• Nenhum resultado encontrado

“O DESAFIO DAS MONTANHAS”. Mariátegui e a questão indígena na Bolívia (1930-1952)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "“O DESAFIO DAS MONTANHAS”. Mariátegui e a questão indígena na Bolívia (1930-1952)"

Copied!
10
0
0

Texto

(1)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 Julho - dezembro de 2013

RECÔNCAVO

ISSN 2238 - 2127

“O DESAFIO DAS MONTANHAS”.

MARIÁTEGUI E A QUESTÃO INDÍGENA NA BOLÍVIA (1930-1952)

Mauro Marcos Farias da Conceição1

RESUMO: Neste trabalho, analisamos as perspectivas conceituais das manifestações indígenas e populares ocorridas entre os anos de 1930 a 1952 na Bolívia. Procuramos observá-las, quanto às aproximações teóricas, a partir das reflexões desenvolvidas por José Carlos Mariátegui na obra “Os sete ensaios de interpretação da realidade peruana”. Nosso interesse é produzir uma reflexão, considerando, fundamentalmente, as mobilizações e concepções, indígenas e populares, e as referências que se amparam em José Carlos Mariátegui. Confrontamos as concepções deste autor às dos que a ele se opõem ou às dos que a ele se amalgamam, às influências e presenças (analisando relações, permanências e objetivos político) diante da ocorrência das movimentações realizadas pelos nativos bolivianos. De Jose Carlos Mariátegui, abordamos os “7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, o Prólogo à “Tempestade nos Andes”, nota introdutória à obra de Luis E. Valcarcel, o documento “El problema de las razas en América Latina” apresentado em junho de 1929 na Primeira Conferência Comunista Latino-Americana e as edições da revista “Amauta”.

Palavras-chaves:

Bolívia, indígenas, Mariátegui.

ABSTRACT: In this paper, we analyze the conceptual perspectives of indigenous and popular demonstrations carried out in Bolivia from 1930 to 1952. We seek to observe them, as to the theoretical approaches, departing from the reflections developed by José Carlos Mariátegui in the book "The Seven Interpretative Essays on Peruvian

1 Doutor em História pela UERJ. Professor do UNIABEU – Centro Universitário e do Instituto Benjamim

(2)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 Reality". Our interest is to produce a reflection, considering primarily the mobilizations and conceptions, indigenous and popular, and the references that are built around José Carlos Mariátegui. We compare the author’s point of view to those from both his opponents and the ones who bolster in his ideas, the influences and presences (analyzing relationships, continuity and political goals) before the occurrence of movements performed by native Bolivians. We address Jose Carlos Mariátegui’s " 7 Interpretative Essays on Peruvian Reality " , the Prologue to " Storm in the Andes ," Introductory Note to the work of Luis E. Valcarcel , the document " El de las razas problem in Latin America ", presented in June 1929 at the First Latin American Communist Conference, and the issues of the journal " Amauta ".

Keywords:

Bolivia, indigenous, Mariátegui.

Temos por interesse, neste artigo, analisar as principais obras de José Carlos Mariátegui e, examinar, quais alcances deste pensar pode ter tido na fisionômica política adquirida pelos indígenas na Bolívia. Por metodologia, cotejamos procedimentos, teóricos e práticos, desempenhados por esses povos bolivianos, entre os anos de 1930 a 1952, às análises realizadas por Mariátegui em suas obras, destacadamente no livro “7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”. A questão que pretendemos investigar refere-se à formação de uma distinta expressão política que os nativos bolivianos passam a desenvolver, entre o período citado, e em particular durante e após a revolução boliviana de 1952.

Ainda que captemos, entre a literatura e as movimentações indígenas, conexões e referenciais, teóricos e efetivos, pretendemos abordar e identificar as distintas modalidades em se realizar, por parte desses nativos, suas perspectivas e procedimentos conceituais e práticos, no percurso do período indicado. Destacamos, preliminarmente, distinções entre as análises apresentadas por Mariátegui aos pleitos e efetivas ações nativas. Aspiramos, desta forma, detectar quais influências – teórica e prática –, presenças – ao analisar relações, permanências e objetivos políticos – e transformações podem-se constatar nos procedimentos políticos dos indígenas bolivianos.

(3)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 De Jose Carlos Mariátegui, sobre a questão indígena, abordamos os 7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, o Prólogo à Tempestade nos Andes, nota introdutória à obra de Luis E. Valcarcel, o documento “El problema de las razas en América Latina” apresentado em junho de 1929 na Primeira Conferência Comunista Latino-Americana e as poucas edições da revista “Amauta”.

O envolvimento da massa camponesa, e autóctone, aos eventos fartamente ocorridos no território boliviano – promovendo transformações nas estruturas sociais e políticas do país – estimulou-nos a analisar, com maior atenção, a incidência das idéias do marxista peruano sobre a configuração política que as ações indígenas foram adquirindo na Bolívia. Observamos, entretanto, que as movimentações nativas, nessa região, ocasionalmente pautavam-se em referenciais teóricos. Os objetivos imediatos, o fim da servidão e dos avanços, por oligarquias, às terras comunais, determinavam ações violentas e sem um propósito político nítido. Mariátegui analisa, em suas obras, quais deveriam ser os desígnios das mobilizações indígenas. Quais procedimentos e perspectivas necessitariam ser observado por esses povos.

A obra, de maior impacto quanto à temática indígena, “7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana” que Mariátegui apresentou, descreve sua percepção e análises históricas quanto à presença do europeu, na chegada ao continente americano, e as relações que então estabelecem com os povos nativos. Observa-se que alguns dos conceitos apresentados são pertinentes à apreensão histórica e política do período vivido pelo peruano, qual seja; as três primeiras décadas do século XX. As análises, compreensões, as perspectivas políticas e os conceitos, intensamente produzidos por esse autor durante a década de 1930, refletem o cenário político e a polarização ideológica desse período.

Ainda que seja, como no caso da obra citada acima, temática voltada à compreensão do cenário social e político de seu país, a forte presença indígena em outros locais do continente, em particular na região andina, tornou esta obra uma necessária referência aos que abordam a temática indígena.

A importância desta análise foi reconhecida inclusive pelos que, no período, opunham-se ao peruano. Guillhermo Lora, dirigente do Partido Obrero Revolucionário (POR), de orientação trotskista, ainda que tenha levantado questionamento às idéias do marxista peruano destacou, em obra sobre a Revolução Boliviana, as contribuições

(4)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 teóricas e as perspectivas objetivas que Mariátegui prestou às movimentações indígenas; segundo Lora; “uno de los grandes aciertos de Mariátegui[...]está en haber señalado, con claridad tal que no da lugar a ningún equívoco, que el problema del indio es, en último término, el problema de la tierra” (LORA, 1963, p. 70).

Entretanto encontraremos aqueles que, mais recente, opõe-se enquanto modalidade teórica, a indicar restrita modalidade a se conceber a questão indígena. Assim, Marie-Chantal Barre, considera que a análise desenvolvida por Mariátegui, quanto às questões indígenas, elucidou aspectos de cunho econômico. Como suporte conceitual necessitaria, para sua confirmação, de outros componentes teóricos. Ao impedir, como afirma Mariátegui em seu livro, a adesão de outros componentes teóricos afastaria uma elucidação, a respeito da compreensão do problema, mais abrangente; segundo a autora:

“[...] la problemática india sigue presente como cuestión a elucidar, pese a importantes intentos de interpretación y respuesta, como la del marxista Mariátegui en el Peru, quien llamó la atención sobre el aspecto económico del problema. Este, sin embargo, no se circunscribe al universo de las relaciones económicas, aunque revista una importancia considerable” (BARRE, 1988, p. 7).

Paralelo a esta observação literária e a movimentação nativa, abordamos quais sentidos – no tocante à compreensão prática – os indígenas conferiram aos referenciais que Mariátegui apresenta nas citadas obras. Esta metodologia investigatória deve-se ao fato dos índios terem assumido, no percurso das diversas ações, peculiares procedimentos e desdobramento político. Podemos destacar, por uma breve alusão, a participação nativa e camponesa à insurreição de 1952 e, ainda, nos desdobramentos sociais, políticos e econômicos desse evento. Tais procedimentos acentuam nossa compreensão quanto à autonomia, teórica e política, da comunidade indígena.

Os indígenas, na região andina, há séculos vinham protagonizando inúmeros enfrentamentos. Inicialmente, contra os espanhóis. Após a independência, e diante da respectiva fragmentação geográfica e política do continente americano, na Bolívia as oligarquias passaram a ser os principais adversários.

(5)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 Em estudos já realizados constatam-se as graves sequelas políticas, econômicas e sociais, que o confronto bélico com o Paraguai – a Guerra do Chaco (1932-1935) – gerou à Bolívia. Entretanto, ao fim desse evento bélico, a população indígena que havia participado combatendo o exército paraguaio, contraditoriamente realiza, nos afirma Alberto Pla, um ‘salto’ em seu nível de consciência; “Al arrancar de la relación de pongueaje al indio, la guerra se convertió, paradojicamente, en poderoso instrumento para su próximo despertar a una nueva consciencia que pronto se haria revolucionaria” (PLA, 1980, p. 256).

Ao pesquisarmos os governos bolivianos, que se estabeleceram após este evento, encontramos algumas das razões que nos auxiliam na compreensão dos frequentes períodos instáveis no país. Ao realizarmos estes estudos detectamos bases teóricas e políticas, que nos assistiram na compreensão das conturbadas relações que se constituíram, entre os indígenas e a sociedade boliviana não indígena. As questões da terra e da inclinação ideológica, para esses povos, não resumem, e podem, individualizados, não atender, a amplitude dos problemas e dos confrontos de interesses que, o Estado e as classes dominantes, lhes imputam.

Por este período aprofundam-se, em decorrência de distintas perspectivas, os enfrentamentos entre o Estado oligárquico e a comunidade indígena. Assegura-nos Alberto Pla que “el resentimiento indígena es de larga data [...] avanzan las formas de reacción del indio [...] entre 1936-1939 se producen intentos sérios, aunque fracasados de estructurar las primeras organizaciones sindicales campesinas” (PLA, 1980, p. 284). Neste ponto, considerando esta citação, a pesquisa precisará definir quais as propriedades políticas, de organização e de reflexão, quanto às distintas demandas, poderemos estabelecer entre as perspectivas sindicais, mineiras e indígenas. Compreendendo que na luta política, em muitas ocasiões, esses setores estiverem unidos, não podemos, entretanto, indicar uma única perspectiva quanto aos objetivos que pautavam a ação desses segmentos sociais.

Diante da projeção social e política, escritores e literatos voltam seus olhares às comunidades nativas; entretanto, segundo Piñeiro Iñíguez, manifestavam em seus escritos “problemáticas y conciencias ajenas a lo indio” (IÑÍGUEZ, 2004, pp. 50-51). Nesse controverso ambiente, de manifestações reforçadas por perspectivas literárias, encontramos, ainda, uma nada dissimulada projeção, cultural e social, de idéias

(6)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 racistas e de exclusão social. O mais destacado autor, na Bolívia, dessa corrente de pensamento, foi Alcides Arguedas. Um dos principais nomes, neste período, da intelectualidade boliviana, Arguedas, tornou suas obras, ‘Pueblo Enfermo’, ‘La Danza

de las Sombras’ entre outras, fontes de articulações e propagação de preconceito ao

povo indígena.

Ao abordamos este contraponto social em relação aos povos indígena, ainda hoje presente, não pretendemos, somente, levantar com a análise um rosário de questionamentos, mas observar e entendê-la criticamente, para o período de estudos, como um mecanismo de controle político, por parte dos segmentos dominantes, à maioria nativa da população boliviana. A efetivação desse ingrediente social, estimulando reações e mobilizações indígenas e ainda as análises literárias a respeito da temática, são questões a ser observada no cenário boliviano.

Nas obras de Arguedas a percepção excludente está presente nos materiais que desenvolveu. A importância – cultural, política e social – e aceitação que adquiriu suas análises estão diretamente relacionadas aos objetivos que procuravam atingir os segmentos dominantes da Bolívia. Afirmava Arguedas “entre el blanco y el indio bolivianos no hay casi contacto, son dos razas que conviven pero que no se mezclan[...]”; esta convicção associou-se à análise que atribuía ao homem branco capacidade e autoridade inexistente no nativo;

“Son los blancos quienes han hecho las leyes. Eran los únicos capaces, los más cultivados y más preparados, y han querido que las disposiciones dictadas para ellos sirviesen también para los otros, o sean la masa de la nación compuesta de indios y de mestizos, que no tienen uma igual concepción de derechos y deberes porque desconecen los los los deberes y solo reclaman sus derechos, sin saber nunca de veras cuáles pueden ser” (ARGUEDAS, 1945, p.15).

Arguedas tornou-se um tenaz defensor de concepções que caracterizavam os personagens indígenas como paria social. Na obra “Pueblo Enfermo” indicou pontos de semelhança entre nativos e animais irracionais; na obra “La Danza de las Sombras” apresenta as seguintes considerações quanto aos procedimentos culturais e agrícolas dos indígenas;

(7)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 “Produce lo necesario para su vida, y es muy poco [...]el tiempo sobra y toda la tarea se reduce entonces a matar el tiempo. De ahí las fiestas interminables, los holgorios frecuentes, la siesta de mediodia y la miseria vergonzante de los campesinos [...] su vida vegetativa los reducea la pobre y lamentable condición de brutos, empujados unicamente por necesidades orgânicas: comer, beber, moverse, engendrar” (ARGUEDAS, 1934, p.347).

Assim em Arguedas a razão discriminatória e os desdobramentos interpretativos dessa compreensão prevalecem – e adquirem substância – com suas convicções políticas. Tais concepções atendiam, sobremaneira, aos interesses de dominação das oligarquias políticas. Para preservar-se no controle político e social, construíam razões que legitimavam as ações que tomavam contra as comunidades indígenas. Afirma-nos Chiavenato que ‘o racismo na Bolívia está imediatamente ligado aos interesses das classes dominantes’ (CHIAVENATO, 1981, p.159). Portanto, o Estado boliviano atendia e refletiu, no árduo trato aos indígenas, os interesses financeiros, bem como aos propósitos sociais e políticos, das oligarquias mineira e latifundiária.

Observou-se, que ao estado boliviano, a marginalização e a violência racial ao índio, tornaram-se métodos frequentemente utilizados pelos governos. O Estado, que repetidas vezes propiciou violentas ações às comunidades indígenas, encontrou no mercado econômico as razões para o aprofundamento dos enfrentamentos políticos. Esta interpretação indica-nos René Zavaleta Mercado, “a cultura racista da oligarquia deste país de índios se exacerbou com a república [...] se consolidou com sua reintegração ao mercado mundial, por causa da economia do estanho” (MERCADO, 1988, p. 25).

Alcides Arguedas não foi o único representante, literário, a identificar-se com essa modalidade de percepção; este, afirmava Chiavenato, ‘tornou-se o mais importante codificador do racismo boliviano, mas não o primeiro. Antes dele, e mais sofisticado, há seu mestre, Gabriel René Moreno’ (MERCADO, 1988, p. 158). Na Bolívia, portanto, encontraremos outros formadores de análises, e propagador de conceitos racistas, que estimulavam as diferenças e rusgas entre estado e sociedade indígena.

Esse ‘olhar’ sobre a comunidade nativa, materializado em ações, foi igualmente realizado em outras partes do continente. Possivelmente, poderemos

(8)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 encontrar nessa modalidade de relação, algumas das razões, que estimulou o marxista peruano a afirmar que a inclusão social, e política, dos povos indígenas ocorreriam a partir de uma dada perspectiva política. Em sua principal obra “7 Ensaios de

interpretação da realidade Peruana”, aprecia uma natural identificação – em razão das

peculiaridades históricas e sócio-culturais dos nativos – e determinação política das movimentações indígenas;

“Não é a civilização, não é o alfabeto do branco, o que enobrece a alma do índio. É o mito, é a idéia da revolução socialista. A esperança indígena é totalmente revolucionária [...] A consangüinidade do movimento indigenista com as correntes revolucionárias mundial está muito evidente para que seja necessário documentá-la. Tenho afirmado que cheguei à compreensão e a valorização exata do indígena pela via do socialismo” (MARIATEGUI, 2004, p.21).

Portanto, encontramos, em Mariátegui, a decidida convicção quanto aos objetivos, sociais e políticos, que deveriam ser os fundamentos teóricos a nutrir as ações nativas. Para o marxista peruano os indígenas necessitariam mover-se em conquistar, não o “direito à educação, à cultura, ao progresso, ao amor e ao céu”, mas “reivindicar, categoricamente, seu direito à terra” (MARIATEGUI, 2004, p.33). Aos indígenas atribuía-se, conforme as compreensões ideológicas, concepções e modalidades a traduzir sua presença social e política; um ‘entrave’ ao desenvolvimento econômico e social ou indivíduos que tinham sua formação histórica a favorecer-lhes quanto à perspectiva socialista.

Em face dos objetivos deste texto, abordamos as referências antagônicas que, intrínseco ao cenário político, projetou modelos de identificação e de atitude aos nativos. Esses indivíduos diante dessas opções, e considerando outros aspectos – culturais e sociais – a eles pertinentes, conformaram um peculiar procedimento político, defendendo-se do que Marie-Chantal Barre identificou como ‘colonialismo interno’, e efetivando, segundo esta autora, ‘[...] la resistencia de los pueblos colonizados, quienes en la actualidad construyen sus propios aparatos ideológicos de contra-estado, a través de organizaciones políticas que desde hace una decena de años se han ido creando las bases de uma nueva ideologia: el indianismo’ (MARIATEGUI, 2004, p. 101).

(9)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 Nesta modalidade de análise, em que temos por base construções literárias referentes às questões indígenas, faz-se necessário uma abordagem interdisciplinar. O ‘sentido’ dos discursos, dos textos apresentados em livros, obras e documentos, necessitam ser mais apurado na evolução da pesquisa. Afirma-nos Ciro Flamarion e Ronaldo Vainfas; “os pressuposto essencial das metodologias propostas para a análise de textos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador de um

discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente”

(CARDOSO, 1997, p. 377).

Apresentando uma peculiar modalidade em interpretar a linguística, José Luiz Fiorin assegura-nos, sobre as atribuições sócio-político que caracterizam a linguagem; “as visões de mundo não se desvinculam da linguagem, porque a ideologia vista como algo imanente à realidade é indissociável da linguagem. As idéias e, por conseguinte, os discursos são expressões da vida real. A realidade exprime-se pelos discursos” (FIORIN, 1998, p. 33).

Pretende, ainda, Fiorin “verificar qual é o lugar das determinações ideológicas" na construção dos discursos e das formulações conceituais. Esta observação obriga-nos a utilizar, em nossa pesquisa, aportes teóricos fundamentais à Linguística2, que tem por objeto de estudos, segundo Eni Pulcinelli Orlandi, “os sinais que o homem produz quando fala ou escreve” e que proporcionam “a própria vida: com eles, o homem se comunica, representa seus pensamentos, exerce seu poder, elabora sua cultura e sua identidade, etc.”

Essas determinações conceituais e metodológicas nos subsidiaram na abordagem às obras, objetos deste artigo, bem como, nas referências teóricas e práticas que podem ter propiciado aos movimentos indígenas na Bolívia. Fundamentalmente em decorrência de que as abordagens temáticas, realizadas pelo autor, transportam, ao escrever, inevitáveis compreensões da realidade, social e política, em que se encontrava contextualmente inserido. Esta referência interdisciplinar permitem, assim, analisar quais inferências os ambientes sociais, a conjuntura política e o confronto ideológico internacional influenciaram, por

2 Neste artigo, trabalhamos com a definição de Linguística utilizada por Eni Pulcinelli Orlandi (1986, p.

10): “ não tem...o objetivo de prescrever normas ou ditar regras de correção para o uso da linguagem. Para a Linguística, tudo o que faz parte da língua interessa e é matéria de reflexão”.

(10)

Recôncavo: Revista de História da UNIABEU Volume 3 Número 5 julho - dezembro de 2013 intermédio da escrita e da oralidade, na formulação de conceitos, e de teorias, que por esse período, foram disseminados na América Latina.

Observamos finalmente, que a presença de distintas percepções teóricas sobre a questão indígena, não indicam, por nativos, adesão a uma ou outra concepção. As intensas disputas ideológicas e, por outro lado, as inúmeras ações e mobilizações indígenas, dão-nos mostra do peculiar procedimento e compreensão política dos aborígines na Bolívia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARGUEDAS, Alcides. La Danza de las Sombras. Barcelona: López Robert y Comp.ª, 1934.

BARRE, Marie-Chantal. “Ideologias Indigenistas y Movimientos Indios”. Mexico: Siglo Veinteuno.1988,

CARDOSO, C.F. e VAINFAS, R. (orgs,) Domínios da História – Ensaios de Teoria e

Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CHIAVENATO, J.J.’Bolívia – com a Pólvora na Boca’. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.

FIORIN, J.L. Linguagem e Ideologia. São Paulo: Editora Ática. 1998.

IÑÍGUEZ, C. P. Desde el corozón de América – el pensamiento boliviano en el siglo XX. Bolívia: Ed. Plural. 2004.

LORA, Guillermo . “La Revolución Boliviana”. La Paz/Bolivia: Difusión, 1963.

MARIÁTEGUI, J.C. 7 Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana. São Paulo: Alfa-Omega. 2004.

MERCADO, R .Z.“Considerações Gerais sobre a História da Bolívia (1932-1971)”. In: CASANOVA, P.G. (Org.), América Latina História de Meio Século. Brasília: Ed. UnB, 1988.

ORLANDI, E.P. O que é lingüística. São Paulo: Brasiliense. 1986.

PLA. A.J. América latina siglo XX – economia, sociedad, revolución. Venezuela. Caracas: Ediciones de la Biblioteca, 1980.

Referências

Documentos relacionados

Salomé Voeglin, através da sua contribuição para a publicação “The Multisensory Museum”, com o artigo “A Sonic Sensibility for Curation” reforça esta ideia referindo que

De modo a quantificar os conhecimentos e habilidades dos alunos em Literacia Financeira o PISA decidiu fazê-lo sob a forma de pontuação média (ver Tabela 4) ou através de níveis

[...] nem tudo está dito no dito ou, ainda, que nem tudo o que está dito é o que está dito. Fizemos muitas indagações, questionamos as práticas docentes, as estratégias

pública. É neste contexto que o simbolismo e alegoria da arte mural mexicana serão recuperados quer pelo neorrealismo visual português, durante o fascismo, quer pelo

Sendo assim, a primeira obra a ser considerada é Úrsula (1859), romance de autoria de Maria Firmino dos Reis, que apresenta ao leitor o ambiente social e histórico

O envolvimento, por alguns instantes, entre Macunaíma e Uiara não foi nada proveitoso para ele, “[q]uando Macunaíma voltou na praia [...] estava sangrando com mordidas pelo

No entanto, entendemos que, sempre municiado não só do estado da arte das teorias linguísticas de sua época – lembremo-nos de que a primeira edição de CPM é de 1967,

Pode-se constatar que tanto em 8 quanto em 9 há apenas um sujeito para duas proposições de cada período e que a língua kaingang não apresenta um verbo de volição, mas