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A definição legal de arrombamento e interpretação da al. e) do nº 2 do artigo 204.º do Código Penal

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A

DEFINIÇÃO LEGAL DE ARROMBAMENTO E A INTERPRETAÇÃO DA AL

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º

2

DO ARTIGO

204.

º DO

C

ÓDIGO

P

ENAL

Dissertação de Mestrado em Direito na área de Direito Criminal

Joana Patrícia De Sousa Couto

Sob orientação do Professor Doutor Damião da Cunha

Universidade Católica Portuguesa Escola de Direito

Maio de 2016 Porto

(2)

“Há apenas uma maneira de evitar críticas: não faça nada, não diga nada e não seja nada.”

(3)

Í

NDICE ABREVIATURAS ... 4 CAPÍTULO I ... 5 1. Introdução ... 5 2. Questão Central ... 6 CAPÍTULO II ... 10

1. Breve Contextualização Histórica ... 10

CAPÍTULO III ... 14

1. O Conceito de Arrombamento do artigo 202.º, alínea d) ... 14

1.1. Conceitos de “casa” e “lugar fechado dela dependente” presentes no art. 202.º al. d) ... 19

CAPÍTULO IV ... 25

1 . Interpretação da al. e) do n.º2 do art. 204 do CP ... 25

1.1. Conceitos de “ habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial”. ... 27

1.2. Conceito de “ou outro espaço fechado” ... 30

1.3. Jurisprudência relativa ao conceito em questão. ... 33

CAPÍTULO V ... 41

1. Breve referência à al. f) do n. 1 do art. 204.º - Diferenças e semelhanças em comparação com o preceituado no art. 204.º, n.º2 al. e) ... 41

CAPÍTULO VI – Conclusões... 46

(4)

4

A

BREVIATURAS Ac. Acórdão Al. Alínea Art. Artigo Cfr. Confirmar

CP Código Penal (em vigor)

CP de 86 Código Penal de 1886 CP de 82 Código Penal de 1982 CP de 95 Código Penal de 1995 Ed. Edição N.º Número Proc. Processo

TRC Tribunal da Relação de Coimbra

TRG Tribunal da Relação de Guimarães

TRP Tribunal da Relação do Porto

STJ Supremo Tribunal de Justiça

Nota

Na falta de menção em contrário os acórdãos do STJ e das Relações encontram-se em http://www.dgsi.pt/ .

(5)

5

C

APÍTULO

I

1.

Introdução

Hoje em dia, vivemos numa sociedade em que a criminalidade está sempre nas notícias atuais.

É uma realidade triste mas, é por isso que nos cumpre estar atentos a cada pormenor da nossa Lei Penal para, acima de tudo, vermos os interesses do ser humano e os nossos interesses, como defensores do direito, acautelados.

Como tal, e como já referimos que devemos estar atentos a todos os pormenores, manuseando o Código Penal, atentamos várias falhas e, portanto, resolvemos escolher uma que nos suscitou bastante interesse por ainda ter sido pouco falada. Talvez porque quase ninguém ainda deu por ela ou por a acharem pouco relevante. Todavia, achamos que tem uma importância tal que deu origem a este tema e, portanto, assumimos o desafio de desenvolver um assunto no âmbito do furto qualificado que, defendemos haver um erro legislativo, pelo menos à primeira vista, e que, portanto, merece uma análise detalhada do problema em questão.

E qual a razão que está por trás deste interesse pelo crime de furto? Ora, hoje em dia, podemos afirmar que este é um crime da moda pois, realmente, há muita gente na nossa sociedade que faz do furto uma prática reiterada e, portanto, faz disto o seu ganha-pão, daí que podemos afirmar que é uma prática ilícita que traz bastantes proveitos a quem a pratica.

Todavia, quando estes agentes são julgados perante um Tribunal, temos de garantir que serão bem julgados e que as normas presentes na nossa lei, que irão ser aplicadas, não deixam margem para dúvidas de interpretação, de modo a julgar bem um caso, pois estamos perante Direitos, Liberdades e Garantias do ser humano.

Como tal, e conforme já o dissemos, como haverá um erro legislativo na nossa Lei Penal e como isso não deverá acontecer, então, realizaremos esta dissertação de forma a esclarecer certas dúvidas e a fazer algumas interpretações que nos parecem ser as mais corretas.

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6

Portanto, começaremos com uma apresentação do problema em concreto que nos levou a redigir esta dissertação e, de seguida, cabe-nos clarificar, desenvolver e fundamentar, inclusive, historicamente toda esta problemática.

2. Questão Central

No atual Código Penal – doravante CP - que provém da Revisão do Código de 19951, com as devidas atualizações2, encontramos o crime de furto qualificado no art.

204.º. Nesta disposição, são descritas várias circunstâncias que qualificam certo crime como um crime de furto qualificado. Estamos, portanto, perante várias agravantes qualificativas.

Sendo este artigo composto por várias alíneas e, tendo todas elas particularidades, cumpre-nos debruçar sobre a al. e) do n.º 2 do art. 204.º que, nos transmite que, quem furtar coisa móvel alheia, “penetrando em habitação, ainda que móvel,

estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas” é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

Nesta alínea, está contemplado o caso em que o furto é cometido quando o agente penetra em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento. Sendo certo que, a referida alínea, menciona o arrombamento, o escalamento e as chaves falsas, como modo de praticar o crime referido, o nosso foco será o arrombamento3, sendo esta, a agravante que nos

interessa, ou seja, o furto praticado nestes locais por meio de arrombamento.

Todavia, este preceito não pode ser lido isoladamente pois, o conceito de arrombamento, é-nos fornecido pelo atual art. 202.º do CP, no Capítulo I, contido na disposição preliminar única desse capítulo. E, é aqui que encontramos as definições

1 Revisão levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março.

2 Sendo que, a última atualização foi feita através da Lei n.º 110/2015 de 26/08.

3 Todavia, devemos fazer a referência que são modos de penetração diferentes mas, referem-se aos

mesmos locais, sendo que, o escalamento também diz respeito a uma casa ou a um lugar dela dependente.

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legais que se revelam bastante úteis e indispensáveis para a interpretação de várias realidades contempladas no Código4. No nosso caso, o que mais interessa é o

preceituado na al. d) que nos fornece o conceito de arrombamento, para efeitos do CP e, mais não é do que o “rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de

dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente”.

Ora, da leitura desta disposição resulta que o arrombamento só diz respeito a casas ou a lugares fechados dela dependentes. E, esta é a ideia com que devemos ficar para se perceber a problemática em questão. Devemos fixar que o artigo das definições legais, supra referido, nos dá este conceito só o relacionando com casas ou lugares fechados dependentes de casas. Portanto, este será o nosso ponto de partida pois, sem mais, este conceito deixaria de fora muitas situações.

A conjugação destas duas normas tem suscitado várias dúvidas e, várias interpretações no que diz respeito à Jurisprudência Nacional, mais propriamente, no que concerne ao conceito de arrombamento ligado aos conceitos de estabelecimento comercial ou industrial mas, mais concretamente, ao conceito de espaço fechado5. E,

portanto, relativamente a este assunto, temos opiniões que divergem, quer na Jurisprudência, quer na doutrina.

JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, ao debruçar-se sobre esta questão, defende

que na definição legal de arrombamento contida no art. 202.º al. d) este só está ligado ao conceito de “casa” ou a “lugar fechado dela dependente” e, quando procedemos à análise do artigo 204.º, n.º 2 al. e) vemos que já se refere a uma penetração por arrombamento em “habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial” e, portanto, parece que evidencia uma contradição normativa pois “o

conceito de «casa» que vulgarmente se retém é o de «casa de habitação», com exclusão dos estabelecimentos comerciais e industriais”6. Segundo esta vertente, não

poderá haver uma conciliação de todos estes conceitos pois, são locais distintos e,

4 Cfr. LEAL-HENRIQUES, Manuel; SIMAS SANTOS, Manuel. Código Penal Anotado, Parte

Especial, 2.º Vol., 3.ª Ed., Editora Rei dos Livros, p. 608.

5BARREIROS, José António, Os Crimes contra o Património,2.ª Edição Universidade Lusíada, 1996,

p. 13.

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8

aparentemente, não têm ligação entre eles. E, além do problema apontado pelo autor, apontamos também que o art. 202.º só nos fala em “lugar fechado dela dependente” não fazendo referência ao segmento “ou outro espaço fechado” presente na al. e) do n.º2 do art. 204.º, portanto, não se sabe se são conceitos com o mesmo significado ou não. Por outro lado, temos jurisprudência que aponta no sentido de que o conceito de casa deverá abarcar outras realidades que não só a realidade de casa como uma habitação e, como tal, deverá englobar o caso dos estabelecimentos comerciais ou industriais. Tal é defendido no Assento n.º 7/2000, sendo este um Acórdão de Fixação de Jurisprudência em que se afirma que não se deve “confiar ou restringir o conceito

de «casa» ou de mera habitação, pois que na dimensão que tal conceito assume não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais (expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal), como igualmente outras realidades que, como «casa», devam ser consideradas”.

Pelo exposto, o problema que se coloca é o de que o artigo 202.º CP, na sua al. d), nos fornece o conceito de arrombamento referindo-se apenas a “casa” ou a “lugar fechado dela dependente” enquanto que, no art. 204.º, n.º2 al. e) deparámo-nos com outros conceitos, mais propriamente, outros locais que podem ser alvo de penetração por arrombamento, tais como: “habitação, ainda que móvel, estabelecimento

comercial ou industrial ou outro espaço fechado”.

Então, perante tal situação, parece-nos evidente que há uma contradição normativa7 ou, digamos antes, um erro legislativo pois, estão a ser englobadas outras

vertentes, ou seja, outros locais, no art. 204.º, que não foram abarcadas nas definições legais dadas pelo art. 202.º do CP. Ou então, será que estarão lá englobadas e apenas teremos de fazer uma analogia e interligar as definições?

Questionamos, ainda, a razão pela qual, o legislador, no art. 202.º, só referiu os conceitos de casa e de lugar fechado dependente dela e, no art. 204.º, n.º2 al. e), só mencionou o estabelecimento comercial ou industrial?

Interrogamos, ainda, por que razão a al. e) do n.º 2 do art. 204.º faz referência a “ou outro espaço fechado” se a al. d) do art. 202.º refere, por sua vez, “lugar fechado dela dependente”? Será que o outro espaço fechado são outros espaços que nada têm

7 Cfr. BARREIROS, ob. cit. p. 13.

(9)

9

que ver com uma casa? Será que a al. e) abarca outros espaços que não foram contemplados pela definição de arrombamento?

Além do mais, é necessário compreender o que engloba o conceito de casa plasmado na definição de arrombamento no art. 202.º pois, parece-nos que o conceito de casa, num sentido comum, nos levaria para o sentido de habitação. Ora, se assim for, não faria sentido nenhum o legislador ter incluído os conceitos de estabelecimento comercial ou industrial no art. 204.º, n.º2 al. e) porque, efetivamente, este tipo de espaços não têm o sentido comum de habitação.

Então o que é que o legislador quis transmitir com isto?

Como vamos relacionar e aplicar todos estes conceitos que, à primeira vista, parecem abarcar realidades distintas?

Haverá ou não um erro legislativo? Qual a solução que arranjamos para esta problemática?

Se estivermos de acordo com a posição de JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, irrefutavelmente, podemos afirmar que a al. e) do n.º 2 do artigo 204 não faz qualquer tipo de sentido e, efetivamente, ficamos sem perceber o sentido dela, a sua aplicação e a sua existência.

Se optarmos pela posição contrária de que, aqueles conceitos ali referenciados necessitam de uma íntima ligação com um conceito amplo de casa, então, talvez tenhamos encontrado a solução para a interpretação para o preceituado nesta alínea, e portanto, deixaríamos de estar “num beco sem saída”.

Portanto, esta será a questão que impulsiona o estudo que iremos realizar de seguida.

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10

C

APÍTULO

II

1. Breve Contextualização Histórica

Sendo certo que, o crime central da nossa dissertação se trata de um furto qualificado, impõe-se a necessidade de se fazer uma breve referência histórica deste crime. Além do mais, para percebermos e tentarmos desvendar a questão que nos trouxe até aqui, temos que investigar os códigos anteriores para analisarmos os conceitos lá existentes e, os que estão presentes hoje em dia, para aferirmos se houve uma evolução ou não e, para nos ajudar a entender as definições dadas nos dias de hoje pois, se hoje existem é porque tiveram uma base legal anterior. Assim, temos de entender as realidades anteriores e compreender como eram analisadas certas situações para percebermos qual a base para o que existe, atualmente, no nosso Código.

Originariamente, o furto estava consignado no título LXV8 do Livro V das

Ordenações Afonsinas9.

Mais tarde, surgiu o Código Penal de 1852 que foi o primeiro de todos, tendo sido aprovado por Decreto de 10 de Dezembro de 1852, contendo 489 artigos, dos quais os primeiros 129 formavam o Livro I e, os restantes, o Livro II. Todavia, a publicação oficial do CP, que originou o atual, provém do Decreto com data de 16 de Setembro de 188610 que resultou da autorização concedida ao governo pelo n.º 5 da Carta de Lei

de 14 de junho de 1884 11. Ora, neste CP de 86, no Título V, relativo aos crimes contra

a propriedade, mais concretamente no Capítulo I – designado por “Do furto e do roubo

8 Com título “Dos furtos que ham de feer anoveados, e por quaees deve o ladrom de morrer” in

Ordenações Afonsinas p. 262 e 263

9 Cfr. BARREIROS, ob. cit., p. 16

10 Que tinha o seguinte conteúdo: “ hei por bem, em nome de El-Rei, aprovar, para todos os efeitos, a

nova publicação oficial do Código Penal, que com este baixo assinado pelo ministro e secretário de Estado dos negócios eclesiásticos e de justiça”.

11 Cfr. Código Penal Português, Nova Publicação Oficial ordenada por Decreto de 16 de Setembro de

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11

e da usurpação de coisa imóvel”- surge o furto, no art. 421.º, aparecendo, mais à frente,

no art. 426.º o furto qualificado, que corresponde, hoje, ao art. 204.º

Através da análise dos vários números que compunham o art. 426º, já neste CP de 1886, o arrombamento era uma agravante do furto qualificado, pois constava no seu n.º 7 e dispunha o seguinte:

Para termos uma noção do que era o arrombamento, o CP de 86 dava a definição, no art. 442º, transmitindo que “é arrombamento o rompimento, fratura ou

destruição, em todo ou em parte, de qualquer construção, que servir a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente de casa ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objetos.”12

Portanto, nesta altura, o que existia era o furto qualificado por meio de arrombamento em casa não habitada, sendo que, nesta altura, já houve o cuidado de ser fornecida a definição de arrombamento. Definição esta que, já estava intrinsecamente ligada a uma casa ou a um lugar fechado dela dependente e, poderia, ainda, haver arrombamento quanto a móveis destinados a guardar quaisquer objetos.

Posteriormente, o Código Penal Português vigente, foi aprovado em 1982 sendo sujeito a várias revisões subsequentes ao longo dos vários anos e, portanto, a numeração e o próprio conteúdo literal do furto foram modificados.

Por consequência dessas alterações, o furto qualificado passou a estar indicado no CP de 82 no art. 297.º, fazendo parte o conceito de arrombamento na al. d) do n.º

12 OSÓRIO, Luís, Notas ao Código Penal Português, França e Arménio Editores, Coimbra, 1953, p.

847. Nesta altura, fez a destrinça entre o arrombamento exterior e o arrombamento interior, dizendo que é “exterior todas as vezes que pode haver introdução em qualquer lugar pelo rompimento de parede,

ou tecto, ou fratura de porta ou janela, ou danificação, ou remoção por força de qualquer objeto ou construção, que serve a fechar, ou impedir passagem.” Já quanto ao arrombamento interior diz-nos que

é “aquele que, depois da introdução em qualquer casa ou edifício, se faz em porta, ou parede interior,

ou construção interior, destinada à guarda ou segurança de quaisquer objetos”.

“Art. 426.º O furto será punido, nos termos dos artigos seguintes, quando for qualificado,

segundo as regras neles estabelecidas, pelo concurso de alguma ou algumas das seguintes circunstâncias:

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2, expondo que, pratica furto quem se penetra em edificação, habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outros espaços fechados, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, ou se aí se introduz furtivamente ou se esconde com intenção de furtar.

Ainda quanto ao conceito de arrombamento, o CP de 82 continuou a ter o cuidado de o explicar num artigo posterior, mais concretamente, no art. 298.º, no seu n.º 1, dispondo que “ É arrombamento o rompimento, fractura ou destruição no todo

ou em parte, de qualquer construção, que servir a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou lugar fechado dela dependente, ou de móveis destinados a guardar quaisquer objectos.”

Ora, ao observarmos o CP de 86 e o CP de 92, concluímos que, há diferenças na redação dos artigos. Relativamente ao artigo que regulava o furto qualificado através de arrombamento, no CP de 86 só se falava em casa não habitada e no CP de 92 já foram acrescentados outros locais. Contudo, iremos explorá-los mais à frente e, tal é bastante importante pois, foi esta alteração relativa ao furto qualificado que esteve na base das várias dúvidas de interpretação já que, no que concerne ao conceito de arrombamento, esta definição não sofreu alterações.

Hoje em dia e, fazendo uma atualização numérica dos preceitos em causa, temos o crime de furto simples no art. 203.º CP e o crime de furto qualificado no art. 204.º CP, portanto, o crime patente no art. 204.º tem circunstâncias qualificativas1314 15 que agravam o furto e, o que o agrava é o modo como se entra nos locais catalogados,

estando presente na al. e), do n.º 2 o conceito de arrombamento, conceito esse que está contido nas definições legais fornecidas pelo art. 202.º

O texto do atual artigo resulta da revisão que foi feita, ao código, pelo Decreto-lei n.º 48/95 de 15 de Março, portanto, atualmente, estamos perante o Título II que diz

13 Diz-nos BARREIROS, ob. cit., p.47, que estas circunstâncias qualificativas são taxativas.

14 No nosso caso, estamos perante o segundo grau de qualificação pois é relativo ao n.º 2 e, portanto, o

agente é passível de prisão de 2 a 8 anos, não tendo alternativa de pena de multa como acontece no n.º 1, como nos indica BARREIROS, ob. cit., p. 52.

15 Sendo, também, necessário referir que a agravação da al. e) do n.º 2 decorre da punição acrescida em

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13

respeito aos crimes contra o património, mais concretamente, perante o Capítulo II relativo aos crimes contra a propriedade.

Assim sendo, iremos começar por analisar o que existe atualmente na nossa lei, portanto, o já referido artigo 204.º, n.º 2 al. e) interpretado, em conjunto, com o art. 202.º al. d).

O que está em causa, hoje em dia, no art. 204.º, n.º2 al. e), é a circunstância de o agente penetrar em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento. E, esta situação não estava descrita no CP de 86, tendo sida incrementada com o CP de 82. Portanto, esta inserção de novas realidades serviu para observarmos a evolução das normas.

De seguida, iremos proceder a uma análise acerca dos vários pontos que achamos fulcrais para se perceber a questão central, ou seja, vamos perceber em que é que se traduz cada conceito incluído no CP atual, fazendo uma ligação com os códigos anteriores para percebermos como se procedeu à evolução dos conceitos.

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14

C

APÍTULO

III

1. O Conceito de Arrombamento do artigo 202.º, alínea d)

O legislador do nosso Código Penal teve o cuidado de dar uma definição de arrombamento, portanto, podemos afirmar que, quanto a este conceito há uma definição legal, aliás, uma definição penal. E, isto é deveras importante pois, o legislador, ao consagrar definições legais, está a cumprir uma obrigação constitucional que é a de criar certeza e segurança na aplicação da lei penal16. Todavia, é de fazer

referência que o art. 202.º afirma que as definições lá elencadas, valem para o disposto nos artigos seguintes17.

Esta preocupação, de haver um artigo contendo as definições legais, não existia no texto originário do Código18. O que já existia no CP de 86, era o art. 442.º que continha

a definição de arrombamento e, mais tarde, no CP de 82 esta linha manteve-se, todavia, era encontrada no art. 298.º. No entanto, nestes códigos anteriores, a definição de arrombamento era fornecida posteriormente, ou seja, primeiro tínhamos o furto qualificado com a agravante da penetração por meio de arrombamento e, só mais à frente, é que encontrávamos a definição do mesmo. Portanto, na sistematização destes Códigos não ficávamos logo dotados do conteúdo do conceito que era aplicado pois, primeiro o conceito era referido e, só depois, é que era dada a definição para, então, poder ser aplicado corretamente.

Atualmente, esta noção de arrombamento é encontrada no art. 202.º do CP relativo às definições legais19 e, na sua al. d), considera-se que, o arrombamento, é o

rompimento, a fratura ou destruição, no todo ou em parte, de um dispositivo que se

16 Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da

República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2008,Universidade Católica

Portuguesa, p. 554

17 No entanto, não nos devemos esquecer que no art. 190.º já estão lá introduzidos conceitos que só

agora, no art. 202.º, irão ser definidos, como é o caso do arrombamento, todavia, não é este o objeto do nosso trabalho.

18 Neste sentido, MAIA GONÇALVES, M. Código Penal Português Anotado e Comentado e

Legislação Complementar, 10.ª Ed, Almedina, Coimbra, 1996, p. 612.

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15

destina a fechar ou a impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente.20

Ora, o arrombamento, mais não é do que abrir à força uma coisa fechada21, ou seja,

é o movimento realizado para uma entrada forçada.22 E, esta definição, vai de encontro

à definição que nos é dada pelo Dicionário da Língua Portuguesa que nos diz que o arrombamento é um “acto ou efeito de arrombar” e que, portanto, arrombar é “forçar

(o que está fechado) ”23. No entanto, temos que ter em atenção que no nosso CP, não

se trata do arrombamento de uma coisa qualquer. Antes, tratar-se-á de abrir à força24

um dispositivo destinado a fechar ou a impedir a entrada de uma casa ou de um lugar fechado dela dependente. E, só neste caso é que estaremos perante um arrombamento para efeitos do CP.

Portanto, o arrombamento, traduz-se num rompimento, numa fratura ou numa destruição. Assim sendo, colocamos a questão de saber como é que se traduz isto na realidade?

Para LEAL-HENRIQUES e SIMAS SANTOS, romper, significa “quebrar,

rasgar, destruir parcialmente” e destruir é “fazer desaparecer em sua individualidade” 25 e, portanto, a ideia base é a de que algo físico serve para fechar

alguma coisa, portanto, se fecha, está aqui o intuito e, portanto, a finalidade, de

20 SIMAS SANTOS e LEAL- HENRIQUES, ob. cit., p. 611 entendem que o arrombamento inclui quer

o arrombamento interior, quer o exterior, dando o exemplo de um cofre que se transportou para fora do local onde se encontrava, vindo a ser aí arrombado. Já no CP de 86, DUARTE FAVEIRO, Vítor António, Código Penal Português Anotado, Coimbra Editora, 1953, p. 676, dizia-nos que o arrombamento do art. 426.º, nº7 dizia respeito a um arrombamento exterior e não interior, portanto, houve um alargamento neste âmbito. Mas, já OSÓRIO, ob. cit., p.847 fazia a distinção entre arrombamento interior e exterior.

21 Cfr. JOSÉ DE FARIA COSTA, “Anotação Ao artigo 202.º do Código Penal” in Comentário

Conimbricense do Código Penal- Parte Especial, Tomo II, Dirigido por Jorge de Figueiredo Dias,

Coimbra, Coimbra Editora, p. 14

22 Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 554

23 Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, Dicionários Académicos, Porto Editora, 1998, p. 69

24 E neste sentido o abrir à força tem que ser através de um rompimento, de uma fratura ou de uma

destruição.

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16

proteção. Por isso, tal como é afirmado no Comentário Conimbricense26, existem

dispositivos que são destinados a fechar, portanto, essa é a função específica deles, ou seja, impedir que só entrem aqueles que têm uma chave de acesso para esse dispositivo. Existindo uma fechadura, que é uma oposição física à entrada do agente e, sendo quebrada ou mesmo destruída essa fechadura27, então, estamos perante um

arrombamento porque, se é eliminada a finalidade (com o rompimento, a fratura ou a destruição desse dispositivo) então ela é dissipada. E, o mesmo acontece nos casos em que não estamos perante uma fechadura mas sim perante um cadeado, um vidro, uma tranca ou até uma grade que tenha por função fechar ou impedir o acesso a uma casa ou a lugar fechado dela dependente28 29.

Assim, nestes casos, não restará dúvidas de que estamos perante os conceitos já referidos para efeitos do Código Penal.

Contrariamente, já não estaremos perante um caso de arrombamento quando o agente entra numa casa pela porta, sendo que essa porta está apenas encostada ou fechada, não estando, todavia, trancada30. Aqui, falta o essencial para ser considerado

arrombamento que é o rompimento, a fratura ou a destruição que, neste caso, não houve.

Coloca-se, agora, a questão de saber se o conceito de arrombamento que vigora é o mesmo que existiu nos códigos anteriores ou se haverá alguma questão pertinente que logre a nossa atenção.

Como será evidente, a numeração de hoje em dia, presente no CP, não corresponde, de todo, à do primeiro, como já referi. Portanto, o conceito de arrombamento já presente no CP de 86 era encontrada no art. 442.º.

26 Cfr. JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., p. 16

27 E esta fechadura pode ser mecânica, elétrica ou eletrônica, tal como refere PAULO PINTO

ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 554

28 Cfr. MANUEL LEAL-HENRIQUES e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., p.610

29 Abarcando-se aqui dispositivos mais recentes, como é o caso das fechaduras que funcionam por banda

magnética. Neste sentido, aponta JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., p. 16

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17

E, é de fazer referência que, atualmente, a definição de arrombamento é dada numa disposição preliminar, portanto, antes de chegarmos ao crime de furto, pois quando nos deparamos com o crime de furto, já temos as definições para nos dar uma base de elucidação quanto ao emprego daquele conceito.

No CP de 86 tal ainda não acontecia pois, a definição de arrombamento estava presente no art. 442.º mas, o furto qualificado, com a agravante de ser por arrombamento já estava plasmada, anteriormente, no art. 426.º n.º 7, portanto, concluímos que a sistematização do próprio Código foi alterada31.

Da leitura do preceito em questão, concluímos que a redação é diferente.

Salta-nos logo à vista que as definições não são iguais. Desde logo, hoje em dia, trata-se do rompimento, fratura ou destruição de um dispositivo e, em 1886, tratava-se de uma qualquer construção, desde que servisse para fechar ou impedir uma entrada. Todavia, pensamos que não haverá problemas de interpretação. Com a evolução dos tempos, a segurança das habitações foi evoluindo, daí a utilização da palavra “dispositivo”32 e, na altura, a palavra “construção” abrangia tudo o que era uma

produção do homem e, portanto, devia ser entendida no seu sentido mais lato.33 O que

não contradiz a expressão “dispositivo” pois, também se trata de uma construção do homem. Além disso, a finalidade é a mesma pois, o significado deste conceito traduz-se num “mecanismo adaptado a determinado fim”34 e, o fim deste dispositivo em

questão é a proteção.

No entanto, a questão que achamos pertinente é a de que o artigo em questão, no CP de 86, referia-se a “casa ou lugar fechado dela dependente” e também se referia a “móveis destinados a guardar quaisquer objectos”.

31 E concordamos com esta alteração de sistematização porque, de facto, faz mais sentido termos um

artigo no início de um capítulo onde são compiladas todas as definições necessárias para a interpretação e aplicação dos artigos seguintes.

32 Foi introduzido este conceito de modo a que fosse permitida a incriminação quando são usados

dispositivos de função semelhante à das fechaduras mas que, tecnicamente, não são fechaduras. Aponta, neste sentido, MAIA GONÇALVES,1994, p. 651

33 Cfr. MANUEL LEAL-HENRIQUES e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit., p.57 34 Dicionário da Língua Portuguesa, Dicionários Académicos, Porto Editora, 1998, p. 242

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Ora, sendo esta informação de tamanha importância, pois não está englobada na definição que nos é hoje dada, recorremos ao CP de 82 para verificarmos se tal situação estava lá, também, contemplada.

E, no CP de 82, o conceito de arrombamento aparece-nos no art. 298.º, ou seja, depois da disposição do furto qualificado, por meio de arrombamento35, portanto, a

numeração mudou mas a sistematização continuou a mesma, daí que, a definição legal continuou a aparecer depois da qualificação do crime.

Da análise, observamos que a redação é igual ao CP de 86, portanto, os dois Códigos fazem referência ao arrombamento realizado em casa ou lugar fechado dela dependente ou ao arrombamento realizado a um móvel destinado a guardar quaisquer objetos. Logo, o que o CP 82 fez foi uma reprodução do art. 442.º, do Código anterior, porque, na altura, haveria dificuldades de formular de forma diferente36.

A situação descrita é bastante importante pois, então, coloca-se a questão de saber o que era englobado no CP de 86 e de 92 e o que é abrangido hoje em dia relativamente ao conceito de arrombamento porque vemos que, na redação atual, com a revisão de 1995 ao CP37, houve uma redução do seu âmbito, relativamente às definições

anteriores pois, ocorreu a eliminação do segmento “ ou móveis destinados a guardar quaisquer objectos”38 que, mais à frente, lhe iremos dar a devida importância.

35 Que estava presente no art. 297.º, n.º2 al. d) 36 Cfr. MAIA GONÇALVES, 1988, p. 580

37 Revisão essa que fez uma alteração que não tem muito relevo pois substitui-se o segmento “de

qualquer construção, que servir a fechar” por “de dispositivo destinado a fechar” – Cfr. MAIA

GONÇALVES, 1996, ob. cit., p. 613

38 Cfr. MIGUEZ GARCIA, M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte Geral e Especial com notas

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1.1 Conceitos de “casa” e “lugar fechado dela dependente” presentes no art. 202.º al. d)

Atualmente, cumpre-nos saber, para efeitos do CP, o que é uma “casa” e o que é um “lugar fechado dela dependente” pois, são estes conceitos que são referenciados no art. 202.º.

Portanto, o arrombamento, pressupõe a existência de uma casa. Para efeitos da Língua Portuguesa39, casa é “o nome comum a todas as construções destinadas a

habitação” portanto, quanto a uma noção comum de casa para qualquer pessoa,

considera-se “todo e qualquer recinto fechado por todos os lados, incluindo o

superior, com paredes apoiadas estavelmente no solo e que permita a entrada de pessoas”40. Afirma PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE41 que, “casa é um espaço

físico fechado que serve para habitação ou qualquer outra actividade humana”.

Portanto, daqui retiramos a ideia de que a casa em si não tem que ser para habitação pois poderá ter outras funções que não a de habitação42. Por isso, devido a motivos

histórico- culturais, casa será um espaço físico, fechado, que se encontra adaptado à habitação e, que portanto, neste sentido poderá ser para habitação, todavia, pode-se encontrar adaptado a outras atividades que decorrem da vivência humana, daí que, basta que seja um espaço “apto a ser habitado ou apto a que nele se desenvolvam as

actividades humanas para que foi criado”43.

Queremos, ainda, mencionar que, quanto a este conceito de casa, o CP de 86 fazia distinção entre casa habitada ou destinada a habitação44 e, casa não habitada, nem

destinada a habitação. A justificação dada para esta destrinça era a de que o furto

39 Cfr. Dicionário da Língua Portuguesa, ob. cit., p. 137. 40 Cfr. JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., p. 15

41 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 554

42 Que, como vamos ver mais à frente, poderá ter a função de um estabelecimento comercial ou

industrial.

43 Portanto, neste sentido, inclui-se, por exemplo, casas de saúde, de educação, de convívio, de política,

entre outras. Aponta neste sentido o Ac. do TRP 26.05.2015, Proc. n.º 436/12.4GBVNG.P1.

44 E, aqui não se englobava as casas em construção, como aponta neste sentido o Ac. do TRP de

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ofendia o direito de propriedade do ofendido e o seu domicílio.45 Por consequência, e

evolução dos tempos, o CP de 95 adotou um conceito lato de casa que abarca as realidades do CP de 8646 e as novas realidades. Daí que, e faz-se agora uma pequena

alusão e uma ponte de ligação entre este conceito e o disposto na al. e), do n.º 2 do art. 204.º que, não sendo o conceito de casa, um conceito que só engloba habitação, então, será por essa razão que se faz referência ao arrombamento em estabelecimento comercial e industrial pois, efetivamente, nestes espaços são desenvolvidas atividades humanas.47 E, se, realmente, o conceito de casa fosse só o de casa como habitação,

então, situações tipificadas na lei, como é o caso deste tipo de estabelecimentos, iriam ficar de fora. Assim, parte significativa desta al. e) seria “pura letra”48. Todavia, somos

da opinião que, o legislador ao especificar estas situações na lei, quis equipará-las ao conceito de casa, englobando-as, assim, nos vários tipos de casa.49

Então, está aqui alcançada a solução para uma das questões que tínhamos levantado inicialmente que era encontrar a razão e a solução para o facto de no art. 202.º estar consagrado um conceito que, pela sua leitura, só estaria ligado aos conceitos de casa ou de lugares fechado dela dependentes e no art. 204.º, n.º2 al. e) estarem referidos outros conceitos que não tinham sido falados no artigo das definições legais. Assim, com esta exposição, percebemos que quer os estabelecimentos comerciais, quer os estabelecimentos industriais se englobam no conceito de casa e que, o legislador, ao especificá-los, quis engloba-los no conceito de casa, sendo este conceito, um conceito mãe.

No entanto, devemos tecer alguns comentários quanto a esta forma de legislar pois que, numa primeira leitura da conjugação destes dois artigos, não é isto que nos salta

45 Ibidem.

46 Sendo tal afirmado no Ac. do STJ de 29-10-1998, Proc. n.º 98P624.

47 Neste sentido, o Assento nº 7/2000 de fixação de jurisprudência afirmou que “ E se é certo que não

é de confiar ou restringir o conceito de «casa» ou de mera habitação, pois que na dimensão que tal conceito assume não só se devem incluir os estabelecimentos comerciais ou industriais (expressamente referidos na alínea e) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal), como igualmente outras realidades que, como «casa», devam ser consideradas na perspectiva daquela citada alínea (v.g. casas de arrecadação, de abrigo, de recolha de alfaias agrícolas) ”.

48 Apontando neste sentido o Ac. do STJ de 15-12-1998, Proc. n.º 98P1044. 49 Ibidem.

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à vista pois parece haver realidades diferentes e daí afirmarmos existir um erro legislativo. O legislador deveria ter englobado estas outras realidades presentes no art. 204.º, no art. 202.º, pois, assim, não haveria qualquer réstia de dúvida e não seria necessário haver tanta jurisprudência a interpretar e a resolver esta questão, como iremos analisar mais à frente. Como tal não aconteceu e o legislador decidiu abordar várias realidades em dois sítios diferentes, então, pensamos que foi mal legislado, sendo aqui que assenta o erro legislativo. Aliás, pensamos que na base de toda esta confusão, está uma má organização de ideias pois, com a exposição feita até agora, deu para entender como devem ser lidos tais conceitos. Como já referimos, se houvesse uma melhor organização e explicitação no Código, mais concretamente, no que concerne à integração destes conceitos no art. 202.º, não era necessário todo este esforço mental.

Quanto ao conceito de “lugar fechado dela dependente”, tal traduz-se num lugar fechado dependente de uma casa que, para PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE

“pode ser qualquer espaço circundante da casa, que a rodeia, não acessíveis ao público”, dando o exemplo das garagens, arrecadações ou até sótãos, no entanto, refere

que estes espaços podem ser comuns ou privados, todavia têm que ser fechados50.

E, como refere JOSÉ DE FARIA COSTA, trata-se de “um lugar que mais não é

do que o recinto que dá acesso à casa”51, todavia, defende que não precisa de ser

vedado, dando o exemplo dos pátios, jardins ou terraços ligados à casa e com passagem para ela52.

Também neste sentido, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2000 presenteia-nos com exemplos destes lugares fechados dependentes de casa, como é o caso dos jardins murados e fechados anexos às casas.

50 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 554

51 Opinião defendida por JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., p. 16

52 Já relativamente às zonas comuns, supra referidas, JOSÉ DE FARIA COSTA não considera que

possam ser abarcadas neste conceito pois defende que, devido às novas realidades urbanísticas, foram criadas bastantes zonas comuns e que, portanto, seriam as casas a depender das zonas comuns e não o contrário. Relativamente a este aspeto, tendemos a seguir a ideia de Paulo Pinto de Albuquerque pois considero que, as zonas comuns, sendo um espaço fechado, deverão ser consideradas como um lugar fechado dependente da casa.

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E, não nos podemos esquecer que, como já referimos previamente, os estabelecimentos comercias e industriais estão englobados no conceito de casa, portanto são considerados casas, daí que quando falamos deste conceito de “lugar fechado dela dependente” estamos a referir-nos a um espaço dependente de casa ou de estabelecimento comercial ou industrial e isto porque, estes estabelecimentos, fazem parte do conceito de casa que já explorarmos. E é nesta linha que devem ser interpretados estes conceitos no nosso CP.

Então, este é o sentido atual destes conceitos. Mas, seria este o sentido dado a estes mesmos conceitos no CP de 86?

Nestas alturas, só haveria arrombamento quanto a casas não habitadas. Isto porque, já dizia a Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826, no art. 145.º, no parágrafo 6 que “ Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável:” Portanto, se estivéssemos perante uma casa habitada, ou seja, se estiver gente dentro da habitação no momento em que a subtração tivesse lugar, já não era preenchido este artigo pois, tal levar-nos-ia para o art. 432º, parágrafo único, que foi redigido para este efeito53, dispondo que,

a entrada numa casa habitada com arrombamento, caso as pessoas estejam lá dentro, era considerada violência, portanto, estaríamos perante um roubo e não um furto.

Todavia, OSÓRIO54, aponta que, faltou regulamentar uma questão que é a de que

quando há arrombamento mas, nesse momento, não há pessoas dentro da casa. No entanto, “o Prof. Cavaleiro de Ferreira sustenta que o n.7 deste artigo abrange além

do que parece pela sua letra, ainda os casos em que o arrombamento, são cometidos em casas habitadas (não estando gente dentro) ou desabitadas, mas destinadas a habitação55.

No entanto, estas dúvidas foram dissipadas e foi resolvida a questão com o Decreto n.º 20:14656 que acrescentou ao n.º7 do art. 426 a expressão “ nem destinadas a

habitação”. Portanto, resolvidas as dúvidas, o sentido desta norma era o seguinte:

haveria arrombamento em casa onde não se encontrasse o habitante e em casa não

53 Cfr. OSÓRIO, ob. cit., p. 826 54 Ibidem.

55 Cfr. DUARTE FAVEIRO, ob. cit., p. 674 56 Ibidem.

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destinada a habitação57. Portanto, estes são os lugares onde o furto qualificado poderia

ser cometido, por meio de arrombamento.

Assim, apontamos que o sentido de casa dado no CP de 86 é o sentido comum de casa, ou seja, um espaço que serve para as pessoas habitarem. Digamos antes, uma morada de família, daí que se faça a destrinça entre casa habitada e não habitada pois, se não fosse habitada, iríamos pelo caminho do arrombamento, se fosse habitada, já iríamos pelo caminho do roubo. E, isto, porque, este conceito de casa, nesta altura, era algo fundamental e, portanto, inviolável, por isso, teria que ter uma punição mais grave. Então, se só se fazia referência a estes conceitos, ficaram de fora os locais que, hoje em dia, também merecem uma tutela penal que, como já referimos, são os estabelecimentos comerciais e industriais e os espaços deles dependentes.

Todavia, no CP de 82 já foram introduzidos estes locais pelos quais se podem penetrar através de arrombamento e, tinham o mesmo significado que têm hoje em dia, significado esse que já exploramos. Por isso, vemos que houve uma evolução desde o CP de 86 até ao CP de 92 e, portanto, foram englobados estes novos lugares e, por isso, passaram a ser abrangidos locais que não eram antes pois que, no CP de 86, defendia-se um conceito restrito de casa.

No CP de 86, no art. 442.º, e no CP de 82, no art. 298.º, n.º 1, o conceito de arrombamento englobava os “móveis destinados a guardar quaisquer objetos” e, a partir da Revisão de 1995 tal deixou de existir. Procedeu-se a uma redução do seu âmbito, ou seja, uma redução das suas amplitudes e abrangência58e isto parece-nos

ser um ponto bastante importante. Coloca-se a questão de saber o que englobava este conceito e, portanto, se com esta redução, mais concretamente tratando-se de uma redução previsiva59, se houve ou não um retrocesso na nossa legislação e se deixaram

de ser abarcadas certas realidades.

Ora, o artigo continha a expressão “ou móveis destinados a guardar quaisquer objectos”, portanto, o “ou” leva-nos para uma alternativa, por isso, os móveis destinados a guardar objetos nada têm que ver com a casa ou com o lugar fechado dela

57 Cfr. DUARTE FAVEIRO, ob. cit., p. 675. 58 Assento do STJ n.º 7/2000, Proc. n.º410/99. 59 Ibidem.

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24

dependente, resultando, assim, um segmento independente. Ora, neste seguimento, um móvel destinado a guardar objetos, poderia ser, por exemplo, um automóvel, visto que, nada tinha que ver com o conceito de casa, portanto, entendemos que, nesta altura, um veículo automóvel, poderia entrar no conceito de arrombamento. Aliás, mais do que poderia, deveria. No entanto, ao ser retirado este segmento, deixou de se contemplar esta situação, todavia, debruçar-nos-emos, mais à frente, sobre o problema de hoje em dia, em relação ao veículo automóvel.

Concluindo, ainda relativamente a este segmento, observamos que, efetivamente, houve situações que deixaram de ser expressamente contempladas devido à redução previsiva que o artigo sofreu. A questão que levantamos é a seguinte: deixando, por exemplo, a situação do automóvel de estar contemplada visto ter deixado de haver aquele específico segmento, será que conseguimos englobá-la noutra parte do artigo? Se a resposta for negativa, então, realmente, houve um retrocesso na nossa legislação pois, deixaram de ser englobadas situações que estavam especificamente contempladas aqui. Todavia, também poderemos afirmar que, se assim foi, foi porque o legislador julgou que certas situações não mereciam uma tutela específica e, portanto, se por um lado adicionou locais que agora fazem parte do conceito de arrombamento, por outro, retirou este segmento e, se o fez, foi por ter julgado ser a melhor solução. O que nos parece querer dizer que o legislador sabia o que queria fazer, todavia, como já referimos, não o fez da melhor maneira.

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25

C

APÍTULO

IV

1. Interpretação da al. e) do n.º2 do art. 204 do CP

Depois de feita uma análise no que respeita ao art. 202.º, mais concretamente, ao conceito de arrombamento, cabe-nos, agora, incidir na questão da alínea que é fulcral para a nossa exposição que, está presente no furto qualificado: o art. 204.º, n.º 2 al. e)60. Todavia, nunca podemos descurar a imposição que é feita relativamente à leitura

das duas normas em conjunto, buscando, assim, uma harmonização entre elas.

Ora, conforme este artigo e, esta alínea em questão, transmitem, o agente que furtar coisa móvel alheia, penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, é punido com pena de prisão de dois a oito anos. Portanto, este tipo objetivo de ilícito qualificado, exige dois requisitos cumulativos: que o agente penetre em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado e que o faça, no caso em apreço, por arrombamento.

Ao analisarmos este preceito, observamos que estão aqui inseridos vários conceitos, conceitos esses que se inserem na conceção de arrombamento já definida. No entanto, também observamos que tal não acontece com todos os conceitos lá presentes pois referem-se a locais onde pode haver uma penetração através de arrombamento, como é o caso do estabelecimento comercial ou industrial e de “outro espaço fechado” que não estão presentes na definição legal de arrombamento. Todavia, é uma questão para explorarmos mais à frente, visto que, por agora, devemos fazer um termo de comparação com os códigos anteriores e, posteriormente, procederemos a uma análise de cada realidade aqui referenciada.

Relativamente ao CP de 86, o furto qualificado, com a agravante qualificativa, relativa ao arrombamento, surgia no art. 426.º, mais propriamente no n.º 7, sendo um segmento curto, referindo só que seria furto qualificado quando houvesse arrombamento em casa não habitada61. Nos artigos seguintes, também se faz referência

60 Que passou a ter esta numeração desde a reforma ao CP de 95, mantendo-se até à atualidade. 61 E, mais tarde foi adicionado o segmento “nem destinada a habitação”.

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26

ao arrombamento, todavia, junto com outras agravantes, como é o caso do valor ou de outras circunstâncias62 que não nos importam aqui.

No CP de 82, o furto qualificado aparece-nos no art. 297.º, sendo que, o furto por meio de arrombamento estava presente no n.º 2, na al. d), incorrendo, assim, numa pena de 1 a 10 anos quem furtasse coisa móvel alheia “Penetrando em edificação,

habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outros espaços fechados, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas, ou tendo-se aí introduzido furtivamente ou escondido com intenção de furtar”.

Observamos que, houve modificações entre o CP de 86 e o CP de 92. No primeiro, só estávamos perante arrombamento se fosse em relação a uma casa não habitada e, no CP de 92, foram introduzidos novos conceitos, ou seja, novos locais tais como a edificação, a habitação, ainda que móvel, o estabelecimento comercial ou industrial e, ainda outros espaços fechados.

Portanto, vemos que em relação ao CP de 95, que é o que vigora hoje em dia, houve uma mudança na redação, uma mudança de alínea e até uma mudança na pena63.

Todavia, apesar de ter havido alterações, manteve-se o facto de se tratar de uma agravante qualificativa do furto, agravante que deriva do modo de penetração e, portanto, é a violência contra as coisas que qualifica o furto64.

Todavia, focar-nos-emos, agora, nos conceito vigentes de hoje em dia que são o que estão na base de todas as dúvidas suscitadas.

62 Presentes nos artigos 427.º, 428.º e 429.º do CP de 86.

63 Assim, do art. 297.º do CP de 82, passou a ser o art. 204.º no CP de 95. A situação do furto qualificado

continuou no n.º2 mas mudou da al.d) para a al. e). Por último, desapareceu o conceito de “edificação” e o segmento “ou tendo-se aí introduzido furtivamente ou escondido com intenção de furtar”.

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1.1. Conceitos de “ habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou

industrial”.

O primeiro conceito que nos surge, nesta alínea, é o conceito de “habitação, ainda

que móvel”, conceito que ainda não tínhamos explorado, portanto, pergunta-se o que

abarca. Todavia, queremos fazer referência que, no CP antes da reforma de 95, a alínea em questão tinha, ainda antes do conceito de habitação, o conceito de “edificação”, que é o mesmo que construção65, portanto, leva-nos a crer que estava a reforçar a ideia

que já estava presente da definição de arrombamento quando era referido que “é arrombamento o rompimento, fractura ou destruição no todo ou em parte, de qualquer construção”. Assim, a nosso ver são conceitos que querem dizer o mesmo, daí que, depois da reforma de 95, esse conceito tenha desaparecido pois já estava presente no artigo relativo à definição de arrombamento e não faria sentido legislar usando repetições porque, também não o fez com o conceito de “casa”.

É de salientar que o art. 202.º, al. d) refere-se ao conceito de casa. Conceito esse, que abarca outras realidades e, aqui, nesta alínea, não temos presente o conceito “casa” mas sim o conceito de “habitação” que nos aparece no CP num artigo anterior, mais concretamente, no art. 190.º que diz respeito à “Violação de domicílio ou perturbação

da vida privada”66.

Ora, uma habitação trata-se de um sítio fechado onde as pessoas se alojam e pernoitam, ou seja, onde fazem a sua vida67. É, portanto, um espaço, reservado ao

alojamento destinado ao descanso, ao convívio, à alimentação, podendo estar ocupado por uma só pessoa ou por uma família. Além do mais, ainda poderá ser considerado como habitação um quarto de hotel ou um quarto arrendado por um inquilino68. No

sentido comum que todos percebemos, uma habitação é a residência/ domicílio de uma pessoa, mais concretamente a sua casa69. Portanto, apesar de, nesta alínea, não estar

65 Dicionário da Língua Portuguesa, ob. cit., p. 250

66 Sendo que, no n.º3 deste artigo, aparece-nos uma agravação se o crime for praticado por meio de

arrombamento.

67 Cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, ob. cit., p. 513

68 Cfr. MANUEL DA COSTA ANDRADE, “Anotação ao artigo 190.º do Código Penal” in Comentário

ao Código Conimbricense, p. 1011

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28

contemplada especificamente a palavra “casa” como estava no conceito de arrombamento, vemos que, este conceito de habitação está inserido no conceito de casa já referido anteriormente pois, “casa” abarca várias realidades, inclusive, casa como habitação. Portanto, está perfilhado o sentido lato de habitação, abrangendo-se, por exemplo, os atrelados das viaturas, as barracas de campismo, pressupondo, porém, que estejam a ser utilizadas, ainda que transitoriamente, para habitação. 70

Já no que respeita à expressão, “ainda que móvel”, conecta-se com o conceito de casa, conceito esse que, engloba o conceito de habitação, portanto, há uma ligação íntima entre estes conceitos. Assim, esta habitação móvel, refere-se ao exemplo clássico da roulotte que pode funcionar como habitação71, sendo este sentido de

habitação, o sentido comum que qualquer cidadão assume, ou seja, um sítio onde vivam lá pessoas, que esteja habitado. E, este entendimento foi defendido pelo STJ, num acórdão de fixação de jurisprudência72 que afirma que esta expressão está ligada

ao conceito de casa abarcando o conceito de roulotte que pode funcionar como habitação, apesar de estar atrelada a um veículo automóvel. Além do mais, não restam dúvidas que o legislador considerou habitação, a habitação móvel, tal como afirmou JOSÉ DE FARIA COSTA73 abarcando, por isso, as roulottes e as caravanas que,

quando são habitadas, são consideradas para este efeito, habitações74 e, por

consequência, casas.

70 Neste sentido, MAIA GONÇALVES,1994, p. 644 71 Exemplo referido no Assento do STJ n.º 7/2000 72 Assento n.º7/2000

73 Cfr. JOSÉ DE FARIA COSTA, “Anotação ao artigo 204.º do Código Penal” in Comentário ao Código

Conimbricense, p. 67

74 Ainda a este respeito MANUEL DA COSTA ANDRADE, ob. cit., p. 1012, defende que valem como

habitações móveis uma casa pré-fabricada, uma tenda de campismo, barcos ou até mesmo automóveis. Temos a dizer que quanto aos barcos e automóveis, temos uma opinião divergente pois que, à partida a finalidade destes é o transporte. Quanto aos barcos, e falamos mais concretamente quanto aos navios, ainda poderemos ter algumas dúvidas pois, estruturalmente, muitos são equiparados a casas, servindo para estadias bastante longas. Agora quanto aos veículos automóveis, apesar do Assento 7/2000 fazer referência ao facto dos veículos automóveis sejam um fator utilitário importante, que de facto são, não partilhamos da opinião que possam ser considerados habitações móveis, pois nada têm que ver com uma casa e nunca se podem destinar à habitação mas sim ao transporte de pessoas pois é esta a sua única finalidade.

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Quanto ao conceito de estabelecimento comercial ou industrial, detemos a questão que já tinha sido levantada relativa ao facto de sabermos e percebermos a razão pela qual o legislador especificou este tipo de locais, parecendo haver uma diferenciação relativamente ao conceito de “casa” presente no art. 202.º, al. d) e estes conceitos presentes nesta alínea pois, se lá já estava especificado que o arrombamento era em relação a uma casa ou lugar dependente dela, então por que razão é que, nesta alínea, fez referência expressa ao estabelecimento comercial ou industrial?

Como já foi referido, o conceito de casa abarca, também, estas realidades pois, na opinião de JOSÉ DE FARIA COSTA, casa, tratar-se-á de “todo e qualquer recinto

fechado por todos os lados, incluindo o superior, com paredes apoiadas estavelmente no solo e que permita a entrada de pessoas.”75 Portanto, neste sentido, cabem aqui os

conceitos de estabelecimento comercial ou industrial porque, também devido às estruturas físicas, merecem a qualificação de “casa”, portanto será um espaço apto para se desenvolverem atividades humanas, nestes casos, atividades industriais ou comerciais.

Conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça76, também entendemos que

um estabelecimento comercial77 merece a mesma tutela jurídica que uma casa no que

diz respeito ao arrombamento pois que, e usando as palavras do Tribunal, “não se

compreenderia que o legislador pudesse encarar de maneira mais benévola o arrombamento da casa onde está instalado um estabelecimento comercial do que de uma casa ao lado, eventualmente de habitação”78. E isto, porque, se seguirmos a

definição de casa já apresentada, com a qual concordamos, é inequívoco que o conceito de casa, abrange este tipo de realidades. E não poderia ser de outra forma pois, o único ponto que faz destrinça entre estes estabelecimentos e uma casa em sentido comum, é a sua finalidade, que poderá ser comercial ou industrial mas que, mesmo assim, está ligada a pessoas pois, as pessoas trabalham nestes espaços, portanto, digamos que são “habitados”, não no sentido de comum de lá morar alguém mas, no sentido de estarem

75 Cfr. JOSÉ DE FARIA DA COSTA, “ Anotação ao artigo 202.º do Código Penal”, in Comentário ao

Código Conimbricense, p. 15

76 Ac. STJ de 29-10-1998, Proc. n.º 98P624.

77 E, portanto, extensivamente o estabelecimento industrial também. 78 Ibidem.

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lá pessoas que até passam lá a maior parte do seu tempo. Além do mais, do ponto de vista estrutural, integram o conceito de casa já descrito.

Podemos concluir que, apesar de serem realidades elencadas de forma independente, o que levava a crer que não estariam ligadas ao conceito de casa (conceito esse que está intimamente ligado com o arrombamento), tal não poderá ser assim. Todos estes conceitos estão interligados dando origem a um só conceito e o legislador apenas quis especificar que tipo de casa pode estar compreendida neste artigo. Se o fez da melhor forma, nesse ponto já discordamos pois, à primeira vista, gera bastantes dúvidas de interpretação. Estes conceitos já deveriam estar mencionados na definição de arrombamento, dada pelas definições legais, porque, assim, não tinham sido geradas dúvidas relativamente à aplicação perante certas situações. Ora, esta redação levava a crer que eram conceitos que foram adicionados e que não entravam no conceito de arrombamento, portanto, não poderiam ou não deveriam estar ali. Mas, agora, depois desta análise, conseguimos demonstrar que estão na lei por uma razão, tendo, assim, como finalidade, especificar o tipo de casa que pode estar em causa.

1.2. Conceito de “ou outro espaço fechado”

No que respeita a este conceito, estamos em condições de afirmar que, é a partir dele que são geradas várias dúvidas, dando origem a bastante jurisprudência porque, de facto, há opiniões diversas relativamente a casos onde deve ou não ser aplicada a alínea em questão.

A questão aqui colocada é a de saber qual é o “ou outro espaço fechado” a que a alínea se refere?

No CP de 86 este conceito ainda não aparecia, portanto, não eram suscitadas questões. Todavia, no CP de 8279 já foi adicionado o segmento “ ou outros espaços

fechados”. Contudo, nunca nos podemos esquecer que o art. 297.º nunca poderia ser

lido sem o artigo seguinte que nos fornecia a definição de arrombamento e, portanto,

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lá fazia referência aos “móveis destinados a guardar quaisquer objetos”, logo, levava-nos a crer que estes outros espaços fechados, seriam estes móveis80.

No entanto, com a reforma de 95, tal segmento relativo aos “móveis destinados a guardar quaisquer objectos”, previsto no art. 298.º, deixou de existir. Contudo, o conceito de “ou outro espaço fechado”, agora no singular, continuou a residir. Portanto questiona-se qual será este outro espaço fechado a que a al. e) se refere? Qual a base para definirmos este conceito? O que abarca e o que deixa de fora?

Ora, tem sido entendimento jurisprudencial que o sentido deste espaço fechado terá que estar sempre ligado ao sentido de lugar fechado dependente de uma casa81,

sendo certo que, casa, como já referimos, está apresentado no seu sentido lato e portanto abarca os outros locais referidos na alínea. Também neste sentido, JOSÉ DE

FARIA COSTA82 afirma que só estaremos perante uma situação de arrombamento se

e só se o dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada tiver a ver com uma casa ou com um lugar fechado dela dependente. O que nos leva a crer que não poderá haver arrombamento de um espaço que não seja considerado uma casa ou que não seja dependente dela.83 Se estes requisitos não estiverem preenchidos, então esta alínea do

furto qualificado não poderá ser aplicada, até porque, o que carateriza e justifica esta agravante qualificativa do crime de furto “não é o facto de o agente se introduzir num

80 Entenda-se em sentido contrário de imóveis. Então, aqui, caberia a situação da penetração de um

veículo automóvel por arrombamento.

81 Neste sentido temos o Ac. do TRC de 14-05-2008, Proc. n.º 140/06.2GCLRA.C1 e o Ac. do TRP de

01-07-2015, Proc. n.º 5159/13.4TAMTS.P1 que redigiu logo o segmento “conceito de lugar fechado dependente de casa”, relativamente ao conceito presente na al. e).

82 JOSÉ DE FARIA COSTA, ob. cit., p. 14

83 Pois que, no Acórdão do TRP de 11-07-2012, Proc. n.º 774/11.3GAVNF.P1 entenderam que “o que

verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o que verdadeiramente reclama uma tutela penal reforçada é a habitação e o estabelecimento comercial ou industrial, conceitos que, para este efeito, incluem espaços fechados limítrofes, anexos ou a eles agregados. Há um reduto de mais-valias ligado ao espaço físico dedicado à habitação e ao estabelecimento comercial ou industrial e suas dependências contíguas e fechadas que o legislador entendeu ser merecedor de uma tutela acrescida do bem jurídico.”

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espaço fechado, mas sim, a circunstância de o espaço fechado estar conexionado com a habitação ou com o estabelecimento comercial ou industrial”84.

Todavia, afirma o Assento Fixador de Jurisprudência85 que são de incluir, aqui,

neste conceito, os jardins murados e fechados anexos às casas e afirma, também, o Tribunal da Relação do Porto86 que, nestes casos, se podem incluir o pátio, o jardim

ou um terraço que esteja ligado a uma casa, sem que para isso precise de ser vedado. Quanto a este ponto, tecemos alguns comentários pois, na nossa opinião, não há dúvidas de que estes casos são espaços dependentes de uma casa, todavia, coloca-se a questão de terem ou não que ser vedados. Ora, na nossa visão, desde que estes espaços estejam delimitados de modo a se perceber que não são de acesso ao público e que, portanto, serão espaços privados, então, para nós, será considerado um espaço fechado. Não esquecendo, porém, que tem que estar dependente de uma casa, portanto, no caso de um jardim, não pode ser um jardim qualquer pois terá que estar delimitado e terá que estar conexionado com uma casa.

Portanto, a conclusão que retiramos é a de que a definição de arrombamento está intimamente ligada ao conceito de casa e, por isso, o arrombamento tem de se processar em relação a uma casa ou em relação a um espaço fechado dela dependente. E, de facto, compreende-se que um espaço fechado tenha necessariamente que estar dependente de uma casa no seu sentido lato porque, o que a norma visa, é fornecer uma tutela penal a estas realidades, portanto, será de facto, compreensível e aceitável que os espaços fechados dependentes de casa e que com elas estejam conexionados, tenham a mesma proteção. Caso não se alcance nenhuma ligação, então esta proteção que é dada não será, de todo, justificável87. Se, de facto, o que se visa proteger é a casa,

então, se um espaço nada tem que ver com ela, perder-se-á a importância dessa tutela.

84 Ac. TRP de 11-07-2012, Proc. n.º 774/11.3 GAVNF.P1. 85 Assento n.º 7/2000.

86 Num Ac. TRP de 26-05-2015, Proc. n.º 436/12.4GBVNG.P.

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1.3. Jurisprudência relativa ao conceito em questão.

Neste seguimento, de se saber o que é englobado ou não por este conceito “ou outro espaço fechado”, fruímos de uma questão bastante relevante que já fez correr muita tinta nos Tribunais Portugueses e, até gerou um Acórdão de Fixação de Jurisprudência. Referimos o Assento nº. 7/2000 que se pronunciou quanto à questão do veículo automóvel, questão que já tinha sido levantada e que até gerou discordância nas próprias decisões dos tribunais, pois deu origem a decisões opostas. Ora, devido a esta divergência de opiniões, ficava-se sem saber qual a intenção do legislador e, portanto, houve a necessidade de ser criado este Acórdão de Fixação de Jurisprudência, visto que, o mesmo tribunal decidiu em contradição pois, numa decisão do STJ com data de 8 de novembro de 1998 foi interpretado o arrombamento no sentido de que este modo de penetração só abrangia exclusivamente a casa ou lugar fechado dela dependente e, dias depois, a 24 de Novembro de 1998, o mesmo Tribunal proferiu uma decisão em contrário dizendo que o arrombamento abrangia o lugar fechado ainda que não dependente de casa88.

Assim sendo, o Assento n.º 7/2000 veio esclarecer todas as dúvidas que houvesse relativamente à questão do veículo automóvel, ou seja, se podia ou não ser enquadrado nesta alínea do furto qualificado, sendo integrado no segmento “ ou outro espaço

fechado”. E isto, porque, de facto, o veículo automóvel trata-se de um espaço fechado,

mas será que integra o referido conceito, no âmbito do CP, para efeitos de aplicação desta alínea?

O que este Assento nos transmite, é que, atualmente, a inclusão da noção de veículo automóvel no conceito legal de espaço fechado, terá que ficar afastada. E isto porque, como já referimos, no CP de 82, no conceito que nos era fornecido relativo ao arrombamento, englobava, na sua parte final, o segmento “ ou móveis destinados a guardar quaisquer objetos” e, portanto, seria de englobar o veículo automóvel89.

88Temos esta contradição de decisões como fundamento para o lançamento deste acórdão de fixação de

jurisprudência no Assento n.º 7/2000 de 7 de Março.

89 Isto porque, mais uma vez reitero, que a alínea do furto qualificado relativa ao arrombamento nunca

Referências

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