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O direito e o custo dos direitos: análise das despesas do estado brasileiro com ações e serviços públicos de saúde

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO. JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR. O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com ações e serviços públicos de saúde.. NATAL/RN 2016.

(2) JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR. O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com ações e serviços públicos de saúde.. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Direito - PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Doutor Vladimir da Rocha França. NATAL/RN 2016.

(3) Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Carvalho Júnior, José Anselmo de. O direito e o custo dos direitos: análise das despesas do estado brasileiro com ações e serviços públicos de saúde. / José Anselmo de Carvalho Júnior. - Natal, 2016. 150f. Orientador: Prof. Dr. Vladimir da Rocha França. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-graduação em Direito. 1. Direitos fundamentais - Dissertação. 2. Direito à saúde - Dissertação. 3. Custos dos direitos - Dissertação. I. França, Vladimir da Rocha. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA. CDU 342.7.

(4) JOSÉ ANSELMO DE CARVALHO JÚNIOR. O DIREITO E O CUSTO DOS DIREITOS: análise das despesas do Estado brasileiro com ações e serviços públicos de saúde.. Dissertação aprovada em......./......../........, pela banca examinadora formada por: Presidente:. ________________________________________________ Prof. Doutor Vladimir da Rocha França (Orientador – UFRN). Membro:. ________________________________________________ Prof. Doutor Marcelo Labanca Corrêa de Araújo (Examinador externo à UFRN). Membro:. ________________________________________________ Prof. Doutor Fabiano André de Souza Mendonça (Examinador da UFRN).

(5) DEDICATÓRIA. À Jailma, Clara e Amanda..

(6) AGRADECIMENTOS A Deus, que se basta. A minha esposa, Jailma, incentivadora primeira ao mestrado e outras conquistas. Às minhas filhas, Clara e Amanda, pela compreensão. A minha família, que me apoiou e compreendeu. A minha mãe, pelo estímulo a concluir esta dissertação. Aos colegas da turma de mestrado, pela amizade e apoio mútuo, pelas discussões de temas da ciência do direito, da política e do cotidiano, sempre enriquecedores. A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, ao amigo e magnífico Reitor, Dr. Pedro Fernandes Ribeiro Neto, pelo incentivo e apoio; ao amigo e “chefe”, Prof. Tarcísio Silveira Barra. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aos professores do Programa de PósGraduação em Direito. Ao meu orientador e amigo, Prof. Dr. Vladimir da Rocha França, guia desde o primeiro contato, pelas intervenções precisas e orientação segura, pela compreensão e apoio..

(7) RESUMO. Os direitos fundamentais, em linha com os direitos humanos, são compreendidos como direitos sindicáveis judicialmente, tendo o Estado como o detentor de um dever de satisfazê-los. Para tanto, necessita o Estado de recursos, uma vez que a realização dos direitos fundamentais também implica a realização de despesas públicas. É superada a dicotomia entre direitos positivos e negativos e de gerações de direitos, apresentando-se os mesmos como necessidades públicas que precisam ser satisfeitas com recursos públicos. Nesta perspectiva, os direitos têm custos, todos os direitos; cada direito fundamental corresponde um dever do Estado; e o custo de cada direito não corresponde, necessariamente, ao mesmo custo do dever do Estado, uma vez que precisa manter uma estrutura administrativa eficiente para satisfazê-los. A Constituição Federal estabeleceu um critério de eficiência consistente no emprego (despesa) de uma quantidade mínima da receita de impostos, de cada Ente da Federação, em ações e serviços públicos de saúde, embora as fontes de financiamento do direito à saúde não se restrinjam aos impostos, havendo as contribuições para o sistema da seguridade social. O presente trabalho analisou o direito à saúde sob a perspectiva de seu custo e avaliou o cumprimento do dever dos Estados e da União inscrito na Constituição sob o critério jurídico da despesa mínima, durante os exercícios de 2013 a 2015.. Palavras-chave: Direitos fundamentais; Direito à saúde; custos dos direitos..

(8) ABSTRACT. The fundamental rights, in line with human rights, are understood as legally contestable rights, having the state as the holder of the duty to satisfy them. Therefore, the state needs resources, since the realization of fundamental rights also implies that public expenditure. The dichotomy between positive and negative rights and rights generations is overcame, presenting them as public needs that must be reached with public funds. Into this perspective, the rights (all of them) have costs; each fundamental right corresponds to a state duty; and the cost of each right does not necessarily correspond to the same cost of the duty of the state, since the state must maintain an efficient administrative structure to satisfy them. The federal constitution established a consistent criterion of efficiency in the usage (expense) of a minimum amount of tax revenue, each federation being, in actions and public health services, although the funding sources for rights related to health are not restricted to taxes, existing contributions to the social welfare system. This study analyzed the right to health from the perspective of cost and assessed the compliance with the duty of states and the union inscribed in the constitution under the legal criterion of minimum expenditure during the period of 2013 to 2015. Key-words: Fundamental Rights; Health Right; Cost of rights..

(9) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 1 2 O DIREITO À SAÚDE ......................................................................................................... 7 2.1 DIREITO DA SAÚDE E DIREITO À SAÚDE .............................................................. 13 2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL. ... 21 2.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO À SAÚDE. ........................................................................................................... 27 2.4 O DIREITO À SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................................... 39 2.5 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. A LEI FEDERAL N. 8.080, DE 1990. .................... 44 3 AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE .............................................................. 55 3.1 REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ..................................................... 58 3.2 REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE 62 3.3 COMPETÊNCIAS DOS ENTES FEDERATIVOS NO ÂMBITO DO DIREITO DA SAÚDE ................................................................................................................................. 69 3.4 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE .......................................................... 72 4 O CUSTO DOS DIREITOS ............................................................................................... 79 4.1 ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E EFICIÊNCIA DO DIREITO. .................... 82 4.2 O MÍNIMO EXISTENCIAL E A RESERVA DO POSSÍVEL ...................................... 89 4.3 PARÂMETROS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DAS DESPESAS PÚBLICAS COM AÇÕES E SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE E FUNDOS DE SAÚDE. ........................ 98 4.4 INSTRUMENTOS LEGAIS DE CONTROLE E AFERIÇÃO DA EFICIÊNCIA DAS DESPESAS COM SAÚDE................................................................................................. 100 5 ANÁLISE DA RECEITA PÚBLICA E DA DESPESA PÚBLICA COM SAÚDE..... 106 5.1 RECEITAS PÚBLICAS VINCULADAS À SAÚDE................................................... 121 5.2 AS DESPESAS PÚBLICAS COM SAÚDE ................................................................. 123 5.3 ANÁLISE DAS DESPESAS DA UNIÃO, DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL COM SAÚDE ..................................................................................................................... 124 6 CONCLUSÃO.................................................................................................................... 130 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 134 ANEXOS ............................................................................................................................... 146.

(10) 1 1 INTRODUÇÃO. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada a 5 de outubro de 1988, trouxe inúmeras inovações quanto aos direitos e garantias fundamentais individuais e sociais (Título II), destacando uma ordem social (Título VIII), na qual explicitou tais direitos e garantias dos cidadãos, dentre os quais o direito à saúde (art. 196 a 200). De mesmo status constitucional, também positivou regras e princípios sobre a tributação e o orçamento (Título VI), em que destacou importantes balizas sobre as finanças públicas (Capítulo II), cuja ênfase coube aos orçamentos (art. 165 a 169). Nesse diapasão, fundou-se uma verdadeira ordem financeira constitucional, ao estabelecer os fundamentos da atividade fiscal do Estado. Esse corpo de normas é vital para que se conheça a dinâmica de funcionamento da máquina pública, com receitas e despesas, que têm de estar ligadas aos fundamentos (art. 1º) e objetivos (art. 3º) do Estado brasileiro. De fato, se o Estado brasileiro, ao adotar para si uma ordem jurídica, estabeleceu seus objetivos, toda sua ação deve ser voltada para a realização destes. Sendo a Constituição um corpo jurídico harmônico, as normas nela contidas hão de se compor a fim de propiciar o atingimento desses objetivos, consoante seus fundamentos, dos quais se sobrelevam a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana”. Estes dois fundamentos orientam, do ponto de vista teleológico da ação estatal, o atingimento dos objetivos do Estado, como destacado; quer dizer, os objetivos do Estado são qualificados quando têm em vista esses fundamentos. Assim, não basta “garantir o desenvolvimento nacional”, por exemplo, se não considerar os fundamentos da República (cidadania, dignidade etc.). Para atingir seus objetivos, porém, necessita o Estado de recursos financeiros para custear as ações e serviços que tenha de prestar ao cidadão diretamente, ou de fomentálos; ou seja, de satisfazer as necessidades públicas. Basicamente, o Estado obtém esses recursos.

(11) 2 via tributação de rendas, patrimônio, produção e circulação de bens e de outras atividades econômicas privadas, embora possa obtê-los pela gestão de seu próprio patrimônio (receita patrimonial) ou por meio de financiamento interno ou externo (endividamento público). Como cediço, é o ordenamento jurídico quem confere essas possibilidades, cujo exercício é ato de gestão. De igual forma, os fins e os procedimentos (meios) para realização das despesas públicas são rigidamente estabelecidos ex lege, podendo-se constituir “crime de responsabilidade” dele desviar-se (CF, art. 85, VI e VII). Nesse sentido, pode-se afirmar que o Estado realiza seus objetivos por meio das despesas púbicas, que têm, assim, caráter instrumental, com sói à sua atividade financeira. É dizer: para concretização de seus objetivos o Estado deve obter e despender recursos, que, por essa razão, qualificam-se como públicos, conforme a ordem jurídica. Essa condição é comum a todos os órgãos públicos e em todos os Entes da Federação. Também pode-se afirmar que, atingindo seus objetivos, o Estado está concretizando direitos dos cidadãos e respeitando-lhes a dignidade; e por isso e para isso necessita de recursos. Assim, chega-se à premissa básica do presente trabalho: os direitos têm custos. A segunda premissa é: a cada direito fundamental corresponde um dever o Estado. E a terceira: o custo do direito não necessariamente é igual ao custo do dever do Estado. A abordagem dos direitos fundamentais sob esses prismas, até onde se pôde pesquisar, não é corrente na doutrina e na jurisprudência nacional. Há alguma preocupação teórica e prática sob a perspectiva da “teoria da reserva do possível” e da “teoria do mínimo existencial” para satisfação de direitos quando demandados judicialmente, porém, sem demonstrar, enfaticamente, em termos de sustentabilidade ou de viabilidade econômica desses direitos, ou seja, sob a perspectiva dos custos. O presente trabalho pretende focar-se na perspectiva da Ciência do Direito, ainda que tangencie minimamente aspectos econômicos, para cotejar o direito à saúde conforme.

(12) 3 previsto na Constituição Federal. Essa tangente se dará sem a profundidade que possam esperar os mais exigentes, seja por razões metodológicas seja pelas limitações de conhecimentos do autor nessa ciência. Não obstante a assistência à saúde seja livre à iniciativa privada (CF, art. 199), optou-se, por razões práticas e teoréticas, em analisar os dispêndios públicos com a receita de impostos para satisfazer o chamado “direito à saúde”, tratado, como dito, pela Constituição Federal nos art. 5º, 6º e 196 a 200. Com efeito, do ponto de vista da satisfação pelo Estado de um Direito, apenas a prestação custeada, ainda que indiretamente, pelo Estado, é que será objeto de análise, ou seja, apenas as despesas públicas com saúde. A propósito, após a edição da Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, houve a compilação e divulgação de dados de execução orçamentária e financeira das despesas com ações e serviços públicos de saúde, com acesso público a um banco de dados mantido pelo Ministério da Saúde, que veio a se tornar obrigatório legalmente com a Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012. Assim, a disponibilidade de dados e informações facilita a análise para os objetivos do presente trabalho. Estando umbilicalmente ligado ao direito à vida e à dignidade humana, constituise a saúde em direito público subjetivo oponível ao Estado, que se apresenta como o garantidor desse direito “mediante políticas sociais e econômicas”, como estabelece o art. 196 da Carta Magna. Ainda a Constituição Federal, com a Emenda Constitucional n. 29/2000, definiu uma aplicação mínima de parcela da receita tributária (de impostos) dos entes federados nessa área. Sob o ponto de vista da ciência das finanças, ao tratar das necessidades públicas, com enfoque econômico, sabe-se que as necessidades dos indivíduos são crescentes, enquanto os recursos são finitos; o modo e a forma de distribuição e aplicação dos recursos públicos revelam a formulação e execução das chamadas “políticas públicas” a fim de atender a tais necessidades públicas (não necessariamente coincidentes com as chamadas necessidades coletivas), isto é,.

(13) 4 aquelas que serão providas pelo Estado, ainda que não exclusivamente (CF, art. 175), e cobertas pelo orçamento público. Esse tema, portanto, transborda os limites do “jurídico”, interessando a outras ciências e saberes, tais como à sociologia, às ciências da administração e das finanças, à economia, à ética etc. e, por óbvio, ao próprio Direito, tanto do ponto de vista dogmático quanto zetético. No âmbito da dogmática jurídica, a conformação do regramento dos direitos financeiro (orçamento e finanças públicas) e administrativo (organização e prestação de serviços públicos) à disciplina constitucional do direito à saúde, colocam sob discussão parte da doutrina tradicional sobre as estruturas estanques dos entes federados, que requerem uma nova abordagem sobre a cooperação de que trata o parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal. De seu turno, também se tem como ponto de reflexão, a natureza, o alcance e o conteúdo do instituto “serviços públicos” (de saúde), como expresso no art. 198 da Constituição Federal. As “políticas públicas” de saúde, que demandam cada vez mais recursos públicos e sob forte “judicialização”, precisam encontrar suporte na realidade econômica e financeira dos Entes Federados, cabendo perquirir sobre a adequação da prestação dos serviços de saúde (CF, art. 198) ou da assistência à saúde (CF, art. 199), regulamentada, fiscalizada ou controlada (CF, art. 199) pelo Poder Público, ao conceito tradicional de serviço público (CF, art. 175) – com enfoque na máxima eficiência (CF, art. 37). No campo da prestação direta por parte do Poder Público, não há como olvidar a conformação do direito à saúde à teoria dos princípios, perquirindo-se, inclusive, de sua eventual derrotabilidade ante o princípio da reserva do possível. Nesse diapasão, os indicadores sanitários do país podem revelar um aspecto do grau de desenvolvimento nacional, uma vez que se tenha o direito à saúde como garantia constitucional. Nessa linha, a dinâmica do Estado para satisfazer os direitos públicos subjetivos de saúde merece ser estudada sob o enfoque da despesa pública, ou seja, sob a perspectiva de.

(14) 5 que os direitos têm custo e de que esse custo é coberto pelos cidadãos, bem como em que medida a intervenção do Estado na Economia, seja para obter os recursos de que necessita, seja para induzir ou estimular a participação de pessoas e empresas, repercute na satisfação desses direitos e, portanto, no desenvolvimento do país. Nessa perspectiva, poderá ser discutida, sem pretensão de esgotar o assunto, a eficiência do gasto público na prestação de serviços públicos de saúde, a partir de indicadores previsto na Constituição e nas leis, como medida de aferição do desenvolvimento dos estados e do país, bem como investigar se o aumento da despesa pública no intento de satisfazer esses direitos é eficiente. Noutras palavras, se apenas cumprir a norma jurídica é medida suficiente para concretização do direito à saúde – hipótese a ser testada no presente trabalho. Assim, o objetivo geral do presente trabalho é analisar as normas jurídicas, com ênfase nas constitucionais, que criam para o Estado o dever de gerar despesas para garantir os direitos de prestação de ações e serviços públicos de saúde à população brasileira. Tem-se como objetivos específicos: (i) analisar as normas constitucionais referentes ao direito à saúde no Brasil; (ii) analisar o regime jurídico das ações e serviços públicos de saúde, a organização do Sistema Único de Saúde a distribuição de competências entre os entes federados; (iii) discutir o custo dos direitos e as teorias do mínimo existencial e da reserva do possível; (iv) avaliar o sistema jurídico de obtenção de receita e de realização das despesas púbicas com ações e serviços públicos de saúde pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal. Para o desenvolvimento dessa dissertação de mestrado, serão analisadas as disciplinas constitucional (com ênfase na Emenda Constitucional n. 29/2000) e legal.

(15) 6 (especialmente a Lei Complementar n. 141/2012), da prestação das ações e dos serviços públicos de saúde sob os enfoques dogmático e, na medida do possível, zetético. Com relação a realização das receitas e das despesas públicas, serão utilizados os dados divulgados pelos Estados, Distrito Federal e União, nos anexos próprios dos seus Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO), estabelecidos na Constituição Federal e na Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), contidos no SIOPS – Sistema e Informação sobre Orçamento Público em Saúde, de que trata a Lei Complementar n. 141/2012, do sexto bimestre dos exercícios fiscais de 2013, 2014 e 2015..

(16) 7 2 O DIREITO À SAÚDE. 2.1. Direito da saúde e Direito à saúde. 2.2. Evolução dos Direitos Sociais e do Direito à saúde no Brasil. 2.3. O Direito à Saúde na Constituição de 1988. 2.4. O Sistema Único de Saúde.. Existe direito “à saúde”? Qual seu conteúdo? Existe um “dever” de saúde? Essas questões, embora aparentemente respondidas pelo senso comum e pelos textos legais, merecem ser respondidas analisando-as sob a sistemática da ciência do direito. A saúde tem um conceito técnico, que pode ser expresso nos seguintes termos, segundo foi utilizado na Conferência Internacional de Saúde de 1946, que criou a Organização Mundial da Saúde (OMS): “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doença ou enfermidade” 1 . Esse conceito, porém, não é aceito pacificamente, na atualidade, por utilizar uma separação positivista entre o físico, o mental e o social2. Dadas as dificuldades em apresentar método objetivo para avaliar a “qualidade de vida”, a fim de se aferir o “estado de saúde”, a própria OMS desenvolveu um método de aferição (WHOQOL-100) consistente em cem perguntas referentes a seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais3. Daí, não ser necessariamente fácil se conceituar, com objetividade e precisão, saúde, seja de uma pessoa, seja de uma população.. WORLD HEALTH ORAANIAATION. Basic documents. 48th ed. Including amendments adopted up to 31 December 2014. ISBN 978 92 4 165048 9. Disponível em http://apps.who.int/gb/bd/PDF/bd48/basic-documents48th-edition-en.pdf. Acesso em 06/01/2016. “Health is a state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity.” Tradução livre. 2 SEARE, Marco; FERRAA, Flávio Carvalho. O conceito de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 31, n. 5, p. 538-542, out. 1997. 3 FLECK, Marcelo Pio de Almeida. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 3338, Jan. 2000. 1.

(17) 8 O conceito de saúde, porém, não foi uniforme nem consensual na história, refletindo a conjuntura social, econômica, política e cultural e tido, quase sempre, como o oposto de doença. O conceito utilizado pela OMS, porém, refletia um conteúdo ideológico, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo. Assim, recebeu críticas técnica e político-ideológicas4. O conceito de doença, parece, sempre foi mais objetivo e empiricamente aceito do que o de saúde, para o qual ainda rendem discussões. Nesse contexto, o conceito de saúde desenvolvido por Cristopher Boorse, que, desde a década de 1970, vem difundindo a teoria bioestatística da saúde (TBS), é mais sintético – embora não menos criticado: saúde é a ausência de doença (patologia); existem graus de saúde. Esse conceito, com fundamentação e ancoragem na biologia evolutiva, pretende assumir que os conceitos de saúde-doença podem ser essencialmente descritivos e, como tal, isentos de valor.5 Nada obstante, no âmbito nacional, a Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013, que dispõe sobre o exercício da medicina, definiu doença como “interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes critérios: I - agente etiológico reconhecido; II - grupo identificável de sinais ou sintomas; III - alterações anatômicas ou psicopatológicas”6. Em 1978, a Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, da OMS, realizada na cidade Alma-Ata/URSS (atual Cazaquistão), destacou que “a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor da saúde”7; esta declaração. SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 29-41, abr. 2007. ALMEIDA FILHO, Naomar de; JUCA, Vládia. Saúde como ausência de doença: crítica à teoria funcionalista de Christopher Boorse. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 879-889, jan. 2002. 6 BRASIL. Lei Federal n. 12.842, de 10 de julho de 2013. Art. 4º, §1º. Diário Oficial da União, Ano CL, n. 132, Brasília/DF, 11.7.2013, pág. 1. 7 WORLD HEALTH ORAANIAATION. Report of the International Conference on Primary Health Care Alma-Ata, USSR, 6-12 Septeber 1978. WHO, Aeneva, 178. Disponível em http://www.searo.who.int/ entity/primary_health_care/documents/hfa_s_1.pdf. “(…) that the attainment of the highest possible level of health is a most important world-wide social goal whose realization requires the action of many other social and economic 4 5.

(18) 9 contém, inegavelmente, uma proposta política para além da terapêutica8. Também destacou a OMS, em seu documento de constituição9, que o gozo do mais alto nível possível de saúde é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, opinião política, condição econômica ou social. Por seu turno, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) 10 estatui em seu art. 12 que “os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”, cujo reforço como direito humano fundamental foi expresso na Conferência de Alma-Ata citada. Como se vê, no plano internacional, a saúde é tratada como um direito humano fundamental e deve ser objeto das chamadas “políticas públicas”11. Contudo, se falar em “saúde” não é pacífico, falar de “direito à saúde” implica expressar ou compreender primeiramente o alcance do termo “direito”. Direito é relação jurídica intersubjetiva, é objeto ou é conteúdo de um objeto? A palavra direito não tem uma definição ou conceito preciso, ainda hoje, gerando muita dificuldade, mesmo para seus operadores mais hábeis e respeitados, para expressar, com objetividade, qual o sentido em que se emprega o termo; a principal dificuldade seja de linguagem. A palavra direito tem muitas aplicações, tanto no uso científico, quanto técnico ou mesmo popular – afinal, todas as pessoas têm uma noção ou ideia do que seja “direito” ao empregá-la no cotidiano. Não é pretensão desta dissertação esgotar nem aprofundar essas discussões, senão apresentar alguns conceitos de uso correntio na doutrina.. sectors in addition to the health sector.” Tradução livre. 8 SCLIAR, Moacyr. op. cit. pág. 39. 9 WORLD HEALTH ORAANIAATION, Basic documents. “The enjoyment of the highest attainable standard of health is one of the fundamental rights of every human being without distinction of race, religion, political belief, economic or social condition.” Tradução livre., pág. 7. 10 Adotado pela XXI Sessão da Assembleia-Aeral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, promulgado no Brasil pelo Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992, embora tenha entrado em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992, na forma de seu art. 27, parágrafo 2°. 11 DANTAS, Flávia. Tributos, Tribunos, Tribunais e Policies: uma análise sistêmica da participação estratégica dos tributos nas políticas públicas. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, 2010. (mimeo).

(19) 10 É corrente a aceitação de que o direito é relação jurídica intersubjetiva, como exposto e defendido por Bobbio12, a partir de Kant. De fato, destaca Bobbio que a relação jurídica é aquela caracterizada pela forma e não pelo conteúdo, sendo que tal forma é a jurídica, sendo, portanto, a relação jurídica a regulada por uma norma jurídica; enquanto não for, são apenas relações de fato (econômicas, sociais, morais etc.). E a intersubjetividade marca essa relação, uma vez que envolve (pelo menos) dois sujeitos: um que tem um direito e outro, um dever correlato.13 Para destacar e iluminar, porém, as obscuridades acerca do termo “Direito”, Hohfeld 14 propôs, com preocupação lógica, um esquema de conceitos fundamentais para servirem como “o mínimo denominador comum do Direito” 15 , que visava a destacar os elementos que estariam presentes em todo e qualquer tipo de interesse jurídico 16 , sendo necessária a separação entre as relações puramente jurídicas das relações oriundas de fatos físicos e mentais17 (psíquicos). Pode-se, então, identificar as seguintes categorias ou posições:. “(i) ativas – que designam a posição ocupada pelo titular do direito -, em correlação com as (ii) passivas – que designam a posição da outra pessoa frente a quem pode-se dizer que o titular possui um direito -, e por oposição às posições (iii) inativas – a situação que se encontra alguém que não é titular nem do direito nem do dever em questão. As posições passivas são os correlativos e as posições inativas são os opostos”.18. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru: EDIPRO, 2001. 13 Idem. Ibidem. 14 HOHFELD, W. N. Conceptos juridicos fundamentales. 3 ed. México D.F.: Fontamara, 1995. 15 HOHFELD, W. N. op. cit., pág. 86. 16 FERREIRA, Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, n.31, p. 33 a 57, jul/dez 2007, pág. 35. 17 IDEM, ibidem, pág. 36. 18 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos. Direitos não nascem em árvores. Lumem Juris: Rio de Janeiro, 2005, pág. 137. 12.

(20) 11 São quatro as posições ativas: pretensão (claim), faculdade (privilege), postestade (power) e imunidade (inmunity), em cuja correlação estão as posições passivas: dever (duty), não-direito (no-right), sujeição (liability) e impotência (disability)19. Por sua vez, são posição inativas 20 : não-direito, dever, impotência e sujeição. Para o sentido que se emprestará à palavra “direito” no presente trabalho, se referirá ao sentido dogmático de “direito subjetivo”, importa destacar os conceitos de “pretensão” e de “dever”, nos termos postos por Hohfeld segundo Flávio Aaldino, a saber:. “(a) pretensão (claim): uma pessoa tem pretensão quando pode exigir de outrem um determinado comportamento, que constitui, para esta outra pessoa, um dever, logo, pretensão deve ser entendida como a possibilidade de exigir de outrem um determinado comportamento”. (...) (a) dever (duty): uma pessoa possui um dever quando está adstrita a um determinado comportamento, logo, dever deve ser entendido como a adstrição à prática de um determinado comportamento”.21. Destarte, pode-se estabelecer os seguintes nexos entre as situações ativas, passivas e inativas:. AALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-139. ROBERT ALEXY, segundo a tradução de VIRAÍLIO AFONSO DA SILVA da sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, assim destaca, empregando termos ligeiramente diferentes: “Nesse esquema lógico, segundo Hohfeld, existem oito ‘relações jurídicas estritamente fundamentais (...) sui generis" (strictly fundamental legal relations . . . sui generis). Ele as designa com as expressões ‘direito’ (right), ‘dever’ (duty), ‘não-direito’ (no-right), ‘privilégio’ (privilege), ‘poder’ (power), ‘sujeição’ (liability), ‘incapacidade’ (disability) e ‘imunidade’ (immunity). Os quatro primeiros dizem respeito ao âmbito dos direitos a algo; os quatro últimos, ao das competências” (ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Tradução de Virgílio Afonso da Silva, pág. 210). 20 Flávio Galdino destaca que a “a expressão ‘inativa’ não consta dos textos consultados, mas parece-nos ser, s.m.j., a que melhor designa o oposto de oposição ativa, referindo qem não seja titular do direito em questão” (op. cit., nota 45). 21 GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 137-138. Negritos no original. 19.

(21) 12 “(A’’) sempre que se refere a uma pretensão há um dever correlato. A ausência de pretensão refere uma situação de nãodireito. (B’’) sempre que se refere uma faculdade, há um não-direito correlato. A ausência de faculdade refere uma situação de dever. (C’’) sempre que se refere uma potestade, há um estado de sujeição correlato. A ausência de potestade refere uma situação de impotência. (D’’) sempre que se refere uma imunidade, há uma impotência correlata. A ausência de imunidade refere uma situação de sujeição”.22. Nesse sentido, direito subjetivo corresponde a uma situação jurídica ativa, como destacado acima, sendo que a “pretensão” refere ao que se considera o núcleo do direito subjetivo, qual seja o “poder de exigir de outrem um determinado comportamento”23; daí poderse aplicar esse conceito aos direitos fundamentais – de que se tratará adiante. Porém, há de se tomar a polêmica proposição de, tratando-se de direitos prestacionais, considerar os custos dos direitos como um elemento intrínseco para conhecer de sua factibilidade24. Assim, para se falar em “direito à saúde”, há de se considerar que “saúde” seja o objeto exigível, realizável, concreto, que se constitua um objeto de um dever de outrem. Então se pode indagar: pode alguém dar saúde a outem? Destarte, não se poderia falar propriamente em “direito à saúde”, considerando que a saúde seja um conteúdo capaz de ser objeto de uma prestação25. Noutras palavras, a saúde seria o objeto mediato da relação jurídica. A relação jurídica (direito/pretensão) a respeito da saúde, envolveria o cidadão e. 22. GALDINO, Flávio. op. cit., pág. 139-140. Negritos no original. GALDINO, Flávio. op. cit.. pág. 140. 24 GLADINO, Flávio. op. cit., pág. 235. 25 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo). 23.

(22) 13 o Estado nos polos subjetivos, cujo objeto imediato é uma prestação, que tem, por sua vez, a saúde como objeto mediato. Assim, ainda apoiado em Bobbio26, pode-se falar em “direito que se tem” e “direito que não se tem e se busca”, sob o ponto de vista do conteúdo da relação jurídica; embora não se possa demandar “saúde” do Estado, pode-se demandar “ações e serviços de saúde” como aponta a Constituição Federal. Sendo a saúde um “estado de bem-estar (…) e não apenas ausência de doença ou enfermidade”, não seria próprio de uma relação jurídica, mas sim as ações e serviços que levem a esse “estado de coisas” a ser promovido27. Parece ter sido essa a estrutura normativa adotada pelo art. 196 da Constituição de 1988, embora não necessariamente seja essa a percepção do Poder Judiciário, quando se perquire em que consiste o direito à (prestação de serviços de) saúde. Vale dizer: embora para a Constituição Federal a “saúde” signifique mais do que cuidados, a maior parte das pretensões demandas no Judiciário visam a obtenção de tratamento (objeto imediato), como se verá adiante.. 2.1 DIREITO DA SAÚDE E DIREITO À SAÚDE. Para além de uma questão de “jogo de palavras”, e considerando o que já foi exposto – seja quanto ao conceito de saúde, seja quanto ao ordenamento jurídico –, talvez não se possa afirmar que exista um direito à saúde, mas um direito da saúde, isto é, um conjunto de normas positivas que dispõem sobre a proteção e promoção da saúde por parte do Estado, uma vez que não seja a saúde um conteúdo de direito. Ratificando, o direito pode ser entendido como relação jurídica, posto que seja tratado por normas jurídicas, que exprimem um dever (obrigação) de satisfazer um interesse (objeto) de outrem, que se diz titular do “direito”. De todo modo, dada a consagração da expressão, dela se utilizará.. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 13ª tir. Rio de Janeiro: Campus, 1992. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15 ed. Malheiros: São Paulo, 2014. 26 27.

(23) 14 A própria Organização Mundial da Saúde, ao conceituar “saúde” como “estado” (status) e, ao reforçar e ampliar sua compreensão com a Declaração de Alma-Ata, colocam-na como o objetivo ou mesmo o resultado de um conjunto de ações, primordialmente do Poder Público, a fim de promover o seu mais elevado grau de satisfação, entendendo que saúde não se confunde com ausência de doença. Nesse sentido, não se pode aceitar que o chamado direito à saúde seja confundido com um impossível “direito a ser saudável”28, posto que não seja algo que se possa dar29. Há, no plano internacional, um conjunto de definições, declarações e consensos a respeito do “direito à saúde”, que não descuidam da necessidade de recursos para sua implementação, consoante destacado no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC, art. 2º.1)30, que também assentou o direito de todos “ao mais elevado nível possível de saúde física e mental” (art. 12). A conjugação desses elementos (“máximo recursos disponíveis” e “mais elevado nível possível de saúde”) orientam toda a formulação de políticas e recomendações para satisfação do direito à saúde dada sua natureza complexa com múltiplas dimensões, conforme destacado pela Constituição da OMS. Por um lado, o direito à saúde contém a liberdade de tomar decisões sobre a própria saúde; por outro lado, o direito à saúde também abrange o direito a um sistema de proteção de saúde. Assim, a disponibilidade de serviços de saúde, instalações e produtos de boa qualidade representa uma dimensão global, enquanto a garantia real aos direitos individuais representa outra dimensão igualmente importante31.. COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIAHTS (CESCR), General Comment No. 14 on the right to the highest attainable standard of health, 11 August 2000, UN Doc. E/C.12/2000/4. Disponível em http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=E/C.12/2000/4, acesso em 24 de janeiro de 2016. 29 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. op. cit., pág. 90. 30 Art. 2º. “1. Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas”. Arifamos. 31 RIEDEL, Eibe. “The Human Right to Health: Conceptual Foundations”. In: Clapham, Andrew; Robinson, Mary. Realizing the right to health. Aurich: Swiss Human Rights Books, 2009, p. 21-39. Disponível em 28.

(24) 15 Destaque-se, que no âmbito do Conselho Econômico e Social da ONU, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (CDESC) formulou o Comentário Aeral n. 14/2000, a respeito da implementação do art. 12 do PIDESC32, em que destacou firmemente a relação de dependência do direito à saúde com os demais direitos humanos e que esse direito compreende tanto uma liberdade quanto um direito propriamente dito, isto é, conjuga aspectos tanto de liberdades positivas quanto negativas do cidadão em face do Estado e de prestações deste para com aquele33. Nesse sentido, o direito à saúde em todas as suas formas e em todos os níveis contém os seguintes elementos inter-relacionados e essenciais: disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade.34 Esses elementos foram incorporados à Constituição Federal de 1988 e à Lei do SUS – Sistema Único de Saúde35, conforme se referirá adiante. Basicamente, esses elementos podem ser assim compreendidos, conforme explicado no Comentário Aeral n. 14/2000:. “a) Disponibilidade. Cada Estado Parte terá direito a um número suficiente de instalações, bens e serviços públicos, de centros de saúde e cuidados de saúde, bem como programas. A natureza exata das instalações, bens e serviços vai depender de vários fatores, incluindo o nível de desenvolvimento do Estado Parte. No entanto, estes serviços incluem os determinantes subjacentes da saúde, tais como água potável e saneamento adequado, instalações, hospitais, clínicas e outras instalações relacionadas com a saúde, pessoal médico e profissional treinado e bem pago dadas as condições do país e medicamentos essenciais definidos no Programa de Ação sobre Medicamentos Essenciais da OMS. https://saudeglobaldotorg1.files.wordpress.com/2014/06/01_453_riedel.pdf, acesso em 10/01/2016. 32 CESCR, op. cit. 33 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2ª ed. 4ª tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 34 CESCR, op. cit., pág. 4. 35 Lei Federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, publicada no Diário Oficial da União de 20 de setembro de 1990, pág. 18055..

(25) 16 b) Acessibilidade. Instalações de saúde, bens e serviços devem ser acessíveis a todos, sem discriminação, dentro da jurisdição do Estado Parte. A acessibilidade tem quatro dimensões que se sobrepõem: i) Não discriminação: unidades de saúde, produtos e serviços devem ser acessíveis, de fato e de direito, aos setores mais vulneráveis e marginalizados da população, sem discriminação por qualquer das razões proibidas. ii) Acessibilidade física: unidades de saúde, bens e serviços devem estar dentro do alcance físico seguro para todas as camadas da população, especialmente os grupos vulneráveis ou marginalizados, como as minorias étnicas e povos indígenas, mulheres, crianças, adolescentes, os idosos, as pessoas com deficiência e pessoas que vivem com HIV/AIDS. A acessibilidade também implica que os serviços médicos e determinantes subjacentes da saúde, tais como água potável e instalações sanitárias adequadas, estão ao alcance físico seguro, inclusive em relação às áreas rurais. Acessibilidade inclui ainda um acesso adequado aos edifícios para pessoas com deficiência. iii) A acessibilidade econômica (“modicidade”36): unidades de saúde, bens e serviços deve ser acessível para todos. Pagamentos de serviços de cuidados de saúde e relacionados aos determinantes subjacentes dos serviços de saúde devem basear-se no princípio da equidade, para assegurar que estes serviços, públicos ou privados, estão disponíveis a todos, incluindo grupos socialmente desfavorecidos. Equidade exige que. as. famílias. mais. pobres. não. devem. ser. desproporcionalmente sobrecarregadas no que se refere aos custos de cuidados de saúde, em comparação com as famílias mais ricas.. O texto oficial em inglês usa “affordability”, que significa “reasonably priced”, “preço razoável”; o texto oficial em espanhol utiliza “asequibilidad”, também no mesmo sentido de algo “que puede comprarse o pagarse”. Então empregou-se, livremente, a expressão “modicidade” para expressar a mesma ideia. 36.

(26) 17 iv) O acesso à informação: acessibilidade inclui o direito de procurar, receber e transmitir informações e ideias sobre questões relacionadas com a saúde. No entanto, o acesso à informação não deve prejudicar o direito de ter os dados pessoais relativos à saúde sejam tratados de forma confidencial. c) A aceitabilidade. Todas as unidades de saúde, bens e serviços devem estar de acordo com a ética médica e ser culturalmente apropriadas, isto é, que respeite a cultura de indivíduos, minorias, povos e comunidades, ao mesmo tempo sensível às necessidades de gênero e o ciclo de vida e deve ser projetado para respeitar a confidencialidade e melhorar o estado de saúde das pessoas em causa. d) Qualidade. Além de aceitável do ponto de vista cultural, instalações, bens e serviços de saúde também devem ser adequados do ponto de vista médico e científico e de boa qualidade. Isso exige, nomeadamente, médicos qualificados, medicamentos aprovados cientificamente e equipamentos hospitalares em boas condições, água potável e condições sanitárias adequadas.. Mais adiante, segue o CDESC, no referido Comentário Aeral n. 14/2000, a respeito das obrigações dos Estados Partes, destacando, dogmaticamente, sobre um dever público na relação jurídica em relação aos direitos acertados no Pacto:. 34. Em particular, os Estados têm a obrigação de respeitar o direito à saúde, inter alia, abster-se de negar ou limitar o acesso igualitário de todas as pessoas, incluindo presos ou detidos, minorias, requerentes de asilo e imigrantes ilegais, a serviços de saúde preventivos, curativos ou paliativos; abster-se de impor práticas discriminatórias como uma política de Estado; e absterse de impor práticas discriminatórias relativas à condição e necessidades de saúde das mulheres. Além disso, as obrigações.

(27) 18 de respeitar incluem a obrigação de um Estado que se abstenha de proibir ou dificultar os cuidados preventivos tradicional, práticas curativas e medicamentos, de comercializar drogas inseguras e da aplicação de tratamentos médicos coercivos, a não ser a título excepcional para o tratamento da doença mental ou a prevenção e controle das doenças transmissíveis. Nestes casos excepcionais deve ser sujeita a condições específicas e restritivas, respeitando as melhores práticas e padrões internacionais aplicáveis, incluindo os Princípios para a Proteção de Pessoas com Doença Mental e para a Melhoria da Atenção à Saúde Mental. Além disso, os Estados devem abster-se de limitar o acesso aos meios contraceptivos e outros meios de manter a saúde sexual e reprodutiva, de censura, retendo ou deturpando intencionalmente informações relacionadas à saúde, incluindo a educação e informações sexuais, bem como de impedir a participação das pessoas nas questões relativas à saúde. Os Estados também devem abster-se de ilegalmente poluir o ar, a água e o solo, por exemplo, através de resíduos industriais provenientes de instalações estatais, de usar ou testar armas nucleares, biológicas ou químicas, se tais testes resultarem na liberação de substâncias nocivas para a saúde humana, e de limitar o acesso aos serviços de saúde como medida punitiva, por exemplo, durante os conflitos armados, em violação do direito internacional humanitário. 35. As obrigações de proteger incluem, inter alia, as obrigações dos Estados de adotar legislação ou tomar outras medidas que garantam a igualdade de acesso aos cuidados e serviços de saúde prestados por terceiros; de garantir que a privatização do sector da saúde não constitua uma ameaça para a disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade dos estabelecimentos, bens e serviços de saúde; de controlar a comercialização de equipamentos médicos e medicamentos por terceiros; e de garantir que os médicos e outros profissionais de saúde atendam aos padrões apropriados de educação, habilidades e códigos.

(28) 19 éticos de conduta. Os Estados também são obrigados a assegurar que as práticas sociais ou tradicionais nocivas não interfiram no acesso aos cuidados pré e pós-natais e de planeamento familiar; a impedir terceiros de coagir as mulheres se submeter a práticas tradicionais, por exemplo, mutilação genital feminina; e tomar medidas para proteger todos os grupos vulneráveis ou marginalizados da sociedade, em particular as mulheres, crianças, adolescentes e idosos, à luz das expressões de violência de gênero. Os Estados-Membros devem também garantir que terceiros não limitem o acesso das pessoas à informação e serviços relacionados com a saúde. 36. A obrigação de realizar exige dos Estados partes, inter alia, dar o reconhecimento suficiente para o direito à saúde nos sistemas políticos e jurídicos nacionais, de preferência por meio de implementação legislativa, e adotar uma política nacional de saúde com um plano detalhado para a realização o direito à saúde. Os Estados devem garantir a prestação de cuidados de saúde, incluindo os programas de imunização contra as principais doenças infecciosas, e garantir a igualdade de acesso de todos aos determinantes básicos da saúde, tais como alimentos seguros e nutritivos e água potável, saneamento básico e habitação adequada e condições de vida. As infraestruturas de saúde pública devem prover serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a proteção da maternidade, particularmente nas áreas rurais. Os Estados têm de garantir a formação adequada de médicos e de outros profissionais de saúde, a provisão de um número suficiente de hospitais, clínicas e outras instalações de saúde, e a promoção e apoio ao estabelecimento de instituições que prestam serviços de aconselhamento e de saúde mental, com a devida preocupação com a distribuição equitativa em todo o país. Outras obrigações incluem o fornecimento de um sistema seguro de saúde pública, privada ou mista, que seja acessível para todos, a promoção da pesquisa médica e educação para a saúde, bem como campanhas de informação, em particular no que diz respeito ao HIV/AIDS,.

(29) 20 saúde sexual e reprodutiva, práticas tradicionais, violência doméstica, o abuso do álcool e do uso de cigarros, drogas e outras substâncias nocivas. Os Estados também são obrigados a adotar medidas contra os perigos para a saúde ambiental e ocupacional e contra qualquer outra ameaça como demonstrado pelos dados epidemiológicos. Para este propósito, devem formular e implementar políticas nacionais destinadas a reduzir e eliminar a poluição do ar, da água e do solo, incluindo a poluição por metais pesados como o chumbo da gasolina. Além disso, os Estados Partes são obrigados a formular, implementar e rever periodicamente uma política nacional coerente para minimizar o risco de acidentes e doenças profissionais, bem como para fornecer uma política nacional coerente em matéria de serviços de segurança e saúde no trabalho. 37. A obrigação de realizar (facilitar) exige dos Estados, dentre outros, tomar medidas positivas que permitem e ajudar as pessoas e comunidades a gozar do direito à saúde. Os Estados Partes também são obrigados a cumprir (fornecer) um direito específico contido no Pacto quando os indivíduos ou um grupo são incapazes, por razões alheias à sua vontade, de realizar esse direito pelos meios ao seu dispor. A obrigação de realizar (promover) o direito à saúde exige dos Estados realizar ações de criar, manter e restaurar a saúde da população. Estas obrigações incluem: (i) fomentar o reconhecimento dos fatores que favorecem resultados positivos para a saúde, por exemplo, pesquisa e prestação de informações; (ii) assegurar que os serviços de saúde sejam culturalmente apropriados e que as equipes de cuidados de saúde sejam treinados para reconhecer e responder às necessidades específicas dos grupos vulneráveis e marginalizados; (iii) assegurar que o Estado cumpra as suas obrigações na divulgação de informações apropriadas relativas aos estilos de vida e nutrição saudáveis, práticas tradicionais nocivas e a disponibilidade dos serviços; (iv) apoiar as pessoas a fazer escolhas informadas sobre sua saúde..

(30) 21. Essas obrigações demandam recursos para sua implementação, como destacado no art. 2.1 do Pacto, e que sejam coerentes com uma política pública eficiente, de âmbito nacional, regional ou local, segundo a forma de Estado37 corrente.. 2.2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS E DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.. É corrente e comezinho rememorar que as alterações históricas (evolução) do papel do Estado quanto à definição, reconhecimento, conteúdo e concretização dos direitos dos cidadãos têm implicações recíprocas: na medida em que um se altera, altera-se o outro. Assim, após a Revolução Francesa de 1789, se tornou cada vez mais difundido e aceito que Estado seria o Estado de Direito de cunho liberal (econômico e político), cujo ápice se deu no século XIX, e que foi gradativamente assumindo outros e novos papéis e obrigações (deveres) e, nessa toada, passou a ser chamado, já no século XX conforme o grau de resposta aos cidadãos, de Estado Social38, Estado de Bem-Estar Social, Estado Providência39 etc. até o (atual) Estado Regulador 40 , quiçá, Pós-Providência 41 . Nessa caminhada histórica, foram surgindo diversos “direitos”, que forçaram um alargamento dos papéis (funções) do Estado, precipuamente a partir do Direito Constitucional e do Direito Civil 42. Essa gama de direitos “novos”, quase sempre se referiram ao que atualmente se convencionou chamar de direitos sociais, em contraposição semântica aos chamados direitos individuais. Para usar o slogan da Revolução. Segundo Paulo Bonavides “Como formas de Estado, temos a unidade ou pluralidade dos ordenamentos estatais, a saber, a forma plural e a forma singular; a sociedade de Estados (o Estado Federal, a Confederação, etc.) e o Estado simples ou Estado unitário”. (Ciência Política. 10ª ed. 9ª tir. Malheiros: São Paulo, 2000). 38 BONAVIDES. Do Estado Liberal ao Estado Social. 8 ed. Malheiros: São Paulo, 2007. 39 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 53. 40 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. Malheiros: São Paulo, 2014. 41 BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. O Estado Democrático de Direito Pós-Providência Brasileiro em busca da eficiência pública e de uma administração pública mais democrática. Revista Brasileira de Estudos Políticos. n. 98, jul-dez/1998, pág. 119-158. 42 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo 4 ed. 3 tir. Saraiva: São Paulo, 2014. 37.

(31) 22 Francesa, no plano histórico o alargamento do campo dos direitos passou dos direitos de “liberdade” para os de “igualdade” e, depois, para os de “fraternidade”. Daí ter-se difundido, não sem crítica, a tese das “gerações” de direitos, correspectivos às palavras do slogan revolucionário francês. “Aerações” que a Doutrina peleja atualmente substituir por “dimensões” - embora permaneça, em certo sentido, fútil essa discussão terminológica para afirmar, de todo modo, que os direitos foram ampliando seu alcance semântico e material, conforme mais resposta tenha, se exija do e possa dar o Estado – tanto de conteúdo quanto de forma. Também se projeta apontar a plurifuncionalidade dos direitos, como tentativa teorética de superação não somente das terminologias, mas para focalizar no papel do Estado43 sob o ponto de vista da resposta. Essa discussão, porém, tem o mérito dogmático de separar os chamados direitos individuais dos sociais – ainda que exista outras classes, tais como os coletivos, os difusos, os transindividuais etc. Não olvidando dessas classificações, para os fins deste trabalho interessa apenas a questão da concretização dos direitos pelo Estado, embora se dedique algumas considerações conceituais sobre os direitos sociais fundamentais. Direitos individuais seriam os que têm por titular o indivíduo, o cidadão considerado per si, como titular de direito material e de correspondente direito de ação para demandar sua efetivação perante o Estado, seja contra outro cidadão seja contra o próprio Estado. São, para utilizar a terminologia ainda em voga, os direitos de “primeira geração”, os “direitos de liberdade”. De outro ângulo, os direitos sociais têm sede na “segunda geração”, isto é, são os “direitos de igualdade” 44 . Insista-se que a expressão “gerações” não implica em superação – eis um dos elementos de rejeição da expressão – dos direitos “pré-existentes”, isto é, daqueles que já eram reconhecidos positivamente pelo Estado e exercidos pelos cidadãos.. Vide MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais. Os direitos, suas funções, o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Lisboa, 2015 (mimeo). 44 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros: São Paulo, 2004. 43.

(32) 23 O Brasil não se mostrou alheio a essa evolução dos direitos no Ocidente, integrando-se a essa ordem de ideias, seja pela influência francesa na Corte durante o Segundo Império seja pela adesão da República ao modelo americano, embora fortemente influenciado pelos Direitos Francês, Alemão e Italiano45, que informaram as bases do Direito Constitucional e Administrativo brasileiro. Nessa toada, conforme essas ideias se foram sedimentando no país, foi-se alargando o papel do Estado no tratamento dos chamados “direitos sociais”. Talvez uma primeira demonstração positiva e material na área da saúde tenha sido representada pela Lei Federal n. 1.261, de 31 de outubro de 190446, apesar de ter concorrido para a chamada “Revolta da Vacina” 47 , embora desde 1846 tenha se instituído a vacinação contra bexiga (varíola) 48 . Também a subscrição do Brasil ao Código Pan-Americano de Saúde, em 1924, que marcou sua entrada na posterior Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS49, a primeira organização internacional sobre o tema, é significativa. O que fica evidente, de todo modo, é que a expansão do papel do Estado não se deu abruptamente ou por revoluções, mas foi um processo paulatino, embora marcos históricos sejam sempre lembrados, como as Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919). De igual modo, a evolução da ciência do Direito, as técnicas e métodos de interpretação e a Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Aanella. Direito Administrativo. 28 ed. Atlas: São Paulo, 2015, pág. 29. “Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.” Disponível em http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=61058&tipoDocumento=LEI &tipoTexto=PUB 47 RIO DE JANEIRO (CIDADE). Secretaria Especial de Comunicação Social. 1904 - Revolta da Vacina. A maior batalha do Rio. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – A Secretaria, 2006. 120 p.: il.– (Cadernos da Comunicação. Série Memória) ISSN 1676-5508 48 Decreto nº 464, de 17 de agosto de 1846, que “manda executar o regulamento do instituto vaccinico do Império”, que estabelecera: “Art. 29. Todas as pessoas residentes no Império serão obrigadas a vaccinar-se, qualquer que seja a sua idade, sexo, estado, e condição. Exceptuão-se somente os que mostrarem ter tido Vaccina regular, ou bexigas verdadeiras”. Porém, em 4 de abril de 1811, o Príncipe Regente baixara um Decreto (n. 28) com a seguinte ementa: “marca a gratificação das pessoas empregadas na propagação de vaccina nesta corte”. Esse Decreto invocou por fundamento que houvera o Príncipe “mandado organisar nesta Corte, debaixo das vistas do Intendente Aeral da Polícia da Côrte e Estado do Brazil e do Physico-Mór do Reino, um estabelecimento permanente, para que com mais extensão e regularidade se propague e se conserve, em beneficio dos povos, o reconhecido preservativo da vaccina”. Insta destacar que a vacina contra a varíola fora descoberta por Jenner em 1796, quinze anos antes, portanto, de já no Brasil se objetivar vacinar a população. Aliás, o nome vacina decorre do método de imunização contra a varíola, que utilizava o vírus Vaccinia, que infectava vacas (vacca, em latim). 49 PAN AMERICAN HEALTH ORAANIAATION. Basic Documents of the Pan American Health Organization Washington, D.C.: PAHO, 2012 (PAHO Official Document Nº. 341). ISBN: 978-92-75-17341-1 45 46.

(33) 24 primazia do Direito Constitucional, certamente, foram decisivos para que se formasse um novo mainstream nesse campo, com repercussões filosóficas, políticas e sociais. No campo do Direito Constitucional Brasileiro, a “Constituição Política do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, trouxe uma única referência à saúde, dispondo:. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.. Como se vê, a referência foi lacônica e tímida, no bojo de uma vedação genérica às atividades econômicas. Era um momento do ápice das ideias liberais, então o Estado não deveria intervir nas liberdades individuais, senão excepcionalmente – como demonstra o caso; o uso da expressão “inviolabilidade dos direitos civis” que tem por base “a liberdade, a segurança individual, e a propriedade”, além de que nenhuma atividade econômica pudesse ser proibida, corroboram com o pensamento político e econômico da época. Por sua vez, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, não empregou nenhuma vez a palavra “saúde”, que somente voltaria a ser citada 43 anos depois, com a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, dispondo (art. 19) competir concorrentemente à União e aos Estados (II) cuidar da saúde e assistência públicas. Convém destacar que pretendeu a Carta de 1934, segundo seu preâmbulo, “organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o.

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