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Efeito do compartilhamento de recursos através do casamento sobre a determinação da riqueza no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

EFEITO DO COMPARTILHAMENTO DE RECURSOS ATRAVÉS DO CASAMENTO SOBRE A DETERMINAÇÃO DA RIQUEZA NO BRASIL

Autor: Rubens Campos de Lacerda Junior

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Sociologia, Departamento de Sociologia, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Sociologia.

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UNIVERSIADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EFEITO DO COMPARTILHAMENTO DE RECURSOS ATRAVÉS DO CASAMENTO SOBRE A DETERMINAÇÃO DA RIQUEZA NO BRASIL

Autor: Rubens Campos de Lacerda Junior

Orientador: Doutor Marcelo Medeiros Coelho de Souza

Brasília, março de 2013

Banca: Prof. Doutor Arthur Trindade Maranhão Costa (UnB) Prof. Doutor Rafael Guerreiro Osorio (IPEA)

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Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo suporte financeiro.

Agradeço ao meu orientador professor Marcelo Medeiros, pelo interesse demonstrado em minha pesquisa, suas sugestões e soluções oferecidas foram de fundamental importância para a conclusão deste trabalho. Ainda, sua insistência em apresentar o caminho mais simples (quando eu somente enxerga soluções complicadas) é um ensinamento que espero preservar em minha carreira acadêmica.

Agradeço à Banca Examinadora pela compreensão com relação aos problemas pessoais que enfrentei ao final do curso de mestrado e que atrasaram minhas atividades acadêmicas. Agradeço, ainda, às críticas e sugestões que permitiram um salto de qualidade entre a versão apresentada no ato da defesa e a versão posterior à reformulação.

Agradeço aos meus colegas de pós-graduação e de orientação, Emerson Rocha, Lauro Stocco, Layla Jorge e Pedro Herculano de Souza, pela importante contribuição em temas relacionados à sociologia da educação e dúvidas a respeito da PNAD.

Agradeço à minha família, pelo apoio emocional e financeiro que me foi concedido. A preocupação e o carinho de minha mãe, meu pai e minha irmã, mesmo que distantes, foram fundamentais para minha motivação.

Agradeço em especial à Natália e aos seus pais, Nudmir e Rosa Maria, pela companhia e apoio nos momentos mais difíceis da redação desta dissertação. Encontrar forças para concluir este trabalho só foi possível graças a vocês.

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Sumário

Tabelas ... vi Resumo ... viii Abstract ... ix Introdução ...1

1. Do Estudo da Desigualdade ao Estudo da Formação dos Ricos ...5

1.1. Importância dos Ricos Para os Estudos de Desigualdade ...5

1.2. Diferentes Interpretações da Desigualdade na Sociologia Clássica...7

1.3. Modificações na Abordagem de Marx para o Estudo de Estratificação em Sociedades Contemporâneas ...13

1.3.1. Limites da Abordagem de Marx para o Estudo de Estratificação em Sociedades Contemporâneas ... 13

1.3.2. As Contribuições de Ralf Dahrendorf e Erik Olin Wright ... 13

1.3.3. A Contribuição de Aage Sørensen ... 17

1.4. Definição de Ricos e Operacionalização da Linha de Riqueza ...19

1.5. Considerações ...20

2. A Família como Determinante da Formação dos Ricos ...22

2.1. Família e Capital Social ...22

2.1.1. Definição de Capital Social ... 22

2.1.2. Família, Circulação de Capital Social e Formação dos Ricos ... 24

2.1.3. Limite da Mensuração do Capital Social na Família Através da PNAD 2009 ... 26

2.2. Sobre a Distribuição de Recursos Entre os Casamentos Brasileiros ...26

2.2.1. Estrutura, Aproximação e Interação Entre Indivíduos Semelhantes ... 28

2.2.2. Critérios Individuais de Seleção de Cônjuge e Formação do Mercado Matrimonial ... 30

2.2.3. Limites do Estudo do Mercado Matrimonial Através da PNAD 2009 ... 33

2.3. Considerações ...33

3. Estudo Preliminar Sobre a Similaridade de Recursos em Posse dos Cônjuges ...35

3.1. Verificação da Taxa de Homogamia Segundo a Remuneração Individual...36

3.2. Verificação da Taxa de Homogamia Educacional ...47

3.3. Interpretação da Composição dos Matrimônios Brasileiros Segundo a Teoria do Capital Social ...56

3.4. Conclusões Preliminares ...63

4. Composição dos Matrimônios e a Formação dos Ricos ...66

4.1. Estrutura Familiar, Composição dos Matrimônios e Desigualdade de Renda ...66

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4.2.1. Orientação e Objetivo ... 70

4.2.2. Operacionalização do Pareamento Aleatório dos Cônjuges ... 71

4.2.3. Limitações do Procedimento ... 76

4.3. Verificação do Efeito da Composição dos Matrimônios Sobre a Distribuição de Renda Brasileira. ...77

4.3.1. Medidas de Desigualdade Pα e Rα ... 78

4.3.2. Resultados ... 81

4.4. Conclusões Preliminares ...86

5. Homogamia Educacional e Transmissão Intergeracional de Escolaridade ...88

5.1. Transmissão Intergeracional de Capital Social na Forma de Recursos Educacionais ...88

5.2. Definição dos Procedimentos de Pesquisa ...96

5.3. Efeitos da Estrutura Familiar Sobre a Escolaridade dos Filhos ...98

5.3.1. Observação da Escolaridade dos Filhos Segundo a Estrutura Familiar ... 100

5.3.2. Verificação dos Efeitos da Estrutura Familiar Sobre a Escolaridade dos Filhos Através de Teste de Tratamento Médio ... 105

5.4. Efeito da Semelhança Educacional entre Cônjuges Sobre a Escolaridade dos Filhos ...110

5.4.1. Procedimento de Pareamento Aleatório ... 111

5.4.2. Modelos Estatísticos Empregado na Previsão da Escolaridade dos Estudantes Oriundos de Famílias Biparentais e Monoparentais ... 117

5.4.3. Efeito da Similaridade Educacional entre Cônjuges Sobre a Escolaridade dos Filhos ... 121

5.5. Conclusões Preliminares ...135

Conclusão ...137

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Tabelas

Tabela 1.1 Medidas de Desigualdade da Distribuição de Renda Brasileira, entre 2001 e 2009 ...5 Tabela 3.1 Intervalos de Rendimentos Segundo Diferentes Estratos ...37 Tabela 3.2 Estado Civil de Mulheres e Homens Acima de 18 Anos Segundo Estrato de Renda Individual de Todos os Rendimentos ...38 Tabela 3.3 Frequência Relativa Original e Esperada dos Matrimônios Segundo Estratos de Renda Individual para Maridos e Esposas ...40 Tabela 3.4 Condição de Atividade Econômica Geral e Estratos Selecionados, para Esposas e Maridos ...43 Tabela 3.5 Proporção dos Casamentos Tradicionais com Relação ao Total de Matrimônios Envolvendo Mulheres do Estrato “Até 25%” ...44 Tabela 3.6 Proporção de Casamentos entre Pessoas no Mesmo Intervalo de Renda e de Casamentos entre Pessoas no Mesmo Intervalo ou em Intervalos Adjacentes ...45 Tabela 3.7 Proporção de Maridos por Estrato Educacional Segundo o Estrato da Renda Familiar per capita ...50 Tabela 3.8 Proporção de Esposas por Estrato Educacional Segundo o Estrato da Renda Familiar per capita ...50 Tabela 3.9 Distribuição Percentual Original e Esperada das Uniões Matrimoniais Segundo Estratos de Escolaridade para Maridos e Esposas...51 Tabela 3.10 Distribuição Percentual Original e Esperada das Uniões Matrimoniais Segundo Estratos de Escolaridade para Maridos e Esposas, Somente para Pobres ...53 Tabela 3.11 Distribuição Percentual Original e Esperada das Uniões Matrimoniais Segundo Estratos de Escolaridade para Maridos e Esposas, Somente para Ricos ...53 Tabela 3.12 Distribuição Percentual dos Matrimônios Educacionalmente Semelhantes, Segundo o Estrato da Renda Familiar per capita ...55 Tabela 4.1 Frequência Relativa dos Matrimônios Segundo Estratos de Renda Individual de Todos os Rendimentos para Maridos e Esposas (Modelo 1 e Esperada) ...75 Tabela 4.2 Frequência Relativa dos Matrimônios Segundo Estratos de Renda Individual de Todos os Rendimentos para Maridos e Esposas (Modelo 2 e Esperada) ...75 Tabela 4.3 Testes e , Somente para a Subpopulação de Famílias Compostas por Dois Cônjuges...82 Tabela 4.4 Testes e , para Toda a População de Famílias Brasileiras ...85 Tabela 5.1 Médias e Coeficientes de Variação da Escolaridade de Estudantes, de 8 a 10 anos, Segundo Estrutura Familiar e Estrato da Renda Familiar ...100 Tabela 5.2 Médias e Coeficientes de Variação da Escolaridade de Estudantes, de 11 a 14 anos, Segundo Estrutura Familiar e Estrato da Renda Familiar ...100 Tabela 5.4 Coeficientes da Escolaridade de Mães e Pães Estimados Através das Regressões Auxiliares, Segundo Gênero e Cor/raça dos Filhos ...106

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Tabela 5.5 Efeito da Estrutura Familiar Sobre a Escolaridade dos Estudantes ...108 Tabela 5.6 Coeficientes das Variáveis Explicativas Encontrados na Estimação da Escolaridade de Estudantes, Segundo a Estrutura Familiar ...120 Tabela 5.7 Escolaridade Média dos Grupos de Tratamento e Controle Segundo os Estratos de Renda Familiar per capita Originais dos Estudantes Entre 8 e 10 Anos ...125 Tabela 5.8 Escolaridade Média dos Grupos de Tratamento e Controle Segundo os Estratos de Renda Familiar per capita Originais dos Estudantes Entre 11 e 14 Anos ...126 Tabela 5.9 Escolaridade Média dos Grupos de Tratamento e Controle Segundo os Estratos de Renda Familiar per capita Originais dos Estudantes Entre 15 e 18 Anos ...126 Tabela 5.10 Coeficientes Encontrados na Regressão de Diferenças em Diferenças ...130 Tabela 5.11 Coeficientes Encontrados na Regressão das Interações entre Semelhança Educacional entre Cônjuges e Estratos de Renda Familiar per capita ...132

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Resumo

Este trabalho tem por objetivo verificar em que medida a condição de riqueza está relacionada à formação de núcleos familiares através do matrimônio e ao efeito intergeracional do núcleo familiar (cônjuges) sobre as oportunidades de seus filhos. É proposto por este trabalho que o casamento é um dos mecanismos que permitem aos indivíduos alcançar ou manter a condição de rico. É parte central do argumento desenvolvido, o entendimento da família como um elemento estrutural importante para a compreensão da desigualdade de renda brasileira. Assume-se que a assimetria no acesso a ativos, entre famílias, permite a concentração de renda, ou seja, favorece aos mais ricos. Os efeitos da família sobre a determinação da condição de rico foram divididos em duas hipóteses. A primeira hipótese propõe que a condição de riqueza é alcançada ou mantida através da concentração de recursos econômicos realizada no momento do matrimônio, em razão da união entre duas pessoas com rendimentos semelhantes e elevados. Os resultados encontrados validam essa proposição. A segunda hipótese desse trabalho apresenta dois estágios. O primeiro propõe que conforme a formação de matrimônios ocorre entre pessoas de escolaridade semelhante e cada vez mais elevada, cresce a capacidade de transmissão de recursos educacionais dos pais para seus filhos. O segundo propõe que a transmissão desses recursos educacionais entre pais ricos e seus filhos ‒ cuja idade varia entre 8 e 18 anos ‒ seria superior àquela encontrada em qualquer outro estrato. O primeiro segmento proposto foi validado. O segundo estágio, fundamental para o estudo dos determinantes da condição de rico, todavia, não foi corroborado pelos resultados obtidos. Os filhos de famílias ricas não parecem se aproveitar, durante o Ensino Fundamental e Médio, das vantagens oriundas do maior volume de recursos educacionais em posse de seus pais. Os resultados encontrados levam a crer que seja necessário estudar o efeito da composição dos matrimônios dos pais sobre escolaridade dos filhos de famílias ricas nos níveis educacionais superiores. Esta pesquisa corroborou a importância explicativa do compartilhamento de recursos sociais entre membros de uma mesma rede. Os recursos que circulam na rede familiar de cada pessoa se mostraram importantes não somente para a explicação da desigualdade social brasileira, medida através das distribuições de renda e escolaridade, como também se apresentou capaz de influenciar diretamente a condição de riqueza por meio do efeito da formação dos laços matrimoniais e da consequente distribuição da renda entre as famílias.

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Abstract

This work intents to verify the extent to which the condition of being rich is related to the creation of new families through marriage and to the intergenerational effect of family‟s core (spouses) on the opportunities of their offspring. This work proposes that marriage is one of the mechanisms which allow a person to achieve or preserve the condition of being rich. The perception of family as an important structural element for the comprehension of Brazilian income inequality is fundamental to the argument stated. It is assumed that the asymmetry between families to access assets allows income inequality and favors the richer. The family effects over the condition of being rich were divided into two hypotheses. The first one proposes that the condition of being rich is achieved or maintained through the economic resources concentration performed by marriage ‒ as a result of the union of two high-income individuals. The results validate this proposition. The second hypothesis presents two stages. The first stage proposes that marriages happen between individuals with similar education level and, as the educational level of both spouses grows, the capability to transfer educational resources from the relatives to their offspring grows too. The second stage proposes that the transmission of these educational resources from rich families to their offspring ‒ whose age range from 8 to 18 years ‒ would be higher than the transmission performed by families of others classes. The results corroborate the first stage of the second hypothesis, but they do not corroborate the second. The offspring of rich families do not appear to take advantage, during elementary or high school, from the higher educational resources owned by their parents. The results show the need to study the effect from the marriage of rich parents on their offspring while they reach higher educational levels compared to families of other classes. This research corroborates the explanation relevance of sharing social resources between members of the same social network. The resources embedded at a familiar network showed importance not only to explain Brazilian social inequality, measured by the income and educational distribution, as also showed capable to directly influence the condition of being rich through the effect produced by marriage ties and the consequent income distribution between families.

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Introdução

Essa dissertação tem por objetivo estudar os determinantes da condição de riqueza no Brasil. Em um primeiro momento, pode parecer estranho estudar os elementos que propiciam a formação dos ricos. Em uma observação mais cuidadosa, porém, é possível perceber que a desigualdade de renda brasileira não existe exclusivamente em razão da dificuldade que alguns grupos possuem em obter rendimentos suficientes para garantir sua subsistência; se um grupo recebe rendimentos proporcionalmente menores do que o esperado, então existe outro grupo que recebe rendimentos proporcionalmente maiores que o esperado. Esse grupo possui a capacidade desproporcional de obter e concentrar rendimentos, diferentemente do que ocorre com a maior parcela da população. Esse grupo diferenciado em suas características de acesso e concentração de renda será chamado de rico.

A desigualdade da distribuição de renda brasileira é extrema. Anualmente o país se encontra no extremo inferior dos rankings internacionais sobre distribuição de renda. Por essa razão, entender quais são os elementos que permitem aos ricos alcançar sua posição é tão importante para compreender a desigualdade de renda brasileira quanto compreender os motivos que impedem aos pobres superar sua condição de pobreza. Mais importante ainda é saber que os motivos não são os mesmos. Medeiros (2005) demonstra que as características utilizadas para explicar a condição de pobreza tornam-se pouco úteis quando utilizadas para explicar a distância entre ricos e não-ricos.

O estudo dos ricos ainda é escasso no Brasil. Existe uma lacuna nos estudos sociológicos brasileiros a respeito dos efeitos da família sobre a condição de rico. Entre outras questões, é necessário verificar em que medida a origem dos ricos está relacionada à formação de novos núcleos familiares através do matrimônio e ao efeito intergeracional da posição social dos pais nas oportunidades de seus filhos.

Para estudar os determinantes da riqueza, a abordagem utilizada por esse trabalho é aquela promovida por Sørensen (2005). A distribuição de renda brasileira será compreendida como um conflito distributivo no qual a diferença de direitos de propriedades sobre ativos pode ser observada através da diferença do volume total das remunerações dos indivíduos.

É proposto por este trabalho que o casamento é um dos mecanismos que permitem aos indivíduos alcançar ou manter a condição de rico. Essa proposição se justifica, primeiramente, no fato de o estudo dos casamentos ser um dos meios de verificar o grau de fechamento de um

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grupo social (Kalmijn, 1998) e, em segundo lugar, em razão de somente grupos sociais fechados serem capazes de impedir o acesso a seus recursos (Parkin, 2001).

É parte central do argumento desenvolvido, o entendimento da família como um elemento estrutural importante para a compreensão da desigualdade de renda brasileira. Assume-se que a assimetria no acesso a ativos, entre famílias, permite a concentração de renda, ou seja, favorece aos mais ricos. Quanto mais rica é a família, maiores são as oportunidades materiais de seus membros de acessarem aos ativos de alto rendimento comparativamente às oportunidades materiais de membros de famílias menos ricas.

Para explicar como a família pode ser um determinante da formação dos ricos é necessária uma abordagem teórica que seja coerente ao modelo de estratificação apresentado, no qual os diferentes estratos estão em um conflito distributivo por ativos ‒ os ricos seriam os membros do estrato que é favorecido nesse conflito. Além disso, essa abordagem precisa ser capaz de explicar a importância dos recursos rentáveis na posse de indivíduos na formação de novos núcleos familiares e, também, explicar o processo de transmissão de recursos entre membros de uma família. A teoria do capital social é a opção utilizada para cumprir essas demandas.

Lin (2001) define capital social como: “recursos sociais inseridos nas relações sociais e estrutura social, que podem ser mobilizados quando o ator assim o desejar para aumentar a probabilidade de sucesso em uma ação propositada”. Por sua vez, os recursos sociais são os bens materiais ou simbólicos acessíveis através das conexões sociais em uma rede de relacionamento, enquanto os recursos pessoais são os bens materiais ou simbólicos na posse do próprio indivíduo (Lin, 2001).

A partir da abordagem elaborada por Lin, a família é relevante para a explicação da condição material de um indivíduo porque é uma rede de circulação dos recursos que constituem o capital social de seus membros. A implicação disso é muito importante. Ao conhecer uma rede, e mais especificamente quem são as pessoas nela inseridas e em que posição hierárquica elas se localizam, é possível conhecer quais os recursos um indivíduo pode ter acesso por meio da rede. Assim, diferentes redes proporcionam diferentes recursos, em razão dos indivíduos que as compõem e das diferentes posições sociais ocupadas por esses indivíduos na estrutura social.

Segundo essa abordagem é possível propor que indivíduos adultos solteiros, na medida em que passam a oferecer seus recursos com o objetivo de encontrar o parceiro mais atrativo possível para o casamento, oferecem capital social. Aqueles indivíduos que estiverem

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no topo da estrutura social obtêm vantagens maiores ao criarem laços conjugais com alguém que ocupe posição equivalente. Então, pessoas com rendimentos elevados se casariam com outras pessoas com remuneração também elevadas. A consequência dessa proposição é que haveria concentração significativa de recursos econômicos através do casamento. Tal situação permitiria dizer que a formação de um núcleo familiar através do casamento seria um determinante da condição de rico. Essa é a primeira hipótese tratada por este trabalho.

Os resultados encontrados ao longo dos testes dessa hipótese informam que a tendência à similaridade de renda entre os cônjuges tem efeito na direção da concentração de recursos econômicos para uma minoria da população, os ricos. Por esse motivo, a condição de rico depende da tendência à similaridade de renda na composição dos matrimônios brasileiros. A segunda hipótese desse trabalho apresenta dois estágios. O primeiro propõe que conforme a formação de matrimônios ocorre entre pessoas de escolaridade semelhante e cada vez mais elevada, cresce a capacidade de transmissão de recursos educacionais dos pais para seus filhos. O segundo propõe que a transmissão desses recursos educacionais entre pais ricos e seus filhos ‒ cuja idade varia entre 8 e 18 anos ‒ seria superior àquela encontrada em qualquer outro estrato, uma vez que a frequência de casamento entre dois ricos com escolaridade superior é a maior encontrada entre os estratos brasileiros.

O primeiro segmento proposto foi validado. Conforme a semelhança entre os cônjuges se dá em níveis educacionais mais elevados, maior é a capacidade de transmissão desses recursos aos filhos. A desigualdade da distribuição dos recursos educacionais entre os núcleos familiares (cônjuges) tem implicação direta no nível de recursos que os filhos recebem de seus pais.

O segundo estágio proposto, fundamental para o estudo dos determinantes da condição de rico, todavia, não foi validado. Os filhos de famílias ricas não parecem se aproveitar, durante o Ensino Fundamental e Médio, das vantagens oriundas do maior volume de recursos educacionais em posse de seus pais. Os resultados levam a crer que todos os estratos que são constituídos majoritariamente por famílias nas quais os dois cônjuges apresentam 11 ou mais anos de escolaridade possuam a mesma capacidade de impulsionar a escolaridade dos filhos. Tal interpretação é coerente aos resultados encontrados por Mare & Chang (2003 [1998]) e Ferreira & Veloso (2003).

Os resultados encontrados no teste dessa hipótese levam a crer que seja necessário estudar o efeito da composição dos matrimônios dos pais sobre escolaridade dos filhos de

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famílias ricas nos níveis educacionais superiores. Nesse caso, é esperado que os herdeiros daqueles que já alcançaram o nível superior apresentem melhores resultados.

Esta pesquisa corroborou a teoria do capital social a respeito da importância explicativa dada ao compartilhamento de recursos sociais entre membros de uma mesma rede. Também ressaltou a família como uma rede de relações sociais relevante para a compreensão das condições e oportunidades de vida de cada indivíduo.

O capital social que circula na rede familiar de cada pessoa se mostrou importante não somente para a explicação da desigualdade social brasileira, medida através das distribuições de renda e escolaridade, como também se apresentou capaz de influenciar diretamente a condição de riqueza por meio do efeito da formação dos laços matrimoniais e da consequente distribuição da renda entre as famílias.

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1. Do Estudo da Desigualdade ao Estudo da Formação dos Ricos

1.1. Importância dos Ricos Para os Estudos de Desigualdade

Em um primeiro momento, pode parecer estranho estudar os elementos que propiciam a formação dos ricos. Em uma observação mais cuidadosa, porém, percebe-se que a desigualdade de renda brasileira não existe exclusivamente em razão da dificuldade que alguns grupos possuem em obter rendimentos suficientes para garantir sua subsistência; se um grupo recebe rendimentos proporcionalmente menores do que o esperado, então existe outro grupo que recebe rendimentos proporcionalmente maiores que o esperado. Esse grupo possui a capacidade desproporcional de obter e concentrar rendimentos, diferentemente do que ocorre com a maior parcela da população. A esse grupo diferenciado em suas características de acesso e concentração de renda chamamos de ricos.

A Tabela 1.1 apresenta medidas de desigualdades usualmente utilizadas no estudo da distribuição de renda e compara a participação entre o 1% mais rico e os 50% mais pobres na distribuição de renda domiciliar per capita brasileira entre os anos de 2001 e 2009. A Tabela 1.1 ainda apresenta a informação da porcentagem da população mais pobre cujo somtatório da renda é equivalente à renda total do 1% mais rico, para cada ano descrito e, por fim a renda média domiciliar per capita do 1% mais rico da população. Tanto o Coeficiente de Gini quanto o Índice L de Theil apresentam queda monotônica no período observado, demonstrando a redução da desigualdade no período.

Tabela 1.1 Medidas de Desigualdade da Distribuição de Renda Brasileira, entre 2001 e 2009

Ano Coeficiente de Gini (renda domiciliar per capita) Índice de Theil (renda domiciliar per capita) Participação dos 50% mais pobres (renda domiciliar per capita) Participação do 1% mais rico (renda domiciliar per capita) Porcentagem mais pobre da população com montante de renda igual ao do 1% mais rico Renda domiciliar per capita média do 1% mais rico 2001 0,596 0,727 12,58% 13,91% 27,29% R$ 7.945,04 2002 0,589 0,710 12,97% 13,43% 25,25% R$ 7.675,28 2003 0,583 0,686 13,22% 13,09% 24,26% R$ 7.043,17 2004 0,572 0,665 13,84% 12,97% 23,29% R$ 7.146,92 2005 0,569 0,659 14,06% 12,99% 22,34% R$ 7.583,80 2006 0,563 0,644 14,46% 12,77% 21,41% R$ 8.151,66 2007 0,556 0,624 14,72% 12,50% 20,50% R$ 8.200,51 2008 0,548 0,608 15,25% 12,31% 19,60% R$ 8.489,05 2009 0,543 0,597 15,49% 12,11% 18,73% R$ 8.547,11

Fonte: IPEADATA, a partir dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2001-2009. Disponível em: http://www.ipeadata.gov.br/

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Até 2002, a participação de a renda domiciliar per capita do 1% mais rico era superior à participação do conjunto dos 50% mais pobres e, em 2009, a participação dos 50% mais pobres foi somente 3,38 pontos percentuais maior que a participação do 1% mais rico. Ainda, verifica-se que o montante da renda em posse do 1% mais rico, em 2009, é equivalente ao somatório da renda em posse dos 18,73% da população mais pobre.

Independente da queda na desigualdade, o caráter concentrador da distribuição de renda brasileira continua a colocar o país nas últimas posições dos rankings internacionais sobre desigualdade de renda. A partir da Tabela 1.1 verifica-se que, uma pequena parcela da população, o 1% mais rico, apresenta crescimento contínuo de sua renda domiciliar per capita média desde 2004. Isso significa que para haver nesse período redução da desigualdade, a taxa de crescimento da renda dos mais pobres foi superior à taxa de crescimento dos ricos.

Se por um lado é positivo saber que para reduzir a desigualdade nesse período não foi necessário afetar diretamente os mais ricos, por outro lado, foi necessário um esforço maior das políticas distributivas, que além de aumentar a renda dos mais pobres precisaram superar a taxa de crescimento dos mais ricos, ou a desigualdade não cairia.

Decorre dessa situação que, para realizar as previsões de longo prazo, a respeito da redução da desigualdade de renda, elaboradas por Soares (2008) ‒ segundo a qual, a continuar a tendência de queda do Coeficiente de Gini brasileiro, em 2030 a sociedade brasileira apresentará uma distribuição de renda equivalente a canadense na primeira década desse século ‒; ou a sociedade brasileira em sua totalidade deverá arcar através de impostos com esse custo, ou será necessária uma política de transferência de renda dos extremamente ricos para os extremamente pobres.

Do ponto de vista do efeito marginal sobre a renda do cedente; quanto mais rico ele for, menor será o efeito sentido ao transferir renda para os pobres. De forma análoga, quanto mais pobre é a pessoa que recebe renda, maior será o efeito marginal da renda cedida sobre o montante em sua posse. Por essa razão, esse trabalho pressupõe que uma política duradoura de distribuição de renda deve ser ancorada na transferência de renda direta dos mais ricos para os mais pobres, porque impactará negativamente no menor número de pessoas possível para impactar positivamente no máximo de pessoas possível do grupo que mais necessita.

Desse modo, entender quais elementos permitem aos ricos alcançar sua posição é tão importante para compreender a desigualdade de renda brasileira quanto compreender os motivos que impedem aos pobres superar sua condição de pobreza. Mais importante ainda é saber que os motivos não são os mesmos. Medeiros (2005) demonstra que as características

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utilizadas para explicar a condição de pobreza tornam-se pouco úteis quando utilizadas para explicar a distância entre ricos e não-ricos: taxa de fecundidade, proporção de pessoas em idade ativa no domicílio, proporção de pessoas ocupadas dentre aquelas em idade ativa no domicílio e escolaridade.

Para colaborar com o debate dos determinantes da condição de riqueza no Brasil, este trabalho busca cobrir uma lacuna nos estudos sociológicos brasileiros a respeito dos efeitos da família sobre a formação dos ricos. Entre outras questões, é necessário verificar em que medida a origem dos ricos está relacionada à formação de novos núcleos familiares através do matrimônio e ao efeito intergeracional da posição social dos pais nas oportunidades de seus filhos.

Duas questões precisam ser revisadas a partir da literatura anterior. A primeira é como o estudo dos ricos se encaixa nos estudos de estratificação social. A segunda é a importância da família como rede de relações sociais transmissora de recursos e, por esse motivo, possivelmente um dos determinantes da desigualdade social.

A família como determinante da formação dos ricos será discutida no próximo capítulo, a partir da teoria do capital social. As próximas seções do presente capítulo discutirão: i) os estudos de desigualdade dentro da tradição sociológica clássica e a opção pelo pensamento de Marx como ponto de partida deste trabalho; ii) as contribuições posteriores de estudiosos da área de estratificação social para solucionar as limitações do trabalho de Marx; iii) a definição sobre quem são os ricos e sua operacionalização, e; iv) uma breve apresentação das hipóteses sobre os determinantes da formação dos ricos a serem discutidas no próximo capítulo.

1.2. Diferentes Interpretações da Desigualdade na Sociologia Clássica

No que diz respeito à tradição sociológica, a percepção da diferença entre os indivíduos é o ponto de partida das três correntes clássicas. Marx, Durkheim e Weber se preocuparam, cada um a sua maneira, em entender como as diferenças entre as pessoas poderiam explicar o mundo em que viviam.

A diferença entre indivíduos no mundo do trabalho possivelmente é a preocupação compartilhada em maior intensidade entre esses três sociólogos. A relação entre as diferenças no mundo do trabalho e a desigualdade será o elemento norteador da apresentação acerca dos três autores.

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Essa seção não ter intenção de revisitar todo o debate acerca das relações sociais no mundo do tralho, seu objetivo é informar a razão pela qual o pensamento de Marx foi considerado mais apropriado para ser o ponto de partida do estudo da formação dos ricos. O motivo para isso é o entendimento de Marx do conflito distributivo no interior do sistema produtivo através de uma relação de exploração entre as partes, ou seja, para que um grupo seja capaz de concentrar recursos, necessariamente, outro grupo deve ser privado desse recurso.

Marx ao estudar as origens do sistema capitalista afirma que o processo de divisão social do trabalho está associado à perda dos meios de produção pelos trabalhadores. Se anteriormente cada indivíduo era proprietário dos meios com os quais trabalhavam e dos quais retiravam seu sustento, com a transição para o capitalismo e introdução da escala produtiva industrial, os trabalhadores passaram a depender da propriedade de seus empregadores para realizar atividades produtivas, e desse modo, garantirem suas necessidades materiais.

A impossibilidade de produzir fora da fábrica (pelo menos em escala competitiva) obrigaria o trabalhador a aceitar a remuneração oferecida pela jornada de trabalho, mesmo que o valor por ele produzido fosse superior ao valor de sua remuneração, em razão de ser a única maneira factível de realizar atividades produtivas.

O valor excedente da produção que permanece com o capitalista, denominado mais-valia, poderia ser investido no sistema produtivo de modo a aumentar os meios de produção em sua posse. A cada final de ciclo produtivo o capitalista estaria apto a aumentar os meios de produção em sua posse e assim se utilizar do trabalho de mais empregados. Essa situação é considerada por Marx exploratória porque desencadearia um círculo vicioso, no qual a diferença entre capitalistas e trabalhadores seria continuamente crescente.

Desse modo, a origem da desigualdade entre proprietários e operários, estaria na relação de exploração de um grupo detentor dos meios de produção sobre um grupo não-detentor. Em Marx, o que distingue os capitalistas dos trabalhadores não é uma característica individual inata, ou uma habilidade superior. O que distingue os dois grupos é a posse dos meios de produção, ou seja, a posse de um recurso que pode ser investido com o objetivo de maior retorno futuro.

Cada grupo social que apresentasse uma relação diferenciada e exclusiva com os meios de produção é chamado, por Marx, de classe. Segundo ele, todas as grandes transformações na estrutura social são fruto do conflito de classes. O fator determinante do conflito entre classes se encontraria no âmbito da produção, na possibilidade de posse dos

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meios de produção, e de seus efeitos sobre a distribuição assimétrica dos recursos materiais socialmente produzidos. A desigualdade na posse dos meios de produção teria por consequência a desigualdade da distribuição dos recursos materiais socialmente produzidos.

A abordagem de Marx constrói instrumentos teóricos que permitem analisar a sociedade através de um conflito distributivo permanente sobre a posse dos meios de produção e sobre o direito de propriedade sobre os recursos materiais socialmente produzidos através desses meios de produção. A partir dela é possível diferenciar grupos que concentram os meios de produção, daqueles que não apresentam a possibilidade de possuí-los. Através dessa diferenciação é possível explicar as diferentes condições materiais de existências dos grupos que constituem a sociedade. Essa é uma ferramenta útil aos estudos de desigualdade.

Durkheim, por sua vez, preocupado com os mecanismos que permitem a integração da sociedade, observou que a crescente diferenciação das ocupações ocorrida principalmente graças à Revolução Industrial ocasionou transformações significativas nas relações interpessoais e nos mecanismos que garantem a coesão social.

As sociedades posteriores à Revolução Industrial graças à divisão social do trabalho estariam inseridas em uma nova modalidade de solidariedade cuja integração social seria garantida pelas relações de interdependência dos indivíduos. A crescente especialização das ocupações tornava cada indivíduo menos substituível, o que aumentava a interdependência dos membros de uma sociedade.

A relação de interdependência estaria baseada na confiança que teria surgido por meio das contínuas interações entre indivíduos para suprirem suas necessidades. Durkheim acreditava que indivíduos em um mesmo setor industrial por se encontrarem em constante interação estariam sujeitos à formação de interesses comuns em razão das necessidades compartilhadas.

Essa identificação permitira a formação de associações entre indivíduos de um mesmo setor industrial. A moral profissional compartilhada daria origem a normas que regulariam as relações entre empregadores e empregados do mesmo modo que regulariam as relações econômicas entre empresários. A moral profissional seria o elemento apaziguador dos efeitos negativos das diferenças individuais no que diz respeito à condição econômica seja entre empregadores e empregados, seja entre empresários concorrentes.

As disputas entre empresários e trabalhadores e entre empresários concorrentes que ocorriam à época do autor eram justificadas como fruto da transição ainda não concluída do modelo de sociedade anterior, de baixa divisão social do trabalho, à sociedade industrial, na

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qual ainda vigorava um sistema de moral profissional rudimentar incapaz de moderar as interações sociais no interior de uma coletividade (Durkheim, 1999). Assim que houvesse a formação de uma moral compartilhada entre indivíduos de um mesmo segmento industrial os conflitos dariam lugar à ordem e as associações formadas tanto por empregadores quanto por empregados seriam o principal elemento da coesão social das sociedades industriais.

A perspectiva durkheimiana se fundamenta na premissa que as diferenças entre indivíduos no mundo do trabalho são cruciais para a integração social porque promovem um sistema ordenado em que suas partes se encontram em situação de interdependência. O conflito entre indivíduos em relação de dominação e subordinação, no interior do processo de produção, é transitório e tenderia a cessar conforme a moral profissional compartilhada se consolidasse.

A transitoriedade do conflito no interior do processo de produção não deve ser entendida como um fenômeno datado na história das sociedades industriais. Sua melhor interpretação é que de acordo com as mudanças dentro das sociedades industriais surgiriam novas demandas sociais que seriam gradativamente solucionadas através da incorporação de novas normas na moral profissional.

A perspectiva da transitoriedade do conflito no interior do processo de produção não é adequada para o estudo da formação dos ricos brasileiros porque a desigualdade brasileira é notoriamente persistente. É necessária uma abordagem que compreenda o conflito distributivo como um embate permanente entre grupos que acessam a um volume assimétrico de recursos e, por esse motivo, apresentam condições materiais de existência desiguais. Desse modo, o trabalho de Marx parece mais adequado que o desenvolvido por Durkheim para dar início ao estudo da formação dos ricos.

Já a obra de Max Weber é orientada, entre outros elementos, pela crítica ao determinismo econômico da corrente marxista que implica em uma explicação unidimensional dos fenômenos sociológicos. O autor busca demonstrar, primeiramente, que os fenômenos sociológicos apresentam causas multidimensionais; e em segundo lugar, que nenhuma esfera do mundo social tem primazia sobre as outras, ou seja, em cada fenômeno estudado, qualquer uma das esferas podem ser causa ou consequência das demais. No que diz respeito a sua percepção sobre a desigualdade entre indivíduos essa orientação é marcante.

Weber discute a importância da esfera religiosa para a compreensão das transformações na esfera econômica; o efeito do processo de racionalização vivido no

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Ocidente na origem do sistema capitalista e; a existência de outros agrupamentos sociais além das classes, que conflituosamente disputam a distribuição de poder no interior da sociedade.

Weber aponta que as diferenças doutrinárias entre o catolicismo e o protestantismo favoreceram o desenvolvimento do capitalismo em regiões predominantemente protestantes. Segundo ele, o protestantismo difundiu seu ascetismo religioso sobre outras esferas, notadamente o mundo do trabalho. Fenômeno que a doutrina católica não poderia promover porque nela o trabalho deveria ser entendido simplesmente como o meio de satisfazer as necessidades materiais e mundanas. Essa diferença entre protestantes e católicos propiciaria aos primeiros melhores condições em uma nova realidade nascente, na qual maior empenho resultaria em melhores resultados econômicos, que por sua vez permitiriam melhores condições materiais e de vida (Weber, 2007).

No que diz respeito à origem do capitalismo e da empresa capitalista, Weber defende a precedência causal do processo de racionalização sobre o conflito entre capital e trabalho. O surgimento e emprego de especialistas (indivíduos com formação escolar específica) permitiu o cálculo do custo de produção e a operação contínua e estável das empresas capitalistas através da acumulação de capital. Desse modo, na perspectiva weberiana a expropriação dos meios de produção, anteriormente em posse dos trabalhadores, seria condição necessária tanto aos ganhos de escala na produção; quanto à continuidade do processo de racionalização inerente a sociedade ocidental (Weber, 2007; Giddens, 1975).

Weber também questiona a visão de Marx na qual os únicos grupos sociais envolvidos em disputa pela distribuição de poder seriam as classes. Além das classes, Weber argumenta haver dois outros tipos de grupos sociais envolvidos na disputa por poder os grupos de status (ou estamentos) ‒ comunidade de indivíduos em posse de honrarias similares ‒ e os partidos ‒ grupo social organizado com o objetivo de interferir e influenciar, segundo um planejamento prévio do grupo, a ação comunitária.

A utilização da posse de bens de produção como critério de definição da classe de um indivíduo demonstra a concordância parcial de Weber com a visão marxista da importância das relações sociais de produção na definição da posição social do indivíduo na estrutura de classes. Por outro lado, Weber acrescenta um segundo critério a sua classificação, a habilidade. Nesse critério se encontra o impacto sobre a visão do autor das transformações decorrentes da burocratização do Estado Nacional e da empresa capitalista, além do impacto das transformações religiosas no posicionamento individual com relação ao trabalho.

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Apesar de a teoria weberiana possuir a vantagem de abordar os fenômenos sociológicos por meios multidimensionais, o que tradicionalmente não seria possível à teoria marxista, a contribuição weberiana no que diz respeito à desigualdade se mostra insuficiente para explicar o que determina as diferenças entre ricos e não-ricos. Seu modelo pressupõe que operosidade e qualificação (formação educacional e experiência) são elementos importantes para explicar a desigualdade entre indivíduos. Todavia, apesar de serem informações importantes para estudos de mobilidade social entre pobres e não-pobres, a literatura já apresentada a respeito da desigualdade brasileira demonstrou que essas características individuais não são capazes de explicar significativamente a desigualdade entre ricos e não-ricos. Obviamente como o grupo dos ricos corresponde ao topo do grupo não-pobre, as condições para ser não-pobre se aplicam ao ricos, mas são condições necessárias e não suficientes para explicar a formação dos ricos.

Ao ressaltar a necessidade de concentrar os meios de produção para garantir a estabilidade e continuidade da empresa capitalista, Weber retira a centralidade explicativa do conflito entre capital e trabalho para a origem do capitalismo. O conflito ente grupos sociais seria permanente, mas sua explicação estaria fundamentada nas circunstâncias que permitem a explicação da relação de dominação-subordinação entre as partes. Por esse motivo, o caráter exploratório do conflito entre capitalistas e operários deixa de ser predominante na explicação da desigualdade entre indivíduos.

A vantagem da abordagem marxista sobre a weberiana se encontra exatamente na centralidade do caráter exploratório das relações sociais que originam o conflito distributivo. Essa ferramenta permite diferenciar grupos que concentram os meios de produção, daqueles que não apresentam a possibilidade de possuí-los. Através dessa diferenciação é possível explicar as diferentes condições materiais de existências dos grupos que constituem a sociedade.

Na seção seguinte serão discutidas as limitações do trabalho de Marx ao estudo de sociedades contemporâneas e as contribuições posteriores de estudiosos da área de estratificação social para solucionar essas questões.

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1.3. Modificações na Abordagem de Marx para o Estudo de Estratificação em Sociedades Contemporâneas

1.3.1. Limites da Abordagem de Marx para o Estudo de Estratificação em Sociedades Contemporâneas

À época de Marx era possível compreender a estrutura de classes baseada na dicotomia entre capital e trabalho. Através dessa abordagem era possível distinguir com clareza os exploradores daqueles que eram explorados Todavia, o mesmo cenário não se adéqua à sociedade contemporânea. Atualmente, seria inapropriada a caracterização do conflito distributivo dos meios de produção entre duas classes, capitalistas e trabalhadores.

O próprio Marx levantava, em sua época, a existência de outros grupos sociais, como a pequena-burguesia, que poderiam ser compreendidos como classes. Se a possibilidade da existência de outras classes já se apresentava naquela época, as transformações pelas quais passou o modo de produção capitalista, em quase 150 anos desde a publicação de O Capital, tornaram a dicotomia entre capitalistas e trabalhadores pouco crível.

Um sistema de estratificação ocupacional baseado nas relações sociais de produção para a sociedade contemporânea passa a ser um problema em razão da diversidade e especificidade de grupos sociais e de ocupações. Essas particularidades dificultam a classificação dos grupos e até mesmo distinguir exploradores de explorados. Nesse contexto, o sistema de estratificação baseado na distribuição de renda passa a ser uma opção. Ao se analisar a renda é possível observar quais indivíduos são capazes de acumular recursos e quais se encontram em situação desprivilegiada.

A seguir serão apresentadas as contribuições de diferentes autores para adequar a abordagem de Marx às transformações sociais ocorridas nas sociedades industriais. Através desses autores será possível compreender as mudanças dentro da corrente marxista que permitiram utilizar a distribuição de renda como critério de estratificação.

1.3.2. As Contribuições de Ralf Dahrendorf e Erik Olin Wright

Dahrendorf busca em Weber uma condição mais geral que a exploração para a explicação do conflito de classes que é a dominação. No lugar de explicar as diferentes posições assumidas nas relações sociais de produção através da apropriação privada dos meios de produção, o autor propõe compreender esse mecanismo de posse como uma das formas como a autoridade pode ser exercida dentro das relações sociais de produção. Dessa

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maneira, seria possível explicar diferenças entre grupos que não poderiam ser realizadas no esquema proposto por Marx, como é o caso dos cargos de gerência.

Para explicar a diferença entre gerentes e capitalistas e entre gerentes e trabalhadores, Dahrendorf distingue sua definição de propriedade daquela utilizada por Marx. Existiriam duas definições para propriedade: a ampla e a restrita (Giddens, 1975). A concepção ampla, a qual Dahrendorf utiliza, apresenta a propriedade como o controle dos meios de produção, independente de como esse controle é exercido. O que interessaria então é a quem recai a autoridade de exercer o controle sobre a propriedade. Já a concepção restrita, a qual Marx utiliza, refere-se ao direito de posse legalmente reconhecida a algum objeto.

Segundo o autor, Marx não se preocupa com a questão da autoridade porque na sociedade capitalista da segunda metade do século XIX, o mesmo indivíduo que era o proprietário de um bem, era aquele que exercia o controle sobre os meios de produção. A autoridade se relacionaria com a propriedade como sendo um caso especial da última. A autoridade só seria possível àquele que é proprietário. O fator preponderante de análise é sobre quem recai o direito à apropriação privada (dos meios de produção).

A partir da definição ampla ocorre o contrário, a propriedade sobre um bem seria um caso especial de autoridade. Essa definição serviria para distinguir capitalistas de gerentes e gerentes dos trabalhadores. Os gerentes não apresentam direito de propriedade sobre os meios de produção como os capitalistas, todavia os gerentes conseguem exercer controle sobre esses instrumentos, o que não é possível à classe trabalhadora.

Dahrendorf, então, argumenta que a autoridade é um elemento explicativo mais abrangente do que seria a propriedade privada dos meios de produção para e explicação das posições ligadas às relações sociais de produção. Por essa razão, o autor afirma que qualquer relação de exploração dependeria da capacidade de controle de um grupo sobre a ação de outro, ou seja, da capacidade de dominação que se expressa através do exercício da autoridade. Então, o autor desloca a centralidade teórica do conceito de exploração para o conceito de dominação, o que aproxima sua abordagem do pensamento weberiano.

Quando Dahrendorf propõe a mudança do eixo explicativo do conflito de classes da exploração para a dominação, o autor se esquece que por mais que a condição de exploração só seja possível em um contexto de dominação, as duas precisam estar justificadas em algum elemento para serem exercidas, e a autoridade não pode exercer esse papel melhor do que a posse legal dos meios de produção. Ao trabalhar o conceito de autoridade de Weber, Dahrendorf afirma que a autoridade não é intrínseca ao indivíduo. A autoridade do gerente só

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é legítima porque foi concedida pelo proprietário dos meios de produção. Por sua vez, a legitimidade do capitalista sobre a posse dos meios de produção se encontra no sistema jurídico.

Seja uma relação de exploração, seja uma relação de dominação, ambas somente são possíveis dentro de um sistema que garante diferentes formas de direitos a diferentes meios de produção (insumos, instrumentos, força de trabalho, qualificação, informação, entre outros). Então a resposta para qual seria a melhor escolha entre uma abordagem que privilegie a dominação ou a exploração não pode ser encontrada no fato de qual delas é mais geral.

A generalidade da relação de exploração ou dominação não pode, portanto, oferecer isoladamente vantagens ao estudo de estratificação. Como será discutido através de Wright, a vantagem de uma abordagem com ênfase nas relações de exploração é conceder ao pesquisador, ao estudar a desigualdade dentro de um conflito distributivo, o instrumento teórico necessário para indicar quem (ou qual classe) incorpora vantagens além do emprego de suas capacidades e quem (ou qual classe) cede parte de suas vantagens a outrem.

Wright se reaproxima de Marx na importância dada ao fenômeno da exploração sem que por isso tenha que abrir mão do estudo da dominação, que segundo ele é uma condição necessária para a existência de qualquer forma de exploração no interir das relações sociais de produção.

Para evitar a conclusão de Dahrendorf que a dominação é mais importante que a exploração, Wright discute o modelo de estrutura de classes em um nível mais amplo do conflito distributivo. Ele desloca seu foco das relações sociais de produção para a distribuição dos direitos e poderes sobre os recursos produtivos. Ou seja, sua discussão é da ordem da distribuição dos elementos que legitimam tanto as relações de dominação, quanto as relações de exploração.

O autor apresenta três princípios norteadores para o estudo da estrutura de classes no interior da corrente marxista e a partir deles demonstra, do mesmo modo que Marx antes dele, como a desigualdade de renda se origina da desigualdade na distribuição de direitos e poder sobre os recursos produtivos (Wright, 2005). Os três princípios são assim definidos:

[1] Princípio da interdependência inversa do bem-estar: o bem-estar material dos

exploradores depende causalmente da privação material dos explorados. Isso significa que os interesses dos atores no interior destas relações não são meramente diferentes, eles são antagônicos: a realização dos interesses dos exploradores impõe danos aos explorados.

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[2] Princípio da exclusão: essa interdependência inversa do bem-estar entre

exploradores e explorados depende da exclusão dos explorados do acesso a certos recursos produtivos.

[3] Princípio da apropriação: exclusão gera vantagem material aos exploradores

porque permite a eles se apropriarem do esforço do trabalho dos explorados. (Wright, 2005)

Quando [1] e [2], ocorrem na ausência de [3] há dominação econômica, mas não exploração. O princípio [3] é fundamental para que haja exploração. Quando em [2], Wright ressalta a importância do conflito distributivo ao direito de acesso aos recursos produtivos, o autor aponta que a impossibilidade de acesso a certos recursos produtivos leva alguns grupos à exclusão das oportunidades de se engajaram em atividades produtivas vantajosas economicamente. Esse fato culminará em [3] na desigualdade de condições materiais de existência. A desigualdade de condições materiais de existência, ou seja, a desigualdade nos direitos e poderes sobre recursos produtivos dá origem a desigualdade de renda (Wright, 2005, p. 17).

Apesar de romper com Dahrendorf, no que diz respeito à centralidade do princípio de dominação na explicação da estrutura social, Wright assume que ela está presente de modo subjacente em qualquer teoria marxista, porém a distinção entre a tradição marxista da weberiana é a utilização e a importância dada à condição [3], a qual a segunda corrente dá pouca atenção.

De acordo com o modelo proposto, a desigualdade na proporção dos recursos produtivos em posse dos indivíduos é a causa da transferência do excedente social proveniente do trabalho, de modo a favorecer àqueles com direitos e poderes sobre mais recursos produtivos em detrimento daqueles com menor porção de recursos produtivos (em última instância, todo trabalhador conta com a sua força física de trabalho).

Segundo Wright (2005), dizer que a classe definida segundo critérios de caráter exploratório é o cerne da teoria marxista implica que a distribuição de direitos e poderes sobre recursos produtivos básicos de uma sociedade apresentam consequência significativa e sistemática em ambos os níveis micro e macro da vida dos indivíduos. É importante ressaltar que mesmo afirmando ser a exploração o elemento central da teoria marxista, o autor não descarta a importância do fenômeno de dominação ao retratar o contexto de distribuição de direitos e poderes sobre recursos produtivos. A ênfase ao fenômeno da exploração se justificaria pela vantagem analítica de permitir responder a questão de quem são os indivíduos que em posse de recursos produtivos são capazes de acumular o excedente social do trabalho

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de outros indivíduos no interior das relações sociais de produção. Isso demonstra a preocupação igualitarista marxista em que mais importante do que saber como os recursos produtivos estão distribuídos, é conhecer quem são os privilegiados e os desfavorecidos e o porquê.

1.3.3. A Contribuição de Aage Sørensen

Sørensen mantém um sistema de classificação da estrutura social segundo a ótica da exploração, que para o autor é o cerne da teoria marxista, todavia, abandona a definição da exploração a partir da teoria do valor-trabalho. Seu objetivo é escapar de problemas da teoria marxista que dizem respeito à transformação de valor em preço (Sørensen, 2005), momento em que ocorreria a acumulação de capital pelo capitalista de forma exploratória sobre o proletariado, fenômeno conhecido como mais-valia. Sua explicação da exploração no interior das relações entre classes está fundamentada na teoria econômica marginalista. Segundo ele, o elemento exploratório das relações de classe seria melhor perceptível através da perspectiva do conflito distributivo sobre os direitos de propriedade de ativos. O direito de propriedade permitiria a obtenção de remuneração por meio de um ativo (recurso) qualquer.

O autor estende a definição de direito de propriedade a todo indivíduo capaz de obter remuneração através daquele recurso, mesmo que juridicamente não seja o proprietário; recuperando em Dahrendorf o princípio do direito de propriedade ampliada. No entanto, Sørensen discorda do argumento de Dahrendorf que o compartilhamento do direito de propriedade por indivíduos em diferentes posições sociais justificaria a centralidade explicativa da relação de dominação entre grupos sociais distintos para o estudo da estrutura de classes.

Sørensen critica a necessidade de Dahrendorf e Wright inserir elementos relacionados à autoridade ou ao posicionamento no interior da hierarquia organizacional em seus esquemas de estratificação. Segundo o autor, as vantagens de remuneração de um indivíduo em posição hierárquica elevada não vêm da autoridade imbuída na posição por ele ocupada. Na verdade, as vantagens vêm das credenciais (escolaridade e experiência de trabalho que dizem respeito à administração e à gerência) possuídas que o permitem ocupar uma posição que exerce autoridade.

De modo análogo a Wright, Sørensen argumenta que o caráter exploratório do conflito distributivo pelo direito de propriedade sobre recursos rentáveis estaria localizado no fato de que qualquer remuneração auferida pela posse de um recurso só seria possível em razão de

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outros indivíduos não possuí-lo. Desse modo, todo indivíduo deve sua remuneração à posse de algum ativo, mesmo que seja a própria força de trabalho. Isso significa que, o antagonismo entre classes não seria orientado por interesses econômicos de não-proprietários contra proprietários de ativos, seria, na verdade, orientado entre classes que apresentam acesso e volume a tipos diferentes de recursos disponíveis à obtenção de renda.

Segundo a explicação marginalista, a remuneração que pode ser obtida através de um ativo é diretamente proporcional a sua raridade. Essa seria a razão para a força de trabalho humano, o ativo mais amplamente distribuído, ser mal remunerado. Entretanto não é simplesmente na raridade do direito sobre um recurso que se encontra o caráter exploratório do conflito distributivo. O caráter exploratório se encontra fundamentalmente na raridade artificial do direito à propriedade de um ativo, o que permitiria obter uma remuneração elevada em razão da posse recurso.

A raridade duradoura do direito de propriedade sobre um ativo não seria coerente com a teoria marginalista em sociedades capitalistas modernas. Segundo ela, se a demanda por um recurso é maior que sua oferta, a remuneração por sua propriedade tenderá a aumentar até o ponto em que demanda e oferta do ativo se encontrem. Durante esse processo, indivíduos não-proprietários de um recurso raro ao perceberem sua remuneração elevada, em razão de sua escassez, buscarão obtê-lo.

Por essa razão, se a raridade do direito de propriedade sobre um ativo é duradoura, ela é consequência de um fenômeno artificial para sua manutenção. Sørensen (2005), baseado no trabalho de Parkin (2001 [1979]), explica esse fenômeno através do interesse de classes pela manutenção da raridade de posse sobre certos ativos como mecanismo de favorecer a obtenção de remuneração acima das condições ideais de mercado. É na busca de classes por manter a remuneração elevadas de seus ativos que se encontra o caráter exploratório da relação entre classes.

Em Sørensen, o momento de obtenção da remuneração é o ponto central para o entendimento da desigualdade de renda porque é no momento da definição da remuneração pela posse dos ativos que se dá a exploração. Por esse motivo, o direito de posse sobre recursos rentáveis pode ser utilizado como indicador da posição social de um indivíduo. Segundo Sørensen (2005), o volume de recursos na posse de cada indivíduo influenciaria sua capacidade de acumular riqueza sendo, então, um bom indicador da condição de vida individual.

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Sørensen (2005) afirma sobre sua abordagem que “a teoria da exploração como a causa das vantagens e desvantagens entre classes é uma teoria da desigualdade. É uma teoria „estrutural‟ da desigualdade porque a fonte da desigualdade se encontra na relação entre classes e não nos esforços e habilidades dos membros dessas classes”. Característica fundamental para o estudo da formação dos ricos no Brasil, haja vista a incapacidade de hipóteses fundamentadas em características individuais explicarem o fenômeno.

A contribuição de Sørensen torna-se ainda mais importante ao tornar congruente à abordagem marxista, o estudo da estrutura de classes através de remuneração de ativos. Apesar de Wright já haver deslocado sua atenção das relações sociais de produção para a distribuição dos direitos e poderes sobres recursos produtivos, em seu trabalho a definição das posições na estrutura de classe ainda ocorre através dos recursos produtivos em posse dos indivíduos.

Essa opção de Wright dificulta uma operacionalização acurada da posição dos indivíduos em razão da dificuldade de hierarquizar a crescente variedade de recursos produtivos. A proposta de Sørensen de utilizar o volume total de rendimentos, proveniente do conjunto de recursos, de um indivíduo para atribuir-lhe uma posição na estrutura de classes simplifica a determinação das posições sem ignorar que ela se origina de uma distribuição desigual de direitos de propriedade. Isso por que a renda total obtida é diretamente proporcional à rentabilidade do conjunto e volume de ativos sob direito de posse de cada indivíduo.

Será descrito na próxima seção, como se define o grupo dos ricos através da abordagem de Sørensen e como operacionalizar a definição através de uma linha de riqueza.

1.4. Definição de Ricos e Operacionalização da Linha de Riqueza

Dentro do esquema de Sørensen, ricos seriam os indivíduos com capacidade superior de auferir rendimentos através do conjunto de ativos sobre os quais apresentam direito de propriedade.

Segundo a abordagem do conflito distributivo, se um grupo recebe rendimentos proporcionalmente menores do que o esperado é porque existe outro grupo que recebe rendimentos proporcionalmente maiores que o esperado. Esse grupo diferenciado em sua capacidade de obtenção de renda são os ricos.

Para operacionalizar uma linha de riqueza, que diferencie os ricos dos demais, foi utilizada a base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do ano de

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2009. A linha de riqueza estipulada é aquela que separa a renda familiar per capita do 1% mais rico dos demais.

Uma vantagem da estratificação através renda familiar per capita é a facilidade de imputação da classe em indivíduos sem remuneração. Ao somar a totalidade do rendimento das pessoas remuneradas em uma família e dividir pelo número total de pessoas que a compõem, se encontra a renda familiar per capita. O bem-estar dos indivíduos vinculados a um mesmo núcleo familiar depende do compartilhamento do volume total da renda obtida pela família, por essa razão todos eles experienciam condição de vida semelhante e devem ser localizados na mesma classe.

A escolha do corte da linha de riqueza no 1% superior da distribuição se deve, primeiramente, ao fato de ser uma definição típica nos estudos sobre desigualdade de renda. Em segundo lugar, quando Medeiros (2005, 2006) definiu como rico o subgrupo de indivíduos no topo da distribuição de renda que deveria transferir parte de seus rendimentos à população mais pobre de modo a garantir que toda a população abaixo da linha da pobreza tivesse sua renda incrementada até alcançá-la, o autor encontrou uma tendência para que as linhas de riqueza fiquem próximas da linha de corte do 1% superior da distribuição de renda para um conjunto de diferentes linhas de pobreza.

Desse modo, a linha de riqueza escolhida é o valor da renda familiar per capita que indica o conjunto das famílias 1% mais ricas, o que corresponde a subpopulação com rendimentos superiores a R$ 5790,00 (cinco mil quinhentos e noventa reais).

Em uma parte específica do Capítulo 3 dessa dissertação será estudada a atratividade econômica de indivíduos adultos como critério de seleção de parceiros potenciais para o matrimônio. Nesse momento específico da pesquisa será utilizada a remuneração individual proveniente de todas as fontes como critério para definir, separadamente, homens e mulheres adultos como ricos.

Serão definidas como ricas as mulheres com rendimentos superiores a R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais). Será considerado rico todo homem cuja renda superar R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais).

1.5. Considerações

Em uma sociedade marcada pela desigualdade de renda como é a sociedade brasileira, propor um modelo de estratificação social em função de um conflito distributivo de renda se apresenta como um mecanismo no mínimo apropriado. A elevada desigualdade favorece

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também uma concepção marxista da realidade baseada em critérios definidos a partir da exploração de grupos sociais menos favorecidos por um grupo favorecido, os ricos.

Encontrar a melhor abordagem e os princípios para estratificar a sociedade não é o suficiente para explicar a formação dos ricos, nem a diferença entre eles e os não-ricos. A partir da contribuição dada pelos autores discutidos com o objetivo de encontrar elementos que sejam capazes de distinguir as classes na estrutura social, agora é possível buscar as razões que originam essas diferenças.

Este trabalho propõe que um dos determinantes da diferença entre ricos e não-ricos se encontra na família. O bem-estar de todos os indivíduos de uma família depende do compartilhamento da remuneração dos membros produtivos. Assim, tanto a condição material dos cônjuges depende um da remuneração do outro, quanto a condição material dos filhos depende da condição de seus responsáveis.

A partir desse raciocínio, quanto mais rica é a família, maiores são as oportunidades materiais de seus membros acessarem aos ativos de alto rendimento quando comparadas às oportunidades materiais de membros de famílias em posições inferiores na distribuição de renda. Desse modo, o estudo das famílias brasileiras pode permitir descobertas importantes a respeito do que difere a origem dos ricos dos demais.

No próximo capítulo serão apresentadas detalhadamente as hipóteses de trabalho dessa pesquisa que discutem exatamente como (1) os casamentos e (2) a transmissão de recursos dos responsáveis para os seus filhos podem ser elementos de diferenciação da formação dos ricos no Brasil.

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