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ECLI:PT:TRE:2005: C

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ECLI:PT:TRE:2005:1028.05.3.9C

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2005:1028.05.3.9C

Relator Nº do Documento

álvaro Rodrigues

Apenso Data do Acordão

12/05/2005

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso

Público

Meio Processual Decisão

Agravo provido

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores

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Sumário:

I - Uma agressão e, sobretudo nas condições em que vem alegada (expulsão da casa à 1 hora da manhã, mediante agressão) nunca e em caso algum pode equivaler à denúncia de um contrato de comodato ou outro qualquer ou a outra forma de cessação do mesmo, de acordo com as normas que regulam o sentido das declarações judiciais.

II - O direito não permite o exercício de violência sobre as pessoas, salvo nos casos e nas exactas condições das causas de justificação (legítima defesa, estado de necessidade justificante,

consentimento do ofendido em certas condições e com os legais limites, acção directa), em que não é possível o recurso à autoridade perante uma situação de lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos relevantes, pois, como é sabido, o uso da violência não só atenta contra os direitos de personalidade do agredido, designadamente a integridade física e moral, como também,

mediatamente, contra a própria vida em sociedade, e daí serem tais condutas qualificadas como crimes pela lei penal.

III - A cessação de qualquer contrato não pode operar-se através da violência, posto que é

claríssimo o preceituado no artº 1º do Código de Processo Civil ao estatuir que a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.

IV- O vício de possa enfermar o contrato subjacente à posse ou mesmo a sua vigência, só

poderão ser objecto de discussão judicial em sede de acção para o efeito intentada, não podendo a providência cautelar da Restituição Provisória da Posse ser denegada com base em tais questões.

Decisão Integral:

Agravo 1028//05-3

(Procedimento Cautelar nº 76/05.4TBASL) Comarca de Alcácer do Sal

Acordam na Secção Cível da Relação de Évora: RELATÓRIO

M. requereu contra F., ambos devidamente identificados nos autos, providência cautelar de Restituição Provisória de Posse, alegando, em síntese, que ambos viveram em união de facto durante dezassete anos, até 2003, tendo, de tal união, nascido três filhos, todos ainda menores, tendo escolhido, como morada de família, a casa situada na Rua ………….., em Alcácer do Sal, casa essa, pertença do Requerido.

Há sensivelmente dois anos a união de facto entre as partes no presente processo acabou, e a Requerente ficou a morar na casa referida, com os filhos, resultando tal permanência na referida habitação, da entrega da casa para a Requerente viver, enquanto precisasse dela.

A requerente apelida de comodato tal acordo, alegando que era ela quem cuidava da casa, procedia à sua limpeza, aí confeccionava as suas refeições e aí centralizava a sua vida familiar. Que no dia 27 de Dezembro de 2004, cerca da 1 hora da madrugada, o Requerido agrediu a Requerente, obrigando-a a sair da casa, tendo esta deixado na mesma os seus bens pessoais que

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nem chegou a retirar.

O Requerido mudou a fechadura impedindo a Requerente de aceder à sua casa.

Considerando, assim, estarem reunidos os requisitos do procedimento cautelar nominado, em referência, pediu o seu decretamento sem audição prévia do Requerido, nos termos das disposições combinadas dos artºs 393º e 394º do CPC.

O Exmº Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho considerando que não tendo sido determinado o uso da coisa, nem convencionado prazo para sua restituição, o comodatário é obrigado a restituir a coisa comodatada, logo que esta lhe seja exigida, nos termos do artº 1137º, nº 2 do Código Civil. Sendo assim, considerou que a alegada conduta do Requerido, em 27 de Dezembro de 2004, não pode senão interpretar-se como consistindo numa declaração de cessação «ad nutum» do contrato de comodato e consequente restituição do seu objecto, nos termos das normas substantivas que prevêem sentido e interpretação das declarações negociais.

Desta sorte, considerando cessada a relação jurídica que permitia à ora Requerente ser titular da posição de comodatária, entendeu que não é legítimo à mesma lançar mão dos meios facultados ao possuidor para defender a sua posse, indeferindo liminarmente a providência requerida, por manifestamente inviável.

Inconformada com tal decisão, a Requerente interpôs recurso de Agravo da mesma para este Tribunal da Relação, rematando a sua alegação com as seguintes:

Conclusões:

l. Encontram-se preenchidos os requisitos para conhecimento da providência cautelar de restituição provisória de posse exigidos pelo artigo 393° do Código de Processo Civil;

2. À situação dos autos não se aplica o disposto no artigo 1137° n°2 do Código Civil;

3. Antes é aplicável o preceituado no n°2 do artigo 1137°, pois foi determinado o uso da coisa emprestada, tendo os contraentes convencionado termo incerto para a restituição da mesma; 4. O recorrido não interpelou a recorrente para proceder à entrega;

5. O recorrido não se socorreu dos meios legais para exercer o seu direito de proprietário; 6. Recorreu à acção directa, direito que a lei não lhe faculta;

7. A atitude violenta do recorrido não pode ser admitida como uma declaração de cessação do contrato de comodato.

8. Foram violados por erro de interpretação os artigos 1129°, 1133°, 1137° n.º e n°2 e 1276° do C.C. e 393° do C.P.C.

O Requerido não apresentou contra-alegações, pois, por expressa determinação judicial, não foi notificado para o efeito, a fim não ficar prejudicada a não audiência prévia do mesmo, como havia sido requerida.

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O Exmº Juiz proferiu despacho de sustentação em que manteve a decisão sob censura.

Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do presente recurso, o qual é delimitado, como é sabido, pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos das

disposições conjugadas dos artºs 684º, nº3 e 690º, nºs 1e 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS

Antes do mais, o que está em causa nos presentes autos, é a privação da posse da Requerente do presente procedimento cautelar especificado, relativa à casa em que esta habitava, cuja propriedade é do Requerido, mas que tinha sido entregue, por ele, à ora Requerente para nela continuar a habitar, com os filhos, conforme consta do requerimento da Providência.

Na verdade, foi requerida uma providência nominada ou especificada de Restituição Provisória de Posse, e, como é consabido, tal providência cautelar tem como objecto a tutela provisória da posse do requerente da providência, desde que dela tenha sido esbulhado mediante violência.

Como ensinava o Prof. Manuel Rodrigues «Dominados pela ideia de que a violência, mais do que qualquer outro facto violador da posse, perturba a paz pública, criaram os antigos um processo possessório rápido contra o esbulho violento e no qual as duas características fundamentais são a simplificação de formalidades, e anão intervenção do Réu, em harmonia com o princípio "spoliatus ante omnia restituendus"» (M.Rodrigues, A Posse, Almedina, rep.1996, p.365).

São requisitos ou pressupostos deste específico procedimento cautelar, a posse, o esbulho e a violência.

Ora no caso em apreço foram devida e claramente alegados tais requisitos, pela Requerente, o que, só por si, se a prova informatória viesse a demonstrar a sua existência, seria o bastante para fundamentar o seu decretamento.

Todavia, o Tribunal a quo, louvando-se na qualificação jurídica que a Requerente atribuiu à

relação que lhe permitia continuar a viver em casa da propriedade do Requerido, mesmo após ter cessado a união de facto entre ambos, como contrato de comodato, entendeu que a conduta

violenta do Requerido, ao expulsar da referida casa, mediante agressão, a Requerente, à 1 hora da madrugada do dia 27 de Dezembro de 2004, consubstanciava "uma declaração de cessação " ad nutum" do contrato de comodato e consequente restituição do seu objecto, nos termos das normas substantivas que prevêem o sentido e interpretação das declarações negociais"!

Sem razão, porém, como se passa a demonstrar!

Em primeiro lugar, porque não está o Tribunal vinculado às alegações das partes em matéria em direito, isto é, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras jurídicas, como claramente comanda o artº 664º do CPC., esmaltando, assim, em letra de lei, o velho brocardo latino jus novit curia.

Destarte, para a interpretação e qualificação de uma determinada relação inter-partes, como contrato de comodato ou outro qualquer, o Tribunal tem de partir da factualidade demonstrada (nem, sequer, da simplesmente alegada, por poder não corresponder à realidade), para poder oficiosamente proceder a tal qualificação.

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informatória, ainda que em juízo de probabilidade assente na mera summaria cognitio, como é peculiar dos procedimentos cautelares.

Em segundo lugar, ainda que se constatasse estar, efectivamente, perante um contrato de comodato, nunca, mas mesmo nunca, uma agressão e, sobretudo nas condições em que vem alegada (expulsão da casa à 1 hora da manhã, mediante agressão) poderia equivaler à denúncia de contrato ou a outra forma de cessação do mesmo, de acordo com as normas que regulam o sentido das declarações judiciais.

O direito não permite o exercício de violência sobre as pessoas, salvo nos casos e nas exactas condições das causas de justificação (legítima defesa, estado de necessidade justificante, consentimento do ofendido em certas condições e com os legais limites, acção directa), em que não é possível o recurso à autoridade perante uma situação de lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos relevantes, pois, como é sabido, o uso da violência não só atenta contra os direitos de personalidade do agredido, designadamente a integridade física e moral, como também,

mediatamente, contra a própria vida em sociedade, e daí serem tais condutas qualificadas como crimes pela lei penal.

A cessação de qualquer contrato não pode operar-se através da violência, posto que é claríssimo o preceituado no artº 1º do Código de Processo Civil ao estatuir que a ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.

Estes casos e limites declarados pela lei são aqueles em que os bens jurídicos, tais como a vida, a saúde e a integridade física corram sério risco de lesão iminente e não seja possível o recurso á força pública.

São aqueles casos em que é licito repelir a força pela força (vim vi repellere licet) ou utilizar a força para remover perigo iminente para bens jurídicos, quando não seja possível recurso á autoridade (necessitas non habet legem), como os que integram as, atrás enunciadas, causas de justificação ou de exclusão de ilicitude.

No caso do artº 1137º, nº2 do C.Civil a exigência da coisa emprestada pelo comodante há-de fazer-se pelos meios legais, judiciais ou extrajudiciais, nunca pelo uso da violência.

Em terceiro lugar, porque dado que o objecto da tutela judiciária da providência requerida é, como se disse, a posse, não há que qualificar o contrato do qual ela emerge, pois ponto é, apenas, que exista posse do requerente da providência, e que tal posse tenha sido perturbada ou retirada mediante violência, para o Tribunal decretar medida solicitada, que é a da restituição provisória. A posse é, como a define o artº 1251º do Código Civil, o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. É este poder que é tutelado pelo Direito mediante os procedimentos existentes na lei,

designadamente os Embargos de Terceiro, e o procedimento cautelar da Restituição Provisória de Posse, além das acções possessórias (de prevenção, manutenção e restituição de posse, artºs 1276º a 1278º do C.Civil, que actualmente seguem a forma do processo comum).

Isto porque a posse não é uma simples situação de facto, legalmente permitida, antes se configurando como um verdadeiro direito (para Menezes Cordeiro é um direito real de gozo (Direitos Reais, 1979-874, para Mota Pinto, a posse configurava um direito real provisório).

Como ensinava o Prof. Mota Pinto, ao defender a natureza de direito real provisório da posse, mais do que uma mera situação de facto, «à pessoa que detém ou frui uma coisa basta provar a posse e

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se ela for uma posse de ano e dia, logo superior a um ano, como diz o nº 2 do artº 1278º, não tem que se averiguar mesmo mais nada. Basta, assim, a simples prova desta posse para que o

indivíduo possa exigir a restituição da posse.

Só depois é que se irá, então, discutir se a posse é ou não legítima, se o possuidor detém ou não um direito sobre a coisa. Há, assim, portanto, uma tutela apenas provisória; daí que

autonomizemos esse direito_ a posse _de todos os outros.

O exposto mostrou porém que na posse há algo mais do que um simples facto: há um direito real, embora provisório.». (Direitos Reais, lições coligidas por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, p. 129).

Assim sendo, independentemente da fonte de onde decorre a posse ou da qualidade do seu titular (proprietário, comodatário, arrendatário, usufrutuário, etc.), ou da validade do contrato ou negócio jurídico unilateral de onde a mesma emergiu, o que se visa na Restituição Provisória é repor com a natural celeridade dos procedimentos cautelares (cujo o escopo precípuo é o de esconjurar o periculum in mora), a posse de que foi esbulhado violentamente o possuidor requerente.

O vício de que enferma o contrato subjacente à posse ou a sua vigência, só poderão ser objecto de discussão judicial em sede de acção para o efeito intentada, não podendo a providência cautelar da Restituição Provisória da Posse ser denegada com base em tais questões e, muito menos, com os argumentos utilizados pelo despacho recorrido.

Não se verifica no caso sub judicio qualquer inviabilidade manifesta para a prossecução e decisão final da presente providência cautelar, o que vale por dizer que procede inteiramente o Agravo interposto.

Ainda que a Requerente já não tenha os filhos em sua companhia, o que não se mostra provado nos presentes autos, mas consta do despacho de sustentação do Exmº Juiz a quo, (sem, no entanto, ter sido ordenado a junção aos autos, do documento a que se refere o artº 514º, nº 2 do CPC), está em causa a sua posse da referida casa de habitação que, em sede desta providência cautelar, terá de ser analisada e tutelada se se verificarem os necessários pressupostos.

DECISÃO

Vistos os autos e o quanto exposto se deixa, acordam os Juízes desta Relação em conceder

provimento ao Agravo interposto e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, ordenando a baixa do processo à 1ª instância a fim de prosseguir os seus trâmites legais, designadamente, a produção da prova informatória arrolada.

Sem Custas.

Processado e revisto pelo Relator. Évora,

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