turismo, objetivo desse Conselho, que havia sido criado há 8 meses. Frisou-se que a falta de turismo na cidade era diretamente relacionada à falta de divulgação.

Ao buscar no site da Prefeitura os documentos referentes ao Conselho, temos que o nome de fato desse Conselho é Conselho instante na rede e ela ainda não ter sinais de

que vai se fechar em uma caixa-preta e então ser uma boa escolha para ver as interlocuções da rede em questão.

Considerando a estrutura proposta no item anterior, temos como ordem:

• Rede de Referências • Diagrama dos Atores-Rede • Cronologia das Controvérsias

Há mais etapas e considerações nesse âmbito, porém como a cartografia é voltada para assuntos tecnocientíficos (VENTURINI, 2012) e com informações e referências muitas vezes online, reduziu-se a gama de referências no caso e juntou-se a cronologia com o diagrama dos atores-rede.

A rede de referências quanto ao assunto percorre todos os cadernos de campo desde julho de 2014 até setembro de 2015, com base em um mapeamento de palavras-chave relacionadas ao local, um mapeamento manual pesquisado através dos arquivos digitais e também em um caderno físico. Os cadernos de campo percorrem as entrevistas, transcrições de conversas gravadas e/ou filmadas, as visitas periódicas à Associação e outras anotações, como ligações realizadas por associadas. Também foi pesquisado o banco de arquivos da Prefeitura de Maria da Fé, disponível online no site oficial da Prefeitura6.

Organizando os dados das redes

O Diagrama dos Atores-Rede foi realizado, tentando não ignorar nenhum tipo de ator envolvido na controvérsia em questão, mas tentando, simultaneamente, restringi-lo aos que possuiam relação direta com a controvérsia, que eram atores7 de fato e não intermediários.

Primeiramente, separou-se o período estudado em seis partes:

1. Percorrendo de maio a julho de 2014: o primeiro contato e o Festival de Inverno;

2. Percorrendo de agosto a setembro de 2014: as primeiras visitas técnicas;

3. Percorrendo de outubro de 2014 a março de 2015: as outras visitas técnicas e a primeira oficina (advinda de outra pesquisa concomitante);

4. Percorrendo de abril a maio de 2015: a segunda oficina chamada “Criatividade em Artesanato”, realizada pela presente pesquisa;

5. Percorrendo de maio a junho de 2015: 6 Página da Secretaria de Cultura e Turismo de Maria da Fé. Disponível em: <http://www.prefeiturade-mariadafe.com/#!cultura-e-turismo/c1l9g>. Acesso em: ago. 2015.

7 Os atores humanos não são representados pe-los seus próprios nomes, mas sim por números romanos, para não constranger os mesmos e ainda assim poder diferenciar cada um.

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tirá-los de lá.

Temos também a ata da terceira reunião do Conselho, datada de 22 de outubro de 2014, na qual está registrado que Maria da Fé não conseguiu pontuação necessária para pedir o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) Cultural e que tentariam realizar mais eventos culturais no ano seguinte para pleitear o mesmo.

Em uma visita posterior, o Ator I comentou sobre a pontuação baixa. As artesãs também comentaram que a ideia era tornar o Centro Cultural uma rodoviária.

Buscamos também as atas de reuniões de 2015, mas o último arquivo disponível é de julho de 2014 a dezembro de 2014. E não há uma agenda disponível de reuniões de 2014, nem de 2015, apenas de 2013.

Seguindo com os cadernos de campo, temos dados de 7 de abril de 2015, durante a oficina de Criatividade em Artesanato (rede 3), onde citou-se a questão de organização interna e como lidar com uma gama muito grande de produtos num espaço menor, como o dos quiosques, que teriam um espaço bem reduzido em relação ao atual.

Nesta época, os quiosques ainda não eram uma certeza, e as artesãs não tinham esperança de conseguir.

Em reunião posterior a essa oficina, no dia 28 de abril de 2015, temos declarações referentes ao porquê de uma rodoviária. O Ator I diz que é simplesmente pra prejudicar os moradores e a Prefeitura ganhar mais dinheiro com a taxa de embarque, posto que os pontos de ônibus mais próximos seriam excluídos e priorizada a rodoviária. Uma das artesãs presentes retrucou, dizendo que seria muito bom ter uma rodoviária oficial, que todas as cidades próximas tinham, menos Maria da Fé. Houve uma declaração de uma terceira artesã também referente à preocupação de uma reforma interna no Centro Cultural, em decorrência de ser um patrimônio histórico, além do fato de preferir que a lateral do mesmo se tornasse um museu pra voltar a atrair turistas.

Em 5 de maio de 2015, durante uma outra oficina (rede 4) foi trazida à tona novamente a questão dos quiosques, mencionados os problemas que viriam de uma organização interna, que teriam um gasto a mais, que daria muito mais trabalho por trabalhar com uma escala, e por ficar levando e trazendo produtos em função da segurança. As artesãs pensam que os quiosques serão abertos, logo não seria possível manter os produtos armazenados nele.

Em uma ligação de uma das artesãs no dia 12 de agosto, tem-se uma reviravolta na Municipal de Patrimônio Cultural, e a primeira

reunião ocorreu no dia 11 de julho de 2014, data na qual Maria da Fé aderiu ao Sistema Nacional de Cultura.

A segunda referência que se tem, começa nos cadernos de campo dos dias 11 e 12 de julho de 2014, ainda durante o Festival de Inverno. Temos a informação de que, durante junho de 2013, houve uma manifestação contra a Prefeitura e que, a partir dessa data, o apoio obtido da mesma foi reduzido. Também foi feita uma alegação de que atores dentro da Prefeitura tentam tirar a Associação do local desde o início da gestão atual, por ter ocorrido conflitos pessoais.

Seguimos para 8 de agosto de 2015 durante uma entrevista. Foram feitas alegações quanto à falta de auxílio da Prefeitura, à falta de pagamento pelas associadas para manutenção do Centro Cultural, e a falta de cobrança de aluguel, pela Prefeitura, bem como de energia. Há a primeira menção aos quiosques, um projeto da Prefeitura de criar um quiosque para cada associação/cooperativa da cidade e cobrar aluguel pelo uso, ponto em que também se começa a pensar os problemas de organização interna que seriam ocasionados pela mudança para um espaço menor, com problemas no sistema de escala e também de locomoção para quem mora na zona rural.

Em 8 de agosto também foi realizada a segunda reunião do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural, quando se faz a relação do clima frio com o aumento do turismo e uma iniciativa de reformas de alguns locais da cidade.

Uma contradição fica na declaração do Ator V de que não houve reunião do Conselho nesse dia, o mesmo da entrevista, apesar de existir uma ata lavrada nessa data.

Seguindo para a entrevista do dia 8 de setembro de 2014, temos citações diretas à precariedade do centro cultural: da estrutura de fiação ser muito antiga, de terem ocorrido problemas de infiltração e de que a Associação já teve de bancar a troca de uma janela, quebrada por crianças que brincavam de bola na frente do Centro Cultural.

A artesã entrevistada nesse momento também demonstrou a preocupação sobre a permanência no local, citando que havia uma preocupação de algumas artesãs em ter de votar nesse prefeito atual para não perder os benefícios. Esta artesã discordou, argumentando que, por se tratar de um prédio público, somando o fato de elas auxiliarem na manutenção do mesmo e de funcionarem como atração turística, já que o museu que havia por lá foi retirado, não haveria porquê

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Na rede 2 o ator Quiosques ganha mais conexões, um total de 9 agora: Organização Interna; Maria da Fé; Prefeitura; Outras Associações; Artesãos e Associação Casa do Artesão, perdendo sua conexão com o nó Movimento Turístico, que sai da rede por não ser mais o foco de conflitos no momento. E ganha as conexões: Conselho Turismo; Tempo Livre; Produtos.

As preocupações das artesãs ganham

corpo, uma delas traz o elemento do conselho de turismo, que foi o mentor dos quiosques, de acordo com ela e atas encontradas. A dimensão da organização interna delas também volta a se relacionar por não saberem como podem manter a Associação com a organização anterior dentro do contexto dos quiosques. A dimensão dos Produtos aparece como dúvida pelo espaço delas ser maior no Centro Cultural do que nos Quiosques, inclusive o Tempo Livre delas que teria de ser totalmente modificado por não ter os mesmos parâmetros que o Centro Cultural.

Na rede 3, o ator Quiosques some. Ele perde sua agência na rede por não ser mais considerado foco de conflitos pelos atores envolvidos. Ele se torna uma caixa-preta nesse momento. Não se discute mais se são uma controvérsia dos quiosques. Eles são finalmente

aprovados e com prazo de finalização até julho de 2016, ainda segundo ela, e elas terão de sair do Centro Cultural até essa data.

Com base nessas informações e traçados, construímos os diagramas de atores-rede:

Na rede 1 conseguimos ver que o ator Quiosques tem 7 conexões: Movimento Turístico; Organização Interna; Maria da Fé;

Prefeitura; Outras Associações; Artesãos e Associação Casa do Artesão. Esse ator modifica a maneira como as artesãs se organizam internamente, como elas se relacionam com a própria Associação e entre elas. E também há uma relação direta, envolvendo outras associações, a Prefeitura e a cidade de Maria da Fé. A mera inserção desse ator na rede já demonstra os entraves políticos e sociais envolvendo vários outros atores e modificando conforme eles se associam a outros no momento dado. A primeira aparição desse ator, conforme já situado anteriormente, foi citada durante o festival de inverno, já demostrando uma preocupação das artesãs com relação ao modo como se organizariam e se constituiriam, enquanto uma associação, mediante esta mudança de local.

Figura 3 - Rede 1. Fonte: autores (2015)

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Figura 5 - Rede 3. Fonte: autores (2015)

Figura 4 - Rede 2. Fonte: autores (2015)

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Figura 6 - Rede 4. Fonte: autores (2015)

Figura 7 - Rede 5. Fonte: autores (2015)

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da Associação e delas como artesãs.

Na rede 6, uma reviravolta acontece. O ator Quiosque volta a aparecer e tem sua agência aumentada novamente (em relação ao seu

estado na rede 4).

Houve uma confirmação e uma estruturação de data para a construção dos quiosques, de acordo com uma das artesãs, a data limite para essa construção seria de julho de 2016. Data na qual, ainda de acordo com elas, a Associação teria de sair do Centro Cultural e ser movida para os Quiosques.

Após essa confirmação, não houve um momento de conflito, porém, os atores envolvidos reagiram com aceitação e conformação ao fato, não tentando argumentar contra o que seria de sua organização nem como interagiriam com esse elemento. Os artesãos sentiram que não era mais necessário nenhum tipo de articulação com outros atores referente a essa controvérsia. E ela se fechou novamente, não voltando a ser citado em nenhuma conversa desde então. Talvez em um momento mais próximo ou com o início das construções, ele volte a ser alvo de conflito e discussão e se abra a novas conexões e associações.

realidade ou ainda apenas uma possibilidade. Há outras preocupações e controvérsias novas se articulando nesse momento. Na rede 4, porém, o ator Quiosques retorna e com uma

agência maior do que antes. Nesse momento suas conexões são 6: Maria da Fé; Identidade; Associação Casa do Artesão; Artesãos; Tempo Livre e Prefeitura. A caixa-preta dessa controvérsia torna a abrir e se tornar foco de conflitos. Uma das artesãs traz uma informação de que havia verba já alocada para a construção dos Quiosques, pela Prefeitura. Esse fato reabre as discussões sobre o que aconteceria com elas, se haveria um remanejamento para os tais Quiosques, o que aconteceria com o Centro Cultural sem a Associação por lá, como elas se organizariam como associação, como sua escala seria organizada. Os quiosques são foco de várias conjecturas nesse momento da rede 4.

Na rede 5 temos uma nova solidificação do estado magmático da controvérsia sobre o local. Como os únicos elementos que alimentavam o ator Quiosques nessas conexões eram baseados em conjecturas dos outros atores, elas acabaram por esfriar e tornar a ser uma caixa-preta. Foi deixado de lado para pensar outros aspectos da organização interna

Figura 8 - Rede 6. Fonte: autores (2015)

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agência maior, mesmo tendo menos conexões que um ator menos influente na rede. Entende-se, também, que a possibilidade de verificar tantos pontos foi a de estar presente, enquanto a controvérsia ainda se fazia presente e ativa e não tinha se tornado uma caixa-preta, e o fato de os pesquisadores estarem abertos para ouvir todos os atores, humanos e não humanos. Outras considerações a partir desse recorte ainda serão feitas, e as dificuldades notadas deixam uma abertura para futuras pesquisas e articulações.

REFERÊNCIAS

CALLON, M. Entrevista com Michel Callon. Dos estudos de laboratório aos estudos de coletivos heterogêneos, passando pelos gerenciamentos econômicos.

Sociologias, Porto Alegre, ano 10, n. 19, 2008. p. 302-321. CAVALCANTI, M. F. R.; ALCADIPANI, R.. Organizações como processos e Teoria Ator-Rede: A contribuição de John Law para os Estudos Organizacionais. Cad. EBAPE. BR, v.11, n. 4, artigo 4, Rio de Janeiro, p. 556-568, 2013 FREIRE, L. de L. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum. 2006, v.. 11, n. 26, p. 46-65.

LATOUR, B. Reagregando o social: uma introdução à teoria do ator-rede. Salvador: Edufba, 2012.

__________. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994. Coleção Trans. LAW, J. Perfil de John Law na Open University. Disponível em: <http://www.open.ac.uk/socialsciences/ main/staff/people-profile.php?name =John_Law #profile> Acesso em: 19 abr. 2014.

LEMOS, A. A comunicação das coisas: teoria ator-rede e cibercultura. São Paulo: Annablume, 2013.

MORAES, M. O.; ARENDT, R. J. J. Contribuições das investigações de Annemarie Mol para a psicologia social. Psicologia em Estudo, v. 18, n. 2, p. 313-321, 2013. THOMAS, H.; FESSOLI, M.; LALOUF, A. Introducción. In: Actos Actores e Artefactos. Org: Hernán Thomas, Alfonso Buch. Bernal: Universidad Nacional de Quilmes, 2013. p. 9-17.

VENTURINI, T. (2010). Diving in magma: how to explore controversies with actor-network theory. Public Understanding of Science, 19(3), p. 258–273.

VENTURINI, T. (2012). Building on faults: how to represent controversies with digital methods.Public Understanding of Science,21(7), p. 796 – 812.

COMO ESTE ARTIGO DEVE SER CITADO:

VEIGA, Camila Loricchio; INCROCCI, Lígia Maria de Mendonça Chaves; MELLO, Adilson da Silva. Como a cartografia de controvérsias pode auxiliar na

compreensão de elementos culturais na rede: experiências com uma inserção em uma associação de Maria da Fé/ MG. DI Factum, Lorena, v. 1, n. 1, p. 45-59, 2016.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se utilizar a cartografia de controvérsias como método no rastreio das complexidades da rede, conseguimos verificar essa possibilidade de visualização também no meio off-line. Foi uma experiência relevante verificar como a configuração da rede pode se modificar a cada instante, tornando o que era certeza, incerteza e a controvérsia se mostrando solidificar e voltar ao estado magmático, conforme as associações são compostas e desfeitas.

Não é simples a tarefa de pensar essa complexidade de dados e atores de forma sucinta, até por conta da necessidade de valorizar todos os pontos de vista para compreender as várias facetas da rede naquele momento em questão. E ainda falta pensar maneiras diferenciadas de trabalhar esses dados coletados e visualizá-los, em função dos estudos permearem trabalhos tecnocientíficos online e a presente pesquisa ter mais dados físicos ou coletados por meio de conversas.

Um impasse foi a limitação da representação da rede de forma estática. A limitação na organização dos nós na rede e de suas conexões por conta de espaço foi uma dificuldade. Talvez o melhor caminho seja trabalhar esses dados de forma dinâmica, talvez virtualmente, por meio de um programa que possibilite visualizar a mudança dos nós, suas conexões e descrições sobre cada conexão.

O percebido com a presente utilização metodológica, foi que nos foi permitido visualizar, de forma ampla, a rede e suas mudanças. Foi relevante notar como a dimensão política tratada pelos atores humanos e não-humanos define como se encara um nó na rede, no caso presente, os quiosques, tanto quanto a questão de organização interna da Associação reflete em como elas se relacionam com outros atores e definem articulações que modificam sua própria organização na rede. Cada rede reflete um instante sob um ponto de vista limitado, um momento de falsa estabilidade, antes dos nós se reconfigurarem e se reassociarem.

O aspecto de controvérsia nesse estado magmático, como tratado por Venturini, conseguiu ser percebido na controvérsia escolhida, e essa dimensão dos conflitos visualizada pela quantidade de conexões que aumentam e diminuem, conforme a quantidade de conexões travadas nos instantes mapeados pelas redes.

Sobre as conexões, outro fator interessante é de que não é proporcional o nível de agência de um ator relacionado à quantidade de conexões. Um ator pode ter um nível de

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