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Regulação de mercado: o conflito concentração X livre concorrência

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REGULAÇÃO DE MERCADO: o conflito concentração X livre concorrência

Clélio Gomes dos Santos Jr. (FDMC - MG)

RESUMO: A regulação do mercado nasceu com o fenômeno da concentração, entendida como a cumulação de mercados, ou de parcelas deste, nas mãos de um ou de poucos agentes econômicos. É comum encontrar na doutrina a classificação da regulação de mercado sempre atrelada ao modelo de Estado em vigor. Em estados capitalistas estaria presente a livre concorrência, enquanto que em estados socialistas estaria presente a grande concentração. Este artigo procura demonstrar que a regulação de mercado não depende tanto do modelo de Estado adotado, mas, de outros fatores econômicos mais complexos e que devem ser melhor entendidos à luz da análise econômica do direito.

Palavras chave: regulação de mercado, concentração, livre iniciativa, livre concorrência.

SUMÁRIO: 1. Escorço histórico da regulação de mercado; 2. Mercado, concentração, concorrência e regulação econômica; 3. Teorias da regulação econômica; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.

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1. Escorço histórico da regulação de mercado

Num estágio primitivo de desenvolvimento, o homem vivia da coleta de frutos, da caça e da pesca, em movimento nômade, num modelo de economia apropriativa.

Com o surgimento da agricultura e da pecuária, na Mesopotâmia do milênio XII a.C., o homem se estabeleceu na terra e passou para um modelo de economia produtiva.

O reconhecimento da propriedade e a divisão das terras surgiram a partir da economia produtiva, de forma natural e por razões econômicas. Como demonstra Harold Demsetz1, o reconhecimento dos direitos de propriedade implica em um aproveitamento responsável dos bens pelos seus donos, no sentido de perpetuar no tempo a sua utilização produtiva. Caso não fossem reconhecidos os direitos de propriedade, ou em outras palavras, todos os bens fossem comuns, sua exploração pelo homem seria conduzida de forma ineficiente e até consumi-los totalmente. É o que ocorre comumente com o patrimônio e com os recursos públicos, que, mesmo com todo um aparato estatal para sua proteção, não são utilizados de forma eficiente, à taxa ótima de equilíbrio entre os frutos que podem dar e o tempo que duram.

Na linha histórica de evolução, o homem observou a possibilidade de trocar os produtos excedentes em sua propriedade por outros, escassos nesta, mas, excedentes em outra propriedade, ainda in natura. Assim surgiu o modelo da economia de escambo.

Para facilitar as trocas, surgiu a idéia do uso de um denominador comum, que pudesse ser trocado por qualquer produto, dispensando o escambo in natura. Em princípio, foram eleitos como denominadores comuns: o gado, o sal, as conchas marinhas, até a adoção da moeda metálica. A invenção da moeda ainda é objeto de divergência na história, ora atribuída à China (sec. XI a.C.) ora à Turquia (sec. X a.C).

Com a invenção da moeda surgiu a economia de mercado. Também é notável a

1 DEMSETZ, Harold. Toward a Theory of Property Rights. American Economic Review, maio, 1967.

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evolução na utilização da moeda, ilustrada pelo abandono da moeda com valor intrínseco (ouro e prata) e adoção da moeda com valor extrínseco, lastreado em outras riquezas de propriedade da autoridade emitente, de circulação fácil e menos arriscada.

E foi nesta economia de mercado que surgiu o primeiro agente econômico: o comerciante, que fazia da interposição na troca entre o produtor e o consumidor a sua profissão habitual. Daí a palavra commercium (cum + merx = comprar para vender).

Este breve escorço histórico interessa para demonstrar que a economia de mercado surgiu antes mesmo de qualquer regulação ou controle estatal, como um fato social espontâneo. Bastou uma reunião de pessoas em praças e feiras para o seu surgimento.

“Em sua acepção primitiva, a palavra mercado dizia respeito a um lugar determinado onde os agentes econômicos realizavam suas transações. (...) Cidades interioranas tradicionais que têm, pelo menos, porte médio, ostentam a igreja, a praça pública, o coreto, a prefeitura e o mercado: aí estão os elementos essenciais da vida em sociedade.”

Em verdade, a regulação do mercado teve início na baixa Idade Média, com o surgimento do direito comercial nas comunas italianas. Antes disso não havia regulação. O Código de Manu, da Índia, nada dispôs sobre o comércio. Diz-se que o Código de Hamurabi trazia algumas regras comerciais, em uma parte sua que não existe mais, que fora talhada em tempos imemoriais na pedra que se encontra no museu do Louvre em Paris, ou seja, não há qualquer registro concreto de que tais regras realmente existiram.

Em Roma, vigia a proibição do comércio direto pelo cidadão romano, proibição canônica, derivada da condenação da especulação pelo Código Deuteronômico da Bíblia.2 Roma se sustentava com base em uma economia bélica, de regime escravocrata.

2 “Não exigirás juro algum de teu irmão, quer se trate de dinheiro, ou de gêneros alimentícios, ou do que

quer que seja que se empreste a juros. Poderás exigi-lo do estrangeiro, mas não de teu irmão para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em todas as suas emprêsas na terra em que entrarás para a possuir” Deuteronômio 15; 23-19.

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Em reação ao caráter proibitivo do direito romano-canônico, que condenava o lucro, surgiu o direito comercial, na Idade Média, a partir do sec. XII. Daí o início da regulação do mercado, como auto-regulação.

É forçoso reparar que o próprio mercado criou a sua regulação, pelo direito comercial, nascido como um conjunto de normas consuetudinárias, aplicáveis apenas aos comerciantes matriculados nas corporações de artes e ofícios das comunas italianas.

Neste período, o direito comercial era o direito de uma classe profissional. Criado pelos comerciantes e para reger as suas relações nos mercados e nas feiras3, esta primeira fase é chamada pela doutrina de direito comercial subjetivo4. O interesse em criá-lo foi essencialmente econômico, para afastar do mercado o direito romano-canônico e a jurisdição comum. Para tanto, foi necessário forjar um conjunto de regras próprias, especiais ao comércio, aplicadas por uma jurisdição também própria – cônsul.

Entretanto, o direito e a jurisdição criados para regular os mercados e feiras se aplicavam somente aos mercadores matriculados nas corporações de ofício.

Por isso, a regulação de mercado nasceu corporativa, para proteção apenas da classe que a criara, inclusive contra a concorrência, uma vez que a matrícula nas corporações era burocrática, dependia de uma relação duradoura estabelecida entre mestres e aprendizes.5

A regulação do mercado nasceu com o fenômeno da concentração, entendida como

3 Esta é a origem da dicotomia entre a atividade de produção e a circulação de mercadorias. A atividade

ligada à terra, propriedade da nobreza feudal, regia-se pelo direito romano e pelo sistema de vassalagem. Os comerciantes, egressos do regime feudal e fundadores das comunas e dos burgos, precisavam de um novo estatuto, mais ágil e eficiente. Nele, incluíram apenas suas atividades – a circulação de mercadorias. Cf. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 2ª. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2001. vol. 1.

4 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

p. 11.

5 Veja em SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo:

Atlas, 2004. p. 26. “É que artífices ou artesãos que não tivessem passado pelo processo de aprendizado, o que significa ligação com algum mestre e alguma corporação, teriam dificuldades para oferecer os produtos em mercados.” Veja também em SOUTO MAIOR, A. História Geral. 15ª ed. Companhia Editora Nacional: São Paulo, 1974. o seguinte registro: “As corporações exerceram um verdadeiro monopólio em favor de seus membros. (...) Em geral, ninguém podia dedicar-se a um profissão se não pertencesse à corporação.” Portanto, sem dúvida, as corporações atuavam contra a livre concorrência.

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cumulação de mercados, ou de parcelas dele, nas mãos de algumas poucas pessoas. O poder político da época não só reconheceu o fenômeno da concentração como apoiou o seu desenvolvimento, por meio do mercantilismo e do colonialismo. Institutos importantes como o da responsabilidade limitada das sociedades anônimas derivaram de ato de outorga do soberano, em claro apoio ao fenômeno da concentração, obviamente para colher os frutos daí decorrentes.6

Com efeito, esse direito de classe vigorou até a eclosão do ideal de liberdade profissional da Revolução Francesa, que teve início em junho de 1.791, com a promulgação da Lei Le Chapelier. Esta lei extinguiu as corporações de ofício e proibiu a formação de qualquer associação / corporação profissional. Ai surgiu o princípio da livre iniciativa, que mais tarde se tornaria o pilar do capitalismo, até hoje em vigor.

Este período tem início em 1807, com a promulgação do Code de Commerce francês, de Napoleão Bonaparte, imortalizado como o início da era das codificações, do individualismo jurídico e do liberalismo econômico. Não obstante toda a carga individualista já despejada sobre este período é importante frisar que, a partir do Código Comercial de Napoleão, o direito comercial deixa de ser o direito de uma classe e passa a reger todas as relações daqueles que fazem da prática dos atos de comércio a sua profissão habitual. Por isso esta fase é conhecida como direito comercial objetivo7.

A matéria comercial passou a ser definida pelo rol de atos trazido no art. 632 do

Code de Commerce, reproduzido no Brasil pelo art. 19 do Reg. 737 de 18508.

Trata-se da primeira intervenção do Estado na economia de mercado, a primeira

6 “A característica comum a todas as companhias coloniais era o fato de serem constituídas mediante

outorga do soberano, que garantia a exclusividade na exploração da colônia.”, lição colhida em BERTOLDI, Marcelo M. RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

7 REQUIÃO, Rubens. op. cit. p. 12.

8 É interessante observar que, tanto na França quanto no Brasil, foram comerciantes convidados pelo

Imperador que redigiram o rol de atos de comércio dos Códigos. Por óbvio, este rol só poderia conter os atos por eles já praticados no mercado. Daí a razão para a exclusão da produção, das atividades ligadas à terra e da prestação de serviços do rol de atos de comércio. Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 3a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 32 e p. 36.

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regulação de mercado emanada do poder público, visto que antes o mercado era autoregulado pelos costumes dos próprios comerciantes, aplicados pelos cônsules.

Desta forma, o Estado interviu para ampliar, não para limitar, pois a adoção da teoria dos atos de comércio representou uma ampliação do campo de incidência do direito comercial, que passou a admitir o acesso de qualquer pessoa ao mercado, não apenas daqueles comerciantes matriculadas nas antigas corporações.

Nesse sentido, o nascimento do princípio da livre iniciativa coincide com a primeira intervenção do Estado para a regulação de mercados, o que merece destaque, no intuito de demonstrar que regulação não significa limitação, restrição ou proibição.

Contudo, esta primeira regulação estatal do mercado já nasceu ultrapassada e foi rapidamente suplantada pela nova realidade econômica do século XIX. Isto porque a atividade econômica privada sofreu o grande impacto da Revolução Industrial9. O modo de produção artesanal cedeu lugar às organizações e aos grandes grupos econômicos. O fenômeno da concentração volta à tona, agora chamado de capitalismo, porque fundado na livre iniciativa, em contraposição ao modelo do socialismo, fundado no controle estatal da propriedade e dos meios de produção.

A Revolução deu origem, do século XIX em diante, à sociedade de massa, urbana e consumista, que demandava uma produção em escala cada vez mais organizada, ao estilo do fordismo. Esta organização precisava ser apreendida e regulada pelo direito comercial, pois o modelo varejista dos atos de comércio10 não atendia mais.

Nesse ambiente econômico é que se desenvolve a teoria da empresa, o direito do

9 Alguns fatos importantes, como a abolição da escravatura (1806) e a invenção da máquina a vapor

(1807) na Inglaterra, a invenção do navio a vapor (1819) e do motor elétrico (1821) nos EUA, sem dúvida alguma influenciaram o surgimento do novo modo de produção – empresa.

10 BORGES, op. cit., p. 34, comentando sobre o Code de Commerce: “Direito do passado, codificado no

limiar da grande revolução econômica e industrial do século XIX, aquêle código já nasceu velho, incapaz de reger as relações do grande comércio, que iria assinalar-se pelo desenvolvimento da navegação a vapor, das estradas de ferro, da mobilização da riqueza através dos títulos de crédito, das sociedades anônimas, dos bancos, etc.” Em nota de rodapé desta página remata que “Assim, pôde-se dizer que, em sua redação de 1807, o Código de Comércio era um code de boutiquiers (...), expressão que poderíamos traduzir por um código de vendeiros, uma vez que ‘código de varejistas’, que seria a tradução mais adequada, não tem, em nossa língua, o caráter pejorativo que se encontra no francês code de boutiquiers.”

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trabalho, o direito do consumidor e a legislação antitruste, como uma nova tentativa de regulação estatal do mercado.

O abandono da teoria dos atos de comércio, para a adoção da teoria da empresa, significou uma nova ampliação da regulação, para abarcar atividades econômicas que ficavam à margem do direito comercial anterior, como a atividade imobiliária, a prestação de serviços e a atividade rural, esta última por opção do agente.

O surgimento do direito do trabalho, do direito do consumidor e da legislação antitruste, por outro lado, demonstram que a intervenção estatal veio para tentar limitar a iniciativa privada, na proteção dos interesses de outros agentes econômicos envolvidos no processo capitalista, como os consumidores, os trabalhadores, e o próprio mercado, coibido pelos trustes e fomentado pela proteção à livre concorrência.

Contudo, a regulação estatal mais uma vez falhou, não conseguiu regular com eficiência e evitar a crise de 1929, o que ocasionou uma nova guinada na história.

Uma ampliação da regulação de mercado foi implementada pelo New Deal norte-americano (1933-1939), um verdadeiro deslocamento da legislação para a regulação administrativa, por meio da criação das agências reguladoras. Esta regulação administrativa tinha o intuito de ser menos política e mais econômica, com vistas à correção das falhas de mercado demonstradas na crise e promoção do bem-estar econômico e social (Welfare State).

Historicamente, a autonomia das agências reguladoras foi oscilante. Ora perdiam autonomia para o Congresso, ora recuperavam-na. Na década de 1970, em período denominado de revolução dos direitos (rights revolution), a criação de novas agências reguladoras não visava regular o fenômeno da concentração de empresas, mas novamente a proteção do consumidor e trabalhador, do mercado e do meio ambiente.11

No Brasil, foi a crise das bolsas paulista e carioca de 1971 que levaram à reformulação da lei de sociedades por ações e à criação de uma agência reguladora do

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mercado de capitais, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De início, foram implementados dois planos nacionais de desenvolvimento, o I PND, pela Lei no 5.727/71, e o II PND, pela Lei no 6.151/74. Ambos previam a concentração econômica como meta do desenvolvimento econômico nacional frente ao mercado externo. Isto demonstra que a legislação veio promover uma concentração interna, mas, visando a competitividade com o mercado externo e com as multinacionais estrangeiras já bastante evoluídas, ou seja, por paradoxal que possa parecer, a concentração interna foi promovida para fortalecer a livre concorrência entre empresas nacionais e estrangeiras.

O I PND tinha por objetivo criar condições favoráveis para:

“Criação de modelo brasileiro de capitalismo industrial, que institucionalize o Programa de Promoção de Grandes Empreendimentos Nacionais, destinado a criar a grande empresa nacional, ou a levar a empresa brasileira a participar em empreendimentos de grande dimensão em setores de alta prioridade.12

O II PND tinha por meta:

“A utilização, para a aceleração do desenvolvimento de certos setores, de estruturas empresariais poderosas, como a criação de grandes empresas, através da política de fusões e incorporações – na indústria, na infra-estrutura, na comercialização urbana, no sistema financeiro (inclusive área imobiliária -, ou a formação de conglomerados financeiros ou industriais-financeiros.”

A Lei no 6.404/1976 foi fruto dos PND`s e da tentativa de desenvolver um mercado de capitais sólido. Manteve uma dualidade de sistemas no direito brasileiro, o de simples regulamentação para a companhia fechada e o de autorização para a aberta.

12 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de proteção da concorrência: comentários à legislação

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Nas palavras de Waldirio Bulgarelli13:

“A propósito, havemos de lembrar que a atual Lei n° 6.404/76 surgiu num contexto histórico importante, quando o País atravessava uma fase de crescimento e modernização, sobretudo em relação às empresas aqui sediadas; e mais do que isso, foi talvez o único diploma legal sujeito à discussão pública no regime autoritário, o que ensejou várias polêmicas, inclusive acirradas.”

Entretanto, a Lei no 6.404/1976 sofreu duas grandes reformas, a primeira pela Lei no 9.457/1997, que reduziu os direitos dos acionistas minoritários, para viabilizar o processo de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso, e a segunda pela Lei no 10.303/2001, que restaurou os direitos dos acionistas minoritários, passado o processo de privatização.

Ao final deste breve resumo histórico, pode-se destacar que a regulação de mercado sempre vem pautada por duas escolhas. A primeira entre a regulação heterônoma e a auto-regulação, ou melhor, entre a legislação e a regulação administrativa. A segunda entre o fenômeno da concentração e a livre concorrência.

Ao longo da exposição ficou demonstrado que a regulação nasceu dentro do mercado e para aqueles que já participavam dele, isto é, com intuito de concentração. Posteriormente, a legislação veio inaugurar a livre iniciativa privada, pelos códigos oitocentistas, e a livre concorrência. No enfrentamento das crises, o Estado foi chamado a legislar e o fez com vistas à proteção da livre concorrência. Enfim, a regulação administrativa parece ter favorecido o fenômeno da concentração, enquanto que a legislação parece ter sido invocada para restaurar a livre concorrência no mercado.

13 BULGARELLI, Waldirio. Aspectos relevantes da reforma da lei n° 6.404/76 pela recente lei n°

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2. Mercado, concentração, concorrência e regulação econômica

2.1 Mercado

Antes da exposição das principais teorias da regulação econômica, é importante apresentar a definição ou conceito dos elementos que irão compor a sua sustentação.

O mercado surgiu como um espaço físico de trocas, mas, sua atual definição é abstrata, não vinculada uma existência material ou a relações pessoais. Neste sentido, o mercado é simplesmente um espaço destinado às trocas de bens e serviços. Pode ser um espaço físico, como são as feiras, ou virtual, como o mercado de capitais e a internet.14

Nas palavras de Ronald H. Coase, o mercado “é a instituição que existe para facilitar a troca de bens e serviços, isto é, existe para que se reduzam os custos de se efetivarem operações de trocas”.15 Luciano Timm explica com clareza a natureza do mercado, como fato social, criado com a função de concentrar os agentes econômicos em um único espaço, facilitando as trocas e gerando eficiência, nos seguintes termos:

“Desse modo, o mercado como hoje o conhecemos, portanto, existe como fato social, e não como construção jurídica. (...) Mais, o mercado é um espaço público que gera eficiência, ao ensejar a concentração de agentes interessados em um determinado bem ou serviço, facilitando as trocas.”16

14 O Código Comercial de 1850 já trazia essa noção no art. 32, que dispunha “Praça do comércio é não só

o local, mas também a reunião dos comerciantes, capitães e mestres de navios, corretores e mais pessoas empregadas no comércio. Este local e reunião estão sujeitos à polícia e inspeção das autoridades competentes.”

15 COASE, Ronald H. The firm, the market, and the law. Chicago: University Chicago Press. 1992. p. 8.

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Raquel Sztajn sintetiza as duas correntes que tratam da natureza jurídica do mercado, nos seguintes termos:

“Duas correntes doutrinárias distintas pretendem explicar a estrutura dos mercados: de um lado, estão os que os vêem como produto do modelo político vigente no século XVIII, do

laissez-faire, aos quais se opõem os que afirmam serem produto de

normas.” 17

Com a devida venia, não se sustenta o entendimento de que “O mercado é uma instituição jurídica. (...) O mercado – insisto neste ponto – é uma instituição jurídica constituída pelo direito positivo, o direito posto pelo estado moderno.”18, formulado com escora na doutrina de Natalino Irti, para quem “Tampouco o mercado é um locus natural, diz, é sim um locus artificalis, um sistema de relações regido pelo Direito; logo, não é instituto originário, é instituto constituído pelo Direito.”19

2.2 Concentração

Concentrar significa reunir num centro, condensar. A concentração é o fenômeno econômico de reunião, numa só empresa ou num pequeno grupo de empresas, do poder de mercado. “O Poder de mercado se define como a capacidade que uma empresa tem de aumentar seus lucros com o reduzir a produção e cobrar mais do que o preço competitivo pelo seu produto.”20

17 SZTAJN, Rachel. Teoria Jurídica da Empresa: atividade empresária e mercados. São Paulo: Atlas,

2004. p. 32.

18 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 13ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Malheiros Editores, 2008. p. 27 e 33.

19 SZTAJN, op. cit., p. 35.

20 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de proteção da concorrência: comentários à legislação

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Destas definições tem-se a idéia de que a concentração econômica é nociva. Porém, esta idéia é fruto de preconceito ou ignorância, já que a concentração é um meio de maximizar os lucros de certo segmento de mercado, tornando-o mais sólido.

Como ocorreu no Brasil com os planos nacionais de desenvolvimento, a concentração visava o fortalecimento do mercado interno e a competitividade das empresas nacionais frente ao mercado externo e as multinacionais, o que, em última análise, implica numa proteção à livre iniciativa privada interna e à livre concorrência.

2.3 Concorrência

Concorrência é disputa, fenômeno que influencia a forma das organizações e os preços. A concorrência pode ser perfeita ou imperfeita. Na concorrência perfeita, não há poder de mercado, ou este é regulado de forma eficiente, isto é, de forma que os agentes econômicos não sejam tão desiguais a ponto de haver submissão de uns pelos outros.

De modo contrário, imperfeita é a concorrência que deixa o poder de mercado de um agente (monopólio) ou de poucos agentes (oligopólio) ditar as regras do ambiente, sem qualquer limitação externa da forma de organização ou dos preços praticados.

2.4 Regulação de mercado

Regulação de mercado é o fenômeno que implica na colocação de uma ordem para as organizações. Pode se dar pela auto-regulação, quando os próprios agentes econômicos formulam a ordem que devem seguir, ou pela legislação, quando há intervenção do Estado na economia de mercado, seja pela tributação, por concessão de subsídios, pelo controle de acesso ao mercado ou até pelo tabelamento de preços.

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3. Teorias da regulação econômica

Podem ser citadas pelo menos quatro importantes teorias sobre a regulação econômica de mercados.21

A primeira é a teoria do “interesse público”, que sustenta que a regulação é criada em resposta a uma demanda do público, sempre para correção de falhas de mercado. A formulação desta teoria não encontra um marco teórico expresso, mas redunda de noções abstratas e menos elaboradas, de difícil compilação. Pressupõe que os mercados são extremamente frágeis e pendem para a ineficiência. Neste sentido, o Estado lança mão da regulação para corrigir falhas de mercado e torná-lo eficiente.

A segunda é a teoria da “captura”, desenvolvida por George J. Stigler, em artigo de 1971, intitulado “A teoria da regulação econômica”. Nas palavras do autor: “Uma das teses centrais deste artigo é a de que, em regra, a regulação é adquirida pela indústria, além de concebida e operada fundamentalmente em seu benefício.” Por esta teoria, haveria um verdadeiro comércio regulatório, alheio à idéia de interesse público, no qual os agentes econômicos regulados ditam as regras que lhes são favoráveis. Daí o nome pejorativo atribuído à teoria da “captura”.

A terceira é teoria econômica, formulada por Richard Posner, em artigo de 1974, que defende uma análise econômica da regulação, pela aplicação do instrumental básico da economia, principalmente a lei da oferta e da procura e a legislação antitruste.

“A teoria é baseada em duas idéias simples, mas importantes. A primeira é que, dado que o poder coercitivo do governo pode ser usado para dar benefícios valiosos a indivíduos ou grupos específicos, regulação econômica – a expressão desse poder na

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esfera econômica – pode ser vista como um produto cuja alocação é governada por leis da oferta e procura. A segunda idéia é que a teoria dos cartéis pode nos ajudar a identificar as curvas de oferta e procura.”

Para Posner “(...) o pressuposto geral da economia, que comportamento humano pode ser compreendido como uma resposta de seres racionais individualistas ao meio ambiente, deve ter ampla aplicação no processo político.” Desta forma, o Estado deve implementar uma regulação considerando que esta servirá a um grupo ou certos grupos como externalidade, positiva ou negativa. Consciente disto, o Estado poderá regular com eficiência, no sentido de imprimir sanção às condutas indesejáveis e incentivos às condutas desejáveis.

A quarta é a teoria de Peltzman, desenvolvida em artigo publicado em 1976, que traz uma exposição sobre as teorias anteriores, principalmente de Stigler e de Posner, e advoga que a autoridade regulatória não é capturada por um único interesse econômico, mas, sofre a pressão de vários agentes, e por vezes não é exercida em favor da indústria.

É o que se verifica com diplomas como o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com as leis trabalhistas e ambientais.

A observação do histórico exposto na primeira parte deste artigo permite discordar da classificação dos modelos regulatórios com base no modelo de Estado adotado.

Neste sentido é a exposição de Luciano Timm, para quem “(...) o mercado pode ser regulado pela ordem jurídica a partir de um modelo liberal ou de um modelo social ou welfarista.”22.

Contudo, a regulação não se dá de forma simples, com base apenas no modelo de Estado adotado pela Constituição. Por vezes, a regulação se mostra restritiva da livre iniciativa ou da livre concorrência mesmo no ambiente capitalista, como demonstrado.

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4. Conclusão

A regulação do mercado nasceu historicamente como um fenômeno de concentração. A idéia comum na doutrina, de classificar a regulação do mercado de acordo com o modelo de Estado, é simplista e não coincide com a evolução histórica observada na prática econômica.

O mercado é um fato social, não uma instituição jurídica, que pode ser apreendido e regulado pelo direito de diversas formas, ora para promover uma concentração, ora para restabelecer a livre concorrência, independentemente do modelo de Estado adotado. Este artigo procurou demonstrar que a regulação de mercado não depende tanto do modelo de Estado adotado (liberal ou social). Muito além disso, depende de inúmeros fatores econômicos mais complexos e que são melhor explicados pela análise econômica do direito.

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