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O GERENCIALISMO EDUCACIONAL SOB O ESPECTRO DO ETHOS EMPRESARIAL

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Academic year: 2021

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ESPECTRO DO ETHOS EMPRESARIAL

Elisangela Ferreira Floro

1 RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão sobre as influências dos modelos de

gerenciamento fabril nos processos de gestão escolar. Baseamo-nos no conceito de complexo combinado de gerencialismo fabril para designar como as empresas combinam elementos do taylorismo/fordismo e do toyotismo, com vistas a satisfazer às expectativas de acumular mais capital. Apresentamos como a gestão escolar baseada na centralização e hierarquização das decisões foi sendo criticada por educadores que reivindicavam uma gestão mais democrática e participativa. Contudo, explicitamos como esta defesa foi sufocada pela reestruturação produtiva e pelo surgimento de um complexo combinado de gerencialismo educacional, no qual a participação não possui um caráter democrático, limitando-se ao nível do cumprimento das metas pré-estabelecidas por agentes externos à escola.

Palavras-chave: Cultura Empresarial; Gestão fabril; Gerencialismo; Gerencialismo Educacional.

EDUCATIONAL MANAGERIALISM IN THE SPECTRUM OF THE BUSINESS ETHOS

ABSTRACT: This paper presents a reflection on the influences of factory management models in school management processes. It takes as basis the concept of complex combined manufacturing managerialism to describe how companies combine elements of Taylorism/Fordism and Toyotism, in order to meet the expectations of accumulating more capital. Presents as the school management based on centralization and hierarchy of decision was being criticized by educators who demanded a more democratic and participatory management. However, we underline how this defense was suffocated by the productive restructuring and the emergence of a combined complex educational managerialism, in which participation does not have a democratic character, limited to the level of compliance with pre-established aims by agents external to the school. Keywords: Business Culture; Factory Management; Managerialism; Educational Managerialism.

1 Licenciada em Pedagogia (1995) e em Letras (2007) pela Universidade Regional do Cariri; Mestra em Educação

Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Atua como técnica em assuntos educacionais do Campus Crato do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE/Crato) e professora do Campus Juazeiro do Norte do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará. É membro externo do Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade (GTPS) da UFRRJ.

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Tomando como referência o conceito de complexo combinado de gerencialismo fabril para designar como as empresas combinam elementos do taylorismo/fordismo e do toyotismo para garantir as bases de acumulação de capital, neste artigo apresentamos uma reflexão sobre as influências dos modelos de gerenciamento fabril nos processos de gestão escolar. A partir de análise bibliográfica, buscamos explicitar dois aspectos do desenvolvimento do ethos empresarial na educação e a forma como eles se combinam. Primeiro, explicitamos como a gestão escolar baseada na centralização e hierarquização de decisões foi criticada por educadores que reivindicavam uma gestão mais democrática e participativa. Depois explicitamos como esta defesa foi sufocada pela reestruturação produtiva e pelo surgimento de um complexo combinado de gerencialismo educacional, no qual a participação democrática é comprometida, limitando-se ao nível do cumprimento das metas pré-estabelecidas por agentes externos à escola. Nosso propósito é demonstrar como esse movimento teve como principal consequência a hegemonia do

ethos empresarial na gestão do trabalho escolar.

1. COMPLEXOS COMBINADOS DE MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DO

TRABALHO E DA PRODUÇÃO

As estratégias de acúmulo do capital nos séculos XX e XXI caracterizam-se como um arranjo combinado de modelos de organização do trabalho e da produção (inclusive recorrendo a estratégias de exploração da força de trabalho comuns às fases iniciais do capitalismo concorrencial), com vistas a recompor as taxas tendenciais do lucro em fase de queda.

De acordo com os pressupostos que guiam nossas reflexões a recomposição do capital é constituída de várias dimensões: a) o uso de um complexo combinado de modelos de organização do trabalho e da produção; b) o uso intensivo de novas tecnologias; c) a financeirização e transnacionalização do capital e do trabalho; e d) a necessidade de cooptar a subjetividade do trabalhador para aceitação naturalizada das características do despotismo fabril no século XXI.

O complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da produção é caracterizado pela seleção dos princípios administrativos e estratégias gerenciais do taylorismo, fordismo, toyotismo, dentre outras que mais se adéquam às finalidades e às missões de uma determinada empresa, descaracterizando a existência de um modelo de administração puro. Partindo deste pressuposto é possível afirmar que existe uma espécie de hibridismo nas estratégias de gerenciamento fabril, que se transpõe para o gerenciamento escolar, também de forma híbrida. Um destes modelos de administração é o taylorismo, que segundo Antunes (2010, p. 24-25), caracterizado pela “existência do trabalho parcelar, pela fragmentação das funções, pela existência de unidades fabris

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concentradas” e “enormemente verticalizadas”, sendo que a força de trabalho sofre com o fardo do “controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro”.

Em uma empresa taylorista, a verticalização da produção vai desde a setorização e centralização da produção à rígida hierarquia de funções (fornecedores de matérias-primas, funcionários da alta cúpula, operários do chão de fábrica etc.). Os trabalhadores se estratificam na ocupação de papéis pré-estabelecidos, ficando sob a regência da “batuta do gerente de unidades estratégicas de negociação” (BHOTE, 1992, p. 13). No sistema vertical os trabalhadores são rigidamente estratificados na pirâmide organizacional, devendo apenas executar as tarefas planejadas pelas equipes de especialistas. O organograma de uma empresa fundamentada nos moldes do taylorismo/fordismo é clássico, engessando os trabalhadores em cargos e funções que vão “desde o topo gerencial até o nível mais baixo” (LOIOLA et alli, 2014, p. 120). Portanto, a pirâmide verticalizada de uma empresa gerenciada pelo binômio taylorismo/fordismo limita a participação do operário na “organização do processo de trabalho, que se resume a uma atividade repetitiva e desprovida de sentido” (ANTUNES, 2007, p. 41).

Enquanto o operário-massa está preso ao trabalho manual e aos escalões mais baixos do trabalho verticalizado e hierarquizado, aparentemente desprovido de qualificação profissional; a gerência possui o conhecimento global do processo de produção, não pelo fato de deter formação técnica e intelectual, mas, sobretudo, pela posição que ocupa na escala hierárquica da empresa. Esta posição aumenta o status profissional dos gerentes, dando-lhes a impressão de que são autônomos, quando na realidade são tão explorados quanto os operários-massa. Iludidos pelo salário mais alto e pelo poder despótico de controle sobre trabalho alheio têm a ilusão de serem livres.

Por isto, a consequência da verticalização e da estratificação dos trabalhadores é a contradição entre diferentes classes sociais que acarretam verdadeiras revoltas entre capital e trabalho. Para manter o controle mínimo sobre as revoltas, o Estado e as empresas constroem marcos regulatórios administrativos e jurídicos de proteção social que limitam a jornada de trabalho, estabelecem pisos salariais, assistência aos desempregados etc., dando a falsa impressão que existe uma relação de equidade entre empregadores e empregados (BORGES; YAMAMOTO, 2014, p. 41).

Assim sendo, os empregadores almejam minimizar a ação dos sindicatos e conter a revolta da força de trabalho, por meio de pseudo-assistência social. Contudo, não podemos caracterizar os operários-massa como ingênuos e desprovidos de qualquer capacidade de compreender que a concessão de benefícios sociais não é uma dádiva dos empregadores, mas uma estratégia para minimizar conflitos e criar certo consenso em torno da extração da mais-valia, meio pelo qual o capitalista amplia as taxas de acumulação. De forma contraditória, ao invés do pleno consenso, os benefícios sociais acentuam as demandas da

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classe trabalhadora pela elevação da remuneração, pela estabilidade e regularidade nos contratos de trabalhos. Segundo, Botelho (2008, p. 34), a falta de identificação do trabalhador com o processo produtivo e consequentemente a intensificação de sua alienação frente ao capital levaram a uma retomada das contradições históricas entre o capital e o trabalho (BOTELHO, 2008, p. 34).

Neste sentido, a condenação do operário-massa à heteronomia não é extensiva a todas as dimensões da vida humana. Por mais que as mãos e o cérebro do trabalhador estejam tolhidos pelo trabalho parcelar, ele constrói na relação homem-máquina um tipo de saber prático-reflexivo que escapa ao controle da gerência de produção, dando-lhe condições de: a) constituir-se como uma classe operária; b) resistir parcialmente ao controle externo do trabalho e c) participar de algum tipo de organização sindical que lhes dá a possibilidade de “contestar a divisão hierárquica do trabalho e o despotismo fabril emanado pelos quadros de gerência” (ANTUNES, 2007, p. 42).

Por este motivo, na conjuntura da verticalização e da hierarquização taylorista/fordista, a garantia dos direitos sociais não pode ser vista como simples benefício para melhorar a vida do trabalhador, pois sua verdadeira função é produzir lucro a qualquer custo, nem que para isto seja necessário furtar, explorar e esvaziar o sentido da vida humana, transformando o trabalho em mercadoria.

O modelo taylorista/fordista começou a dar sinais de esgotamento quando a produção em massa foi perdendo a capacidade de manter as taxas de lucro em escalas ascendentes, ocasionando a retração do crescimento econômico. Tal retração gerou uma crise estrutural do sistema capitalista que afetou o trabalho, as políticas sociais, as relações humanas dentro e fora do trabalho e, em escala mais ampla, desencadeou uma crise política da esquerda, da direita, da socialdemocracia (PEREIRA, 1992, p. 226). Ou seja, a crise da produção em massa desencadeou a “crise de uma experiência do corpo útil, produtivo e submisso”, uma crise anunciada pela incapacidade de o sistema manter a coesão social mínima para proteger o sistema de exploração e acumulação capitalista (ALVES, 2011, p. 150). Em virtude da multifatorialidade da crise, desenvolveram-se diversas estratégias de recomposição do capital, que combinadas, adotadas em escala mundial (mesmo que parcialmente), passaram a compor o que denominamos de globalização econômica e neoliberalismo.

Um exemplo emblemático das estratégias de recomposição do capital foi a adoção parcial de estratégias de gerenciamento fabril toyotista por empresas de diferentes partes do globo. Este sistema caracteriza-se pelo uso racional dos recursos financeiros e humanos, eliminando qualquer traço de desperdício por meio da adoção da técnica operacional do just-in-time: um meio de obter mais ganhos de produtividade com menor custo possível. O just-in-time é combinado a outras técnicas de produção (não

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necessariamente de base japonesa), tais como: o sistema kanban (placas), o controle do ritmo de produção, o uso intensivo da microeletrônica, o sistema de competitividade, a ordenação da fábrica em células de produção etc., daí ser cognominada de produção enxuta

(lean production), que pode assim ser resumida:

[...] flexibilização da produção – produzir apenas o necessário, com redução de estoques, automatização – utilização intensiva de máquinas; Just-in-time (na hora certa - desenvolver um sistema para detectar a demanda e produzir os bens, sem necessidade de estoques, na medida da colocação dos pedidos; Kanban (etiqueta ou cartão) – programar a produção, de modo que o just-in-time se efetive; e trabalho em equipe – os trabalhadores passaram a trabalhar em grupos ou células, de forma a eliminar tempos mortos ou desperdício de tempo (COSTIN, 2011, p. 152).

O toyotismo estrutura-se em função da redução dos custos de produção, o que permite acumular capital, mesmo com a retração da produção/venda. No que concerne à relação entre trabalho/capital, este sistema está estruturado para funcionar atingir as metas de produção com reduzido número de operários, por conseguinte, com a diminuição dos encargos trabalhistas.

Parcelas vultosas de capital, que antes eram destinadas à manutenção do emprego, ficam livres para serem investidas em inovações tecnológicas, intensificando ainda mais a extração da mais-valia; pois quanto mais o maquinário microcomputadorizado incorpora trabalho vivo ao processo de produção, menos necessita de empregados.

Apesar da aparente inovação, este processo, não pode ser considerado como uma reversão do taylorismo/fordismo, pois o uso de máquinas para substituir o trabalho vivo já era uma estratégia utilizada pelas indústrias inglesas no século XIX. Contudo, o uso da microeletrônica intensificou as possibilidades de redução da força de trabalho, ampliando em proporções alarmantes a destruição do emprego, exigindo da classe empresarial

expertise para controlar a revolta do operariado, evitando a ocorrência (em escalas

infinitamente menores) de um novo ludismo2.

A expertise no controle do conflito entre capital e trabalho adotada pelo toyotismo enfatiza o trabalho em equipe, a participação nos lucros, os prêmios por produtividade etc., para cooptar os operários a contribuírem de forma pró-ativa com os objetivos da produção fabril. Estas estratégias baseadas na meritocracia não são uma invenção propriamente toyotista porque o sistema de competitividade/premiação (viagens, dias de

2 Para (GREIDER, 1997, p. 45-46) os ludistas representam a resistência violenta à tecnologia – eles destruíam as novas

máquinas para preservar seus empregos [...]. “Não se tratava de um exército de esfarrapados sem rumo [...], mas sim de um grupo de artesãos altamente capacitados [...] que tinham ficado sem emprego devido à máquina a vapor e à mecanização da indústria têxtil”. Esse movimento ocorreu no final do ano de 1811, nos arredores de Nottinnghan, na Inglaterra, espalhando-se rapidamente, no ano de 1812, para as cidades Lancashibe, Derbyshire, Yorkshire (ZUFFO, 2003, p. 252).

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folga, gratificações em pecúnia etc.) já era utilizado como incentivo para aumentar a produtividade em outros modelos mais clássicos de administração empresarial. A combinação da competitividade com a maior participação na decisão no nível operacional da produção faz o operário sentir-se como um colaborador da empresa, falseando as relações humanas sob o discurso de empresa humana e compreensiva, cuja tolerância esbarra na capacidade de o trabalhador aceitar e produzir conforme as metas de produção, que não são estabelecidas pelas equipes de trabalho. Portanto, o toyotismo cria um sistema de maximização da exploração do trabalho, ao passo em que se dá a impressão de um ambiente fabril mais horizontal e mais livre do que aquele das empresas organizadas verticalmente. Neste complexo processo de gerenciamento da produção, o isolamento do trabalhador na linha de montagem é substituído pela interação entre os operários, contudo, sem desprezar a fiscalização e o controle, que agora passam a ser exercidos pelos próprios colegas de trabalho.

Na filosofia toyotista existe uma organização do trabalho de acordo com os princípios da flexibilidade horizontal e vertical da multifuncionalidade. Pode-se afirmar que existe uma importante redescoberta do interesse da pessoa trabalhadora como elemento-chave da rentabilidade da empresa (SANTOMÉ, 1998, p. 18)

O funcionamento desse sistema requer que o operário assuma uma postura mais flexível, aceitando exercer diversas funções ao mesmo tempo, por isto, exige-se que ele domine competências para executar tarefas diversificadas, daí a exigência do trabalho multifuncional e polivalente, que é tratada como o diferencial entre os trabalhadores.

Uma produção mais flexível requer máquinas mais flexíveis e de finalidades genéricas, e mais operários polivalentes, altamente qualificados, para operá-las. Uma maior qualificação e flexibilidade exige que os operários tenham um grau mais alto de responsabilidade e autonomia [...] ao passo que requerem o desmantelamento das burocracias coorporativas [...]. A diferenciação do trabalhador de massa leva ao surgimento de novas identidades que não são mais definidas ocupacionalmente, mas sim articuladas no consumo idiossincrático, em novos estilos de vida e novas formas culturais, que reforçam a demanda por produtos mais diferenciados. Tudo isso vai corroendo as velhas identidades políticas. As necessidades de bem-estar, saúde, educação e treinamento de uma força de trabalho diferenciada não podem ser mais satisfeitas por um welfare state burocrático e padronizado, mas apenas por instituições diferenciadas, capazes de responder de maneira flexível às necessidades individuais (CLARK, 1991, p. 120).

Para explicitar como este processo ocorre em cadeia gerando um efeito dominó no qual inovação tecnológica gera mais inovação tecnológica, Dreifuss (1997, p. 25-26) cunhou o conceito teleinfocomputrônico, para designar a capacidade de criação e aplicação quase simultânea da ciência e da tecnologia nos mais diferentes ramos da vida humana. O complexo teleinfocomputrônico “passa a funcionar como agente de transformação tecnológica no processo de desenho, no instrumental de produção em escala, na

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organização da produção no sistema gerencial e até na circulação (venda, estocamento, comunicação e transporte) ” (PERONI, 2003, p.25).

A inserção ininterrupta da ciência e da tecnologia aplicada às empresas enxutas concorre para o aprimoramento da reestruturação produtiva, dando-nos impressão de rupturas com as clássicas estratégias de acumulação do capital, quando na realidade a tecnologia não é empregada para suavizar o fardo do trabalho, mas para intensificar sua exploração.

A nova ‘tecnoeconomia’ descansa numa altíssima taxa de inovação de processos e de renovação tecnológica, tempos de maturação de projeto cada vez menores, redução do tempo de produção e da quantidade de operações e fatores envolvidos, de ‘entrada em obsolescência’ cada vez mais acelerada, e na obtenção de novos e criativos ‘produtos-serviços’ e ‘serviços-instrumentos’ de ótima qualidade e preço acessível, a partir de novas técnicas, materiais e engenharia de produção. A luta por mercados, a concorrência feroz por preços menores, a necessidade de agir em escala, os requerimentos de capacitação científico-tecnológica, de otimização dos sistemas e da engenharia de produção, e dos mecanismos de comercialização, etc., viabilizam a consolidação de macrogrupos [...] cuja configuração obedece às novas determinações transnacionais de acumulação e concentração científico-tecnológica, de fluxos financeiros globais, de capacitação especializada para a produção, com consequências diretas nas formas de administração e comercialização empresariais, e desdobramentos macroeconômicos e societários que afetam a política e a estratégia do Estado Nacional (DREIFUSS, 1997, p. 68).

No caso das relações de trabalho, a introdução cada vez mais acelerada da microeletrônica possibilitou ao capital produzir mercadorias, com diminuição do trabalho vivo, criando um círculo vicioso entre inovação tecnológica, desemprego e perda de poder aquisitivo.

O uso do complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da produção em uma sociedade globalizada gerou a possibilidade ímpar de o sistema econômico acumular capital corroendo e desestabilizando a força motriz do acúmulo do capital, o trabalho. As empresas transferem suas plantas industriais para a “periferia da economia mundial” (BASTOS, 2007, p. 284), ou seja, para lugares em que as regras de proteção ao trabalho e ao meio ambiente são infinitamente mais frágeis do que nos países-sedes das multinacionais. Este processo desertifica espaços produtivos consolidados como grandes centros industriais, gerando massas de desempregados e empregos sub-humanos em todas as partes do globo.

Outra face do enfrentamento das baixas taxas de lucro é o processo de transnacionalização e financeirização do capital, em um processo ímpar de acúmulo de riquezas, independentemente de haver processo de produção. Para Anderson (2012, p. 312), a financeirização se torna a “rota de fuga” do lucro em queda. As empresas nacionais, multinacionais e os Estados passam a competir pelo capital móvel, sem que o “domínio da

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moeda e a incorporação do valor às mercadorias [...] perpasse pelo circuito produtivo” (SPOSITO, 2004, p. 145).

[...] ao deslocar os recursos até então produtivos para a circulação financeira, o capital aborta as possibilidades de expandir sua potencialidade produtiva. Agindo assim, ele até pode elevar a sua capacidade de realização, mas não a de valorização. Ao gerar uma riqueza social abstrata, na forma de mais-dinheiro, sem a mediação da produção de mercadorias, o capital abdica de cumprir o seu desígnio de sistema baseado na produção de valor. Empurrado pela volúpia do mercado de ativos financeiros, o capital industrial tenta encurtar o quantum de tempo demandado na produção [...]. Ao desativar parte de seu parque industrial [...] o capital sangra autofagicamente, diminuindo ainda mais sua base de valorização (CARVALHO; GUERRA, 2008, p. 217).

Ora, a financeirização do capital e a transnacionalização do trabalho acaba por impor um limite restritivo às possibilidades de organização sindical dos trabalhadores, pois, em última hipótese qualquer empresa pode fechar suas portas e migrar para qualquer parte do globo, procurando espaços onde possa satisfazer os imperativos de extração da mais valia. As modificações nos modelos de organização do trabalho e da produção transformam radicalmente as formas de trabalho, em especial, no que concerne ao oposto entre trabalho3 e emprego. Neste sentido, o trabalho na sociedade capitalista perde o

sentido original e passa a significar uma ocupação remunerada, uma mercadoria, que como tal só possui valor se for trocada. O problema é que como mercadoria, a força de trabalho pode ser dispensada ou não interessar ao comprador. Assim, a absorção do trabalhador depende dos ciclos evolutivos da produção e da possibilidade real de “transformação constante de uma parte da população em desempregados ou parcialmente empregados” (BRAVERMAN, 1981, p. 324). Sabendo-se da iminência do desemprego e da possibilidade de não subsistir na ausência da remuneração, o operário vê-se obrigado a aceitar salários baixos e condições insalubres de trabalho.

Se no século XIX, Marx (2006, p. 113) já denunciava que em uma sociedade capitalista o trabalhador apenas recebe o salário que mal dá para adquirir mercadorias que lhe permitem recompor as energias para manter a vitalidade do corpo, produzindo e gerando lucros dos quais nunca se beneficiará; o que dizer do capitalismo revigorado pela produção enxuta, pelos complexos teleinfocomputrônicos e pela financeirização e transnacionalização do trabalho e do capital? Se na fase do pleno emprego, o poder de consumo representava a contradição do papel civilizatório do capitalismo; na fase do complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da produção, a

3 Para Blass (1998, p. 151), o trabalho é mais abrangente do que emprego ou do que trabalho assalariado. O “trabalho

constitui uma atividade social presente em todas as sociedades”; enquanto “emprego é uma noção inventada no tempo em que emergia o capitalismo industrial” para designar o processo de compra da força de trabalho humano como mercadoria, passando a ser “referência para pensar de forma hierarquizada as outras formas de trabalho”. Assim, “a força de trabalho é trabalho morto e coagulado, coisa bruta e exterior à espera do alento vivificante do capital” (GIANOTTI, 2010, p. 178).

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contradição se desloca para a ilusão de que os complexos teleinfocomputrônicos irão libertar os seres humanos dos trabalhos penosos, insalubres e desumanos, quando de fato são verdadeiros álibis para “esmagar vidas humanas” (MÉSZAROS, 2007, p. 72); ao incorporar mais trabalho morto às máquinas, diminuindo a necessidade do trabalho vivo e “elevando a intensidade dos níveis de desemprego estrutural” (ANTUNES, 2007, p. 33).

Contudo, para os teóricos defensores dos novos modelos de organização do trabalho e da produção como meio de superação da crise econômica, tal qual Chiavenatto (2008, p. 109) a “tecnologia deveria ser deixada em paz”, visto que o problema do desemprego “não é a modernização tecnológica, mas a legislação trabalhista antiquada e retrógrada”.

2. CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO ANTE O COMPLEXO COMBINADO

DOS MODELOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E DA PRODUÇÃO

Conforme a lógica de acumulação capitalista globalizada e neoliberal, a flexibilização dos direitos trabalhistas é o meio mais eficaz para aumentar os índices de ocupação laboral dos trabalhadores quando de fato se caracteriza como:

[...] uma imposição à força de trabalho para que sejam aceitos salários mais baixos e em piores condições. É nesse contexto que estão sendo reforçadas as novas ofertas de trabalho, por meio do denominado mercado ilegal, no qual está sendo difundido o trabalho irregular, precário e sem garantias [...] o trabalho ilegal vem assumindo dimensões gigantescas [...]. O sistema fordista nos havia acostumado ao trabalho pleno e de duração indeterminada. Agora, ao contrário, um grande número de trabalhadores tem um contrato de curta duração ou de meio expediente; os novos trabalhadores podem ser alugados por algumas horas ao dia, por cinco dias da semana ou por poucas horas em dois ou três dias da semana (VASAPOLLO, 2005, p. 28).

Neste sentido, a crise não é do trabalho abstrato, produtor de valores de uso e transformador da natureza e do homem. A crise é do trabalho concreto, vivo, do emprego formal criado pelo capitalismo e difundido pelo fordismo como princípio basilar da produção no início do século XX.

A nova condição de trabalho está sempre perdendo mais direitos e garantias sociais. Tudo se converte em precariedade, sem qualquer garantia de continuidade. O trabalhador precarizado se encontra, ademais, em uma fronteira incerta entre ocupação e não-ocupação e também em um não menos incerto reconhecimento jurídico diante das garantias sociais. Flexibilização, desregulação da regulação de trabalho, ausência de direitos. Aqui a flexibilização não é riqueza. A flexibilização por parte do contratante mais frágil, a força de trabalho, é um fator de risco e a ausência de garantias aumenta essa debilidade. Nessa guerra de desgaste, a força de trabalho é deixada completamente descoberta, seja em relação ao futuro, seja em relação à renda, já que ninguém o assegura nos momentos de não-ocupação (VASAPOLLO, 2005, p. 10).

A flexibilização do emprego regulamentado é apresentado pelas grandes corporações e pelos governos como um benefício porque ela representaria a possibilidade de aumento dos mecanismos de geração de renda, em especial, para populações pobres e miseráveis

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dos países periféricos. Portanto, a flexibilização do dos direitos trabalhistas a entrada triunfal dos pobres e desempregados na civilização. Uma civilização caracterizada pela barbárie da exploração do trabalho infantil, feminino, do meio ambiente, da vida, que cria os novos povos escravizados do século XXI.

O processo de flexibilização dos direitos trabalhistas é difundido como o meio mais eficiente de incluir o batalhão de desempregados no sistema produtivo, o que caracteriza a precarização dos processos de compra e venda da força de trabalho. Conforme Kalleberg (2010, p.52), a “precaridade está intimamente relacionada com a percepção de insegurança no trabalho” e esta percepção faz com que o trabalhador seja obrigado a aceitar condições quaisquer que lhes sejam oferecidas. Este é um processo de retorno às condições iniciais do capitalismo concorrencial com ações inovadoras de superexploração do trabalho: informalização, subcontratação, rebaixamento salarial, aumento de trabalho noturno, altas taxas de rotatividade combinadas com períodos longos de desemprego; ao passo em que se difunde o empreendedorismo, o cooperativismo e o trabalho voluntário como formas de inserção no mundo produtivo pelas portas não-oficiais do emprego formal.

Estas estratégias de diversificação e flexibilização do processo de compra/venda do trabalho foram beneficiadas por ajustes na legislação e por interpretações do judiciário que “facilitaram o crescimento do trabalho-estágio, trabalho voluntário, das cooperativas, da terceirização, do trabalho sem registro, da queda da remuneração, das facilidades de demissão” (KREIN, 2003, p. 278).

[...] a ampliação da liberdade das empresas para empregar e despedir de acordo com as suas necessidades de produção, dentro de uma estratégia de diminuição de custos. Ela pode acontecer tanto para trabalhadores já empregados, com a contratação e a subcontratação, como para trabalhadores novos, por meio de contratos “atípicos” (trabalho temporário, parcial, auto-emprego, consultoria, em domicílio, teletrabalho) e ilegais (sem registro em carteira) ou pelo aumento de trabalho clandestino não registrado (trabalho estrangeiro escravo e/ou em casa). [...] são medidas que objetivam incentivar o processo de contratação e demissão pela redução de custos e pela criação de facilidades para o desligamento de trabalhadores da empresa, tais como: o contrato por prazo determinado, as cooperativas de trabalho, o contrato parcial [...] (KREIN, 2003, p. 282).

Assim, a massa de trabalhadores é comprimida pelo desemprego estrutural, enquanto os empregos disponíveis exigem-lhe competências e habilidades para exercer um papel multifuncional e polivalente: requisito imprescindível para a permanência no mercado de trabalho.

O novo perfil profissional não é composto apenas pela exigência de competências profissionais polivalentes, mas, sobretudo, pela capacidade de o trabalhador envolver-se incondicionalmente com as finalidades, missões e objetivos da produtividade da empresa à qual é vinculado, ou seja, uma doação biofísica e psíquica de sua força laboral. Assim, o problema do desemprego ou do emprego precarizado não é do Estado nem das

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corporações multi e transnacionais, mas, do trabalhador que deverá se engajar em uma busca desenfreada por adquirir as competências laborais que o mercado lhe exige. Em virtude disto, parte significativa do tempo livre é ocupado com a manutenção do

maquinário de que o operário dispõe: sua própria força de trabalho. Conforme os teóricos

da administração que corroboram com a concepção de que o problema do desemprego é resultante da falta de qualificação profissional, destacamos Chiavenatto (2008, p. 109):

Os jovens devem buscar o futuro na educação, que se torna cada vez mais importante que o simples treinamento. O novo trabalhador deve ser polivalente, sabendo realizar de quase tudo um pouco. Não bastará ser educado. É preciso ser bem educado. Quem for capaz de resolver problemas terá emprego garantido. Acabou a profissão de tamanho único. O desemprego em nosso país está sendo provocado menos pelo avanço tecnológico e mais pelo atraso educacional. Quando se fala em competitividade global, o desafio é também da escola e não apenas da empresa. Ou educamos mais e melhor ou então temos que convencer os nossos concorrentes a “deseducar” seus profissionais”.

É com base nesta argumentação que o mundo empresarial assumiu o papel de defesa das populações mais pobres, empreendendo mudanças estruturais nos sistemas educativos, com o objetivo de conformar a massa de trabalhadores à convivência subjetivada com os processos de precarização e flexibilização do trabalho. Assim, as reformas educacionais intensificaram as semelhanças entre as escolas e as empresas, com a introdução de novos padrões de administração inspirados em uma cultura flexível, descentralizada e horizontal, que mais resguardam traços de continuidade do que rompem com práticas administrativas do velho modelo vertical e centralizado de inspiração taylorista/fordista e tecnicista. Trata-se da adoção do ethos empresarial na gestão do trabalho escolar, onde o processo de ensino/aprendizagem assume de uma vez por todas o caráter mercantil, de modo que o serviço educacional passa explicitamente à condição de mercadoria e o trabalho educativo a ser regulado exclusivamente pela lógica de mercado.

3. COMPLEXOS COMBINADOS DO GERENCIALISMO EDUCACIONAL:

hegemonia do ethos empresarial na educação

Para fins de organização didática, sistematizamos o estudo sobre o gerenciamento das instituições educativas no Brasil em duas etapas distintas que se complementam entre si: o período anterior à promulgação da Lei nº 9394/1996 (LDB), ao qual nos reportamos como administração escolar4 baseado no modelo empresarial taylorista/fordista, na

4 Embora o termo administração escolar seja utilizado para caracterizar uma organização centralizada da

educação/escola e o termo gestão para designar um processo democrático, é comum encontrarmos o termo administração escolar adjetivado de participativa ou democrática, evidenciando que no âmbito conceitual não há consenso quanto a uma única forma de se referenciar ao processo de organização da escola baseada na tomada coletiva de decisões.

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verticalização e hierarquização das decisões; enquanto o outro denominamos de gestão

escolar, baseada no complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da

produção. Como acreditamos que o taylorismo/fordismo e o toyotismo não são processos excludentes, mas complementares, baseamos este estudo na concepção de que a educação também é gerida pelo complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da produção, caracterizado pelo binômio administração/gestão escolar.

Embora os conceitos de administração/gestão escolar possam ser tomados como antagônicos, apresentamos argumentos de que há mais continuidades entre estas duas formas de organização do trabalho escolar, do que rupturas, ou seja, por caminhos diferentes, ambas revelam a história da subsunção real da educação ao mundo empresarial.

Segundo Santos (2006, p. 3), a administração escolar “verticalizada e hierarquizada” está “organizada por um organograma piramidal das funções”, cuja tomada de decisão está centralizada nos órgãos centrais do governo que criam a política pública educacional, com apoio de equipes especializadas, direcionando diretores e professores a cumprirem as tarefas pré-estabelecidas, pelo sistema educacional. Este modelo se traduz no âmbito escolar em rigidez pedagógica que minimiza as possibilidades de atendimento das necessidades e peculiaridades de cada comunidade escolar, visto que a centralização do poder está sob o comando do diretor, que exerce o papel de fiscal do governo dentro da escola, pois seu papel é garantir que a política educacional seja cumprida. Conforme Leão (1953, p. 107-109), um teórico do modelo de administração escolar centralizado, o papel do diretor é defender:

[...] a política de educação estabelecida, interpreta-a, realiza-a em sua esfera com inteligência e lealdade. (...) Sua ação não se limita, porém, à administração, ela é também de orientação ou de cooperação como o orientador. Em qualquer dos casos é preciosa e indispensável. [...] É então o coordenador de todas as peças da máquina que dirige; o líder de seus companheiros de trabalho, o galvanizador de uma comunhão de esforços e de ações em prol da obra educacional da comunidade (LEÃO, 1953, p. 107-109).

Ora, em quê este papel se distingue daquele executado pelos especialistas em administração empresarial taylorista/fordista? De fato, não há distinção, mas apenas adaptação, de modo que “a escola não precisou mais do que inspirar-se” na teoria administrativa empresarial para resolver os seus problemas pedagógicos (RIBEIRO, 1978, p. 60) e “manter o equilíbrio interno da organização” (ALONSO, 1976, p. 113).

A relação entre os docentes e as equipes de especialistas (administradores, inspetores, orientadores vocacionais e supervisores) caracterizou-se, no Brasil, pelas críticas ao controle excessivo e à separação formal entre planejamento/execução do trabalho pedagógico, levando os educadores reivindicarem um modelo de gestão do trabalho escolar, baseado na participação coletiva. Surge a defesa por um processo de educação

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democrática fundamentada na construção de uma identidade não-subjetivada pela centralização, hierarquização e controle do sistema educativo, em que as decisões da organização da escola fossem realizadas de forma participativa. Conforme Libâneo (2004, p. 20), a democratização da escola deveria se basear no conceito de participação e autonomia, que “significa a capacidade das pessoas [...] conduzirem sua própria vida”.

A democratização é um passo para a descentralização e desburocratização do Estado, isto envolve a superação economicista e uma grande defesa pela autonomia gerencial e pedagógica das unidades escolares (SOUZA; FARIA, 2004, p. 927-928). Descentralização e autonomia caminham juntas e ambas não se limitam ao espaço escolar. Estes dois princípios requerem “uma luta dentro do instituído”, “ousadia de cada escola em experimentar o novo caminho de construção da confiança na escola e na capacidade dela [...] autogovernar-se” (GADOTTI, 1995, p. 202).

A escola, assim, só será uma organização humana e democrática na medida em que a fonte desse autoritarismo, que ela identifica como sendo a administração (ou a burocracia, que é o termo que os adeptos dessa visão preferem utilizar), for substituída pelo espontaneísmo e pela ausência de todo tipo de autoridade ou hierarquia nas relações vigentes na escola (PARO, 2002, p.12).

Contudo, o contexto no qual ocorreu o debate pela gestão democrática da escola foi transversalizada pela crise econômica e influenciada pelo processo de reestruturação produtiva, ocasionando a polissemia conceitual do termo gestão democrática: ora definido em termos de emancipação (fundamentada nas teorias sociológicas de cunho emancipatório), conforme reflexões destacadas anteriormente: Veiga (1997), Libâneo (2004), Gadotti (1995) e Paro (2002); ora definido como um processo de toyotização da educação (fundamentada na revisão conceitual da teoria do capital humano), no qual a escola continua imitando a fábrica.

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Figura 1 - Descrição do complexo combinado de gerencialismo escolar baseado da na qualidade total.

Fonte: elaboração autora.

Apesar de as concepções progressistas e economicistas sobre a gestão escolar serem bastante diferenciadas, ambas convergem no sentido de recusar os modelos centralizadores e verticalizados do taylorismo/fordismo.

Nesta conjuntura, o projeto progressista de gestão democrática foi sufocado pelo complexo combinado dos modelos de organização do trabalho e da produção, traduzindo-se no espaço escolar como uma experiência eivada de pesudo-participação e ptraduzindo-seudo- pseudo-democracia, a qual estamos denominando de complexo combinado de gerencialismo escolar, cuja estrutura sistematizamos na Figura 1.

Por intermédio da Figura 1, evidencia-se que a gestão democrática está direcionada para a participação, descentralização e autonomia administrativa e pedagógica para que a escola encontre a solução para os seus problemas: aumentar as taxas de matrícula, minimizar a repetência e a evasão e elevar as taxas de desempenho nos processos avaliativos externos.

Conforme análise de Zibas (1997, p. 67) sobre as concepções de gestão dos organismos internacionais, a gestão democrática se assenta em três dimensões: financeira, administrativa e pedagógica e estas, por sua vez, estão fundamentadas no “pressuposto de que, com tal nível de descentralização, se estabeleceria, nas escolas públicas, um cenário

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muito próximo daquele da iniciativa privada, em que objetivos próprios e recompensas por produtividade representam, em tese, o motor do dinamismo do setor”.

A descentralização mais do que ser pedagógica é administrativa e financeira porque a escola terá que lidar com a massificação da oferta de vagas, sem o aumento equitativo dos investimentos e recorrer às tomadas de decisões coletivas para resolver problemas de toda ordem ocasionados pelo inchaço desordenado: salas superlotadas, intensificação do conflito entre professores e alunos, baixos índices de desempenho nas avaliações externas, enfim, maior cobrança por resultados com taxas de investimento reduzidas. Ante a escassez de recursos, a escola será obrigada a se salvaguardar na autonomia pedagógica e administrativa para resolver estes problemas, de modo que haverá uma sobrevalorização do papel do professor e do diretor como principais responsáveis pela solução dos problemas educacionais.

Pelos fatos supracitados, não podemos compreender o complexo combinado do

gerencialismo escolar como uma experiência progressista. Seu intento é, sobretudo, fazer

com que a escola imite o modo de gestão empresarial, que combina modelos verticalizados com modelos horizontalizados, levando-a a atingir a qualidade total a qualquer custo.

Gestão verticalizada porque não há efetiva participação sobre os rumos da educação no país, as escolas recebem os ordenamentos legais pré-fabricados pelo sistema nacional e moldados conforme as peculiaridades dos sistemas estaduais e municipais, como um molde alargado que vai se estreitando conforme se aproxima do consumidor final. Gestão horizontalizada porque o molde foi programado para comportar alterações advindas das sugestões dos gestores e professores que atuam na linha de frente da execução das políticas públicas. É uma gestão horizontalizada porque convida, ou melhor, convoca à participação, aceita opiniões na medida em que estas contribuam para elevar as taxas de eficiência e qualidade total; mas uma vez verticalizadas, só serão aceitas se não atentarem contra a ordem vigente e contra o modelo de organização do trabalho escolar pré-estabelecido.

Assim, a eficiência e a qualidade total não representam uma gestão democrática de cunho emancipatório e participativo, mas apenas um meio de pseudo-participação, cujo objetivo é tornar a escola eficiente em aplicar os insumos investidos no sistema educacional, alcançando as metas pré-estabelecidas nos planos governamentais.

[...] é difícil definir e medir a qualidade da educação. Uma definição satisfatória deve incluir os resultados obtidos pelos alunos (...). A melhoria dos resultados educacionais só podem melhorar mediante a adoção de quatro importantes medidas: a) o estabelecimento de normas sobre os resultados educacionais; b) a prestação de apoio aos insumos que melhoram o

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rendimento; c) a adoção de estratégias flexíveis para adquiri e utilizar os insumos, d) a vigilância dos resultados (BANCO MUNDIAL, tradução nossa, 1996, p. 51).5

Ora, se estamos tratando da vigilância de resultados, de adoção de processos pedagógicos unificados, não podemos dizer que houve descentralização e autonomia pedagógica, mas centralização e racionalidade técnica baseada em critérios econômicos. Mesmo que os termos democrático e participativo adjetivem a administração e a gestão escolares, há uma convergência para tornar a escola um espaço de vivência educacional pactuada em uma vida acadêmica heterônoma. É possível falar em autonomia e gestão democrática quando a escola apenas cumpre a missão de se ajustar ao molde das políticas oficiais? Se é assim, não temos autonomia, mas “internalização da norma”, ou seja, “autonomia como participação na heteronomia racionalmente justificada, válida e hegemônica no grupo de controle” (CORREIA, 2003, p. 136).

Parafraseando Correia (2003, p. 137), diríamos que “verticalizada para o campo da educação, da escola, do currículo e da prática pedagógica, essa concepção apresenta algumas implicações” das quais a mais perversa para os profissionais da educação é o processo de subsunção do trabalho docente ao que preferimos denominar de complexo combinado do gerencialismo escolar à gestão democrática, visto que o primeiro termo evidencia o espectro da pseudodemocracia que impera na educação e nas escolas brasileiras.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O complexo combinado do gerencialismo escolar caracteriza-se como normatização, controle e fiscalização do trabalho pedagógico que induz a escola a alcançar metas de produtividade medidas em termos de expansão das vagas com contenção de custos e redução da evasão e repetência como forma de evitar o desperdício dos investimentos aplicados no sistema educacional. A medida da eficácia é contabilizada em termos quantitativos tabulados por meios dos processos teleinfocomputrônicas e tecnocráticos que permitem a rápida produção de planilhas, tabelas e gráficos que evidenciam a

qualidade do sistema educacional. Em geral, os resultados são aferidos em termos

quantitativos e a avaliação desconsidera os problemas enfrentados para atingir a

qualidade em um sistema de ensino que combinou a expansão da oferta de vagas com o

financiamento enxuto.

5 Tradução livre do seguinte trecho no original: “[...] la calidad de la educación es difícil de definir y de medir. En una

definición satisfactoria deben incluir los resultados obtenidos por los alumnos [...]. Los resultados de la educación se pueden mejorar mediante la adopción de cuatro importantes medidas: a) el establecimiento de normas sobre los resultados de la educación; b) la prestación de apoyo a los insumos que, según se sabe, mejoran el rendimiento; c) la adopción de estrategias flexibles para la adquisición y la utilización de los insumos, d) la vigilancia de los resultados” (BANCO MUNDIAL, 1996, p. 51).

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Assim, o complexo combinado do gerencialismo educacional finda por impor às escolas o ethos empresarial, sob a lógica da reestruturação produtiva, com base nos princípios do gerencialismo de fazer mais, com menos. Como consequência, os processos de aferição dos resultados apontam para uma pretensa ineficiência da escola, cuja superação depende da reestruturação dos processos de gestão de recursos humanos e do redirecionamento dos investimentos aplicados pelo Estado nos sistemas educativos.

Em razão deste contexto, o discurso de gestão participativa e democrática nada mais é do que um meio de subjetivar os profissionais da educação a se comprometerem com a melhoraria de resultados da escola-empresa, quando de fato, no âmbito interno da escola, há pouca ou nenhuma liberdade para definir as prioridades educacionais. Assim, a instituição educativa, lócus de difusão de uma cultura acadêmico-intelectual, passa a se constituir como espaço de execução das políticas educacionais, como se o trabalho pedagógico pudesse ser contabilizado pelo cronômetro taylorista ou pelo sistema de luzes toyotista.

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Enviado em: 08/09/2016 Aceito para publicação em: 26/09/2016

Referências

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