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A Perseguição, a Fraqueza e a Cruz nas Cartas Paulinas Iluminando a Caminhada da Pastoral da Juventude

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Academic year: 2020

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A PERSEGUIÇÃO, A FRAQUEZA E

A CRUZ NAS CARTAS PAULINAS

ILUMINANDO A CAMINHADA DA

PASTORAL DA JUVENTUDE*

JOILSON DE SOUZA TOLEDO**

D

e um lado, a metade do primeiro século depois de Cristo; do outro o início do

século XXI. O apóstolo das nações e seus companheiros de anúncio do Evan-gelho frente às lideranças da Pastoral da Juventude (PJ)... A Ásia Menor e o sonho de expandir-se em direção à Europa. Frente a várias dioceses e alguns regionais do Brasil e o sonho da pátria grande. Existe algum ponto de interseção entre situações e pessoas que estão tão distantes na história? Num primeiro olhar não há muita coisa em comum, mas olhando novamente, com aportes da leitura sociológica pelo modelo conflitual (FER-REIRA, 2011) é possível refletir sobre o desafio de ser apóstolo, ou melhor, a experiência apostólica da perseguição e da fragilidade na realidade da PJ em várias dioceses1 do país

como consequência de uma opção existencial: o seguimento de Jesus no compromisso com os empobrecidos (DICK, 2013, p. 31-2).

Seguindo a estrada aberta pela a leitura popular da bíblia este artigo se insere no esforço de ler a bíblia de um jeito tal que alimente a esperança e a militância dos que se

colo-Resumo: ao olharmos a experiência da Pastoral da Juventude e do Apóstolo Paulo é possível

colocar o conflito como uma das chaves de leitura para essa relação. Olhando através do que a literatura paulina deixa entrever sobre a experiência mística da conflitividade – perseguição, fraqueza e cruz – vivida como consequência de opções metodológicas, esse artigo colabora na construção de sentido sobre as experiências vividas pela Pastoral da Juventude em algumas dioceses brasileiras. Olhar para a personalidade, as escolhas e as circunstâncias do “apóstolo das nações” coloca sua figura em confronto com a vida de muitos jovens que são lideranças da Pastoral da Juventude de hoje. Por fim, buscando o ponto fundamental, o artigo sinaliza a paixão por Jesus como uma experiência que marca Paulo e própria Pastoral da Juventude.

Palavras-chave: Paulo. Pastoral da Juventude. Cruz. Conflito. Experiência de Jesus.

* Recebido em: 02.02.2014. Aprovado em: 20.02.2014.

** Mestrando em Ciências da Religião na PUC Goiás. Pós-Graduado em Formação para a Vida Religiosa pela ESTEF, Porto Alegre(RS).Graduado em Gestão Pastoral pelo ISTA, em Belo Horizonte. Atua na assessoria da Pastoral da Juventude.

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cam ao lado dos pequenos da história (PEREIRA; MESTERS, 2011, p 17-23; FERREIRA, 2011, p.13; MESTERS, 1983).

Em vários trechos das cartas paulinas transparece este drama que alguns de nós vivemos de forma aguda em assembleias, reuniões ou no silêncio dos nossos quartos: a busca apaixonada pelo porquê. Encontrar o sentido do sofrimento do tempo presente: “a parte que nos cabe neste latifúndio” (MELO NETO, 2014). Sempre que nos perguntamos por isso, caímos como o apóstolo na grande motivação do nosso ser e agir: Jesus Cristo crucificado e ressuscitado (LÓPEZ, 1995, p. 91).

ANTES DE MERGULHAR... A ORIGEM, A PERSONALIDADE E A EXPERIÊNCIA FUNDANTE DE UM APÓSTOLO

Antes de aprofundarmos o tema, convém tomar consciência de elementos transver-sais e/ou fundantes da experiência de fragilidade, perseguição e cruz em Paulo.

Judeu da diáspora com formação farisaica, Paulo era um ardoroso defensor da fé de seus ancestrais (At 22, 3-5). Como vários judeus da época, viu na comunidade cristã nascente um perigo para a pureza da fé dos descendentes de Abraão. Por isso, perseguiu com virulência os seguidores do caminho (At 9, 1-2; Gl 1, 13-14).

No entanto, algo aconteceu... Uma experiência tão forte que derrubou este intrépi-do membro da tribo de Benjamim (At 9, 3-9; 22, 6-11). Não sabemos se ele caiu intrépi-do cavalo, como comumente o povo costuma falar, mas fica claro que ele caiu de suas convicções. Aque-le a quem eAque-le perseguia o encontrou pelo caminho (At 9, 4-6) (CROSSAN; REED, 2007, p.16-20). Esta experiência foi tão intensa que fez Saulo dar uma guinada de 180 graus e, de perseguidor, se torna não só um adepto, mas um missionário tão ardoroso (2Cor 11, 2.23) que missiólogos e biblistas o veem como o responsável pela maior, e talvez única, inculturação do Evangelho (COMBLIN, 1993, p. 7-10).

Pela abrangência de seu trabalho missionário e nas entrelinhas das cartas que a história permitiu que chegassem até nós vemos um homem de personalidade forte, apaixo-nado, incansável... com atitudes não só polêmicas, mas impensáveis por boa parte de seus contemporâneos, sejam judeus, gregos ou mesmo cristãos (FABRIS, 1996, p. 35-43). Tudo isso nos faz imaginar a intensidade dos conflitos que sua atuação gerou. Aliás, só podemos ler os conflitos neste contexto, e sua atuação, nos cenários dos conflitos.

PERSEGUIDOS POR ANUNCIAR O EVANGELHO DA INTEIRA LIBERDADE Falar em perseguição é falar numa opção. Paulo foi perseguido porque seu mé-todo missionário questionava a vida e costumes tanto da sociedade grega e judaica, como do cristianismo palestinense. A maneira de pregar e o conteúdo de “seu evangelho” foi de encontro às convicções profundamente arraigadas na cultura grega e no pensamento judaico.

Assim também, jovens lideranças da PJ e seus assessores, se vêem perseguidos pelo que crêm e pela maneira como anunciam o “Evangelho da inteira liberdade” (SILVA; VIERA; SILVA, 2012, p. 18-9; 34; 38-51).

A opção pelos pobres tanto de Paulo, quanto dos que estão na PJ tem suas raízes na experiência de fé. Pois estes crêem que Deus mesmo optou pelos últimos (RICHARD, 1995,

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p. 92-4). Mais que um ato ideológico é opção fundante que se nutre na maneira como Deus se revelou em Jesus, mas também na história do povo de Israel (Ex 3,1ss).

Alguém com uma atividade missionária tão intensa como a deste apóstolo dificil-mente passaria ileso a perseguições. Devido à sua atuação, foi perseguido por vários grupos e pessoas com motivações distintas. Entretanto o núcleo do conflito é sempre o mesmo: as opções ou conseqüências do anúncio do Evangelho (COMBLIN, 1993, p.54). Ele foi per-seguido por ousar relativizar o que outros achavam absoluto. Na visão de Paulo, somente a pessoa de Jesus e o projeto salvador que Ele testemunhava eram absolutos. Assim relativizou a lei, o imperador, os privilégios dos apóstolos, a eleição de Israel.

Tal postura intensificou a conflitividade que se configurou em violência física por parte das autoridades (1Ts 2, 1-2), exposição a situações precárias por amor ao Evangelho, difamação e ações contrárias por cristãos de outras linhas pastorais e incompreensão por pes-soas das comunidades que ele fundou e das comunidades da Palestina.

No meio de tantos traços de perseguição, vamos ater-nos aos dois que dizem res-peito mais diretamente às perseguições que Paulo viveu dentro da própria comunidade cristã: sua relação com a lei e com o trabalho.

Livre Diante da Lei para Estar Próximo das Nações

Paulo se sentia vocacionado a ser apóstolo das nações, a se dedicar aos povos pagãos (Gl 2, 7) (COMBLIN, 1993, p. 54-8). Por isso, se viu desafiado a inculturar a fé em reali-dades para além do cenário sócio-cultural da Palestina semita. Corinto, Filipos, Tessalônica eram bem diferentes de Jerusalém e Cafarnaum!

Foi obrigado, mais do que outros, a se a perguntar pela essência da fé cristã. É jus-tamente esta pergunta que está na base deste conflito. Diante da questão: “o cristão deve se tornar primeiro judeu?” Paulo responde com tranqüilidade: “não”. Usando o estilo farisaico, faz uma releitura da fé de seus pais tendo, agora, não mais a Toráh oral e sim Jesus Cristo por referência. Na visão do apóstolo, a fé cristã está em sintonia e em continuidade com a Toráh. Vê as comunidades que foi fundando como o novo Israel.

É na interpretação da lei, ou melhor, no ato de colocar Jesus Cristo como chave in-terpretativa, que ele divergirá dos sábios de Israel. Afirma a eficácia pedagógica da lei, todavia negando sua eficácia salvífica. Neste exercício tocará um elemento essencial para um Israelita: a circuncisão (COMBLIN, 1993, p. 54-5).

Tudo leva a crer que missionários vindos da Palestina sacudiram as comunidades da Galácia, afirmando que os costumes judaicos eram imprescindíveis para quem abraçava a fé em Jesus. Paulo numa resposta áspera chega a dizer que eles estão abraçando outro Evangelho (Gl 1,6-10). No seguimento de Jesus o fundamental não são os sinais exteriores, mas a opção por Jesus. A grande preocupação de Paulo é com a eficácia salvífica da pessoa de Jesus. O que importa mesmo é o Cristo (Gl 5, 1-6; Gl 6, 11-15; Rm 2, 39-3,1).

Entretanto, por trás deste conflito não reside só a relação com a lei, mas, as regalias que os judeus tinham na vivência de sua fé no meio do império romano. Ser circuncidado significava estar protegido da perseguição. Quando os cristãos fazem a opção pela incircun-cisão estão se expondo (Gl 6, 12). Neste contexto, optar por Jesus é optar pela insegurança. Baseado na experiência das comunidades paulina e dos jovens da PJ de hoje é possível dizer que tanto para aquelas como para estes: Jesus sua insegurança.

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Paulo vai ainda mais longe e chega a dizer que a descendência de Abraão é algo muito mais espiritual do que biológico, ou seja, todo cristão – independente do nascimento ou da circuncisão – é descendente de Abraão (Gl 3, 15-29) e que pela lei, morreu para a lei (Gl 2,15-21).

Outro assunto polêmico, dentro da interpretação da lei, foram os hábitos alimen-tares. Os judeus tinham várias restrições ligadas à pureza legal. Nesta situação, Paulo também relativiza colocando como referência a caridade (1Cor 8).

Com certeza, uma das razões do êxito de seu trabalho missionário foi a maneira como acolheu os gentios. Paulo cria um novo jeito de se relacionar com os gregos sim-patizantes da fé judaica. Estes deixavam de ser crentes de segunda categoria (sua situação nas sinagogas) e passavam a aderir à comunidade. Uma comunidade fraterna onde as diferenças também são relativizadas (Gl 3, 28-29; Rm 10, 12; 1Cor 12, 13), não só os acolhendo na comunidade, mas sinalizando, por palavras e ações, que agora era a hora de Deus para eles.

A perseguição chega a seu termo com a prisão. A carta aos Filipenses, ele a escreve do cativeiro (Fl 1, 12-26) (COMBLIN, 1993, p. 138-40). Encarcerado pelas autoridades e difamado dentre aqueles que deveriam ser seus companheiros de apostolado, fazendo a expe-riência de um aniquilamento muito concreto, ele falará com mais propriedade da expeexpe-riência de aniquilamento de Jesus (Fl 2, 6-11).

E não só nas situações que o atingem diretamente; também se vê perseguido em suas comunidades e sente a necessidade de exortá-las a permanecerem firmes na fé (1Ts 3, 1-4).

Numa situação de transição, onde se perguntava com o quê queremos ficar, o que é essencial? Paulo afirma que é preciso ficar com o Evangelho. Com isso, traz luzes importantes para os agentes de pastoral no início do século XXI. Para estes, Cristo deve estar além dos costumes eclesiais. É Ele que deve ser nosso critério de discernimento. Mais do que isso: Paulo ensinou que absolutizar somente o que é absoluto, gera perseguição.

Nos atuais cenários eclesiais, vários são os jovens da PJ que, por sua maneira de in-terpretar a tradição, se vêm perseguidos por pessoas da hierarquia. Mesmo nas contrariedades é preciso ter a coragem paulina de recusar as “novas circuncisões”.

Livre diante das Benesses para Estar Próximo aos Pobres

Em relação com o trabalho, aparentemente, Paulo questiona o mandato de Jesus: “o operário tem direito a sua diária”2 (Lc 10, 7). No entanto, renuncia à prerrogativa apostólica.

A considera como um privilégio e não como uma obrigação (1Cor 9, 14-18; 2Cor 11,7-11; 1Ts 5, 18).

Ao narra aos gálatas sua relação com aqueles que eram considerados referencia entre os apóstolos e a visão que estes tiveram do que os informou partilha que não impuseram nada. Frente as intrigas feitas por alguns o que lhe foi pedido foi para “Se lembrar dos pobres” (Gl 2,10).

O que significa trabalhar numa sociedade que valoriza a intelectualidade e o ócio? Especialmente nas cidades onde estavam as comunidades paulinas a maior parte da popula-ção era formada por escravos. O que diz para a populapopula-ção o fato de Paulo, sendo liderança, trabalhar? Certamente esta “boa notícia” para o “zé povinho” se configurou como uma má notícia e um questionamento, talvez não para toda a sociedade, mas certamente para os mais abastados da comunidade.

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O trabalho o colocava em contato direto com os pobres e o mundo das pessoas sim-ples (COMBLIN, 1993, p. 59-63). Criou a possibilidade de conhecer e de se deixar conhecer pelos trabalhadores braçais e pequenos comerciantes, mas também o libertava de se tornar refém de qualquer financiador. Paulo não permitiu tornar-se refém daqueles que tinham me-lhores condições financeiras na comunidade. Estava livre para anunciar a Boa Nova, doesse a quem doesse. Ao escolher seu lugar na sociedade, sinaliza também o lugar que Deus mesmo escolheu e, por isso, foi duramente atacado. Hoje, lideranças da PJ também são atacadas por estarem mais próximos dos pobres e não “flexibilizar” o Evangelho a interesses de quem está no poder.

FRAGILIDADE: VIVENDO “SEM LENÇO E SEM DOCUMENTO”

Na comunidade de Corinto Paulo foi não só questionado em sua autoridade apos-tólica, mas também visto como fraco (RICHARD, 1995, p. 97). Por isso, o apóstolo se es-força para ajudar a comunidade a entender que a fragilidade faz parte da condição humana e que foi escolhida por Deus como caminho para se revelar a nós e por isso sua vivência é também sinal de autoridade apostólica. A própria comunidade é sinal deste desígnio divino que é desafiada a acolher na fé (1Cor 1, 18-31).

Nesta mesma comunidade o apóstolo das nações encontrou opositores que o ques-tionaram em sua autoridade por seu jeito despojado (2Cor 10,10). O fato dele não recorrer nem à Lei, nem à Filosofia, era visto por alguns como pequenez. Por este motivo também o acusaram de agir segundo critérios humanos. Contudo, ele afirma que é preciso ser pequeno para não ofuscar o que deve brilhar: o Evangelho (2Cor 4, 1-7).

A primeira experiência de fragilidade que Paulo viverá é a física; mas também será confrontado em suas limitações pessoais. No caminhar da vida, Deus lhe ensinou que o impor-tante não é se livrar da limitação, mas até mesmo nela acolher a graça de Deus (2Cor 12, 7b-9). Em resposta ao questionamento de um grupo, que ele chama de superapóstolos (COMBLIN, 1993, p. 64), faz uma extensa lista de dificuldades que passou e de agressões físicas que sofreu (2Cor 6,3-10; 11, 23-33). Em todas as situações, positivas ou negativas, exerce seu ministério (2Cor 6, 3-10). Aos Gálatas lembra como foi acolhido num momento em que estava doente (Gl 4, 12-20).

A experiência da fragilidade também é vivida na situação concreta das comunidades que Paulo é chamado a acompanhar. O fato de a comunidade acolher a Palavra no meio das tribulações (1Ts 1, 6-8), bem como manter a fidelidade, é um sinal de que ele não sofreu em vão (Fl 2, 14.16-18)

Contudo, a fragilidade toma contornos originais em seus escritos. E em especial na 2Cor (COMBLIN, 1993, p. 137). Mesmo levando o tesouro do Evangelho, o apóstolo o faz de forma despojada e frágil (2Cor 4,7). Ele se expõe e assume a fragilidade e as situações de morte para que a força e a vida se manifestem naqueles a quem é chamado a servir (2Cor 1, 3-11). Mesmo colocado em situações extremas, não é eliminado (2Cor 4,8-9). A própria agonia e morte redentora de Jesus se perpetua na vida dos apóstolos (2Cor 4, 10) e, mais ainda, afirma trazer, na carne, o que falta no sofrimento de Cristo (Cl 1, 24-2, 5). Assim, o ministério apostólico autêntico, quando vive a verdadeira intimidade com Jesus, passa por tribulações. E por isso aprendeu a viver em qualquer situação (Fl 4, 11-13). É no reconheci-mento do sentido que está por trás de seu sofrireconheci-mento que ele encontra seu consolo.

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Outro traço é que ele se gloria de suas fraquezas (COMBLIN, 1995, p. 58-61; RICHARD, 1995, p. 99). É que a fraqueza aguda é consequência da escolha do bem supre-mo, que é Cristo, Evangelho da liberdade. A fraqueza é sinal de que escolheu o Evangelho e se mantém firme na escolha, mesmo nas situações de aparente desamparo. Ser apóstolo não faz de ninguém um super homem ou uma mulher maravilha. O apóstolo é alguém enamorado de Deus, consciente da grandeza e do amor dAquele que o convocou para servir, e também de suas próprias limitações. É justamente quando ele é fraco, é que ele é forte (2Cor 12, 10) pois, é na fraqueza que a força de Deus manifesta todo o seu poder, na fragilidade daquele que continua (2Cor 12, 9), mostrando que, por trás de sua experiência, ou no fundo dela, habita o que não tem descanso nem nuca terá, o que não tem cansaço, nem nunca terá, o que não tem limite3.

Num momento histórico onde o sucesso é tão incensado, falar de fragilidade parece ridículo. A maioria das pessoas, tanto à direita como à esquerda, perseguem o êxito como uma questão de honra.

CRUZ: O SENTIDO DO QUE PARECE NÃO TER SENTIDO

Por fim, chegamos à cruz. A cruz é, de uma forma ou de outra, o lugar por onde passam todos os que levam a sério o Evangelho. Especialmente quando Paulo fala da cruz para a comunidade de Corinto, ele está falando do sentido último. Busca iluminar questões bem concretas que a comunidade estava vivendo (LÓPEZ, 1995, p. 88-91). Não a fraqueza pela fraqueza, nem a perseguição pura e simples. Por detrás de todas estas situações o apóstolo das nações vislumbra o mistério redentor de Jesus.

A expressão é de suma importância, já que:

Nas epístolas paulinas, reconhecidas por todos como autênticas, as palavras da família “cruz” apa-recem 17 vezes. Nas epístolas aos Coríntios e aos Filipenses, as palavras apaapa-recem 9 vezes, sempre ligadas ao tema da fraqueza do apostolo. Nas epistolas aos Gálatas e aos Romanos, aparecem 8 vezes e estão ligadas ao contexto da luta contra lei: há oposição ente a cruz e uma mensagem de salvação pela lei (COMBLIN, 1995, p. 54).

Este mistério é tão sedutor que, na carta aos filipenses, um dos escritos mais maduros do apóstolo, chega ao ponto de dizer que considera tudo perda. Nesta perícope enumera elementos significativos de sua biografia – por causa de Cristo. Apesar de ter perdido tudo – lembremos que ele está na prisão sentindo perigo de morte - para ele viver é Cristo e morrer é lucro (Fl 1, 21; 3,7). Ainda, na mesma carta, encontramos o hino cristológico (Fl 2, 6-11) que celebra o Cristo que se fez escravo (e isso é dito para uma sociedade escravagista), rebaixando-se até a morte, e morte de cruz (FERREIRA, 2011, p. 112-4).

O jeito de ser e as opções de Jesus desafiam a comunidade a construir relações de poder que sejam coerentes com a opção pelo seguimento ao mestre (1Cor 1,10-4,21). As dis-putas internas que marcavam a comunidade de corinto (LÓPEZ, 1995, p. 89). São um sinal claro das dificuldades das comunidades dos primeiros século, bem como as nossas contempo-rânea de constituir práxis que vão além da lógica do império, seja o romano, seja o neoliberal. Cristo é a fonte de toda sadia relativização. É a partir dEle que Paulo vai afirmar o que é absoluto. Como afirmaria, séculos depois, São Paulo da Cruz: A cruz é um mar de dor e um mar de amor. Contudo, o apóstolo das nações afirma, nas entrelinhas, que a cruz é um

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mar de sentido que os cristãos acolhem, mas que é percebido como escândalo para os judeus e loucura para os pagãos (1Cor 1, 22-23).

A cruz é um divisor de águas. É sinal de novidade. O jeito de viver dos cristãos a liberdade dos filhos de Deus ultrapassa os esquemas sociais da época apostólica e, também, da sociedade neoliberal. Crucificado com Cristo, todo cristão é chamado a viver a novidade que é deixar Cristo viver em seu viver (Gl 2, 19-20)

Como cantam nossas comunidades: “Quando na cruz te afogaste no poço de nossa dor”4... é no mistério da humilhação e do desprezo vivido pelo próprio Deus, em Cristo, que

o apóstolo encontra o sentido das controvérsias e da sua missão. Especialmente em 1Cor e 2Cor, a cruz aparece como loucura. É nela que se manifesta a verdadeira glória do apóstolo (Gl 6, 14).

A experiência que Paulo faz de Jesus e do sentido das contrariedades no seu apos-tolado bem poderiam se traduzir no refrão da música É isso aí de autoria da cantora Ana Carolina: “Eu não sei parar de te olhar. Não sei parar de te olhar. Não vou parar de te olhar. Eu não me canso de olhar. Não vou parar de te olhar”5.

CONCLUSÃO: PAIXÃO E INTIMIDADE COM JESUS CRISTO, O PONTO DE INTERSECÇÃO

Com o apóstolo Paulo, as lideranças da PJ se esforçam em buscar o significado da perseguição, da fragilidade e da cruz no ministério pastoral. Negados naquilo que fizeram ser suas vidas: a ação pastoral estes se encontram desafiados a fazer, de modo muito profundo, novas sínteses, não somente pastorais, mas existenciais e vocacionais.

Perseguidos por lideranças eclesiais, em algumas dioceses, existem neste país pessoas que participam da PJ e por isso vivem a busca apaixonada pelo sentido do tempo presente. Não são donos da verdade... É bem possível que haja, entre eles, quem tenha cometido erros ou equívocos estratégicos; outros, talvez, pela paixão, tenham se excedido. Contudo, não po-deriam também acusar Paulo de excessos e de dizer que uma parte de seus conflitos foi pela sua intransigência nos seus métodos pastorais (COMBLIM, 1995, p. 57-61; COMBLIM, 1993, p. 63-64)? Uma coisa é inegável – a menos com doses cavalares de cinismo ou ingenui-dade – nada justifica os processos de certas destituições que vêm se tornando mais freqüentes. Ficou gravada na minha memória a fala de um amigo – e isso já tem quase 20 anos – “a gente se mata por uma igreja que quer mais que a gente morra”... Por isso lideranças da PJ, bem como outros que vivem o seguimento de Jesus no compromisso com os empobrecidos se encon-tram diante de um paradoxo. Em alguns cenários parece mais “logico” deixar tudo. Estes es-tão realmente imbuídos da logica da cruz onde sofrimento e consolação se encontram (1Cor 1, 3-12; 4,7-15)

Ler as cartas paulinas tendo como chave de leitura os conflitos possibilita os leitores dos textos de Paulo hoje a assumir uma postura mais critica diante dos conflitos atuais (FER-REIRA, 2011, p. 225).

Quais as posturas e intuições espirituais que nos permitiriam viver e acompanhar este processo da forma mais saudável e cristã possível? Honestamente, não tenho todas as respostas, mas acredito que a meditação dos escritos paulinos a partir da chave de leitura da perseguição, da fragilidade e da cruz, seja um bom caminho. Através deles podemos aprender com o apóstolo das nações. Aprender a construir em meio às pancadas e frustrações da

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cami-nhada pastoral um projeto de vida fundamentado na intimidade com a pessoa de Jesus. No fundo, é na paixão por Cristo e na intimidade com Jesus que reside o ponto de intersecção entre Paulo e o contexto que ele viveu e nós, agentes da Pastoral da Juventude, no século XXI. Permitir-se que Jesus ocupe em nossas vidas o lugar que ocupou na vida de Paulo, mesmo em meio às contrariedades e sofrimentos do tempo presente, podemos, como ele, construir uma história bonita – mesmo que não ganhe notoriedade – de fidelidade, coragem e inovação.Na carta aos Romanos, uma verdadeira síntese teológica do pensamento paulino, o apóstolo fala da intensidade da nossa união com Jesus. Ele estava convencido que nada pode nos separar do amor de Deus (Rm 8). Permitindo-me falar como Paulo, isto é, como louco, (2 Cor11,16-18.21), creio que nós, agentes da Pastoral da Juventude, podemos dizer diante dos conflitos, contradições e paradoxos deste momento histórico nada vai nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus (Rm 8, 39).

CHASE, WEAKNESS AND CROSS IN THE PAULINE LETTERS LIGHTING THE WALK OF YOUTH MINISTRY (PJ)

Abstract: when we look at the experience of youth ministry and the Apostle Paul is possible to put

the conflict as a key reading for this relationship. Looking through the Pauline literature gives us a glimpse of the mystical experience of conflictive - persecution, weakness and cross - experienced as a result of methodological options, this article assists in constructing meaning about the lived experiences of the youth ministry in some Brazilian dioceses. Looking personality, choices and circu-mstances of the “Apostle to the Gentiles” puts her figure in comparison with the lives of many young people who are leaders of Youth Ministry today. Finally, seeking the fundamental point, the article indicates the passion for Jesus as a brand experience that Paul and own Youth Ministry.

Keywords: Paul. Youth Ministry. Cross. Conflict. Experience of Jesus. Notas

1 Com isso não afirmamos que seja a realidade da totalidade ou maioria das dioceses brasileiras, nem desconsideramos todas as experiências positivas de relação com a hierarquia. Existem vários bispos que apoiam e acompanham a PJ. Contudo os cenários positivos que se vividos na maior parte dos regionais da CNBB não desmerecem alguns cenários difíceis vividos em outras dioceses brasileiras.

2 Tradução da Bíblia do Peregrino. 3 Chico Buarque, música A flor da pele 4 Canto Como te cantarei Senhor, Zé Vicente 5 Musica É isso aí.

Referências

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