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Hipereosinofilia idiopática com infiltração multiorgânica e complicações tromboembólicas : um caso clínico e breve revisão da literatura

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Academic year: 2021

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Clínica Universitária de Medicina I

Hipereosinofilia idiopática com infiltração

multiorgânica e complicações

tromboembólicas: um caso clínico e breve

revisão da literatura

Henrique José Atalaia Barbacena

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Clínica Universitária de Medicina I

Hipereosinofilia idiopática com infiltração

multiorgânica e complicações

tromboembólicas: um caso clínico e breve

revisão da literatura

Henrique José Atalaia Barbacena

Orientado por:

Dr. Diogo Cruz

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BARBACENA, H. Página 3 de 22

Resumo

A eosinofilia expressa-se como um aumento do número de eosinófilos em circulação, um achado muitas vezes ocasional em exames de rotina e que pode ter inúmeros significados. Existem múltiplas causas para a eosinofilia, nomeadamente causas primárias e secundárias. Centrando-nos apenas nas causas primárias, encontramos as síndromes hipereosinofílicas. Estas patologias, raras por natureza e cuja incidência se pensa rondar os 0.036/100,000 indivíduos, caracterizam-se por uma eosinofilia periférica e infiltração de órgãos alvo e, consequentemente, sua lesão e falência.

Neste trabalho final de mestrado, é apresentado um caso idiopático de síndrome hipereosinofílica inicialmente detectado por uma eosinofilia ocasional. Com o decorrer da doença, começou a haver infiltração e consequente lesão de órgãos, nomeadamente do fígado, do pulmão e do miocárdio, surgindo também complicações tromboembólicas típicas apesar da correcta anti-coagulação.

É descrita toda a abordagem diagnóstica do doente, que passou pela exclusão de causas secundárias para a eosinofilia, nomeadamente medicamentosas, parasitárias e autoimunes, exclusão de neoplasias mieloproliferativas primárias que se acompanham de alterações genéticas típicas e, ainda, exclusão de uma variante linfocítica da síndrome hipereosinofílica, chegando-se, portanto, ao diagnóstico final de síndrome hipereosinofílica idiopática.

Os objectivos deste trabalho passaram pela descrição e compreensão pormenorizada da marcha diagnóstica feita, sendo de salientar o facto de se tratar de um caso com múltiplos órgãos afectados, possivelmente o fígado, uma situação bastante rara, e complicado com episódios tromboembólicos que ocorreram mesmo na presença de anti-coagulação adequada. Por este motivo, insere-se no final uma breve revisão bibliográfica.

Palavras-chave: eosinofilia; síndrome hipereosinofílica idiopática; infiltração

miocárdica; infiltração hepática; infiltração pulmonar

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BARBACENA, H. Página 4 de 22

Abstract

Eosinophilia is expressed as the increase in the number of circulating eosinophils, a find most of the times occasional that can have multiple meanings. There are innumerous causes for eosinophilia, particularly primary and secondary causes. Focusing solely in the primary causes, we found the hypereosinophilic syndromes. These rare syndromes, with an incidence estimated at about 0.036/100,000 individuals, are characterized by increase in circulating eosinophil numbers, as well as infiltration, and consequently lesion and failure, of organs.

In this work, it is presented a case of idiopathic hypereosinophilic syndrome initially noted as occasionally eosinophilia. As the disease progressed involvement and consequent failure of liver, lung and heart developed, as well as thromboembolic complications despite adequate anti coagulation therapy.

It is described the whole diagnostic march, which involved the exclusion of secondary causes for eosinophilia, such as medications, parasitic infections and auto immune diseases, exclusion of primary myeloproliferative neoplasms associated with typical genetic changes, and exclusion of the lymphocytic variant of the hypereosinophilic syndrome. Therefore, leading to the final diagnosis of idiopathic hypereosinophilic syndrome.

The goals of this work were describing meticulously and comprehend the whole diagnostic march, stating that this is a case with multiple organs affected, with particular concern of the liver, a quite rare involvement, and thromboembolic episodes which occurred despite adequate anti coagulation therapy. Thus, a brief review of the literature is presented in the end of this work.

Key-words: eosinophilia; idiopatic hypereosinophilic syndrome; myocardial

involvement; hepatic involvement; lung involvement;

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BARBACENA, H. Página 5 de 22

Índice

Introdução...6

Caso Clínico...7

Discussão do Caso Clínico ...9

Breve Revisão da Literatura Eosinofilia e síndrome hipereosinofílica: classificações, causas e critérios de diagnóstico...12

Complicações de órgãos alvo...15

Diagnóstico...17

Tratamento...18

Prognóstico...20

Agradecimentos...21

(6)

BARBACENA, H. Página 6 de 22

Introdução

As síndromes hipereosinofílicas são doenças raras, difíceis de diagnosticar e de classificar. Caracterizam-se pela presença de eosinofilia periférica persistente e infiltração de órgãos alvo com consequente lesão. Etiologicamente, podem ser classificadas em síndrome hipereosinofílica de sobreposição, de associação, familiar, variante linfoide e idiopática. Esta última consiste num diagnóstico de exclusão e, por isso, difícil de fazer.

A marcha diagnóstica perante uma suspeita de síndrome hipereosinofílica é extensa e obriga à exclusão de causas secundárias para a hipereosinofilia, muito mais frequentes, como reações medicamentosas, infeções parasitárias, doenças atópicas ou autoimunes e neoplasias mieloides que se acompanham com eosinofilia, como a leucemia mieloide crónica ou aguda, a mastocitose sistémica e as neoplasias mieloproliferativas com rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1. A infiltração de órgãos tem igualmente de ser comprovada por exames complementares, só podendo ser definitivamente diagnosticada mediante biópsia do órgão afetado.

As principais manifestações clínicas aquando do diagnóstico são cutâneas e neurológicas. No entanto, com o decorrer da doença, as principais preocupações surgem com as complicações cardiovasculares e tromboembólicas.

O tratamento baseia-se na imunossupressão e, assim, diminuição da síntese medular de eosinófilos, à excepção de algumas entidades bem definidas que respondem particularmente bem a terapêuticas específicas, como é o caso das neoplasias mieloproliferativas com rearranjos do PDGFRA e o imatinib.

Neste trabalho final de mestrado, é apresentado um caso de síndrome hipereosinofílica idiopática, inicialmente apenas descrito e posteriormente discutido, onde se destaca a ocasionalidade do achado laboratorial, a infiltração consequente de múltiplos órgãos e as complicações tromboembólicas recidivantes.

(7)

BARBACENA, H. Página 7 de 22

Caso Clínico

Doente, sexo masculino, nascido a 30 de maio de 1973, actualmente com 43 anos, casado, natural e residente em Lisboa, ajudante de farmácia.

Como antecedentes relevantes, destaca-se epilepsia de ausência desde os dezoito anos, altura em que inicia carbamazepina em monoterapia e seguimento regular em consulta da especialidade.

Nesse contexto, em 1996 surge uma eosinofilia de 1.9x106/L e uma trombocitopénia de

137 000/L. Posteriormente, surgem alterações nas provas de função hepática, nomeadamente na alanina transferase (ALT) (100 U/L), na aspartato transferase (AST) (41 U/L) e na gama glutamil transferase (GGT) (51 U/L). Nessa altura é pedida citometria de fluxo que confirma um desvio para a esquerda da curva de citometria e uma percentagem de cinquenta e sete eosinófilos (57%). Sem alterações nas restantes linhagens.

Como primeira abordagem são pedidos:

- Serologias para a equinococose, toxoplasmose e Strongyloides stercoralis, que se mostraram negativas;

- Coproculturas e pesquisa de ovos, quistos e parasitas nas fezes, que se mostraram também negativas;

- Pesquisa de T. saginata, A. suum, T. canis, F. hepatica e T. spiralis em amostras de fezes no Instituto de Medicina Tropical, todas negativas.

Além das alterações analíticas já descritas, surge uma elevação da enzima lactato desidrogenase (LDH) (688 U/L).

Progressivamente, o doente desenvolve um quadro de dispneia para esforços que culmina num internamento em 2004 por insuficiência respiratória parcial secundária a hemorragia alveolar no contexto de infecção por adenovírus. Durante o internamento realizou ecocardiografia que mostrou, além de hipertensão pulmonar moderada e miocardiopatia restritiva com fracção de ejecção preservada, uma massa intraventricular apical esquerda que foi entendida como secundária à infiltração miocárdica. Iniciou anti-coagulação com heparina endovenosa e foi feita a avaliação seriada da massa, tendo sido removida cirurgicamente e colocada prótese mitral mecânica por insuficiência secundária. Durante a cirurgia foram colhidas amostras de miocárdio, cujo exame anátomo-patológico revelou necrose focal com infiltrado inflamatório e fibrose; e amostras de pulmão, cujo exame anátomo-patológico mostrou infiltração eosinofílica.

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BARBACENA, H. Página 8 de 22 Ainda durante o internamento, realiza os seguintes exames complementares de diagnóstico para esclarecimento da etiologia da eosinofilia:

- Mielograma e biópsia óssea, que mostraram uma infiltração da medula por elevado número de eosinófilos sem granulações tóxicas e sem células atípicas, constituindo sessenta porcento da celularidade total (60%);

- Estudo do cariótipo e microdelecção 4 (rearranjo FLIP1-PDGFRA), que se mostrou negativo;

- Doseamento da IgE, normal;

- Anticorpos anticoagulante lupídico, anticorpos anti citoplasma de neutrófilos, anticorpos antinucleares contra a partícula Jo-1 e anticorpos anti-toporisomerase 1 (anti-Scl-70), tendo-se mostrado todos negativos;

- TC toraco-abdominal que mostrou alterações difusas da densidade pulmonar em vidro despolido e hepatoesplenomegália;

- Provas de função respiratória que mostraram um padrão restritivo acentuado, sem interferência nas trocas gasosas;

- É também ponderada como causa para a eosinofilia uma possível reação medicamentosa aos antiepiléticos, tendo sido descartada.

É, portanto, assumida uma etiologia idiopática e o doente inicia terapêutica com corticóides sistémicos em doses imunossupressoras (40mg/dia) com boa resposta clínica e laboratorial, tendo-se notado uma redução substancial do número de eosinófilos no sangue periférico.

O doente passou a ser seguido em consulta externa de Medicina, onde é pedido estudo imunológico complementar, nomeadamente anticorpos antinucleares dirigidos contra as partículas Ro e La (Ro e La), anticorpos músculo liso, anticorpos anti-centrómero e anti-RNP, todos negativos.

Seis anos mais tarde sofre um tromboembolismo pulmonar onde, na investigação subsequente, são encontrados sinais de cronicidade na TC torácica: atelectasia da base pulmonar direita. É também re-intervencionado por disfunção da prótese valvular mitral, com colocação de nova prótese.

Desde essa altura mantém o seguimento em consulta externa de Medicina Interna com o Professor Doutor J. L. Ducla Soares. Últimos dados consultados referem-se a 2013, com normalização da eosinofilia, mas manutenção das alterações já descritas nas provas de função hepática, plaquetas e LDH.

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BARBACENA, H. Página 9 de 22

Discussão do Caso Clínico

O caso apresentado começa desde logo de uma forma característica relativamente às síndromes hipereosinofílicas: identificação de uma eosinofilia num exame de rotina, em doente previamente assintomático. Essa eosinofilia persistiu e, seguindo a história natural da doença, alguns anos depois surgem alterações nas provas de função hepática (AST, ALT e GGT) e plaquetas, sugerindo infiltração de órgãos. Como já referido, a infiltração hepática nestes casos é um tanto ou quanto rara, havendo poucos casos descritos na literatura. Aqui, cria-se a dúvida entre infiltração hepática e possível

toxicidade medicamentosa provocada pelos antiepiléticos, fármacos com evidências de

toxicidade hepática bem documentadas e passíveis também de provocar eosinofilia. Além disso, o aparecimento destas alterações precocemente no decorrer da doença é atípico para infiltração orgânica, situação que só acontece anos depois do início da doença, embora seja de realçar a não correlação entre o nível e tempo de eosinofilia e a infiltração e lesão de órgão. Posteriormente, excluíram-se os antiepiléticos como causadores do quadro hepático e eosinofílico. Realçar também que não foi confirmada a infiltração eosinofílica do fígado, já que não foi realizada biópsia, o único meio para diagnosticar com certeza infiltração.

A trombocitopénia, por sua vez, poderá ser explicada pelo facto de haver ocupação da medula por percursores eosinofílicos, com diminuição do “espaço” para as restantes linhagens proliferarem. Este achado é sugestivo de uma causa mieloide para a eosinofilia. É pedido uma citometria de fluxo, confirmando a existência de eosinofilia e permitindo excluir alterações nas outras linhagens celulares, nomeadamente aumento das populações de células T, por exemplo.

Consequentemente, tendo em conta esta eosinofilia persistente, a primeira hipótese colocada consistiu na exclusão de causas secundárias, mais frequentes. Assumiu-se uma infecção parasitária, pelo que foi pedido pesquisa de ovos, quistos e parasitas nas fezes e serologias parasitárias, tudo negativo, excluindo a etiologia assumida.

Nesta altura, o doente surge com aumento da LDH, o que pode ser explicado pelo facto de esta enzima intracelular ser um marcador de turn-over celular, podendo evidenciar um aumento da renovação e metabolismo celulares na medula, em consequência do aumento da eosinofilopoiese.

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BARBACENA, H. Página 10 de 22 Com o passar dos anos, o doente começou a apresentar sintomas dispneicos progressivos, que culminaram num internamento por hemorragia alveolar no contexto de infecção por adenovírus. O surgimento destes sintomas poderá correlacionar-se, como se comprovará mais adiante, com infiltração pulmonar por parte dos eosinófilos, pontuado depois por uma infecção.

É durante esse internamento que o doente é minuciosamente estudado. Por complicações secundárias ao quadro clínico, efectua ecocardiograma que demonstra sinais de infiltração tanto pulmonar como cardíaca: hipertensão pulmonar e miocardiopatia restritiva; posteriormente confirmadas por biópsias. São achados comuns na doença avançada, o que vai de encontro ao facto de a eosinofilia se manter persistente durante oito anos (1996-2004).

Simultaneamente, é igualmente detectada uma massa intraventricular apical esquerda que foi entendida, e posteriormente confirmada por biópsia, como sendo um trombo cardíaco secundário à infiltração miocárdica. É uma complicação frequente nos doentes hipereosinofílicos, e enquadra-se nas evidências existentes na literatura dos únicos episódios tromboembólicos directamente relacionados com a hipereosinofilia.

Como a infiltração miocárdica envolvia o aparelho subvalvular, provocando uma disfunção valvular mitral, o doente foi submetido a cirurgia com colocação de válvula mecânica, tendo sido iniciada anti-coagulação endovenosa com heparina durante o internamento, passando posteriormente a varfarina oral. Neste ponto, a literatura recomenda a utilização de válvulas biológicas, independentemente da faixa etária do doente, pelo facto de haver maior incidência de eventos trombóticos nas válvulas mecânicas e estes serem doentes com aumento do risco trombótico no geral. Desencoraja ainda a utilização de anti-coagulantes, pelo facto de estes não conseguirem prevenir novos eventos trombóticos.

Adicionalmente, a hipereosinofilia, agora já com infiltração comprovada de órgãos, é assumida como síndrome hipereosinofílica e estudada em pormenor. Pensando-se inicialmente numa causa neoplásica mieloproliferativa primária, tendo em conta a trombocitopénia, foi pedido mielograma e biópsia óssea, que não mostraram a existência de blastos ou células atípicas, apenas um aumento da celularidade eosinofílica que dominava o padrão medular. Simultaneamente, o estudo para os rearranjos do gene PDGFRA foi realizado, mostrando-se negativo e, assim, excluindo a hipótese, embora não tenham sido pesquisados os rearranjos em genes menos comuns, como o PDGFRB e o FGFR1.

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BARBACENA, H. Página 11 de 22 Pensando na variante linfocítica da síndrome hipereosinofílica, e tendo em conta a exclusão da existência de aumentos populacionais das células T, foram pedidas as IgE, tipicamente aumentadas nesta variante, mas que se mostraram negativas, o que está de acordo com a clínica do doente: ausência de sintomas cutâneos típicos desta variante. Ponderando-se, por fim, uma etiologia auto-imune/reumatológica para a hipereosinofilia, são pedidos os auto-anticorpos já descritos, cujo resultado foi negativo. Para se confirmar a infiltração pulmonar, foi ainda realizada TC toraco-abdominal, que mostrou um padrão em vidro despolido típico das patologias que provocam infiltração pulmonar intersticial, e provas de função respiratória, que indicaram um padrão restritivo, o que, mais uma vez, vai ao encontro da hipótese de infiltração pulmonar. Adicionalmente foi detetada uma hepatoesplenomegália, típica de síndromes mieloides, mas que tinham sido excluídas anteriormente.

Concluindo, tendo em conta que se excluíram as principais causas secundárias de eosinofilia e as principais variantes da síndrome hipereosinofílica, o doente foi diagnosticado com síndrome hipereosinofílica idiopática, tendo sido iniciada imunossupressão com corticóides, o comum neste tipo específico de síndrome.

Seguindo o doente posteriormente, destaca-se a necessidade de nova intervenção por falência da prótese mitral seis anos depois, incomum tendo em conta a longevidade deste tipo de material, mas expectável no contexto da síndrome idiopática, e desenvolvimento de um quadro clínico, seguidamente confirmado, de tromboembolismo pulmonar crónico. Mais uma vez, existem evidências na literatura de que as complicações tromboembólicas, nomeadamente os trombos pulmonares secundários e cardíacos, são diretamente provocados pela hipereosinofilia, por mecanismos ainda não esclarecidos, e que podem recidivar mesmo sob anti-coagulação eficaz, neste caso, com varfarina.

Como nota de resumo, trata-se de um caso detectado ocasionalmente que evoluiu progressivamente e se apresentou no momento do diagnóstico com infiltração de múltiplos órgãos e complicações tromboembólicas. Pauta pelo incomum provável envolvimento hepático, não confirmado, e é ainda um excelente exemplo das complicações tromboembólicas crónicas que podem surgir nestes doentes.

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BARBACENA, H. Página 12 de 22

Breve Revisão da Literatura

Eosinofilia e síndrome hipereosinofílica: classificações, causas e critérios de diagnóstico

As doenças eosinofílicas manifestam-se por um aumento dos eosinófilos em circulação, definido como eosinofilia (EO). Esta surge quando o valor absoluto de eosinófilos (VAE) em circulação se encontra acima dos 0.5x109/L, podendo-se subdividir

a EO tendo em conta o grau desse aumento em: ligeira, VAE entre os 0.5x109/L e os

1.5x109/L; moderada, entre os 1.5x109/L e os 5.0x109/L; e grave, quando o VAE se

encontra acima dos 5.0x109/L. Quando o VAE está acima de 1.5x109/L, utiliza-se o termo

hipereosinofilia (HE).[1, 2, 3]

A EO pode ser etiologicamente classificada como primária ou clonal, quando a população de eosinófilos surge a partir de um único clone; ou secundária ou reativa, quando ocorre proliferação de eosinófilos secundariamente a um aumento das interleucinas (IL) eosinofilopoiéticas, como a IL-5, IL-3 e granulocyte-macrophage colony-stimulating factor (GM-CSF), reflectindo uma proliferação policlonal.[4, 5]

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), existem três principais causas de EO primária: (1) neoplasias mieloproliferativas associadas a rearranjos nos genes platelet-derived growth factor receptor A (PDGFRA), platelet-derived growth factor receptor B (PDGFRB) e fibroblast growth factor receptor 1 (FGFR1), entre outros menos frequentes; (2) leucemia eosinofílica crónica sem outra especificação (LEC-soe); e (3) síndrome hipereosinofílica (SHE) idiopática.[1, 4, 5, 7, 8]

Relativamente às neoplasias associadas aos rearranjos supracitados, as mais frequentes são aquelas que envolvem o gene PDGFRA. Nestas, ocorre uma delecção na região 4q12 responsável pela fusão dos genes Fip 1-like 1 (FIPL1) e PDGFRA (fusão F/P), permitindo a expressão de uma tirosina cinase constitutivamente activa e a consequente expansão da população eosinofílica. Este rearranjo, mais frequente na população masculina, associa-se fortemente a esplenomegália, úlceras mucosas, complicações tromboembólicas e aumento dos níveis de triptase e vitamina B12, estando presente em dez a vinte porcento dos doentes com SHE. O conhecimento desta deleção tem, principalmente, implicações terapêuticas, já que estes doentes são preferencialmente tratados com imatinib.[3, 4, 5, 7, 8]

(13)

BARBACENA, H. Página 13 de 22 Os restantes rearranjos são relativamente mais raros. Os que envolvem o gene PDGFRB afectam também, predominantemente, homens, apresentando-se como uma mistura de monocitose e EO, embora também se possam apresentar como uma leucemia mielóide aguda ou crónica atípica, mastocitose sistémica ou mielofibrose primária. Já os rearranjos sobre o gene FGFR1, os mais raros de todos, surgem com a tríade de linfoma linfoblástico nodular de células T, EO e hiperplasia mielóide na medula óssea. A principal característica deste rearranjo é que não responde ao imatinib.[4, 7]

Quando existe EO primária por neoplasia mieloproliferativa, mas as células são negativas para todos os rearranjos acima descritos, entramos no domínio da LEC-soe. Para se diagnosticar esta entidade, a OMS, na sua compilação de 2015 sobre o diagnóstico, estratificação do risco e tratamento das doenças eosinofílicas, obriga a que se excluam todas as neoplasias mieloproliferativas acima enunciadas, e que haja EO persistente superior a 1.5x109/L e presença ou de uma anormalidade molecular, genética

ou citogenética clonal, ou a contagem de blastos ser superior a 2% no sangue ou 5% na medula.[4, 5, 7, 8]

Por fim, como última causa para a EO primária, entra-se no domínio das SHE, definidas pela primeira vez por Cushid et al, em 1975, como: (1) EO >1.5x109/L,

persistente por mais de seis meses; (2) ausência de evidência de causas secundárias para a EO; e, mais importante, (3) sinais e sintomas presuntivos de envolvimento e infiltração de órgãos alvo.[1-7]. Actualmente, o período temporal de seis meses é menos rígido, já que

muitos doentes podem desenvolver rapidamente sequelas graves secundárias à lesão tecidular por infiltração de órgão sem tratamento adequado. Desta forma, actualmente diagnostica-se uma SHE quando se tem (1) HE durante pelo menos seis meses ou em duas medições espaçadas quatro semanas; (2) evidência de lesão de órgãos alvo secundária a infiltração eosinofílica; e (3) ausência de uma explicação alternativa para a lesão de órgão.[1, 2, 7].

Etiologicamente, as SHE podem ser classificadas em: (1) idiopáticas; (2) de sobreposição, quando apenas um órgão é afetado; (3) familiar, uma situação rara, normalmente assintomática e cujo mecanismo ainda é desconhecido; (4) de associação, quando existe EO periférica no contexto de situações que se sabe causarem EO; e, ainda, (5) dependentes de uma população anormal de células T que sintetiza IL eosinofilipoiéticas, a chamada de variante linfoide da SHE (L-SHE). Esta variante surge na presença de uma população anormal de células T activadas que possuem padrões de marcadores de superfície atípicos, na maioria CD3- CD4+, e que podem ser identificadas recorrendo à

(14)

BARBACENA, H. Página 14 de 22 citometria de fluxo ou a testes de rearranjo dos recetores da célula T. Uma característica típica é o aumento das imunoglobulinas (Ig) E e da thymus activation-regulated chemokine (TARC). Clinicamente há predomínio por sintomas cutâneos, pulmonares e gastrointestinais, não havendo prevalência sobre o género.[1, 2, 5]

Para terminar, caso não se encontre nenhuma justificação para a EO, não se enquadrando em qualquer entidade, assume-se uma etiologia idiopática. Segundo a OMS, para se diagnosticar uma SHE idiopática é necessário excluir-se: (1) EO reativa; (2) L-SHE; (3) LEC-soe; (4) neoplasias mieloides associadas a eosinofilia, nomeadamente as com rearranjos dos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1; e é necessário que haja EO persistente associada a lesão tecidular. Caso não haja lesão tecidular, mas os restantes critérios estejam presentes, o termo de hipereosinofilia idiopática é o mais correcto.[1, 2, 4, 5]

Além das causas primárias para a EO, existem causas secundárias, ou reactivas, nomeadamente fármacos, neoplasias sólidas e linfoproliferativas, infecções e doenças alérgicas, atópicas ou auto-imunes.[1-7]

Quanto aos fármacos, a EO é mais frequente com antibióticos, antiepiléticos, anti-inflamatórios, anti-gotosos e antirretrovirais, embora qualquer fármaco a possa provocar.[6] Na maioria das vezes, representa uma reacção adversa que se assume ser

mediada pela IL-5, não estando os mecanismos fisiopatológicos ainda bem esclarecidos.[2] É essencial a colheita de uma boa história medicamentosa, já que a EO

pode persistir assintomática durante anos, não sendo estritamente necessário a introdução de um novo fármaco para que esta surja. Além disso, o fármaco pode não ter de ser descontinuado, dependendo do grau de EO e das consequências ou complicações que daí advêm.[3]

Sobre as neoplasias sólidas e linfoproliferativas, estas conseguem provocar EO através da síntese de IL eosinofilipoiéticas, constituindo uma síndrome paraneoplásica na maioria casos. De destacar os tumores da cabeça e do pescoço, do rim, do pulmão, da vesícula biliar, da tiroide e do ovário. Quanto às neoplasias linfoproliferativas, são as de células T as mais frequentemente associadas a EO.[2, 3, 7]

Já sobre as infecções como causadores de EO, são as infeções parasitárias aquelas mais frequentemente envolvidas, principalmente nos países em desenvolvimento. De realçar a infeção por Strongyloides stercoralis, o parasita helmíntico que mais frequentemente se associa a EO e cuja infecção pode permanecer assintomática por anos. O mais importante, é que o tratamento com corticóides, frequentemente utilizado no tratamento das EO, pode provocar disseminação do parasita, sendo imperativo a exclusão

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BARBACENA, H. Página 15 de 22 desta infecção em todos os doentes eosinofílicos antes de se iniciar qualquer tipo de terapêutica.[2, 6]

Para terminar, qualquer doença alérgica ou atópica, como a asma, a rinite alérgica, a dermatite atópica ou a sinusite crónica, se pode associar a um aumento ligeiro do VAE. Quando a EO se torna mais marcada, ter-se-á de considerar outras etiologias, como a síndrome de Churg-Strauss, ou granulomatose eosinofílica com poliangeíte (GEPA); a aspergilose broncopulmonar alérgica (ABPA); ou a pneumonia eosinofílica crónica (PEC).[2, 6]

Da mesma forma, praticamente todas as doenças auto-imunes ou reumatológicas que envolvam o tecido conjuntivo se podem associar a EO secundária. Crê-se que seja o aumento generalizado das IL inflamatórias o que provoca o aumento da síntese medular de eosinófilos, mesmo que estes não sejam as principais células envolvidas no processo auto-imune propriamente dito.[2, 6, 5]

Complicações de órgãos alvo

Os principais órgãos e sistemas afectados nas SHE são: o sistema cardiovascular, a pele, o pulmão, o sistema neurológico e o sistema gastrointestinal (GI).[3, 6, 9, 10]

Relativamente ao sistema cardiovascular, apesar de os sintomas deste sistema estarem presentes em menos de 5% dos doentes aquando do diagnóstico, ao longo do curso da doença cerca de 20% apresentarão complicações cardiovasculares, sendo as principais a infiltração miocárdica e as complicações trombóticas. Sobre a primeira, a infiltração do miocárdio pelos eosinófilos evolui por três fases. Numa primeira fase, a desgranulação e consequente libertação das proteases eosinofílicas (eosinophil cationic protein, eosinophil-derived neurotoxin, major basic protein e eosinophil peroxidase) necrotiza o miocárdio – fase necrótica aguda. Numa segunda fase, a lesão endotelial provocada na fase anterior, permite a exposição do factor de Von Willebrand e do factor tecidual, activando-se plaquetas e a cascata de coagulação e culminando com a formação de um trombo – fase trombótica. Por fim, numa última fase que pode surgir ao fim de um período médio de dois anos, ocorre fibrose do miocárdio por activação dos fibroblastos por parte dos eosinófilos, culminando numa miocardiopatia restritiva ou dilatada que se pode associar a regurgitações valvulares – fase fibrótica.[3, 6, 8, 10, 11]

(16)

BARBACENA, H. Página 16 de 22 Clinicamente, a infiltração cardíaca manifesta-se por sintomas e sinais de insuficiência cardíaca e de regurgitação mitral e/ou tricúspide.[8]

Para o seu diagnóstico, a ecocardiografia transtorácica e a biópsia miocárdica são os exames basilares, existindo actualmente investigação relativamente ao papel da ressonância magnética cardíaca na detecção precoce das lesões ainda assintomáticas e, assim, a possibilidade de se prevenir a sua evolução.[3, 6, 8]

Quanto às complicações trombóticas, que afetam até cerca de ¼ dos doentes, os únicos eventos desta natureza diretamente relacionados, na literatura, com a EO são os trombos cardíacos, os trombos pulmonares secundários e os êmbolos arteriais. Os mecanismos a eles associados ainda não estão bem esclarecidos e a anti-coagulação profiláctica não está recomendada. Além disso, a maioria das recidivas surgem em doentes já anti-coagulados por um episódio anterior.[3, 8]

As complicações cutâneas são das mais frequentes, chegando a afectar cerca de 50% dos doentes, principalmente aqueles com a variante L-SHE. Surgem sob a forma de urticária, angioedema e pápulas e nódulos eritematosos, existindo ainda entidades clínicas específicas, como a dermatite atópica e a fasceíte eosinofílica, por exemplo.[3, 6]

Por sua vez, o pulmão é também um órgão em que a infiltração eosinofílica se pode associar a entidades clínicas individualizadas, como a asma, a PEC, a ABPA e ainda a GEPA. Adicionalmente, as complicações cardiovasculares podem ser responsáveis por lesão pulmonar, nomeadamente no contexto de tromboembolia. Clinicamente, a lesão pulmonar no contexto de infiltração eosinofílica manifesta-se por dispneia e tosse, sendo o diagnóstico feito pelos níveis de eosinófilos no lavado bronco-alveolar.[3, 6, 10]

Sobre o sistema neurológico, também frequentemente envolvido aquando do diagnóstico, a infiltração pode ocorrer tanto no sistema nervoso periférico, provocando uma neuropatia periférica com componente sensitivo e/ou motor que se manifesta por parestesias, alterações da força muscular ou atrofia muscular; como no sistema nervoso central e nos pares cranianos, associando-se a encefalopatia e alterações comportamentais. Mais uma vez, as complicações cardiovasculares também aqui podem contribuir para a lesão neurológica, nomeadamente por intermédio de acidentes vasculares cerebrais.[3, 6]

Para terminar, quanto ao sistema GI, a infiltração eosinofílica pode ocorrer a qualquer nível, associando-se frequentemente a entidades clínicas individualizadas, como a esofagite eosinofílica e a gastroenterite eosinofílica. Clinicamente, as principais

(17)

BARBACENA, H. Página 17 de 22 manifestações dependem do local afectado e podem ser emagrecimento, disfagia, impactação e défices nutricionais.[3, 6]

A infiltração do fígado é rara em contexto de SHE, embora nalguns casos esteja descrito a sua afecção em até um terço dos doentes, sendo mais frequente a sua associação a reacções sistémicas, como a síndrome DRESS (Drug Reaction with Eosinophilia and Systemic Symptoms). Quando em contexto de SHE, a infiltração hepática manifesta-se sob a forma de hepatomegália ou anormalidades das transaminases e GGT sem tradução clínica. Nestes casos, a biópsia poderá revelar a presença de agregados granulomatosos ricos em eosinófilos ou infiltração lobular dispersa.[6, 13, 14]

Diagnóstico

Perante um doente com EO, os principais diagnósticos diferenciais a ter em conta passam por: (1) reações medicamentosas; (2) infecções parasitárias; (3) asma ou outras doenças atópicas; (4) doenças auto-imunes ou reumatológicas, com destaque para a GEPA; (5) neoplasias mieloides que se acompanham com EO, como a leucemia mielóide crónica ou aguda, a mastocitose sistémica e as neoplasias mieloproliferativas com rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1; e, por fim, (6) doenças linfoproliferativas e outras neoplasias sólidas.[2, 4, 7]

A avaliação do doente baseia-se na colheita da história clínica, exame objectivo pormenorizado e testes laboratoriais mais específicos.

Quanto à história clínica, é importante questionar-se quanto à existência de: emagrecimento, febre, suores nocturnos ou outros sintomas constitucionais, permitindo avaliar a existência de uma neoplasia ou doença linfoproliferativa; sintomas cutâneos como prurido ou urticária, sugestivos de uma variante L-SHE; tosse, dispneia, sibilância, cansaço fácil ou palpitações, sintomas de envolvimento cardiopulmonar; diarreia, dor abdominal ou outros sintomas GI; e sintomas sugestivos de envolvimento neurológico, como parestesias ou alterações da força muscular.[2, 7, 16, 17]

Adicionalmente, é importante perceber-se quais são as doenças anteriores que possam existir e se possam associar a EO e traçar uma história epidemiológica precisa.Por fim, devem ser detalhadamente descritos todos os fármacos, passados e actuais, suplementos e produtos de ervanária que o doente esteja, ou esteve, a tomar.[2, 3, 16]

(18)

BARBACENA, H. Página 18 de 22 Seguidamente, o exame objectivo permite avaliar a existência de infiltração de órgão. Dever-se-á então avaliar a pele, procurando pápulas ou nódulos eritematosos ou linfadenomegálias; e os sistemas cardiovascular, respiratório, neurológico e GI, com destaque para a pesquisa de esplenomegália.[16]

Laboratorialmente, a maioria dos autores admite como exames de primeira linha os seguintes: hemograma completo com contagens diferenciais das linhagens leucocitárias; níveis sérios de vitamina B12 e triptase, aumentados nos casos de neoplasias mieloproliferativas com rearranjos, principalmente envolvendo o PDGFRA; níveis séricos de IgE, aumentados predominantemente nas causas secundárias de EO e na L-SHE; ANCAs, positivos em cerca de dois terços dos casos de GEPA; pesquisa de ovos, quistos e parasitas nas fezes; serologia para Strongyloides spp., já que o exame anterior não é útil nestas infecções; citometria de fluxo, para se avaliar a existência de clonalidade, malignidade hematológica ou imunodeficiência; esfregaço de sangue periférico, considerando-se a morfologia das células, a existência ou não de blastos ou basofilia; e, para terminar, mielograma, onde se avalia a existência de blastos, células aberrantes, fibrose, cariótipo, citometria e, por fim, pesquisa dos rearranjos supracitados.[3, 5, 7, 16, 17, 18]

Como testes para se avaliar a infiltração de órgãos tem-se: troponina que, se positiva, obriga à realização de electrocardiograma e ecocardiograma; transminases, para envolvimento hepático; creatinina e análise sumária da urina, para envolvimento renal; e radiografia do tórax e testes de função pulmonar, para o caso de infiltração pulmonar. Em qualquer das situações, o diagnóstico definitivo de infiltração só é feito com biópsia.[3, 17]

Tratamento

A escolha do tratamento adequado para uma SHE depende do grau de EO, do estado de infiltração de órgãos e das características específicas da doença.

Caso se esteja na presença de uma SHE com rearranjos no gene PDGFRA, o tratamento de primeira linha consiste no imatinib, um inibidor tirosina cinase que se liga à cinase expressa pela fusão F/P já descrita. Este fármaco consegue, entre uma a duas semanas, provocar a remissão clínica, molecular e genética da doença. Caso haja infiltração de órgãos, consegue também impedir a evolução da lesão, não conseguindo, no entanto, reverte-la.

(19)

BARBACENA, H. Página 19 de 22 O importante aquando da sua utilização é o facto de puder provocar miocardite necrotizante em doentes com infiltração miocárdica prévia, pensa-se que devido à libertação de grandes quantidades de proteases eosinofílicas, pelo que nesses doentes, a administração de imatinib deve ser complementada nas primeiras semanas com corticóides (1-2mg/kg/dia).

Existem casos documentados de resistência à terapêutica com imatinib em doentes com SHE F/P positiva. Esta resistência surge na presença de uma mutação (T674I) que altera o local de ligação ao fármaco. Quando presente, a abordagem terapêutica passa pela utilização de outros inibidores tirosina cinase, como o dasatinib e o nilotinib, ou a transplantação.[3, 4, 5, 18, 19]

Para a grande maioria dos restantes doentes com SHE, o tratamento de primeira linha consiste em corticóides (prednisolona 1mg/kg/dia). Uma vez que se atinja a remissão clínica e laboratorial, uma a duas semanas depois do início da terapêutica, as doses são diminuídas até uma média de 10mg/dia. O mecanismo de acção é desconhecido, no entanto, foi descoberto um tipo de receptor nuclear para os corticóides (GRA), cuja expressão é substancial na população eosinofílica, e cuja ativação induz a apoptose. Existem casos de falência terapêutica, podendo-se nesses casos optar por cursos de altas doses de corticóides, embora a sua utilização a longo prazo não seja possível pela elevada incidência de efeitos adversos. Assim, em situações de falência terapêutica ou como forma de poupar os corticóides, recorrem-se a fármacos de segunda linha, nomeadamente hidroxiureia e interferão alfa (INF-alfa).

A hidroxiureia é um fármaco que consegue bloquear a síntese medular de eosinófilos, entre outras linhagens hematopoiéticas. Está associada a toxicidade medular, GI e teratogenicidade.

Já o INF-alfa é a terapêutica de segunda linha preferencial para os casos de L-SHE. O seu mecanismo de ação ainda não é completamente compreendido, mas pensa-se que actue impedido a síntepensa-se e diferenciação eosinofílicas, actuando ainda sobre as células T, impedindo a diferenciação Th2. Está associado, entre outros, a mielosupressão, elevação das transaminases, formação de auto-anticorpos e depressão.[3, 19]

Existem ainda agentes quimioterápicos, nomeadamente ciclosporina, metrotrexato e clorambucil, que podem ser utilizados como terapêutica de segunda linha, mas cujos resultados são menos eficazes, mesmo quando associados aos corticóides.[19]

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BARBACENA, H. Página 20 de 22 Actualmente, encontram-se em desenvolvimento novas terapias, nomeadamente anticorpos anti-IL5, como o mepolizumab, e anti-CD52, como o alentuzumab, embora ainda só estejam disponíveis para ensaios clínicos.[3, 4, 19, 20]

Para terminar, existe ainda a possibilidade de transplante de células hematopoiéticas, associado a uma maior morbilidade que a terapêutica farmacológica, mas indicado, principalmente, nas SHE F/P positivas resistentes ao imatinib e na L-SHE complicada com linfoma de células T.[3, 4, 18, 19]

Prognóstico

Anteriormente, o prognóstico das SHE era bastante reservado. Os doentes eram diagnosticados já com doença evoluída e extensa lesão de órgãos alvo, falecendo principalmente por insuficiência cardíaca.[4, 19] Actualmente, a classificação etiológica

melhorou e, desta forma, melhorou-se o prognóstico. Um estudo francês de 1989 concluiu uma sobrevivência média aos cinco anos de 80% e de 42% aos quinze anos, após as melhorias no diagnóstico e terapêutica.[21] Um outro estudo retrospetivo de 2013 mostrou

que as principais causas de morte nos doentes com SHE são: disfunção cardíaca (33%), infeções (20%), neoplasias não relacionadas com a doença (20%), fenómenos tromboembólicos (13%) e doença vascular (13%).[22]

O prognóstico dos doentes com neoplasias mieloproliferativas com rearranjos nos genes PDGFRA, PDGFRB e FGFR1, melhorou drasticamente desde o advento da terapêutica com imatinib. Um estudo prospectivo italiano acompanhou doentes com SHE, alguns dos quais com rearranjos no PDGFRA. Destes, a totalidade conseguiu remissão completa sob terapêutica com imatinib.[23] De forma semelhante a este estudo, existem

múltiplos outros na literatura que comprovam os achados.

Já relativamente à L-SHE, o seu curso clínico parece ser indolente. No entanto, existe a possibilidade de transformação maligna para um linfoma de células T, principalmente por acumulação de anormalidade citogenéticas, como delecções 6q e 10p ou trissomia do cromossoma 7. É então recomendado o seguimento destes doentes laboratorialmente a cada 3-4 meses para identificar precocemente linfocitose. Bianualmente deverão efetuar citometria de fluxo para se avaliar uma possível expansão da população de células T, e, anualmente, dever-se-á pedir o cariótipo medular.[4, 19]

(21)

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Agradecimentos

Aos meus pais, que sempre me apoiaram e estiveram do meu lado, e por todos os desafios que superaremos em conjunto.

Aos meus avós, pelo papel importantíssimo que têm na minha vida.

Ao Pedro, por suportar os meus humores e dramatizações nos últimos cinco anos, por estar sempre comigo independentemente da tempestade. Que seja para sempre.

À Joana, pela amizade incondicional, por ser quem é. À Simona e à Patrícia, porque estão comigo desde sempre.

E, por fim, ao Dr. Diogo Cruz, pelo apoio, orientação, conhecimento e amizade.

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Referências

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