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A FESTA EM LOUVOR A NOSSA SENHORA DA ABADIA EM ROMARIA – MG NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

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Academic year: 2019

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A digitalização e submissão deste trabalho monográfico ao DUCERE: Repositório Institucional da Universidade Federal de Uberlândia foi realizada no âmbito do Projeto Historiografia e pesquisa discente: as monografias dos graduandos em História da UFU, referente ao EDITAL Nº 001/2016 PROGRAD/DIREN/UFU (https://monografiashistoriaufu.wordpress.com).

O projeto visa à digitalização, catalogação e disponibilização online das monografias dos discentes do Curso de História da UFU que fazem parte do acervo do Centro de Documentação e Pesquisa em História do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia (CDHIS/INHIS/UFU).

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A FESTA EM LOUVOR

A NOSSA SENHORA DA ABADIA EM ROMARIA – MG

NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

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IVANILDE DURÃES DOMINGUES

A FESTA EM LOUVOR

A NOSSA SENHORA DA ABADIA EM ROMARIA – MG

NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

Monografia apresentada ao Curso de Graduação de História, do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, como exigência parcial para a obtenção do titulo de Bacharel em História, sob orientação da Profa. Dra. Regina Ilka Vieira Vasconcelos.

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IVANILDE DURÃES DOMINGUES

A FESTA EM LOUVOR

A NOSSA SENHORA DA ABADIA EM ROMARIA – MG NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

BANCA EXAMINADORA

Profa Dra Regina Ilka Vieira Vasconcelos - Orientadora

Profa. Dra. Marta Emisia Jacinto Barbosa

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus o dom da vida e a oportunidade de mais essa conquista.

A todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste trabalho, que por vim não é só meu.

A Profa Dra Regina Ilka, orientadora deste trabalho, pela disposição e estímulo. A Graciano Alexandre, sobretudo pelo companheiro que se fez presente nos momentos mais difíceis deste trabalho. Que ainda que não entendesse muito bem do que falava sempre me ouviu com atenção e respeito.

A Irene Abadia, hoje ex-secretária de assistência social de Romaria, pela atenção e empenho de mostrar os bastidores da festa.

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Sumário

Introdução...09

Capítulo 1. A origem do culto a Nossa Senhora da Abadia, da cidade e das festividades em Romaria... 12

Capítulo 2. Alterações do cotidiano: como os grupos envolvidos se organizam para a festa...19

Capítulo 3. A Realização da Festa...39

Considerações Finais...51

Fontes ... 53

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Lista de Figuras

Figura1 - Escalda pés, em barraca de apoio...20

Figura 2 - Técnica para amenizar as dores nos pés, a colocação de absorventes higiênicos ... ...21

Figura 3 - Faixas diante da Barraca de apoio do exército... 22

Figura 4- Terreno alugado... 23

Figura 5 – Restaurante... 24

Figura 6 – Placa de oferta de serviços... 25

Figura 7 - Calçada da Biblioteca ... 26

Figura 8 – Calçada lateral da prefeitura ... 27

Figura 9 – Ônibus de excursão... 30

Figura 10 - Pedintes junto às filas de romeiros...31

Figura 11 - Acampamento de mendigos... 35

Figura 12 – Acampamento dos Hansenianos... 36

Figura 13 - Sala dos Milagres...42

Figura 14 – Romeiros entrando na igreja...45

Figura 15 – O Comércio nas ruas...46

Figura 16 – A Praça da igreja...47

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Resumo

A festa em louvor a Nossa Senhora da Abadia que acontece anualmente na cidade de Romaria, triângulo mineiro, movimenta não só a pequena cidade de pouco mais de quatro mil habitantes, milhares de pessoas visitam a cidade em decorrência da festa.

A movimentação começa cerca de duas semanas antes de quinze de agosto, data do final da festa. À medida que se aproxima o final da festa cresce o número de visitantes, camelôs ocupam cada vez mais calçadas, caminhar pelas ruas já se torna difícil e perigoso, e assistir as missas que são realizadas a cada hora já se torna algo disputado.

Romaria sendo uma pequena cidade não conta com infra-estrutura suficiente para acomodar todos os visitantes. Muitos moradores alugam suas casas, banheiros, quintais e calçadas. Alguns se aproveitam da festa e da grande quantidade de romeiros para esmolar, se amontoam aos arredores da igreja com filhos e pertences e aguardam por uma oferta. Durante a noite vão para um acampamento improvisado, nos arredores da cidade.

Muitos são os problemas e dificuldades para a realização da festa, mas todos os anos ela se realiza e atrai cada vez mais devotos e visitantes. O estudo da festa tem o propósito de discutir os aspectos culturais e sociais dos diferentes grupos que compõem a festa.

Palavras-Chave:

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Introdução

O interesse pela festa de Nossa Senhora da Abadia realizada na cidade de Romaria, Minas Gerais, há mais de um século, vem de minha primeira visita a cidade em 1994. Na ocasião, feita em excursão junto com os vizinhos recentemente conhecidos. Na cidade que morava antes, Montes Claros, no norte de Minas Gerais, era tradição, ir à Lapa, Bahia, oportunidade que não tive, ainda.

O deslumbramento era total, muita gente, música, boate e muitas barracas de comércio. Andava-se o dia todo, e já percebia que as dimensões da cidade eram insuficientes para a quantidade de pessoas presentes. As enormes filas pra entrar na igreja, e todos os locais lotados, tudo era difícil, as áreas de cruzamento das ruas eram um perigo, pela proximidade que as pessoas tinham que ficar para se locomoverem. Causava espanto também a grande quantidade de mendigos ao redor da igreja, voltava com a impressão de que a cidade era pobre, pequena e cheia de mendigos.

Na graduação, ao iniciar a disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa em História, então ministrada pelo professor Antônio Almeida, teria que encontrar um objeto para estudo, que até então não tinha se definido. Ao rever velhas fotos da visita de 1994, pensei em Romaria como meu objeto.

Queria então ver o que havia além das barracas, das enormes filas, das peregrinações, da quantidade de mendigos. Chama a atenção a estrutura temporária que recebe diferentes sujeitos na movimentação que começa no final de julho e termina em 15 de agosto.

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Aparecida em São Paulo, a escolha se justifica pela cidade ser considerada como ícone da cultura popular, principalmente da região do Triângulo Mineiro.

Assim, esbocei o objetivo de contribuir para as discussões da história popular regional, trazendo a um espaço de análise, e de identificar como a realização da festa provoca alterações do cotidiano, levando práticas diversificadas à cidade, pelos grupos que a ela se dirigem em decorrência da festa.

Depois de definido o tema, partiu-se em busca de bibliografia que oferecesse suporte necessário ao desenvolvimento da pesquisa, com trabalhos que tratam de centros de peregrinação, da cultura popular. Obra que se torna referência é de padre Vieira: o trabalho Nossa Senhora da Abadia: a história de uma devoção, escrita em 1921, serviu de base para a construção do primeiro capitulo, que também usado por com Mons. Primo Vieira.

Além das leituras acerca do tema era preciso ver um pouco mais perto, as transformações e como elas se constroem para a realização da festa na cidade. E pra que no trabalho pudesse descrever com o máximo de detalhes, indo além da bibliografia já publicada sobre o evento decidi ir a campo. As visitas foram feitas por três anos seguidos, 2007, 2008 e 2009.

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conversava com os envolvidos para obtenção de informações para a pesquisa, registrava por meio de anotações suas falas, e minhas impressões. Havia dificuldade para entrevista em si, senti que o gravador acabava por de certa forma distorcer a fala dos meus sujeitos, e isso não me deixava à vontade. Optei em grande parte em fazer das conversas aparentemente informais, uma fonte. Por esse motivo de muitos deles não se sabe, sobrenome ou idade. As conversas se iniciavam em qualquer lugar, nas barracas com ambulantes ou fregueses, na igreja e nos bancos da praça.

Esta monografia está dividida em três capítulos O primeiro trata de como foi iniciado o culto à santa, da origem da cidade, que está ligada à mineração, e do inicio das festividades na cidade. O segundo procura mostrar como a cidade se transforma com a realização da festa, e como grupos diferentes se encaminham para a cidade, transformando o espaço. O terceiro trata então de como esses grupos - mendigos, hansenianos, peregrinos, comerciantes, habitantes - se comportam durante a festa, o é que cada grupo na festa.

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1. A origem do culto a Nossa Senhora da Abadia, da cidade e

das festividades em Romaria

Tomarei como base, para contar a história da origem do culto à santa, a obra de mons. Primo Vieira, natural de Romaria, que se propôs à viagem a Portugal no ano de 1970 para pesquisa da origem do culto à santa.

Segundo Monsenhor Vieira o culto à Nossa Senhora da Abadia praticado em Romaria tem origem em Portugal. É um fato pautado em versões diferentes, sendo a mais provável a de que, pela invasão de Portugal por árabes no século VIII, alguns monges esconderam numa caverna da região do Bouro (Distrito e arquidiocese de Braga), a imagem que já era cultuada no mosteiro São Miguel e Nossa Senhora. A imagem era esculpida em pedra e o mosteiro fora construído por esses monges no Monte São Miguel. Vários documentos e artigos contam que, por volta do ano de 1107, o responsável pelo mosteiro, Frei Lourenço, saiu à noite acompanhado de Frei Paio Amado, antigo fidalgo do Conde D. Henrique, e encontram a imagem.

Mons Vieira conta como Frei Paio encontrou a imagem:

E como ali algumas noites saíssem fora (Frei Lourenço e Frei Paio Amado) viu um deles - Frei Amado, o novo ermitão, no meio de um vale, que ficava abaixo das ermidas (celas) grande claridade. E dando conta ao velho (frei Lourenço), vigiaram ambos a noite seguinte e viram o próprio resplendor que saía dentre uns penedos e alumiava grande parte daqueles vales, e notando tudo mui particularmente se foram, em amanhecendo ver o que seria e buscando entre uns e outros penedos, acharam no meio deles uma devota imagem da Virgem Maria Senhora Nossa que ficara ali do tempo antigo.1

Os dois eremitas, Frei Lourenço e Frei Paio Amado construíram uma rude capela, que pouco tempo depois foi substituída por uma igreja de pedra lavada, feita posteriormente, que não tem registro de autoria, somente que foi motivada provavelmente por algum dos visitantes.

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O nome Nossa Senhora da Abadia tem segundo mons. Vieira a justificativa de que:

Os religiosos abandonando o primeiro convento, que seria modesto, edificaram outro de maiores dimensões em lugar menos agreste e mais próximo do Rio Cavado. Daqui veio a chamar-se da ‘abadia’ a imagem da Senhora encontrada em Bouro, se é que a invocação não veio logo do primeiro núcleo de eremitas, porque era costume dar o tratamento de Abade ao maioral de qualquer comunidade do convento de monges ou solitários.2

Ainda segundo Monsenhor Vieira, encontra-se o relato que com a notícia do encontro e a construção deste novo convento ampliou-se o culto em Portugal, sendo este o mais antigo culto mariano – relativo a Maria - do país.

No Brasil a devoção a Nossa Senhora da Abadia teve dois focos de irradiação, Romaria, em Minas Gerais e Muquém, em Goiás. Mas na Bahia, “desde 1718 é padroeira da cidade de Jandaíra, diocese de Alagoinha”.3

A devoção a Nossa Senhora da Abadia chega ao Brasil junto à grande imigração que houve de portugueses durante o século XVIII e XIX. Com a ação colonizadora de Portugal e a vinda de padres e devotos portugueses para o Brasil o culto se espalhou. O autor Augusto de Lima Júnior, na sua obra A capitania de Minas Gerais, ao tratar do cotidiano e da formação da cultura nas cidades, reforça os argumentos de que assim como o culto à santa em Romaria, e a outros santos

no Brasil fora disseminado devido à fé e devoção dos portugueses. “As populações que se deslocaram em massa para o Brasil, atraídos pela

fascinação do ouro foram oriundos na maior parte, do norte de Portugal, jurisdição religiosa do arcebispado de Braga” 4. Os primeiros habitantes do povoado de Água Suja eram descendentes de portugueses e devotos de Nossa Senhora da Abadia. Segundo o Cônego Arlindo Ribeiro da Cunha, conhecedor da devoção à santa e também arqueólogo, que auxiliou Mons Vieira em sua pesquisa em

2 VIEIRA, Mons. Primo. Nossa Senhora d’ Abadia: A História de uma devoção (obra póstuma).

Araguari – MG: Sincopel, 2001. pág. 11. 3Ibidem, pág. 52.

4 LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:

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Portugal, a primeira imagem encontrada provavelmente se desfez ou foi soterrada e em nada tem características da atual que esta no santuário do Bouro, pois Paio Amado viveu nas últimas décadas do século XI e início de século XII, e a imagem tem características do século XIV.

O culto a Nossa Senhora da Abadia em Portugal é um dos mais antigos a Maria, conhecido nas regiões do norte do país e, sobretudo em Braga. No santuário do Bouro é freqüente, a romaria com novenas e a festa em 15 de agosto, data da assunção de Nossa Senhora.

Na obra de Padre Vieira escrita em 1921, o autor define a origem da cidade: “a origem do povoado de Água Suja não gira em volta das lendas mitológicas como a de tantos outros, mas sim em torno de fatos históricos da vida nacional, conquanto acompanhados talvez por um quê de aventura!” 5

Em Romaria, Minas Gerais, o culto à santa teve origem junto às origens da cidade que teve seu início marcado por homens que fugiam do recrutamento para os “corpos de voluntários da Pátria”. Teoricamente, seriam homens que livremente se apresentariam para defender o Brasil na Guerra do Paraguai. Na verdade, como comenta o autor Júlio José Chiavenato, em sua obra Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai, a formação do exército brasileiro era feita “muitas vezes a força nas ruas do Rio”. 6

Muitos dos que fugiam do recrutamento, acabavam por se embrenhar pelos matos, descobrindo minas de diamantes, e ali, decidiram trabalhar, segundo Padre Primo Maria Vieira. O nome Água Suja foi dado ao local devido à cor turva da água da lavagem do cascalho onde se garimpava os diamantes. Segundo ainda Padre Primo Maria Vieira, sobre as origens da cidade:

É assim que, em janeiro de 1867, um garimpeiro de nome Sebastião descobre diamante no gorgulho da encosta do córrego de Água Suja. Em

5 VIEIRA, Pe. Primo Maria. Monografia da Paróquia e santuário Episcopal de Nossa Senhora

d’Abadia de Água Suja (republicação) Araguari – MG: Sincopel, 2001. pág 19.

6 CHIAVENATO, Júlio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai, 24 ed. São Paulo:

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pouco tempo, propagada a notícia, povoam-se as margens do córrego, e os renques de casinhas atestam a atividade febril da lavra.7

Muitas pessoas foram atraídas ao local para o trabalho na mineração, o que propiciou a construção de casas e a formação de uma pequena vila. Junto com os primeiros habitantes veio a devoção a santa. O santuário mais próximo era o de Muquém, estado de Goiás. O que dificultava em muito que os fiéis prestassem suas homenagens à Santa. Teve-se então a idéia de:

Edificar uma capela, onde pudessem tributar à Divindade o culto de latria, aos Anjos e Santos o de dulia e a Virgem o culto sempre grato e consolador de hiperdulia, cujo templo seria dedicado à gloriosa Mãe de Deus, sob a invocação de Nossa Senhora d’ Abadia, se os emissários do governo imperial os não viessem incomodar neste recanto com a designação para o serviço da campanha para o Paraguai. 8

Percebe-se desde aqui uma relação de fé e troca com o santo: a capela seria erguida se não fossem convocados a guerra. Logo se conseguiu autorização com o Bispo de Goiás, D. Joaquim Gonçalves de Azevedo para que se pudesse dar início à construção de uma capela em sua homenagem em Romaria.

A primeira capela, provisória, foi coberta por folhas de palmeiras baguaçu, no ano de 1870. A imagem foi comprada no Rio de Janeiro, capital do Império, pelo viajante português Custódio da Costa Guimarães. A imagem de Nossa Senhora da Abadia foi venerada nesta capela por quatro anos. Em 1874 foi construída uma outra capela maior. Água Suja foi elevada à categoria de distrito pelo artigo 2º da lei prov. de nº 1660 de 14 de setembro de 1870, e, chamado de Distrito de Paz, pertencia ao município de bagagem, hoje Estrela do Sul.

Assim como pode ser observado no contexto de formação geral das cidades no Brasil colonial, na cidade de Romaria não foi diferente. Lima Júnior trata das origens das cidades no Brasil colonial e de como as tradições portuguesas eram incorporadas: “Mal começava a prosperar, sem demora, surgia

7 VIEIRA, Pe. Primo Maria. Monografia da Paróquia e santuário Episcopal de Nossa Senhora

d’Abadia de Água Suja (republicação) Araguari – MG: Sincopel, 2001. pág. 20-21.

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a capelinha de taipa em cujo altar se firmava a estátua que se reproduzia o padroeiro da vila ou aldeia distante em Portugal.”9

A devoção à Nossa Senhora da Abadia chega ao Brasil nos tempos da exploração do ouro. Mineradores portugueses, provavelmente procedentes do norte de Portugal, de Braga, região do Bouro, mandaram vir de sua pátria uma imagem da virgem e a colocaram na capela de São Tomé, paróquia de São José do Tocantins, hoje Muquém, Goiás. Assim como no norte de Portugal, as romarias logo se organizaram e passaram a cultuá-la.

A devoção à santa no Brasil esta ligada à influência portuguesa. O autor Carlos Rodrigues Brandão, ao descrever os motivos e razões para no início das festividades para a realização da festa do Espírito Santo, em Pirenópolis, Goiás, encontra dificuldades de material que descreva como o culto chegara ao Planalto Central, as explicações são poucas e imprecisas. Mas, de modo geral, aceita-se a tese de que assim como na devoção à Nossa Senhora da Abadia, que “o costume de festejar o Espírito Santo vem de Portugal e teria sido trazido ao Brasil com os primeiros padres missionários e os primeiros habitantes europeus”.10

Do ano de 1870 a 1891, a administração da igreja foi feita por Joaquim Perfeito Alves. Com o seu afastamento, a administração passou a comissão organizada a maneira de irmandade, que teria a responsabilidade de promover e realizar a celebração da festa. A comissão foi gestora dos negócios materiais da igreja e de Romaria até 3 de fevereiro de 1900, quando foi então passada ao Ver.Mo Vigário Fr. Marcelo Calvo, por determinação de 07 de janeiro, da câmara eclesiástica.

Em 1907, a igreja matriz de Nossa Senhora d’ Abadia foi elevada a Santuário Episcopal pelo então bispo Diocesano D. Eduardo Duarte Silva.

9 LIMA Júnior, Augusto. A Capitania das Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:

Edusp, 1978. (Reconquista do Brasil; v. 51) pág. 87.

10 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Divino, O Santo e a Senhora. Rio de Janeiro: Funarte, 1978.

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O autor aqui citado assumiu o cargo de Pároco de Água Suja e de reitor do Santuário em 1916. Durante a sua administração foram construídos a Residência Paroquial e o colégio Dom Eduardo. Seu texto demonstra claramente a devoção a Nossa Senhora da Abadia. A monografia é o mais completo e antigo documento para a abordagem da origem histórica e religiosa da cidade e origem das festividades. Foi ainda o responsável pelo projeto da matriz, mas não a viu construída, pois foi para a diocese de Santos no ano de 1922.

Em 01 de junho de1920, foi inaugurado o colégio Conde Dom Eduardo. Colégio a ser regido por educadoras, as Irmãs do Sagrado Coração de Maria. O colégio foi construído “a custa das rendas do Santuário Episcopal de Nossa Senhora d’ Abadia de Água Suja, que são o produto das esmolas dos fervorosos Romeiros; sem esquecer o esforço hercúleo dos bons Água-Sujenses”.11

Já nas primeiras décadas de realização da festa em louvor à Nossa Senhora da Abadia, o autor Padre Primo Maria Vierira já indicava como foi grande a quantidade de cidades onde foi levada a devoção. Eram cidades de vários estados do país:

Campo Grande de Mato Grosso, Vila Platina, Uberaba, Frutal, Prata, Barretos, Ribeirão Preto, S. Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Barbacena, Formiga, Santa Rita de Cássia, Pratinha, Franca, S. Sebastião do Paraíso, Sacramento, Conquista, Araxá, Santo Antônio do Monte, Carmo do Paranaíba, Abaeté, Areado, Lagoa Formosa, Patos, Santa Ana de Patos, Salitre, Patrocínio, Paracatu. Rio Verde, Formosa, Goiás, Catalão, Ipameri, Araguari, Dores de Santa Juliana, Coromandel, Abadia dos Dourados, etc...12

O número de romeiros também já era grande, segundo dados de 1920. A estimativa, para a romaria realizada em 1920, em Água Suja, segundo Primo Maria Vieira era de cerca de 45.000 pessoas, que foram na grande parte em carros de bois que foram contados 3.500, 13 os demais foram a pé, a cavalo e em

11 VIEIRA, Pe. Primo Maria. Monografia da Paróquia e santuário Episcopal de Nossa Senhora

d’Abadia de Água Suja (republicação) Araguari – MG: Sincopel, 2001. pág 75.

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automóveis. O autor enfatiza que, mesmo com a grande quantidade de pessoas na cidade não houve alteração da ordem.14

Maria Vieira conta que em 1920, após a última quinzena de julho,

Por todas as estradas nesta redondeza de mais de 100 léguas (cem léguas) já os fervorosos romeiros se faziam mover, em direção ao Santuário Episcopal de Água Suja para na melhor das esperanças, poderem assistir ao solene novenário que começa no dia 6 de agosto. 15

Naquela época também já eram expressivos os números de esmolas, ofertas e milagres-promessas depositados aos pés da imagem. Objetos feitos em cera, que retratavam cabeças, pés e pernas, mãos, corpos inteiros e até mesmo animais, que eram levados como agradecimento à santa.

Em 1926, quando o número de romeiros já ultrapassava a casa dos 50 mil, padre Eustáquio iniciou a construção do atual e majestoso santuário em estilo gótico moderno, construído com ajuda de mutirões de carros de boi, dos devotos e romeiros, tendo ficado pronto em maio de 197516.

A cidade torna-se centro de devoção Mariana. A imagem de Nossa Senhora da Abadia representa o mistério da Assunção de Nossa Senhora, que leva nos braços seu filho.

14 Idem, pág. 31. 15

Idem, pág. 26.

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2. Alterações do cotidiano: como os grupos envolvidos se

organizam para a festa

A pequena cidade de Romaria, localizada no triângulo mineiro, com 139 anos de existência tem aproximadamente 3636 habitantes17. Na maior parte do

ano tem cotidiano tranqüilo, comum às pequenas cidades do interior brasileiro. Nas poucas ruas, veículos transitam sem qualquer dificuldade, as pessoas também não têm qualquer dificuldade de acesso ou com a distância, tudo é bem “pertinho”, e por isso a cidade nem precisa de rede de transporte público urbano, o transporte é feito somente em caráter intermunicipal para as cidades vizinhas.

A economia, no seu início basicamente mineradora, acabou por dar lugar, devido a grande importância que adquiriu, a atividades ligadas a realização da festa na cidade. E como será exemplificada mais à frente são muitas as formas encontradas pelos moradores, de Romaria e de cidades próximas, para a obtenção de lucro com a realização da festa. Fora do período da festa, “os moradores de Romaria se ocupam na agricultura: café, soja, milho, arroz, feijão; e na pecuária de leite e corte. Sobressaem essas atividades agrícolas no período da safra”.18 O comércio é modesto, e oferece a alguns poucos empregos. A cidade conta com vários bares, pequenas mercearias, padaria, supermercado, lojas de roupas e calçados, postos de combustíveis, pequenos restaurantes, um hotel, uma pousada, um dormitório e agência bancária. Há templos de igrejas evangélicas na cidade.

Nos primeiros dias do mês de agosto, nas estradas que levam a Romaria já é possível ver o início da movimentação para a festa. Barracas de apoio sendo montadas para oferecer auxílio aos romeiros. Nelas os romeiros encontram água, alimentos, remédios, curativos para os pés e incentivo para a continuação da caminhada.

17 Estimativa das populações residentes em 1ºde julho de 2009 segundo municípios, dado

disponibilizado no site <www.ibge.gov.br/cidadesat>, acesso feito em 29/10/2009.

18 SOUSA, Geovane da Silva. Conhecendo Romaria...Sua origem, sua gente, suas tradições.

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Muitas barracas são montadas por pessoas que fizeram a promessa de ajudar os romeiros; que substituem suas promessas por essa ajuda por não terem condições físicas para fazer o trajeto escolhem ajudar; ou que já fizeram por muitos anos e agora, devido ao peso da idade, ajudam os que ainda fazem o percurso. Há as barracas montadas por políticos da região, por comunidades católicas, por comerciantes para a venda de guloseimas e bebidas. É possível verificar muitas pessoas que, comovidas por terem já, suco e água e param os carros no acostamento para doar, além do já mencionado também estímulo. São tantos que o intervalo de um carro a outro não é suficiente para, por exemplo, comer um pão ou uma maçã, às vezes os romeiros ficam sem graça em não aceitar, tamanha é a boa vontade.

Várias são as dificuldades na caminhada: frio, sol, forte, chuva, vento e dor, mas, para aqueles que se dispuseram, é uma escolha que não encontra dificuldade. Mesmo com perigo e dificuldade, o trajeto é um momento de muita reflexão, hora de estar a sós com o santo e com seus anseios. Entre os romeiros que vão a Romaria, podemos verificar semelhanças com romeiros de outras localidades, como os da Lapa, Bahia, que fazem o percurso em grupo, de acordo com o que se vê na descrição de Carlos Alberto Steil:

Os romeiros da Lapa geralmente viajam em grupos formados por pessoas que se conhecem, vizinhos e parentes, de modo que a peregrinação estende para o espaço sagrado as relações que pré-existem em suas comunidades de origem. 19

Nesses grupos, os romeiros encontram apoio e estímulo a continuar quando os pés doem tanto que já não se sente os dedos, quando as bolhas feitas neles os separam, quando se senta e é necessário ter uma mão que ajude a ficar de pé, pois as pernas doem tanto que não conseguem erguer o corpo, e depois de erguido é preciso andar algum tempo para que o “sangue esquente” e a dor seja amenizada. À medida que os quilômetros são deixados pra trás e que as horas passam, o corpo começa a dar sinais que é preciso parar, que ele por não ter por

19 STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – Um estudo antropológico sobre o santuário de

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hábito fazer qualquer exercício, não está preparado para suportar tamanho esforço. E é nesse instante em que a determinação dada pela fé de cada um pode ser percebida. Muitos vão desistindo pelo caminho, por não suportarem sua dor. E optam por tentar novamente no próximo ano. Outros buscam êxito no compromisso, e contam com o apoio dos companheiros da caminhada e também dos muitos voluntários das barracas de apoio, ou dos carros particulares.

Figura1 - Escalda pés, em barraca de apoio, em 12/08/2008.

Decidi no ano de 2009, fazer a caminhada de Uberlândia a Romaria.

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De início, queria, com ida a pé saber exatamente como é viver a peregrinação, pois em anos anteriores fui à festa e visitei barraca por barraca, já se sabia quem eram as pessoas que se dispunham a ajudar e quem eram os romeiros. A dificuldade era aparente e imaginável o difícil caminhar embaixo do sol quente, com o tempo seco e muita poeira, às margens da rodovia sem acostamento. Ainda que feito o percurso em grupo, não raros são os momentos de silêncio, onde cada um se encontra, e acaba por descobrir em si e na fé, a coragem que precisa para os desafios da vida cotidiana.

Figura 2 - Técnica para amenizar as dores nos pés, a colocação de absorventes higiênicos, foto de 12/08/2007.

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informação de que não agüentava mais e era preciso parar, os passos ficaram mais curtos, os quilômetros mais longos, “mas a fé falou mais alto e rezei”.

Várias são as razões que levam os romeiros às peregrinações até Romaria, comuns são os pela saúde de parentes ou da própria, há também financeiros e de realizações pessoais. Vão, portanto, para honrar o compromisso firmado a santa, pagando assim a sua promessa.

Ainda entre as pessoas que se dispõem a ajudar esses romeiros durante a peregrinação estão várias empresas, que levam alguns funcionários, ofertando também alimentos e água. São afixadas faixas com suas marcas e na maioria das vezes os funcionários utilizam camisetas ou bonés comercias.

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Na cidade o cotidiano começa a mudar já nos primeiros dias de agosto, os quintais se transformam em estacionamentos ou áreas para camping. Alguns abrigam caminhões que têm a sua carroceria transformada em casa para famílias inteiras que lá dormem e cozinham, permanecendo até o final da festa. O santuário disponibiliza uma área com infra-estrutura para a montagem de acampamentos, mas que não é suficiente. Alguns terrenos particulares são então alugados para a montagem de acampamentos.

Figura 4- Terreno alugado, Foto tirada em 12/08/2007.

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Aqui só trabalha homem, tem 19 anos que a gente vem de Brasília para trabalhar nessa aqui. A gente sempre aluga sempre aqui, já é tradição. Todo ano a gente vem pra vender calça jeans e também tênis. (...) O povo daqui é muito bom de negócio e sempre dá lucro.20

De fato, nos anos de 2008 e 2009, pode ser confirmado que os comerciantes da mesma barraca, se encontravam novamente no terreno. Outra interferência da festa na paisagem da cidade é a inexistência de árvores nas calçadas, e poucas nos quintais, se considerar que por atrapalhar a montagem das barracas, ou o aluguel para acampamentos, estacionamentos ou restaurantes, conforme a foto seguinte:

Figura 5 – Restaurante. Foto tirada em 15/08/2009.

A tradicional romaria com carros de boi, mencionada por Padre Primo Vieira, ainda acontece, mas em pequena quantidade, se comparado ao passado. Seus ocupantes alugam um terreno na entrada da cidade, onde montam os acampamentos e soltam os bois.

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Pelas ruas da cidade presencia-se a transformação rápida, algumas casas já não podem ser vistas, ficam pequenos corredores para acesso. A falta de infra-estrutura para acomodar tantas pessoas fica evidente, em virtude da grande quantidade de romeiros e comerciantes. Os banheiros públicos não são suficientes e ficam na praça, longe para o grande número de comerciantes, o que faz com que muitas pessoas aluguem os banheiros de suas residências a eles e aos demais participantes, como vemos abaixo:

Figura 6 – Placa de oferta de serviços. Foto tirada em 10/08/2008.

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embalagens plásticas para o meio das ruas, formando montes, que são recolhidos pela limpeza urbana municipal.

O preço do aluguel do espaço para a montagem das barracas é cobrado por metro linear de calçada, quanto mais próximo da igreja, mais caro. As calçadas de órgãos públicos também são ocupadas pelo comércio. A calçada lateral da prefeitura, a da frente e lateral da câmara municipal e da biblioteca municipal também são alugadas aos comerciantes.

Figura 7 - Calçada da Biblioteca

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recibo em duas vias, uma entregue ao ambulante, a outra para o controle da prefeitura, que é colocada em local visível para sinalizar que ali já fora cobrado o imposto. Os funcionários são acompanhados de escolta policial, um deles brinca com a questão da segurança e diz que: “tenho que andar com a mão no bolso, se não fico sem a carteira”.21 O dinheiro arrecadado é utilizado para limpeza urbana.

Pelas informações colhidas com conversas e também pela observação das estruturas montadas nos últimos três anos, é possível constatar que muitos comerciantes ocupam, ano após ano, os mesmos locais. Como é o caso da barraca de artigos religiosos, que é montada na calcada lateral da prefeitura municipal.

Figura 8 – Calçada lateral da prefeitura. Foto tirada em 15/08/2009.

A foto anterior traz três aspectos interessantes a análise, a ocupação que se faz quase sempre sem muitas alterações, a obtenção de lucro com o aluguel, até de passeios de órgãos públicos, e ainda a presença de políticos das cidades

21 Acompanhei a medição e a cobrança do imposto municipal em 12/08/2007.

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vizinhas à Romaria, como aparecem na foto, os deputados, Weligton Prado e Elismar Prado, de Uberlândia. Quando termina a festa, já deixam acordado com os donos das calçadas o aluguel para o próximo ano. Desenvolvem-se relações comerciais e sociais, à medida que, durante esse período, convivem como famílias: muitos dos moradores, além do aluguel, ofertam aos comerciantes o uso do banheiro e as refeições.

Cômodos que permanecem fechados durante todo o ano são alugados para abrigar várias formas de comércio. Como o restaurante montado por Ricardo Sousa, que é moto-táxista em Uberlândia, e com quem conversei no ano de 2007:

Eu já tinha ouvido falar muito da festa, e já tinha vindo, mas é a primeira vez que venho pra trabalhar. Minha tia sabe cozinhar e trabalha com self-service lá em Uberlândia. Todo mundo diz que aqui dá muito movimento e dá pra ganhar um dinheirinho.(...) me cobraram R$2.500 do dia 03 até 17.22

O grande cômodo que abriga o restaurante montado por Ricardo, tem nos fundos outros dois cômodos menores, onde a equipe se acomoda: trouxeram, além dos utensílios de cozinha, colchões. O local pertence a um casal de idosos que mora em Araguari. Ricardo se mostra apreensivo quanto ao retorno financeiro que pode ter, mas considera o movimento satisfatório por ainda se o início da festa.

Muitas pessoas se mudam de suas casas para alugá-las, se acomodam na casa de parentes ou viajam. Ou ainda se acomodam em casas menores, como conta Sr. Sebastião, que tem uma grande casa com uma edícula nos fundos, onde fica nesse período, para alugar a casa da frente com toda a mobília a famílias que vão à festa. Não revela o valor do aluguel pelos dez dias, mas diz que “ficar morando no apertado compensa muito, é pouco tempo”.23

As casas mais afastadas da área central, por não serem tão procuradas para alugar calçadas encontram no aluguem da casa ou na transformação de seus

22Entrevista realizada em 05/08/2007.

23 Entrevista feita em 15/08/2009. Sr. Sebastião, também conhecido por Tatãozinho, é natural de

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terrenos em estacionamentos uma forma para obter lucro. A cidade é pequena e não conta com hospedagem para todos, as vagas das duas pousadas na cidade são poucas e, geralmente, são esgotadas dias antes da festa. Muitas pessoas chegam à cidade nos primeiros dias de agosto e só vão embora depois do seu final, como relata essa reportagem do Jornal Correio, de Uberlândia, no ano de 2008:

A aposentada Maria da Conceição Queiroz e o marido, Miguel Pedro de Queiroz, moradores do bairro planalto (Uberlândia), na região oeste, estão em Romaria desde o dia 6 deste mês. Assistem a duas missas e novenas todos os dias. “Faço isso há 40 anos, porque tenho fé e já consegui muitas bênçãos”, disse a aposentada. Adreína Maria Resende, de Araguari, segue o mesmo ritual. “Tenho prazer de ficar aqui, freqüentar as missas e as novenas, comprar presentes para amigos, filhos, netos e bisnetos”, afirmou Adreína Resende, hospedada na mesma pousada de todos os anos, onde gasta cerca de R$1,6 mil nos 10 dias de festa.24

Muitos romeiros vão à festa apenas no último dia, por meio de fretamento de ônibus, em excursões, saem de suas cidades ao amanhecer, chegam pela manhã, passam o dia 15 de agosto na cidade, só retornando após a procissão e a coroação da imagem de Nossa Senhora da Abadia que termina já à noite.

Ao chegar a cidade de Romaria, esses romeiros, em geral, se dirigem ao santuário, enfrentam as enormes filas, e, depois de terem agradecido e louvado a santa, saem pela cidade, vão comprar, visitar conhecidos ou param pelos bares. Muitos desses grupos organizam-se e levam comida e bebida. Os alimentos e as bebidas, são levados para que se tenha comodidade e economia, pois os preços são elevados.

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Figura 9 – Ônibus de excursão. Foto tirada em 15/08/2007.

Muitos, depois de uma primeira volta pela cidade, ficam deitados em colchões estendidos nos bagageiros dos ônibus, conversando, dormindo, comendo ou bebendo.

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Além dos já citados peregrinos, comerciantes, habitantes, há também outros dois grupos que fazem parte da festa em Romaria: os mendigos e os hansenianos. Qualquer pessoa que se aproxime do santuário tem sua atenção voltada para a grande quantidade de mendigos que acabam por formar um corredor, aglomerados na praça, pelo qual os devotos têm que passar para adentrar ao santuário, e também ficam nas saídas.

Com as mais diversas deficiências, idosos, homens, mulheres, e crianças, se amontoam à espera da esmola dos romeiros. Crianças comendo restos de comida e chorando, além de alguns adultos visivelmente alcoolizados, passam os dias ensolarados sob as sombras das grandes árvores do santuário a gritar para chamar a atenção e conseguir algum dinheiro.

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Carlos Alberto Steil, em sua obra O sertão das Romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa - Bahia, retrata por parte dos mendigos um comportamento semelhante com os de Romaria, que se posicionam, de forma agrupada e estratégica em locais onde o romeiro irá passar:

Os mendigos e esmoleiros acompanham o fluxo dos romeiros e, nos dias da romaria, distribuem-se estrategicamente pelos portões da esplanada e pelos caminhos que levam às grutas e ao cruzeiro”. (...) A mendicância em Bom Jesus da Lapa é uma tradição que remonta às origens do santuário. Os mendigos aparecem em quase todas as descrições e estudos sobre o santuário. 25

Segundo informação da secretária de assistência social da cidade, Irene Abadia Borges, os mendigos não são da cidade, ganham muito dinheiro explorando os romeiros, e alguns chegam até a alugar casas na cidade para abrigar suas famílias.

Mas a maioria constrói suas barracas num acampamento em torno da cidade. Nesse acampamento é grande o número de mulheres e crianças. Muitas pessoas levam até o acampamento doações de comida e roupas. No trabalho de campo, acompanhada por Irene, conversei com uma senhora de Uberlândia, que dentro da barraca tinha a filha, com aproximadamente oito anos, que não anda e não fala por problemas mentais. Fervia feijão numa pequena panela e se preparava para ir à praça mendigar com a filha. Irene conta que esta senhora faz isso há anos, que tem outro filho com problema, e recebe ajuda do estado, mas que, ainda assim, todos os anos vai a Romaria para pedir. O marido, mais jovem e forte, disse que foi com ela por estar sem emprego, e acabou por nos pedir dinheiro de forma agressiva.

Padre Geraldo Magela, pároco de Romaria, diz em entrevista: “orientamos as pessoas que querem fazer caridade que façam a entidades porque na rua não é lugar de caridade (...) alguns são mendigos profissionais que percorrem vários santuários”.26 O depoimento do padre reforça o que Irene relata, muitos fazem da

25 STEIL, Calos Alberto. O Sertão das Romarias - Um estudo antropológico sobre o santuário de

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mendicância profissão e acabam por obter mais dinheiro do que por meio do trabalho.

Atribui-se às pessoas desses acampamentos, em muitas falas dos habitantes de Romaria, a responsabilidade pela criminalidade que aumenta na cidade. Não são raras as notícias de assaltos a residências e pedestres, os ladrões aproveitam-se da aglomeração para fazerem furtos e sumirem na multidão.

Pelos autofalantes da igreja são divulgadas informações diversas: horário das celebrações, pessoas que se perderam, documentos achados ou roubados, e também a orientação de que todos devem ter atenção com seus pertences, evitando bolsas, ou usando-as na frente do corpo.

Em uma das visitas a Romaria, conheci Tiana, que nos convidou à sua casa e acabou por ser uma fonte importante. Tiana é casada e tem três filhos adolescentes, dois meninos e uma menina, que cursam o ensino médio. O marido tem emprego fixo na fazenda como tratorista. Já ela e os filhos trabalham durante os quatro meses da colheita de café. Conseguem, com esse trabalho, uma renda de R$ 600,00 por quinzena. Esse dinheiro é usado para fazer o estoque de alimentos não perecíveis. O salário do marido é empregado para o pagamento de água, luz, internet e compra de bens perecíveis. E assim ela relata a sua participação na festa:

Quando tem festa, eu trabalho como ajudante no estacionamento da paróquia. Aqui em casa, não pode ficar sozinho não, é porque é muito perto do acampamento dos mendigos. E é só vacilar que eles vêm e roubam. (...) A minha filha tá trabalhando em uma barraca, lá perto da igreja, daqui a pouco vou ir lá buscar ela porque é perigoso. Ontem, um rapaz levou duas facadas na barriga, por causa da carteira, e levaram ele pra Uberlândia.27

27 Conheci Tiana em uma situação adversa, em 12/08/2007. Havia ido a cidade com a intenção de

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O estacionamento a que Tiana se refere, destina-se a romeiros que querem ficar acampados ou deixar seus veículos. A falta de segurança é atribuída à grande quantidade de delinqüentes que se aproveitam da quantidade de visitantes e de que alguns moradores deixam suas casas para acompanhar as celebrações na igreja.

O efetivo policial é reforçado na tentativa de diminuir o número de ocorrências. A reportagem do Jornal Correio informa resultados parciais das ocorrências:

As estatísticas ainda não estão fechadas, mas o crime mais comum, foi sem dúvidas, foi o furto a transeunte. Mesmo assim, os fatos mais graves não deixaram de ser registrados. Até ontem, ao meio dia, os policiais tinham atendido um estupro, uma apreensão de drogas e uma morte, desde o dia 5 de agosto. 28

Ao passar perto desses acampamentos pode ser observada muita sujeira e péssimas condições de saúde. Também é pedida ajuda de qualquer um, a foto seguinte foi tirada nos arredores da cidade, ilustra esses pedido, ao tirar fotos do local a senhora estende a mão e diz: “dá uma ajudinha moça?”, qualquer um é abordado. Ficam na área onde a prefeitura municipal disponibilizou para que esses pedintes se instalassem.

esperávamos por alguém, e convidou-nos a sua casa. Ofereceu abrigo, café e também hospedagem para aquela, causou surpresa e agradeci.

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Figura 11 - Acampamento de mendigos. Foto tirada em15/08/2007.

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Figura 12 – Acampamento dos Hansenianos. Foto tirada em 10/08/2007. As barracas são construídas de lona preta e bambu verde. Os que têm melhores condições físicas constroem o acampamento. No terreno, foi disponibilizada água pela prefeitura. Parecem organizados, chegam a cidade de ônibus, sozinhos ou em grupos. Com o objetivo comum de lucro e obtenção de qualquer forma de ajuda, vêem na fé dos romeiros uma oportunidade de lucro. A caridade de uns estimula o movimento e o interesse de outros. Esses grupos de pedintes fazem parte da história e da tradição da festa, isto é, das movimentações acerca da fé das pessoas.

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Peregrino: Toda atenção é pouca: CUIDADO COM OS LADRÕES. Muitos pedintes são exploradores profissionais. É melhor ajudar famílias e entidades de caridade que conhecemos, tais como creches e asilos. Os pedintes e leprosos não são de Romaria. Eles vêm aproveitando a ocasião da festa. Não dê esmolas na praça: há um lugar próprio para pedintes.29

E também ressalta que não pertencem à cidade, sendo que, o dinheiro dado a eles não ficará na cidade, “A renda da festa é aquela que você deposita no cofre. Não vá na conversa de quem vende ou pede coisas para a igreja nas ruas”. O folder com a programação vem ainda com o intuito de comunicação, traz todo o cronograma dos eventos da festa de agosto e das outras realizadas na cidade.

Com a aproximação do dia quinze, o centro da cidade, já tomado por barracas e romeiros, fica isolado por meio de tambores cheios de areia e unidos por correntes, colocados nas esquinas. A medida serve para o isolamento das ruas centrais, fazendo com que carros não tenham acesso e dificultem ainda mais a locomoção dos transeuntes.

À medida que se aproxima o dia da festa, os romeiros têm mais dificuldade para chegar à praça e entrar na igreja. Para chegar à imagem, na cúpula da igreja, é preciso aguardar nas filas que se formam ao redor do santuário, e subir dois lances de escada.

Acontecem outros eventos na cidade, em outras datas, como o encontro de Folias de Santos Reis, que acontece sempre no segundo domingo do mês de janeiro e o encontro de Congados, Moçambiques, Catupés e Marujos, realizado sempre no último domingo de maio. Há romarias em outros meses e em outros lugares: no primeiro domingo de maio, a de Araguari; no segundo domingo de setembro, em Araxá; e, no quarto domingo, também em setembro, em Carmo do Paranaíba; no dia doze de outubro, dos Vicentinos; ainda em outubro, no terceiro domingo, acontece a romaria de Sacramento, e em quinze de novembro, a romaria de Patrocínio. São eventos que duram um dia e não mobilizam ou alteram de forma considerável o cotidiano dos habitantes da cidade, como a festa de agosto em Romaria.

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3. A Realização da Festa

Estando em Romaria durante os dias da grande festa, os romeiros participam de uma grande quantidade de atividades. A abertura é feita no dia seis de agosto, mas a preparação já começa em fins de julho, com a missa e coroação da imagem de Nossa Senhora da Abadia no Dia do Universitário Romariense. De primeiro a cinco de agosto, acontecem missas e louvores à santa. Dos dias seis a quatorze, a novena e confissões acontecem todos os dias, a missa também e às vezes em vários horários. Há também a realização de batizados, procissões e coroações da santa por diferentes grupos, como jovens, comunidades rurais, romarienses residentes fora, que aproveitam a realização da festa para visitar amigos e parentes e participar das celebrações.

São muitos os momentos em que se presencia a chegada dos romeiros à igreja, alguns, que tendo feito o percurso a pé, com passos curtos, chegam ao momento final de cumprir o pagamento de promessas e honrar os votos. São vários os tipos e vários os motivos para a peregrinação.

Há peregrinação em agradecimento à proteção: em alguns casos o romeiro vai a primeira vez para pagar a promessa, e acaba por voltar todo ano para agradecer a proteção que acredita ser permanente. Estabelece se, então, uma relação de lealdade entre devoto e santa.

Ainda entre as razões para a peregrinação em sinal de agradecimento, encontra-se a função de sacrifício, de pagar ao santo com a penitência. Segundo Edin Sued Abumanssur, desde a Idade Média, “as peregrinações eram, a um só tempo, atos penitenciais”.30 Feitas em grupos, ainda que a peregrinação oferecesse também a viagem e o lazer, “o aspecto penitencial era o motivador da

30 ABUMANSSUR, Edin Sued. Religião e Turismo: notas sobre as deambulações religiosas. In:

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viagem”.31 Tese que é defendida também por Zeny Rosendal ao caracterizar a peregrinação no Brasil, na maior parte dos casos, como sinônimo de sacrifício religioso:

Em alguns países, a peregrinação católica pode oferecer o aspecto turístico associado ao religioso, como as peregrinações a Lourdes, na França e Roma, na Itália. Entretanto, deve-se reconhecer que no Brasil a peregrinação guarda, na quase unanimidade dos casos, uma característica evidentemente religiosa, assumindo o sentido de um sacrifício. 32

As pessoas que fazem a romaria pertencem a diversas classes, mas há predominância das pessoas mais simples, como constatado por Steil, na Lapa, Bahia, e inspirador para o estudo sobre Romaria, onde o “grande contingente de romeiros pertence às classes populares”.33 É possível perceber que, na busca na fé e na peregrinação, em sinal de agradecimento e proteção, há anseios dos tempos modernos, ainda que por diferentes motivos, o desejo da ajuda e proteção do santo é discurso comum na fala dos romeiros. As pessoas buscam, pela fé, respostas as mais diferentes necessidades - “a fé busca milagres” 34 -, e a busca

pelo poder do milagre acaba pôr não ser promovida somente pela simplicidade do povo, segundo Marilena Chauí, “não é por mera alienação, mas por conhecimento de causa e por reconhecimento da impotência presente, que se pede a cura através do milagre, pois, caso contrário, a morte é certa”. 35

Os romeiros podem ser divididos em três grupos. O primeiro seria os de romeiros permanentes que vão à cidade, em peregrinação, com o intuito, ou não, de pagamento de promessa. Promessas essas feitas muitas vezes em situações difíceis da vida cotidiana, enfermidades diversas, que acometem a si prórpios, familiares ou amigos, situações de dificuldade financeira ou amorosa. Entre estes,

31 ABUMANSSUR, Edin Sued. Religião e Turismo: notas sobre as deambulações religiosas. In:

___________(Org.) Turismo Religioso: Ensaios antropológicos sobre religião e turismo. Campinas, SP: Papirus, 2003. pág 53 a 68.p 58.

32 ROSENDAHL, Zeny. Espaço e Religião: Uma abordagem Geográfica. Rio de Janeiro: UERJ,

NEPEC, 1996. pág 57.

33 STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – Um estudo antropológico sobre o santuário de

Bom Jesus da Lapa – Bahia. Petrópolis – R: Vozes, 1996. pág. 60.

34 CHAUÍ, Marilena, Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular no Brasil. São

Paulo: Brasiliense, 1989, pág 82.

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o número de desistências ao longo do percurso é relativamente baixo. Fazem a romaria todos os anos, e a tradição é passada aos mais jovens. Segundo reportagem do jornal Correio 36, em entrevista a romeiros, são várias as histórias

de romeiros que já pagaram suas promessas, mas que continuam a peregrinar em agradecimento permanente. O pagamento da promessa pode ou não ser com a peregrinação.

Há um segundo grupo, daqueles que fazem promessas eventuais e que em situações difíceis recorreram à intercessão da santa. Tendo obtido sua ajuda, se dispõem a pagá-la, e, algumas vezes, a responsabilidade do pagamento dessas promessas é transferida a outros, quando o beneficiário está impossibilitado ou ainda quando a promessa é feita para a recuperação daquele que vai peregrinar.

O terceiro grupo é formado por aqueles que não têm qualquer motivo de cunho religioso para a peregrinação, o fazem “por esporte”, às vezes para acompanhar os romeiros que se classificam como devotos permanentes ou pagadores de promessa. São os que, na maioria, desistem ao longo do caminho.

Mesmo nas práticas e representações com sentidos religiosos aparentemente únicos, fica claro que, se os romeiros podem ser diferenciados, são vários os sentidos para a peregrinação, sendo os principais os místicos. Entre as significações místicas então o voto e a promessa, de acordo com o estudo de Marcos Bonesso e João Marcos Além:

O voto significa uma relação mais duradoura com Nossa Senhora da Abadia, um elo que o romeiro mantém com a santa, enquanto a promessa tem um sentido de

comprometimento a “curto prazo”, uma “relação contratual”. 37

Essas duas razões para a peregrinação relacionam-se diretamente a acontecimentos que se realizam no ambiente doméstico, e nas dificuldades cotidianas.

36 BARBOSA, Lucas. Jornal Correio, de 09 de agosto de 2008. Pág B1.

37 BONESSO, Márcio; ALÉM, João Marcos. Romeiros de Água Suja: Os Caminhantes da

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Principalmente em virtude da afluência de tantos grupos à cidade, a festa de Nossa Senhora da Abadia torna-se o grande evento da cidade de Romaria. Não é importante só pelo seu aspecto religioso, e também relevante quando se pensam nos desdobramentos sociais, econômicos e culturais. O surgimento do culto no povoado, como visto anteriormente, coincide com a sua origem. A pequena cidade recebe todos os anos pessoas que se reúnem em torno da fé que os torna capazes de superar grandes obstáculos, como a distância a ser percorrida a pé e a falta de infra-estrutura da cidade para receber as milhares de pessoas que visitam a cidade no período de realização da festa. A falta de estrutura vai da ausência de sanitários até as limitadas opções de hospedagem. Mas, ainda assim, é nesse lugar, tido como sagrado, que as pessoas buscam explicações diversas, pagam suas promessas e votos, fazem seus pedidos, agradecem, participam das celebrações, compram seus presentes e lembranças religiosas e, principalmente, fortificam suas tradições e relações sociais.

Assim como em Bom Jesus da Lapa, na Bahia, em Romaria também acontecem fatos que marcam o lugar. Há várias semelhanças entre os dois locais de peregrinação, ainda que as imagens cultuadas sejam diferentes, a partir do que vimos no estudo de Carlos Alberto Steil:

Nos dias de romaria forma-se uma extensa fila de devotos que passam diante da imagem para rezar, deixar seu óbulo em dinheiro ou apresentar por escrito, ao Santo, seus pedidos ou os de parentes e vizinhos que lhes confiaram tal missão quando partiram em romaria.38

Segundo Steil, estudos sobre a peregrinação no contexto do cristianismo mostram que o culto nos santuários tem como característica particular a capacidade de conciliar uma diversidade de discursos, são rituais e práticas que os grupos que compõem a romaria levam para esse espaço.

O estudo da romaria serve como elemento de compreensão de transformações que acontecem no contexto social e religioso:

38 STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – Um estudo antropológico sobre o santuário de

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As romarias são importantes ainda para a compreensão das transformações que vêm ocorrendo no contexto social e religioso, na medida em que oferecem um amplo repertório lingüístico de signos, símbolos e ritos que os romeiros manipulam para lidar com situações novas colocadas pela modernização. 39

Essas mudanças podem ser notadas na alteração dos objetos levados ao santuário em agradecimento à santa, e depositados na sala das promessas. O costume, que já nos primeiros tempos existia, diversifica-se com as transformações sociais. Ainda são maioria os objetos levados para simbolizar curas de partes do corpo ou todo ele, grande parte representada por fotos e objetos em cera.

Figura 13 - Sala dos Milagres. Foto tirada em 10/08/2008.

Chama a atenção, porém, alguns objetos como chaves, capacete, volante, réplica de caminhão, placa com nome e profissão do devoto, cd’s, fotografias de

39 STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – Um estudo antropológico sobre o santuário de

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casas, de casamentos, de bebês, ultra-sonografia, troféus, diplomas. Novos símbolos de conquistas individuais, de ordens físicas, profissionais, pessoais ou econômicas, que, na sala dos milagres, podem ser identificadas como forma material de agradecimento de suas conquistas pela fé. Segundo José Tarcísio, responsável pela sala dos milagres em Romaria, ao falar da importância de que a paróquia mantenha uma sala para que sejam depositados esses objetos diz:

Eu acho que quando a pessoa dá um presente pra alguém ou agradece a alguém através de uma coisa, então ela gostaria de ver, né, aquele presente usado ou exposto, e tal. Então eu acho que a importância é essa, a importância de que pessoa fica satisfeita, né, feliz de ver exposta aí a sua foto ou os objetos que ele trouxe, né.40

Em 2009, o jornal Correio publicou reportagem sobre os mantos que vestem a imagem de Nossa Senhora da Abadia. Segundo a Sra Maria Auxiliadora, zeladora e responsável pela ornamentação, foram doados mais de cinqüenta: “são fiéis que foram atendidos por Nossa Senhora da Abadia, alcançaram a graça e doam mantos para a santa”.41

O romeiro busca a satisfação de suas necessidades espirituais, de anseios e angústias cotidianas. Acaba por estabelecer uma relação de troca, faz seus pedidos e oferece gratidão, que é expressa de várias formas, como peregrinação, ajuda aos peregrinos, na organização da festa ou ajuda aos necessitados.

É difícil falar em números exatos de pessoas que vão à cidade por ocasião da festa. Não há uma estatística precisa. Alguns arriscam números, conforme entrevista com o geógrafo Geovane da Silva e Sousa, publicada em reportagem de 2008 no jornal Correio, a cidade de Romaria sofre um inchaço populacional:

Com uma população de aproximadamente quatro mil habitantes, é como se existissem num só espaço e, em tempos distintos, duas cidades: a dos seus habitantes e a cidade de mais de 150 mil visitantes distribuídos entre

40 Trecho extraído de entrevista feita ao Sr. José Tarcisio, responsável por cuidar da sala das

promessas, na festa e nas romarias que acontecem no ano. Em DVD, com título de Festa de Nossa Senhora da Abadia de Água Suja – Romaria 2009, vendido na festa de 2009.

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comerciantes, mendigos, peregrinos e turistas por ocasião da principal festa religiosa.42

Durante a realização da festa, ocorre também um movimento intenso de pessoas que buscam o lado profano da festa, a diversão. Freqüentam bares e boates. Alguns, conforme pôde ser presenciado, levam à pequena cidade novos hábitos das grandes cidades, param carros nos postos de combustíveis, ligam o som, conversam, dançam e fazem consumo de bebidas alcoólicas. Nos arredores da cidade, é instalado um parque de diversões. A realização da festa significa um momento de alteração do cotidiano, de aumento de renda, mas também de diversão para a população local.

Com a aproximação da festa, o tamanho das filas em torno do santuário cresce. Há uma fila exclusiva para aqueles que desejam chegar aos pés da santa de joelhos. São pessoas com idades variadas, que, com muita dificuldade, sobem as escadarias de joelhos para terminar o sacrifício, que muitas vezes se iniciou com a saída de suas casas a pé. Fazem o sacrifício para agradecer graças recebidas ou para pagar promessas.

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Figura 14 – Romeiros entrando na igreja. Foto tirada em 15/08/2007.

Mesmo com as transformações sociais ao longo das décadas, a festa continua a atrair cada vez mais devotos, comerciantes e também curiosos. Os elementos da religiosidade não desapareceram, alguns se reinventaram. Grande parte dos visitantes vão pela fé que têm na santa.

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No caminhão veio a barraca de trinta. Eu durmo no caminhão, como no restaurante e pago o banho.(...) Dia dezesseis a gente vai embora pra Aparecida. Já faço essa viagem há cinco anos.43

O comércio que se instala em Romaria é para os visitantes. A população local é pequena e não seria capaz de alimentar o comércio tão intenso e que se diversifica para atender às necessidades do romeiro. Mesmo assim, os moradores da cidade aproveitam para fazer a aquisição de bens diversificados. Esses moradores se tornam consumidores sem deixar de também de ser comerciantes temporários, ao oferecer produtos e serviços aos visitantes.

Figura 15 – O Comércio nas ruas. Foto tirada em 15/08/2007, por soldado da Policia Militar de Minas Gerais.

Toda a movimentação na cidade desperta o interesse de políticos da região. Como já foi comentado, alguns montam barracas de apoio às margens da

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estrada. Colocam faixas de saudação, orientação e estímulo aos romeiros, que também são colocadas na cidade, vêem “as festas como instrumentos de manipulação da boa-fé”.44 Na cidade, à sujeira decorrente do comércio,

somam-se os santinhos distribuídos aos visitantes por assomam-sessores ou pelos próprios políticos.

Figura 16 – A Praça da igreja. Foto de 15/08/2008.

Juntam-se à multidão na tentativa de demonstrar interesse, proximidade e identidade com os interesses de seus potenciais eleitores nas próximas eleições, ou de ainda manterem seus cargos atuais.

No dia 15 de agosto, é celebrada a Assunção de Nossa Senhora, auge das comemorações, e o encerramento da festa em louvor à Nossa Senhora da Abadia. A procissão luminosa, a coroação da imagem, a representação da assunção

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quando a imagem retorna para o interior da igreja puxada por cabos e a grande queima de fogos levam para o exterior da igreja as manifestações sagradas e encerram as celebrações religiosas.

A maioria das pessoas que participam retornam a suas cidades após o encerramento oficial. Mas o dia seguinte à festa, revela que a mesma não acaba repentinamente. A cidade é em parte esvaziada, muitos comerciantes desmontam suas barracas. E movimento nas ruas já é mais tranqüilo. Grande é a sujeira e o odor forte de urina pelas esquinas da cidade. O retorno ao cotidiano normal começa a acontecer.

O acampamento dos hansenianos é desmontado, as doações de roupas, calçados e dinheiro são divididas. Preparam-se então para ir embora, alguns em caminhões fretados.

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Ainda que muito enfatizado pela igreja conseguem por meio da mendicância doações consideráveis. A esmola parece estar integrada nos ritos da romaria. Segundo Steil, para os romeiros, a esmola pode ser destinada tanto aos santos quanto aos mendigos:

Os romeiros geralmente trazem uma certa quantia de dinheiro trocado na sua menor unidade, para dar a cada um dos pedintes ou para coloca-la aos pés das imagens dos santos que encontram nas grutas. Como um ato religioso, a esmola tem um sentido em si mesmo, enquanto estabelece um elo entre o doador e o destinatário que remete sempre ao próprio Jesus, na medida em que este, no evangelho, se identifica com os pobres. Ao doador, portanto, pouco importa a aplicação especifica da oferta, mesmo porque, não pensa em ter direito de vigiar a utilização daquilo que para ele é a mediação do sagrado. 45

A festa em Romaria acontece tradicionalmente todos os anos. São muitas as dificuldades para sua realização, principalmente no que diz respeito à infra-estrutura para a acomodação de tanta gente e a disponibilidade de serviços. A igreja e a prefeitura, ainda que trabalhem em separado, têm se esforçado para melhorar, ano após ano, a estrutura de organização para a realização da festa.

Grupos de diferentes interesses, que ocupam o mesmo espaço, e com o intuito comum de satisfação de seus objetivos, sejam eles religiosos, financeiros ou ambos, podem constituir elementos de constituição de cultura, sobretudo no triângulo mineiro. De acordo com Steil,

As romarias são portadoras de uma tradição que é continuamente reinventada por romeiros, moradores e pelo clero, como uma forma de legitimar valores, ações, normas de comportamento que cada uma das categorias acham centrais dentro de suas redes de convenções.46

Fazendo com que a festa possa ser reconhecida como elemento de resistência e identificação social, pela manutenção e revitalização da cultura na cidade de Romaria, que se torna espaço de práticas diversas e às vezes até conflitantes, com práticas e rituais às vezes profanos que se fazem presentes nas manifestações sagradas, mas, que se organizam e dão continuidade à tradição.

45STEIL, Carlos Alberto. O Sertão das Romarias – Um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa – Bahia. Petrópolis – R: Vozes, 1996. pág. 72.

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Considerações Finais

Ao iniciar a pesquisa, não era esperado um grande leque de assuntos que poderiam ser abordados, sendo então o objeto delimitado aos poucos, após cada visita, das muitas feitas à cidade.

Em 2007, fiquei na cidade por dois dias, 05 e 06 de agosto, onde fiquei no Dormitório Central, o objetivo era acompanhar o inicio das modificações na cidade, onde tudo ainda está tranqüilo e muitas pessoas estão chegando, comerciantes e visitantes que permaneceram até o término. Ainda no mesmo ano, retornei em 12 de agosto, e em 15 de agosto, permanecendo até o dia 16, queria ver o dia após a festa. Nessa ocasião não tinha onde dormir, pois o dormitório não faz reservas, foi oferecido por Irene Abadia Borges, então secretária de assistência social da cidade, o espaço conhecido como CRAS – Centro de Referência e Assistência Social, onde passei a noite.

No ano de 2008, fui, observar e com o intuito mais de comparação com o ano anterior. Percebi que muitas das barracas que participaram em 2007 estavam nos mesmos locais. Em 2009, em 08 de agosto, em peregrinação com um grupo de conhecidos, queria saber das reais dificuldades. E retornei no dia 15 de agosto, onde pude perceber uma queda brusca no número de visitantes, decorrentes, sobretudo das notícias de gripe A.

Fotografar a festa por vários ângulos, em datas diferentes, levou-me a um viés, os grupos. Sempre buscava ao fotografar mostrar como sujeitos, tão diferentes dividiam o mesmo espaço e contribuíam para a construção e manutenção da festa. Do início da festa até seu final, grupos diversos vão à cidade pela festa, mas que têm interesses distintos.

Imagem

Figura 2 - Técnica para amenizar as dores nos pés, a colocação de absorventes  higiênicos, foto de 12/08/2007
Figura  3  -  Faixas  diante  da  Barraca  de  apoio  do  exército.  Foto  tirada  em  12/08/2007
Figura 5 – Restaurante. Foto tirada em 15/08/2009.
Figura 6 – Placa de oferta de serviços. Foto tirada em 10/08/2008.
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Referências

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