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A Plenitude da Ordem Jurídica

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Academic year: 2020

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 Plenitude da Ordem Jurídica

CLENÍCIO DA SILVA DUARTE

C on sultor Ju ríd ico do DASP

SUMÁRIO: 1. O Direito como um sistema fechado de normas. 2. O Direito Penal como disciplina em que não pode ocorrer la­ cunas, em decorrência do principio da reserva legal. 3. O proble­ ma das lacunas. 4. Necessidade de adequação da lei ao fato. A regra do art. 4? da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. 5. A dimensão valoradora da jurisprudência. A interpretação pro­ gressiva. O art. 1? do Código Civil Suíço. 6. Lógica formal e lógica jurídica. O logos do humano e do razoável (RECASENS SICHES). Se uma é cega aos valores (lógica formal), a outra se exerce atra­ vés de juízos axiológicos (lógica jurídica). 7. O processo de pre­ enchimento das lacunas no Direito brasileiro. 8. A analogia como primeiro recurso de interpretação, no silêncio da lei. 9. Analogia legis e analogia juris. Distinção entre analogia e interpretação ex­ tensiva. 10. O costume como recurso para o preenchimento de lacuna legislativa, se não obviada esta pela analogia. 11. Os prin­ cípios gerais de direito — seu conceito. A eqüidade como um desses princípios. 12. Conclusão.

1 • É p rin c íp io fu n d a m e n ta l de q u a lq u e r ordem ju ríd ic a em caso algum , p o d e rá o ju iz d e ix a r de se n te n cia r, sob Pretexto de que in e xiste no rm a ju ríd ic a p re fo rm u la d a , a p lic á - ao caso c o n c re to que lhe fo i s u b m e tid o à a p re cia çã o . Em ®'9Uns o rd e n a m e n to s ju ríd ic o s , é e x p líc ito o p rin c íp io ;1 nou- r°s, se a ch a su b e n te n d id o , m as em q u a lq u e r deles as lacunas e9islativas te rã o de se r p re e n c h id a s pelo in té rp re te , o ra te n d o vista a a nalog ia, os co stu m e s e os p rin c íp io s gera is de lreito, nessa ord e m p re fe re n c ia l,2 ora segund o apenas os

Ql , 1 A nossa antiga Lei de Introdução dispunha, no seu art. 5?: “ Nin- 0,. se escusa, alegando ignorar a lei; nem com o silêncio, a obscuridade r„ a Indecisão dela se exime o juiz de sentenciar ou despachar . A atual vra ° ^ uz'u a primeira parte, no mesmo sentido, embora com outras pala- (j. s (aft. 39), omitindo-se quanto à segunda. Era evidente a desnecessidade ( * « 1 ° suprimido do momento em que a disposição do artigo seguinte rieri ^ sobre o modo de preencher as lacunas pressupunha a obrigato- co n r^6 decisão judicial do caso concreto, mesmo porque a norma já se

l|nha no art. 113 do Cód. de Proc. Civ.

do Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-lei n<? 4.657, 9 4-9-1942), art. 4?

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p rin c íp io s gerais de d ire ito ,3 ou a eqüidade,* ou o d ire ito natu­ ral,5 ou, ainda, segundo o costum e e, na fa lta deste, de acordo com as regras que o ju iz fo rm u la ria se fosse le g is la d o r.8

Dessa o b rig a to rie d a d e ju ris p ru d e n c ia l de p re e n ch e r as lacunas do sistem a ju ríd ic o re s p e c tiv o 7 re su lta o p rin c íp io da Plenitude da O rdem J u ríd ic a P ositiva, segundo o qual o D ireito é um sistem a fechado de norm as que atende a to d a s as exi­ gências da d is c ip lin a ç ã o da v id a em sociedad e. A essa neces­ sidade de se encontrar, através dos p rin c íp io s de herm enêutica, a norm a adequada ao caso c o n cre to , cham ava SAVIGNV^

o

p rin c íp io da u n iv e rsa lid a d e 8. D izia o g rande m estre alem ão: “ Se as fo n te s são in s u ficie n te s para a solução de um a questão de d ire ito , devem os p re e n ch e r essa lacuna, pois a u n ive rsa lid a ­ de do d ire ito é um a co n d içã o não m enos e ssencial que sua unidade (§ 42). Mas a d ific u ld a d e é de saber com o p ro ce d e r a re s p e ito ” .9

2. Não se argua que o p rin c íp io da p le n itu d e da ordem ju ríd ic a p o sitiva não se ria v á lid o para to d o o D ire ito e, assim, não p o d e ria te r essa d enom ina ção g enérica, p o r isso q ue a d strito apenas à esfera de atuação do D ire ito P rivado, ou, p e l° menos, in c o n c iliá v e l com o D ire ito Penal, cu ja s la cu n a s se­ riam im pre e n ch íve is em d e c o rrê n c ia do p rin c íp io s u p e rio r da reserva legal (nullum crimen, nulla poena sine lege), com o q ue só se ria líc ito a firm a r que há um sistem a fe c h a d o de norm as relativam ente ao D ire ito P rivado, o que, p e la re striçã o , e x c lu i' ria a re fe rê n cia à ordem ju ríd ic a p o s itiv a em s e n tid o am plo.

A im pugnaçã o não te ria p ro ce d ê n cia , pois o que ocorre com o D ire ito Penal é, p recisam ente , a im p o s s ib ilid a d e de Ia' cunas nesse ram o da C iê n c ia Ju ríd ic a , em razão m esm o do p rin c íp io da reserva legal. C om o assinala FERRARA, “ se a j e' penal não pune um ce rto fato, ain d a que, segundo a con scie fl cia so cia l m erecesse punição , não se pode fa la r em la cu n a oa

3 Códigos espanhol, argentino, mexicano e peruano. 4 Código Civil de Honduras.

5 Código Civil da Áustria. 0 Código Civil Sufço.

■ Mesmo nos sistemas em que não se prevê como se preencherem lacunas, vigora o princípio de que não poderá o juiz deixar de sentenci sob pretexto de lacuna legislativa.

* SAVIGNY, Traité de Droit Romain, trad. francesa de GUENOUX, ris, 1855, tomo I, §§ 42 e 46.

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não se d e sfig u re o c o n te ú d o n o rm a tiv o ,13 ou a que lhe re co ­ nheça a im previsão, para ch e g a r-se à o m issão le g is la tiv a re la ­ tivam ente à h ipótese c o n cre ta , p ro ce d e n d o -se , no caso do Di- reito B ra sile iro , te n d o em v is ta a a n alog ia, os co stu m e s e os Princípios gera is de d ir e it o . 14 N unca, e n tre ta n to , a p lic a n d o a norma com o in ic ia lm e n te in te rp re ta d a , se esse p ro ce d im e n to vulnera o v a lo r fu n d a m e n ta l do D ireito, que é a J u stiça . As circu n stâ n cia s diversas ao in fin ito que cercam , às vezes, de­ term inado fa to devem ser to d a s sopesadas, para que se não distorça a a tivid a d e in te rp re ta tiva , inad e q u a n d o a lei ao fato c°rno apresenta do, o que re s u lta ria num d e sse rviço ao D ireito, Pelo in co n te stá ve l a lca n ce ao seu fim ú ltim o.

Se não é líc ito ao in té rp re te , nos sistem as ju ríd ic o s com o 0 nosso, que não pe rm ite m se alce o ju iz à p o siçã o de le g is- ador, is c ria n d o a norm a na om issão le g is la tiv a , tam bém lhe e recusado a p lic á -la se rvilm e n te , quand o as c irc u n s tâ n c ia s que 0rnolduram o fa to to rn a ria m iníq u a ou in a d e q u a d a essa in c i­ dência.

Ou a no rm a pode s o fre r exegese capaz de, sem v io le n ta r- ne o co nteúd o, ad e q u á -la ao fa to , ou se deverá c o n c lu ir pela °rnissão le g isla tiva , para p ro ce d e r-se com o p re visto no sis- erna ju ríd ic o de que se c o g ite . Jam ais, no entanto, por co m o - Is itio ou tim id e z, a p lic a r a in te rp re ta çã o que leve à in ju s tiç a

0 caso co n cre to , v is to que não deve e sca p a r ao herm eneu ta a f'n a lid a d e para a qual se crio u o D ir e ito .1B

D 13 Adverte SAVIGNY, ob. e tomo cits. § 50, p. 311: “ O intérprete que ®tende corrigir o pensamento e não a letra da lei, sua realidade mesma não sua aparência, põe-se acima do legislador e desconhece os limites.

u ? se trata aí de interpretação, mas de verdadeira formação do direito .

Ja-se, igualmente, a observação de VON TUHR, Teoria General dei Dere- . ® Civil Aleman, trad. argentina, 1946, vol. I, t. I, p. 64. “ A diferencia oh Pre^or- nuestro juez no está ubicado por encima de Ia ley, sino que debe jus®aecerla aun cuando ésta no corresponda a su propia concepción de Io

14 Lei de Introd. ao Cód. Civ. Bras., art. 4?

trart’1- ^ teoria da livre indagação cientifica, além de contrária a toda a nau!530 do nosso Direito, seria, entre nós, de desenganada inconstitucio- Pori ’ Pe'a vulneração que acarretaria do princípio da separação de

eres, como definido ,na nossa Lei Maior.

fil0J ! i É certo que, variando o conceito de Justiça segundo a concepção sq »r * a intérprete, bem como a que orienta o sisterna jurídico de que PreD ’ nem sempre será fácil a conciliação. Na divergência, todavia, deve trg ^ ° nderar, sem sombra de dúvida, a orientação filosófica do sistema con-

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lei, mas em im p e rfe içã o da le i” .10 O p rin c íp io da reserva legal é in c o n ciliá ve l com a e xistê n cia de lacunas, d onde se co n clu i que o D ireito Penal não se c o n s titu i em e xce çã o ao p rin c íp io da p le n itu d e da ordem ju ríd ica , mas num a a firm a çã o dele, pois, por si só, já é um sistem a fe ch a d o de norm as, podendo, entretanto, ser p e rfe ito ou im perfeito, o que é o u tra h istó ria , do m om ento em que a ple n itu d e da ordem ju ríd ic a p o sitiva nada tem a ver com a pe rfe içã o ou im p e rfe içã o do sistem a legal de que se trate.

3. Por m ais m eticu lo so que seja um dado siste m a ju ríd ico , sem pre se hão de nele e n c o n tra r d e fic iê n c ia s , pois não seria possível preverem -se to d o s os casos im a g in á v e is .11

A e xistê n cia ou in e xistê n cia de lacunas, ao e xa m in a r o in_ té rp re te o caso c o n cre to , em face do d ire ito o b je tiv o , é cons­ tatada após a p rim e ira etapa do p rocesso de in te rp re ta çã o da lei, segundo os p rin c íp io s c ie n tífic o s m odernos que o in fo 1"' mam. Deverá ter-se presente a a d v e rtê n c ia de C O RNIL, citando TEOFRASTO, segundo a qual não são os fa to s que devem ajus­ tar-se às leis, mas, ao c o n trá rio , estas é que se am oldam àque­ les.12 Daí possíveis pe rp le xid a d e s, ao se d e p a ra r o observador com um d ire ito ju ris p ru d e n c ia l à m argem do d ire ito le g isla d o e, não raro, em aparente co n tra d içã o .

4 . Se a fu n çã o do ju iz e do in té rp re te de um m odo geral e tão-som ente a de a p lic a r a lei, o e x e rc íc io dessa a tivid a d e na o c o rre passivam ente, sem um a a nálise am p la e p e rcu cie n e do fa to o b je to da in c id ê n c ia do p re c e ito legal e do verdadeiro a lcance e s ig n ific a d o do com ando ju ríd ic o de que se trate, na segundo as possíveis intençõe s le g is la tiv a s que ju s tific a ra ^ 1’ à época, a c ria çã o da norm a, mas de a co rd o com o s ig n ific a d que, porventura, passou a te r na c o le tiv id a d e em que im per ’ em d e c o rrê n c ia de um sem núm ero de fa to re s de evo lu çã o o tra n sfo rm a çã o so cia l. Se, em razão de to d a s essas m utaçoe >

a p rim itiv a in te rp re ta çã o tra n sfig u ro u -se , é líc ita a exegese prom ova a adequação da lei ao fato, desde que, evidentem en

10 FRANCESCO FERRARA, Trattato di Diritto Civile Italiano, vol- unico, Roma 1921, ps. 224 e 225.

11 Observa RECASENS SICHES, Nueva Filosofia de Ia I n t e r p r e t a c i ó " dei Derecho, Fundo de Cultura Econômica, México, p. 218: “ A ilusão legislador e criar totalmente o Direito. Esta ilusão suscita outra no JulZ' de que vai poder extrair todo o Direito da lei” .

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Se, po r um p rocesso de re ajustam en to de exegese, se­ gundo a evo lu çã o s o cia l e c ie n tífic a , não pode o in té rp re te adequar a lei ao fato, sem que ou e x o rb ite da fu n çã o inter- Pretativa, cria n d o d ire ito novo, ou in c o rra em e vidente im p ro - Priedade entre a norm a e o fato, a co n c lu s ã o in a rre d á ve l é a da om issão le g isla tiva , para seguir-se, com o dito, o p ro ce ssa ­ mento re la tivo aos casos de la cu n a no sistem a ju ríd ic o .

O a ce rto da d e cisã o in te rp re ta tiv a é a p e ça m estra do fu n cio n a m e n to da ordem ju ríd ic a com o p re vista no siste m a le­ gisla tivo de um a dada so cie d a d e , e m b o ra possa não ser justo, em term os abstratos, o ato ju ris d ic io n a l d e co rre n te , porq u e já 0 não era, de lege lata, o sistem a. Daí não p re s c in d ir o in té r­ prete de p ro fu n d o co n h e c im e n to da C iê n c ia Ju ríd ica , além da irn prescindíve l fo rm a çã o h um anística, pois, com o bem lem bra V lN O G R A D O F F ,17 o e studo do D ire ito não se c o n s titu i num sim ples e xp e d ie n te a ca d ê m ico , com o o b je tiv o apenas de in i­ ciar os p rin c ip ia n te s no c o n h e c im e n to dos te rm o s e d is tin ç õ e s P rincipais de sua arte, m as se d irig e no sen tid o de d e s c o b rir a in te rd e p e n d ê n cia ra cio n a l e n tre as leis e o seu s ig n ific a d o últim o.

A a tivid a d e ju ris p ru d e n c ia l, q u e r na esfera ju d ic iá ria ou na adm in istra tiva , deverá e x e rce r-se na busca incessante da pe r­ feita adequ ação da norm a ao fato, e xam inado este em to d a s as c irc u n s tâ n c ia s que o rodeiam , d esprezan do-se a co n c lu s ã o fècil e cô m o d a da exata adequ ação da norm a à espécie, se a|gum a c irc u n s tâ n c ia p e c u lia r induz ao de sa ce rto dessa co n ­ fu s ã o . Se não é a b so lu ta m e n te id ê n tic o o fa to ao que se te ria °o n stitu íd o na ratio juris p ro v o c a d o ra da norm a, sendo, de e v i­ dência, a in ju s tiç a da a p lic a ç ã o desta a esse caso co n cre to , está o in té rp re te d ia n te de um a lacuna, devendo a g ir em con- Seqüência.

5. E m bora não se c o n fu n d a a fu n çã o de d ize r o d ire ito , ^u er seja c o n te n c io s a m e n te (ju ris d ic io n a l), quer de o fíc io (ad­ m inistrativa), com a de c riá lo (le g is la tiv a ), é inegável que am -aquelas fu n ç õ e s têm um a dim ensão v a lo ra d o ra , a in d a que,

ratio, n ã o -in o va d o ra . E não é só com a te o ria da livre

lr,dagação c ie n tífic a e xtrem ada, — evid e n te m e n te in a ce itá ve l e Sem m ais se g u id o re s, p e lo a rb ítrio de que se reveste, usu rp a n d o 0 'n té rp re te as fu n çõ e s do le g is la d o r — que se id e n tific a a

exis-t 17 PAUL VINOGRADOFF, Introducclón al Derecho, Fundo de Cultura Cotiômica, México, ps. 12 e 13.

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tê n cia de valorações na herm e n ê u tica ju ríd ic a . A in te rp re ta çã o é sem pre realizada através de juízos a x io ló g ic o s .18

A censura de HAURIOU, secunda do p o r C O R N IL ,18 no sen­ tid o de que os ju ize s estão abandonando os c ó d ig o s para se- g u ir a ju ris p ru d ê n c ia e que esta não respeita m ais as pres­ criç õ e s da lei, deve ser re ce b id a com reservas, pois a ju ris ­ p ru d ê n cia é o resultado, com o D ire ito vivo, da adapta ção da norm a ao fato, va ria n d o essa in te rp re ta çã o se m udou o con­ ju n to de c irc u n s tâ n c ia s que, no momento e no meio (occasio

legis), influíram no a parecim en to da norm a, bem com o se são

outras as razões que ditaram o com ando ju ríd ic o (ratio legis) . 20 A in te rp re ta çã o pro g re ssiva m e lh o r se afina com o dinam ism o

18 Ninguém melhor estudou o assunto do que o eminente RECASENS SICHES, quer na sua notável Nueva Filosofia de Ia Interpretación dei De' recho, citada na nota 11, supra, quer no seu magistral Tratado General de Filosofia dei Derecho, México, Editorial Porrua, 1965. Vejam-se, na primeira obra acima mencionada, Capítulo V, ps. 202 a 251, e, no Tratado, ps. 313 a 321. Alguns excertos a respeito são bem ilustrativos do pensamento do grande mestre espanhol radicado no México, o que nos permitimos repro­ duzir em seguida, extraído de sua Nueva Filosofia, citada: .. ."s e é um fato necessário que o juiz ao ditar uma sentença acrescenta à norma contida na decisão ingredientes que não figuravam na norma geral, resulta então Pa' tente com plena clareza que a função judicial tem dimensões criadoras (p. 210). E, mais adiante: “ se analisarmos, com efeito, o que realiza o l ulZ para ditar a sentença e o que contém a sentença, nós nos daremos conta de que, de fato e necessariamente, a função judicial inclui valorações, e advertiremos que a sentença, conseqüentemente, contém valorações, e que ela própria é também um juízo axiológico” (p. 226).

19 GEORGES CORNIL, ob. cit., ps. 73 e 74.

20 Da ratio legis, que constitui o fundamento racional objetivo da norma deve distinguir-se a occasio legis, que é a circunstância histórica que deu estímulo exterior à criação da lei. ( . . . ) A ratio legis pode mudar com o tempo. O intérprete, examinando uma norma existente há um século, não está vinculado incondicionalmente a indagar que razão induziu o legis lador de então, mas, sim, qual o fundamento racional de agora. Assim Pocle acontecer que uma norma ditada por um certo objetivo adquira posterior mente uma destinação e função diversas. A ratio legis é uma força viva móvc que anima a disposição, acompanhando-a em toda a sua vida e desenvolvi mento, é como uma linfa que mantém sempre verde a planta da lei o fa2 desabrocharem sempre novas flores e novos frutos. A disposição assim pode ganhar com o tempo um sentido novo ou aplicar-se a casos novos. Sobre esse princípio se baseia a chamada interpretação evolutiva” (FERRARA, ob- cit., ps. 215 e 216).

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iurídico, visto que o d ire ito , com o c iê n c ia so cia l, está em co n s ­ tante e p e rp é tu a tra n sfo rm a çã o , devendo acom panh ar, pari

Passu, a v e rtig in o s a evo lu çã o da so cie d a d e h u m a n a 21, atenta

às in flu ê n c ia s do p ro g re sso te c n o ló g ic o .

O fa to de não haver vin g a d o a te o ria da livre indaga ção c ie n tífica 22 a co lh id a , em p a rte ,23 pelo D ire ito suíço, segund o a qual, na o m issão da lei, o ju iz deve fo rm u la r a norm a que e la ­ boraria se fosse le g isla d o r, não s ig n ific a que a fu n çã o ju ris -h 21 A respeito, assim se expressa ANGEL LATORRE, Introducción al Derecho, Barcelona, 1968, p. 90: . . . “ a interpretação das leis vai mudando 30 compasso das exigências sociais. Essa “ jurisprudência progressiva” é Jírn elemento básico na vida jurídica de todo Estado moderno” . A propósito mesmo assunto, opina RECASENS SICHES, Nueva Filosofia, cit. p. 218: Urr,a lei não pode conservar indefinidamente o sentido e alcance que teve guando foi ditada quando tudo mudou ao seu redor: os homens, as coisas, 0 Juiz, o legislador mesmo. Suscitam-se novas questões, os velhos probie-já não se equacionam como no passado, e chega um dia em que a aPlicação de um velho texto, em seu sentido original, surge razoavelmente '-orno impossível. Uma lei indeformável só se pode conseguir numa socie- aade estática” .

p.. 22 Essa teoria, se houvesse prevalecido, teria praticamente retirado do ^eito um dos seus valores mais elevados e, mesmo, fundamental para sua *istência, que é a segurança jurídica. Sem um mínimo de segurança, o 'reito só conteria mero jogo de palavras, sendo um terreno propício ao arbítrio.

1 . 2! O famoso art. 1? do Código Civil Suíço está assim redigido: "La , , 1 régit toutes les matières auxquelles se rapportent Ia lettre ou resprit de

une de ses dispositions. A défaut d'une disposition iégale appiicable, le ,9e prononce selon le droit coutumier et, à défaut d’une coutume, selon les ®9les qu’il établirait s’il avait à faire acte de législateur. II s’inspir_e des iutions consacrées par Ia doctrine et Ia jurisprudence.” Como se vê, não 6 trata de ampla liberdade inovadora, pois que o dispositivo condiciona ssa atividade às soluções consagradas pela doutrina e jurisprudência, não °dendo, evidentemente, exercer-se contra legem. Na inexistência de costu- ®s e da opinião doutrinária e jurisprudencial a respeito é que, e tão-so- a^ente, é livre a atividade criadora do juiz. No fundo, o que se autorizou

Juiz foi recorrer aos princípios gerais de d ire ito ...

A. CLAUDE DU PASQUIER, magistrado e ilustre professor suíço (apud 1<}rd ® SILVEIRA, Hermenêutica no Direito Brasileiro, Revista dos Tribunais, ex V0'É p- ^ 79)’ assim se manifesta sobre a experiência helvética: “ Os üne^ P |os fornecidos pela jurisprudência federal mostra-nos que esse méto- p ® acertado (sage) e não leva, aliás, a resultados sensacionais; na maior ^ os casos em que faz uso do poder que lhe confere o Código em face çâ u, ^ a lacuna, é ainda pela analogia que o Tribunal Federal chegou à solu-11 a ' .E, mais adiante, acrescenta ALiPIO SILVEIRA (ob. e vol. cits. p. 383): cadPr'meira v 's*a Pareceria que o Código Suíço dá maior liberdade ao apli- Prin°r-’ 11138 se ater|tarmoc nas imprecisões que rodeiam a determinação dos Üdart íp'os 9era^s d ° direito para os casos concretos, e no grau de flexibi- re n r8 ex'9'da em sua aplicação, veremos que é realmente pequena a dife- rificf3 entre ambas as fórmulas, tanto mais se considerarmos que o art. 1? c0 Permite — segundo a doutrina e jurisprudência helvética — a decisão

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prud e n cia l não seja cria d o ra . Q uando o in té rp re te , diante do caso concreto, tom a um a decisão, m uitas vezes d ifíc il pela no­ vidade do caso, a lice rça d a em c o n h e cim e n to s filo s ó fic o -ju rí- d ico s de alta indagação, renovando, não raro, o se n tid o ju ris- pru d e n cia l então predom inante, está e xe rce n d o fu n çã o cria d o ra de relevo, dentro da ló g ic a ju ríd ic a em que se baseou pai"3 ch e g a r a essa decisão. A in te rp re ta çã o progressiva, que se vai alterando segundo a e volução so cia l e ju ríd ic a , não obstante não se haja m o d ifica d o o te xto legal que a m otivou, é uma co n trib u iç ã o renovadora da ju ris p ru d ê n c ia para a e volução da C iência do D ireito, que, com o d is c ip lin a ç ã o m ais im portante da c o n vivê n cia social, tam bém acom panh a to d a a e x tra o rd i­ n ária evolução cie n tífica , que é um a c a ra c te rís tic a de nossa época.

Ao c o n trá rio do que já se sustentou, a ló g ic a do ju iz n ã o é um a ativid a d e m ecânica, segundo a qual se a p lic a ria um m ero silo g ism o em que a prem issa m aior se ria a le i; a menor, o fato social sobre que in c id iria a norm a, e o c o ro lá rio , a sen­ tença. A o rie n ta çã o e s tá tic a da h e rm e n ê u tica ju ríd ic a que Pr®' dom inou no século XIX, desde a fam osa e s co la fra n ce sa de exegese,24 que se atin h a s e rvilm e n te ao te xto lite ra l da lel* num a o b ra de id o la tria do C ódigo C ivil Francês, cedeu passo à in te rp re ta çã o d inâm ica, que p ro c u ra na lei, com o norma d is c ip lin a d o ra da v id a em sociedad e, o seu o b je tiv o so cia l, se­ gundo as aspirações da c o le tiv id a d e a que se destina. Entre nós, a fo rm u la ç ã o legal dessa o rie n ta ç ã o se a ch a expressa no art. 5? da Lei de In tro d u çã o ao C ó d ig o C ivil, e assim se enun­ c ia : “ Na a p lica çã o da lei, o ju iz a te n d e rá aos fin s so ciais que ela se d irig e e às e xig ê n cia s do bem c o m u m ” .

D entro de o rie n ta çã o sem elhante, fo i possível, com to d o o lib e ra lism o do C ódigo de N apoleão, c o n s tru ir-s e a te o ria d abuso do d ire ito , que não te ria guarida, c o n tra to d a a fin a lid a social do D ireito, na ve lh a e sco la de exegese.25

D eixar o herm eneuta atado a um siste m a ju ríd ic o ríg id<^ sem que lhe fosse lícito in te rp re ta r a lei de m odo a p r e e n c h e

-lhe as lacunas, seria ou d e sco n h e ce r a fa lib ilid a d e da o b r

21 ou a Jurisprudência Analítica, na Inglaterra e Estados Unidos Ç Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha (Cf. RECASENS SICHES, Nu<* Filosofia de la Interpretación dei Derecho, cit., ps. 181 e segs.).

2 l _ Essa aplicação mecânica da lei se construíra em decorrência d perfeição a que se atribuía ao Código de Napoleão e pelo receio, P °r 0 u lado, do arbítrio dos magistrados (Cf., ao propósito, ALÍPIO SILVEIRA, cit., vol. I, ps. 45 e 46).

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humana, ou im p e d ir o p ro g re sso ju ríd ic o , levando o e xegeta a uma p e rp le x id a d e que se não co m p a d e ce com o e sp írito c ie n ­ tífico de nossa é p o ca .26 Os re cu rso s que se e n tregam ao in té r­ prete para re tira r da lei o co n te ú d o n o rm a tivo m ais c o n d ize n te com a e vo lu çã o so cia l e o bem da c o le tiv id a d e su je ita ao sis­ tem a ju ríd ic o de que se trate, na a usência de d is c ip lin a ç ã o expressa, são o fru to do p ro g re sso da ciê n c ia , que deve fic a r à disposição da m e lh o ria de c o n d iç õ e s de v id a do ser hum ano. Se a suprem a a sp ira çã o do D ire ito é a lc a n ç a r a J u s tiç a em sentido ab stra to , p o r ser esta o v a lo r m ais elevado na respec­ tiva escala a x io ló g ic a , p o r que, então, se s u b tra iria m os m eios Para esse d e sid e ra to ? Nem se argua que os p rocessos de p re ­ enchim ento de lacunas, q u e r através da analog ia, q u e r dos costum es ou dos p rin c íp io s g e ra is de d ire ito , redundam em vuln e ra r o u tro v a lo r im p re scin d íve l à nossa C iência, sem o qual 'nexiste o rd e n a m e n to ju ríd ic o d ig n o desse nom e, que é a se- SUrança ju ríd ic a .27 Não o c o rre tal, pois o re cu rso a esses p ro ­ cessos de in te rp re ta ç ã o só se v e rific a quand o há la cu n a na lei e não se e xe rce pelo a rb ítrio , mas segundo regras p re d e te rm in a ­ das e fa m ilia re s aos ju ris ta s .

6. Ao d e d ic a r-s e ao processo in te rp re ta tivo , deve ter Presente o e xe g e ta a d ife re n ç a fu n d a m e n ta l entre a ló g ic a fo r­ mal, de tip o s ilo g ís tic o , tra d ic io n a l, e a ló g ic a ju ríd ic a , em b o ra aquela c o n s titu a tam bém , com o lem bra RECASENS SICHES,2,

2fi Felizmente, a doutrina ultralegalista, mediante a qual se defendia a 'Hserção de todo o Direito exclusivamente nas leis e que, por esse efeito, ® função do juiz era meramente mecânica, na aplicação do Direito através a lógica formal, por um processo silogístico comum, já constitui fato do Passado, perdido e enterrado no século XIX (Cf. RECASENS SICHES, Nueva

llosofia, cit., especialmente ps. 212 e segs.).

27 Quando nos referimos à segurança jurídica, não queremos signifi- J?ar que esse valor seria tomado em termos absolutos. Estamos atentos à 'São de RECASENS SICHES, pois não poderia a sociedade, essencialmente Mutável, alicerçar-se em bases de uma segurança jurídica perfeita, mesmo Porque, como advertiu DEMOGUE, citado pelo grande mestre espanhol, “ a ^®9urança perfeita representaria a absoluta inamovibilidade da sociedade Wueva Filosofia, cit., p. 283). Se mudam as realidades sociais, por que não ■jjudaria o Direito? Mas o que não se pode deixar de preservar, sob pena ^.esmo de ausência de ordem jurídica, é um mínimo de segurança, que é, no ^'Zer de RECASENS SICHES, “ a motivação inicial ou a razão de ser formal . 0 Direito, o valor funcional deste, ainda que não seja o seu fim supremo lob- cit., p. 276).

m. 28 Sobre a difererça entre lógica formal e lógica jurídica, que deno- 'f19 de lógica do humano, lógica do razoável, remetemos o leitor para os , ois livros citados de RECASENS SICHES (Nueva Filosofia de Ia Interpre- ‘"c|ón dei Derecho, capítulo III, ps. 128 e segs., e Tratado General de Filo- dD,|a dei Derecho, ps. 641 e segs.), onde a matéria é estudada com profun-

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um instrum ento indispensável para co n h e c e r e co m p re e n d e r a essência do D ireito.

A ló g ica tra d ic io n a l, ao c o n trá rio da ju ríd ic a , não contém valorações, desenvolvendo-se segundo p rin c íp io s m atem áticos, sem q ualqu er consid e ra çã o de ordem a xio ló g ica .

Para ilu s tra r a d iferença, relata-nos RECASENS SICHES um caso sim ples, mas m uito s ig n ific a tiv o , re fe rid o por RAD- BRUCH, e que oferece n ítid a idéia da d is tin ç ã o .29 E i-lo : À en­ trada da gare de um a estação fe rro v iá ria , na P olônia, havia um le tre iro , que re p ro d u zia um a rtig o do re g u la m e n to das estradas de ferro, assim re d ig id o : “ É p ro ib id o o ingresso, na gare, com c a c h o rro s ” . C erto dia, pretende u alguém penetrar na gare acom panhado de um urso dom e stica d o . O em pregado que v ig ia v a a p o rta im pediu o acesso. P rotestou a pessoa in­ terceptada , alegando que o a rtig o tra n s c rito do regulam ento

som ente p ro ib ia a entrada de ca ch o rro s, mas não de outra espécie de anim ais. Surgiu, então, um c o n flito ju ríd ic o , que se centralizou em to rn o da in te rp re ta çã o do d is p o s itiv o regula­ mentar.

Exam ina m inuciosam ente o caso o e m é rito p ro fe s s o r da Faculdade de D ireito da U n iversidade A u tô n o m a do M éxico, m ostrando a diversidade de co n clu sõ e s a que se te ria de che­ gar, se se aplicassem exclu siva m e n te os in stru m e n to s da lóg ica tra d icio n a l, ou se, ao co n trá rio , o logos do hum ano, o logo5 do razoável. Na p rim e ira hipótese (ló g ic a tra d ic io n a l), ter-se-ia de reconhece r que a pessoa in te rc e p ta d a tin h a in d is c u tív e l di­ reito a e n tra r com o urso, na gare, visto que não há com o in c lu ir um urso no c o n ce ito de c a c h o rro . R a cio cin a n d o ainda segundo os c rité rio s da ló g ic a m atem ática, para a in clu sã o na p ro ib içã o de ursos deveria o a rtig o te r ado ta d o o u tra redação- ou usando a palavra “ urso s” , ou a expressão “ a nim ais possam in co m o d a r os v ia ja n te s ” , ou sim p le sm e n te “ anim ais ■ R eferindo-se apenas a ca ch o rro s, estava o p re ce ito , sem som ­ bra de dúvida, e x clu in d o da p ro ib iç ã o de passagem os outros anim ais que se não id e n tifica sse m com os cães. Na segunda hipótese, isto é, a p lica n d o a ló g ic a do hum ano, o logos do razoável, a co n clu sã o é d ia m e tra lm e n te oposta. É que a ló g ic 3 ju ríd ic a im põe c rité rio s va lo ra tivo s, a que é cega a ló g ic a tra ­ d icio n a l. Terá o in té rp re te de c o n c lu ir, de n tro da e sfe ra do Di­ reito, que o d e feito de redação do d is p o s itiv o não im pede a solução^ ace rta d a do caso, que o u tra não se ria senão a da p ro ib iç ã o de ingresso com o urso. O in té rp re te te rá de aten­

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der, na exegese de um d is p o s itiv o , não só às c irc u n s tâ n c ia s h istó rica s e do m eio que d e te rm in a ra m a c ria ç ã o da norm a

(occasio legis), com o ao fu n d a m e n to ra cio n a l o b je tiv o dela (ratio legis), com o que c o rrig irá as d e fic iê n c ia s g ra m a tic a is

ou lin g ü ís tic a s e o u tra s c irc u n s tâ n c ia s que destoem dos c rité ­ rios v a lo ra tiv o s que integram a ló g ic a ju ríd ic a . Q u a lq u e r leigo, in tuitivam ente , c o n c lu iria que a p ro ib iç ã o de e n tra d a com c a ­ ch o rro s levaria, a fortiori, à ve dação de ingresso com ursos, visto que a e vid e n te fin a lid a d e da norm a era não p e rm itir a criação de c o n d iç õ e s que viessem a p e rtu rb a r os passage iro s 6 seus a com panh antes. E se um c a c h o rro im p e d iria o c u m p ri­ mento dessa fin a lid a d e , m u ito m ais, ainda, um urso.

7. No D ire ito b ra s ile iro , se o in té rp re te , na p e rq u iriç ã o norm a a d equ ada ao fato, c o n c lu i pela om issão legisla tiva , terá de p ro c e d e r na fo rm a do art. 49 da Lei de In tro d u çã o ao C ódigo C ivil, que d is p õ e : “ Q uando a lei fo r om issa, o ju iz de­ cid irá o caso de a c o rd o com a a nalog ia, os costum es e os P rincípios gera is de d ire ito ” .

A ordem e num erad a no a rtig o é a p re fe re n c ia l para a her­ m enêutica, vale dizer, o in té rp re te só re c o rre rá aos costum es, pe o p ro ce sso a n a ló g ic o não fo r s u fic ie n te para p re e n ch e r a 'acuna, e aos p rin c íp io s gera is de d ire ito , na fa lh a dos o u tro s dois.

A d e c la ra çã o expressa da vo n ta d e le g is la tiv a no se n tid o do recurso à analog ia é despicienda, do m om ento em que, como refere RUGGIERO, já se c o n s titu i ela num “ m eio natu- ral de in te g ra çã o do D ire ito ” e num a “ n ecessida de in ilu d íve l

relação aos casos estu d a d o s e, po r isso, é sem pre im p li­ c a em to d o o rd e n a m e n to ” . 3U

8. A a n a lo g ia é p ro ce sso re g u la r de in te rp re ta çã o da lei ^o s ilê n c io d e s ta ,31 q u e r e ste ja a u to riza d o no siste m a ju ríd ic o de que se c o g ite , q u e r nenhu m a re fe rê n c ia nele haja ao p rin - C|[Pio, porque, co m o a ssin a la RUGGIERO no tre c h o a cim a m en- c 'onado, é um m eio n a tu ra l de in te g ra çã o do D ire ito , im p líc ito etT1 q u a lq u e r o rd e n a m e n to ju ríd ic o .

30 ROBERTO DE RUGGIERO, Instituciones de Derecho Civil, trad. es- Par>hola da 4? ed. italiana, Tomo I, p. 153.

cf 31 Sobre a analogia como processo regular de interpretação da lei, 4 • nossos Estudos de Direito Administrativo, Imprensa Nacional, vols. I, ps.

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Dessa orie n ta çã o não d iscre p a o em inente F E R R A R A , quando e n s in a :32

“ A a nalog ia não é criação de d ire ito novo, mas des­

coberta de d ire ito existente. O juiz, a p lic a n d o norm as

po r analogia, não form ula, com livre atividade , normas ju ríd ica s, mas desenvolve norm as latentes que se en­ contram já no sistem a. O d ire ito é, pois, não só o conteúd o im ediato das d isp o siçõ e s expressas, mas o conteúd o v irtu a l das norm as não-expressas, mas ínsi- tas no siste m a ” (os g rifo s são do p ró p rio autor). Já, para G éNY, a a n a lo g ia não se ria essa d e sco b e rta do d ire ito existente, im p líc ito no sistem a, mas um processo inte£| m ediário entre a in te rp re ta çã o e a c ria ç ã o m esm a do d ireito. GÉNY p ro cu ra separar a a n a lo g ia da in te rp re ta çã o da lei. Para ele, a a n a lo g ia não é in te rp re ta çã o , mas “ in stru m e n to indepen­ dente da elaboraçã o ju ríd ic a ” . 34 E m bora assim e n t e n d e n d o ,

acaba po r indagar: “ à quoi bon e x clu re ces pro cé d é s du c h a m p de 1’in te rp ré ta tio n de Ia loi, si, pa r a ille u rs, vous le conservez dans votre systèm e d ’é la b o ra tio n ju rid iq u e ? ” 35

Sobre a im p o rtâ n c ia da analogia, é m uito s ig n ific a tiv o o depoim en to de GÉNY:

. . . “ se fosse preciso m ostrar, por suas p ró p ria s ap11' cações, to d a a fe c u n d id a d e da a nalog ia, teríam os, n verdade, de p e rc o rre r o do m ín io in te iro de nosso

reito privado. A ca d a passo, a a n a lo g ia lá se encon­ tra, necessária que é para dese n vo lve r os p rin c íp 10 c o n tid o s em gérm en nas d is p o s iç õ e s legais p o sitiva ' e para m u ltip lic a r-lh e s as conse q ü ê n cia s, ora traba^ lhando sobre te xto s e sp e cia is e pre ciso s, para desco b rir o gérm en de so lu çõ e s m ais am plas ( G e s e t z e s a n

logie, na te rm in o lo g ia alem ã), o ra p ro cu ra n d o , nutf

g olp e de vista m ais vasto, as regras latentes, que an mam to d o o co n ju n to de um sistem a legal (R e c h t s

nalogie)” . 30

32 FERRARA, ob. cit., ps. 231 e 232.

" 3 FRANÇOIS GÉNY, Méthode d’lnterprétation et Sources en Df0 Privé Positif, 2? ed., Paris, 1932, Tomo I, n<? 107, p. 310.

34 Ob. e tomo cits., n? 107, p. 313. 35 Id., ibid. n? 108, p. 314.

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Para que se possa re c o rre r à analog ia, é necessário, se­ gundo F E R R A R A :37

“ 1?) que fa lte um a d isp o siçã o p re cisa de lei para o caso a d e c id ir. Se se pode a p lic a r a in te rp re ta çã o ex­ tensiva, não se re co rre ao p rocesso a n a ló g ic o ;

2?) que haja igu a ld a d e ju ríd ic a em e ssê n cia entre o caso re g u la d o e o a re g u la r.”

S egundo C O V IE L L O ,38 para que o c o rra an a lo g ia :

“ 1?) é necessário, antes de tudo, que se tra te de um caso que o le g is la d o r ja m a is p re viu : se tivesse sido previsto, ain d a que n ã o -cla ra m e n te co m p re e n d id o na le tra da lei, tem lu g a r a in te rp re ta çã o extensiva; 2?) a re la çã o n ã o -co n te m p la d a , e m b o ra dive rsa d a q u e ­ las co n te m p la d a s, deve, no entanto, apre se n ta r sem e­ lhança com um a delas, deve te r um elem ento de id e n ­ tid a d e ;

3?) O e lem ento de id e n tid a d e não deve ser q u a lq u e r um, m as o e le m e n to de fa to que o le g is la d o r tom ou em co n s id e ra ç ã o para e sta b e le ce r um a dada norm a re la tiva m e n te à relação co n te m p la d a , à qual se q u e r c o m p a ra r a q u e la n ã o -c o n te m p la d a .”

9. D ivide-se a a n a lo g ia 39, segund o as norm as in vocada s Para sua a p lica çã o , em:

a) a n a lo g ia legal (analogia legis), a que se v e rific a em razão da in c id ê n c ia ao caso c o n c re to de norm a p a rtic u la riz a d a da lei;

. b) a n a lo g ia ju ríd ic a (analogia juris), qua n d o a fu ndam en - a Um co m p le xo de p rin c íp io s ju ríd ic o s s in te tiza d o s no in te iro Slstem a ju ríd ic o .

t É com um a co n fu sã o e n tre a n a lo g ia e in te rp re ta ç ã o ex- ensiva, em b o ra se tra te de e sp é cie s c o m p le ta m e n te diversas.

O processo a n a ló g ic o é u tiliz a d o pela in e x is tê n c ia de nor-I a p re cisa para o caso c o n c re to a d e c id ir; na h ip ó te se de

ntQrpretação extensiva, apenas se am pliam os casos in d ic a d o s

37 Ob. cit., p. 229. v

38 Apud ALlPIO SILVEIRA, ob. cit., vol. I, p. 295.

a_. i0 Sobre a distinção, c f., entre outros, além do texto transcrito mais p ?ea, de GÉNV: FERRARA, ob. cit., p. 228; RUGGIERO, ob. e tomo c its .,

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na lei, abrangendo o que deixou de ser re fe rid o p o r d e ficiê n cia lite ra l. No p rim e iro caso (analogia), não há norm a que con­ tem ple o caso co n cre to , em bora esteja im p líc ita na lei (ana­

logia legis), ou no sistem a ju ríd ic o (analogia juris); no segundo

(in te rp re ta çã o extensiva), o caso só não se acha expressam en­ te contem plad o no d is p o s itiv o po r fo rm u la ç ã o inexata, isto é, entende-se a enum eração e x e m p lific a tiv a , e não taxativa.

S A V IG N Y 40 assim se m anifesta sobre a d is tin ç ã o :

“ A in te rp re ta çã o extensiva não tem por fim preencher um a lacuna da lei, mas re tific a r um a expressão im­ p ró p ria pelo pensam ento ve rd a d e iro da lei. Quando, pelo co n trá rio , e m pregam os o m étodo a n a ló g ico , su' pom os a a usência de to d a e q u a lq u e r d isp o siçã o legis­ lativa, e querem os s u p ri-la em v irtu d e da u nidad e do d ire ito .”

Para GÉNY, enquanto a a n a lo g ia “ visa a cria r, com sua decisão, ou com o co n ju n to de seu sistem a, um a re g ra nova e d istin ta , fu n d a d a sobre a id e n tid a d e da razão ju ríd ic a (u*51

eadem ratio, idem jus)”, 41 a in te rp re ta çã o e xte n siva c o n s i s t e em servir-se o in té rp re te de e lem entos e xtrín se co s à lei, descobrem a vontade do le g isla d o r, para a largar, no sentido dessa vontade, a fó rm u la de um te xto c o n c e b id o m uito res­ tritiv a m e n te ” . 42

Não discrepam , de um m odo geral, os autores quanto a essa d is tin ç ã o ,43 em bora, não raro, se ve ja entre d o u to s a con fusão nos casos p ráticos.

10. Segundo a regra do a rt. 4? da Lei de In tr o d u ç ã o a® C ódigo C ivil B ra sile iro , na im p o s s ib ilid a d e de p r e e n c h i m e n

da la c u n a pela analogia, re c o rre rá o in té rp re te aos c o s tu m e > devendo e sclarecer-se, q uanto a estes, que se adm item s

cundum legem, praeter legem, mas n u n c a contra legem . 44

40 Ob. cit., tomo I, § 46, p. 282. 41 Ob. cit., vol. II, n? 107, p. 305.

42 ld „ ibid., p. 304. d

43 Cf. EDUARDO ESPiNOLA, Sistema do Direito Civil Brasileiro, 4? | 1961, vol. I, ps. 206 e 207, e AL1PIO SILVEIRA, ob. c it., vol. I, ps. segs; vol. II, ps. 204-207.

„ . 44 Cf" sobre o assunto: RUGGIERO, ob. e tomo c its ., ps. 80 e sej)s ’ GENY, ob. cit., vol. I, n° 18, ps. 36 a 38; FERRARA, ob. c it. ps. 149; RECASENS SICHES, Tratado General de Filosofia dei Derecho, Pg 286 a 288; Clóvis, Teoria Geral do Direito, 3? ed., Ministério da Justiça, e ps 22 e segs.; EDUARDO ESPiNOLA, ob. c it . , vol. I, ps. 136 e segs’ ALÍPIO SILVEIRA, ob. c it., vol. I, ps. 333 e segs.

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11. Por p rin c íp io s gera is de d ire ito e n tend em os as regras fiiais ge ra is e a d m itid a s peia communis opinio com o fu n d a m e n ­ tais ao D ireito, co m o fenôm eno u n iv e rs a l.45

FERRARA entend e que o re cu rso aos p rin c íp io s g e ra is de direito nada m ais é do que um a fo rm a de analogia juris. 40

Na expressão fe liz de C H IR O N I,47 os p rin c íp io s gera is de direito são os “ fix a d o s pelo e studo filo s ó fic o do d ire ito , e os M ateriais da análise e da síntese, em que se reúnem com o resultado, são fo rn e c id o s pela c o n s c iê n c ia do d ire ito v ig e n te e de to d o s os m o tivo s que o im puseram ou a c o n s e lh a ra m ” .

D iscu te -se sobre a in clu sã o da e q ü id a d e entre os p rin c í­ pios gera is de d ire ito . E m bora m u ito s autores conden em essa inserção, parece-no s, com os que sustentam a tese oposta, que ,a e q ü id a d e é um dos p rin c íp io s gera is de d ire ito , e o m ais lrrip o rta n te , pela sua d e fin içã o , que a id e n tific a com a ju s tiç a Para o caso sin g u la r, quand o a a sp ira çã o do d ire ito é a a tri­ buição de ju s tiç a .48

12. De to d o o e xp o sto se c o n c lu i que o D ire ito , com o ciê n cia d e stin a d a à d is c ip lin a ç ã o da v id a em sociedad e, o rie n ­ te-se de tal m odo, para p re v e n ir a fa lib ilid a d e da o b ra hum a- na. que fo rn e c e ao in té rp re te m eios a d equ ados para p re e n ch e r as lacunas da le g isla çã o , de m odo que não se o m ita a ju s tiç a erfl q u a lq u e r h ipótese . E esses re cu rso s que a c iê n c ia fo rn e ce 6Xigem de quem os u tiliz a um a boa fo rm a ç ã o h u m a n ística e Profundos c o n h e c im e n to s da C iê n c ia do D ire ito . Daí o a firm a r- ' s® que o D ire ito é um siste m a fe c h a d o de norm as, havendo, assim, um a p le n itu d e da o rd e m ju ríd ic a positiva, que se exerce, n° d ize r de A N G E L L A T O R R E ,49 “ no s e n tid o de que um o rd e - nam ento deve p e rm itir os m e io s de re vo lve r to d o s os casos c?ncretos. Não é que a o b rig a ç ã o de s e n te n c ia r derive do prin- ^'Pio da p le n itu d e da o rd e m ju ríd ic a , m as o c o n trá rio : do fa to d® que os sistem as m o d e rn o s im põem essa o b rig a ç ã o de riva ° term os de c o n s id e ra r a ord e m ju ríd ic a capaz de fa c ilita r so-

üÇões a to d o s os ca so s da p rá tic a ".

45 Cf. CLÓVIS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., ps. 38 e 39. d 48 Cf. ob. c it., p. 228. Assim não entendemos, pois, se se houvesse

® admitir a analogia como um principio geral de direito, o que, entre nós, seria contra legem (V. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4?), há! i^ c ip lo s gerais de nossa ciência que se não identificariam com a analogia

47 Citado por EDUARDO ESPÍNOLA, ob. c it., vol. I, p. 147. 48 C f., ao propósito, ALIPIO SILVEIRA, ob. c it., vol. I, ps. 382 e 383. 49 Ob. c it., p. 86.

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