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A administração com foco no usuário-cidadão: realizações no governo federal brasileiro nos últimos 5 anos

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Academic year: 2020

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A administração com

foco no usuário-cidadão:

realizações no governo federal

brasileiro nos últimos 5 anos

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Marianne Nassuno

A Reforma do Aparelho do Estado empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso foi iniciada com a edição de seu Plano Diretor, em novembro de 1995. Passados cinco anos, é possível fazer um balanço desse processo — uma vez que já existem informações e experiências acumuladas — no sentido de apresentar realizações e de identificar alguns avanços e desafios à direção adotada.

Neste texto, pretende-se revisar algumas ações implementadas no processo iniciado há cinco anos no governo federal brasileiro, analisando e classificando essas experiências de modo a propiciar conhecimento sistematizado sobre casos concretos de utilização do conceito da adminis-tração com foco no usuário e trazer informações sobre a direção em que a mudança vem ocorrendo.

Como a noção de foco no usuário-cidadão pode ter interpretações bastante diversas,2 neste texto, pretende-se mostrar como uma diretriz

geral da reforma — voltar a prestação de serviços públicos para o atendi-mento do usuário-cidadão — foi traduzida em experiências concretas, comentar o avanço que isso representa, bem como apontar alguns desafios a serem considerados.

Experiências voltadas para o atendimento das demandas do usuário-cidadão de serviços públicos implementadas em diversos países estão fundamentadas em teorias e práticas desenvolvidas no contexto das transformações que redesenham o papel do Estado com a adoção de programas de qualidade, iniciativa cuja implantação ocorreu inicialmente no setor privado. A busca permanente pela qualidade tem uma relação direta com o direcionamento da produção para atender as expectativas dos consumidores.3 Revista do Serviço Público Ano 51 Número 4 Out-Dez 2000 Marianne Nassuno é mestre em administração pública pela EAESP/FGV e integrante da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Gover-namental. Atualmente é responsável pela Pesquisa ENAP. Contato: marianne.nassuno@ enap.gov.br

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A importância de orientar as ações da administração pública para os usuários dos serviços foi reforçada por teorias sobre o setor público (escolha pública e teoria do agente) que assumem que os indivíduos atuam para maximizar o próprio bem-estar. No caso dos burocratas públicos isso significa maximizar os seus interesses individuais por meio do aumento do orçamento que controlam e do seu poder discricionário, não atuando assim em função do interesse público (Myers e Lacey, 1996).

Adicionalmente, a importância da dimensão usuário-cidadão também foi enfatizada no Brasil com a discussão sobre as origens da crise do Estado, que aponta que essa crise refere-se, sobretudo, à “extenuação do Estado como fator de contenção de uma sociedade civil em processo de expansão e dotada de crescente densidade organizacional, razão pela qual o descompasso Estado-sociedade situa-se no cerne dos impasses presentes” (Diniz e Boschi, citado por Diniz, 1997: 21). Sendo assim, formas de gestão que aumentem o universo dos atores envolvidos podem trazer elementos novos para a definição de modalidades alterna-tivas de intervenção pública. “Tais considerações colocam em evidência a necessidade de se definirem novas formas de gestão, mediante a criação de mecanismos e instrumentos que viabilizem a cooperação, a negociação e a busca de consenso” (Diniz, 1997: 36).

Nesse sentido, o processo cujas diretrizes estão contidas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado situa-se entre as iniciativas da assim chamada ‘segunda onda’ de reformas. “Nos anos 80, a preocupação fundamental da ‘primeira onda’ de reformas foi promover o ajuste estru-tural das economias em crise, particularmente aquelas altamente endividadas e em desenvolvimento, como a do Brasil. Já nos anos 90, quando se percebe que este reajuste não poderia, em termos realistas, levar ao Estado mínimo, temos a ‘segunda onda’ de reformas. Enquanto na primeira onda o domínio da perspectiva leva, em relação ao Estado, essencialmente à política de dowsizing, a segunda onda de reformas tem caráter institucional. Agora, o projeto fundamental é reconstruir ou reformar um Estado, recuperando a sua governança” (Bresser Pereira, 2000: 17). Entende-se por governança a capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um governo implementar políticas, incluindo a sua capacidade de agregar os diversos interesses (Bresser Pereira, 1998).

No Plano Diretor (Brasil, 1995), a dimensão usuário-cidadão está colocada em termos da identificação do cidadão como cliente privilegiado dos serviços públicos e da previsão de mecanismos de controle social, com a participação de entidades da sociedade civil.

A abordagem do foco no usuário-cidadão foi adotada em iniciativas tanto no âmbito central, como orientação geral de algumas ações, quanto no âmbito descentralizado, envolvendo diversas instituições. O controle social foi implementado com a participação de entidades representativas

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da sociedade civil como membros do conselho de administração das Organizações Sociais.

Essas realizações representam a concretização de princípios gerais do Plano Diretor. Embora se tratem de intervenções pontuais, essas iniciativas serão analisadas — com base na literatura sobre o tema — no sentido de identificar indicações do modelo de gestão pública ora em desen-volvimento. Se, de um lado, elas mostram as possibilidades de realização da proposta inicial, em termos do conceito de cidadania a elas associado, da abertura de espaços no interior do Estado para a incorporação de outras perspectivas e da possibilidade de melhoria da prestação de serviços públicos; de outro, ilustram alguns desafios associados à perspectiva do foco no cliente, que não devem ser negligenciados. Em especial, destaca-se a questão da definição de quem são os usuários, as limitações das infor-mações provenientes dos usuários e o risco de considerar apenas a pers-pectiva de alguns grupos de interesse organizados.

A apresentação das experiências concretas que traduziram a diretriz geral da reforma de voltar a prestação de serviços públicos para o aten-dimento do usuário-cidadão, bem como de alguns avanços e desafios a ela associados será realizada da seguinte forma. Será apresentado como os elementos cidadão e controle social são tratados no Plano Diretor, visando explicitar as diretrizes gerais colocadas na dimensão usuário-cidadão pelo documento inicial da reforma. Esses elementos dizem respeito à consi-deração do cidadão como cliente dos serviços públicos e à previsão da participação de entidades representativas da sociedade civil no conselho de administração das Organizações Sociais. São apresentadas algumas realizações ocorridas a partir de 1995 nessas duas áreas e, finalmente, são apresentados alguns desafios apontados pela literatura com relação à orientação do foco no usuário na atual Reforma do Aparelho do Estado, são destacados os avanços e feitos os comentários finais.

Plano Diretor e a dimensão usuário-cidadão

No Plano Diretor, a relação entre a administração pública e o usuá-rio-cidadão está presente nas medidas que fazem menção às dimensões cidadania e participação. Sendo assim, essa relação aparece mais explici-tamente na identificação do cidadão como cliente privilegiado dos serviços públicos — que envolve a noção de que o atendimento das demandas e expectativas da sociedade é uma forma de garantir a cidadania e ressalta a importância de aumentar a abrangência das políticas sociais e promover melhor qualidade para os serviços sociais — e na menção da partici-pação e controle direto da administração pública pelos cidadãos como forma de defender a coisa pública nas sociedades democráticas modernas.

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Assim, de acordo com o Plano Diretor, a dimensão usuário-cidadão está contemplada na identificação do cidadão como cliente do governo e na questão do controle social, prevista no projeto das Organizações Sociais. Apresentamos, a seguir, trechos selecionados que mostram como os elementos cidadão e participação são tratados no texto do Plano Diretor.

Referindo-se ao elemento cidadão/cidadania, temos:

“É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de gerencial, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao

cidadão, em uma sociedade democrática é quem dá legitimidade

às instituições e que, portanto, se torna cliente privilegiado dos serviços prestados pelo Estado” (Brasil, 1995: 10).

“É importante ressaltar que a redefinição do papel do Estado é um tema de alcance universal nos anos 90. No Brasil, essa questão adquiriu importância decisiva, tendo em vista o peso da presença do Estado na economia nacional tornou-se, conseqüentemente, inadiável equacionar a questão da reforma ou da reconstrução do Estado, que já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social. A reforma do Estado não é, assim, um tema abstrato, ao contrário, é algo cobrado pela cidadania, que vê frustradas suas demandas e expectativas” (Brasil, 1995: 14).

“[A] reforma do aparelho do Estado (...) está orientada para tornar a administração pública mais eficiente e mais voltada para a

cidadania” (Brasil, 1995: 17).

“[P]retende-se reforçar a governança — a capacidade de governo do Estado — por meio da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão” (Brasil, 1995: 19).

“O objetivo global da reforma do aparelho do Estado é “aumentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento do cidadão” (Brasil, 1995:56). Referindo-se à questão da participação/controle social, temos:

“Ainda no plano democrático, a prática cada vez mais freqüente da participação e controle direto da administração pública pelos

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cidadãos, principalmente, em nível local, é uma nova forma de defender a coisa pública” (Brasil, 1995: 20).

“Reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil” (Brasil, 1995: 56).

“O objetivo para os serviços não-exclusivos é lograr um controle social direto desses serviços por parte da sociedade por meio dos conselhos de administração das Organizações Sociais. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho das Organizações Sociais, viabilizando o controle social; aumentar a eficiência e qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor” (Brasil, 1995: 59).

“[B]usca-se por meio das Organizações Sociais uma maior

participação social, na medida em que elas são objeto de um controle

direto da sociedade por meio de seus conselhos de administração recrutado no nível da comunidade à qual a organização serve” (Brasil, 1995: 74).

Os trechos selecionados do Plano Diretor mostram que, da mesma forma que experiências de outros países, as diretrizes relativas à dimensão usuário-cidadão envolvem tanto o desenvolvimento de formas novas de envolvimento dos cidadãos quanto a adequação dos serviços públicos às necessidades dos usuários. No Plano Diretor, o usuário-cidadão é consi-derado no seu papel como cliente privilegiado da prestação de serviços públicos, sendo capaz de fazer uma avaliação dos serviços prestados, ao passo que na sua participação como cidadão é enfatizada a contribuição fornecendo subsídios para a implementação de políticas públicas.

“[T]hese new forms of citizen participation (...) are in many ways perfectly consonant and consistent with emerging forms of public service delivery which aim at enhancing customer choice and strengthening the position of the citizen vis-à-vis the public sector. Thus, they could be seen as an attempt by government to develop new forms of citizen involvement in politics and policy making (that is, in policy input matters) at the same time as public services (policy output) are becoming less standardized and more customer attuned” (Pierre, 1998: 138).

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No levantamento de realizações da Reforma do Aparelho do Estado no Brasil, objeto deste texto, será dada ênfase às práticas voltadas para a reorientação das ações para o usuário-cidadão dos serviços públicos e ao mecanismo de controle social previsto no projeto das Organizações Sociais, pois ele é explicitamente associado no texto do Plano Diretor ao tema da participação.

Serão apresentadas, a seguir, realizações do governo federal volta-das para a reorientação volta-das ações na direção do usuário-cidadão dos serviços públicos e para a implementação do controle social previsto no projeto das Organizações Sociais.

Ações voltadas para o usuário-cidadão

dos serviços públicos

A reorientação das ações do governo federal para o usuário-cidadão dos serviços públicos envolveu iniciativas tanto centralizadas, do órgão responsável pela condução da Reforma do Aparelho do Estado,4

quanto ações descentralizadas, implantadas em unidades de diversas instituições públicas.

Dentre as iniciativas adotadas pelo órgão responsável pela condução da Reforma do Aparelho do Estado podem ser destacadas:

criação das Centrais de Atendimento, incorporadas posterior-mente no Projeto Atendimento Integrado, visando incentivar a implantação de unidades integradas de atendimento, que reúnem, em um único local, representações de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, funcionando de forma articulada e contando com servidores especialmente treinados para atender o público. Tais unidades encon-tram-se implantadas em diversos Estados da Federação, entre eles, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão etc.

realização da 1a Pesquisa Nacional de Satisfação do Usuário

dos Serviços Públicos com o objetivo de aferir a percepção do cidadão

brasileiro, usuário direto ou potencial, sobre a qualidade dos serviços públicos nos setores educação, saúde e previdência social, com base na experiência concreta de uso. Foram consideradas cinco dimensões da qualidade em serviço, que agregam os vários atributos envolvidos no processo de prestação de serviços: processo, prestabilidade, confiabilidade, empatia e aspectos tangíveis.5 Com a pesquisa, o governo federal pretende

ter uma primeira referência da percepção do usuário sobre o serviço público que permitirá a construção de um indicador nacional médio de satisfação. O resultado da primeira pesquisa representa apenas um parâmetro; pretende-se promover e incentivar as melhorias necessárias a serem alcançadas de forma progressiva nos próximos anos.

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Decreto do Sistema Nacional de Avaliação da Satisfação do

Usuário dos Serviços Públicos (no 3.507, de 13 de junho de 2000), que

dispõe sobre o estabelecimento de padrões de qualidade do atendimento prestado aos cidadãos pelos órgãos e entidades da administração pública federal. Esses padrões deverão ser observados na prestação de todo serviço ao usuário-cidadão, avaliados periodicamente e divulgados ao público. Os padrões de qualidade devem estar relacionados à atenção, respeito e cortesia no tratamento ao usuário, à definição de prioridades para o atendimento, tempo de espera para o atendimento e prazo para o cumprimento dos serviços, mecanismos de comunicação com os usuários, entre outros. Todos os órgãos e entidades públicas federais deverão divulgar os resultados da avaliação de seu desempenho em relação aos padrões de qualidade do atendimento fixados, pelo menos uma vez por ano.

A existência de um sistema nacional e permanente de avaliação, associado à vigência de padrões mínimos, visa estimular a construção de uma consciência crítica por parte dos usuários dos serviços públicos. Considera-se que essas ações combinadas contribuirão para aumentar progressivamente o nível de exigência por melhoria na qualidade dos serviços públicos (Brasil, s/d).

As ações voltadas para o usuário-cidadão no âmbito do órgão responsável pela condução da Reforma do Aparelho do Estado consi-deram o usuário como uma fonte de informações sobre os serviços públicos (1a Pesquisa Nacional), estão voltadas para o aperfeiçoamento do processo

de prestação de informações e serviços públicos (Projeto Atendimento Integrado)6e para o desenvolvimento de padrões obrigatórios para o

atendi-mento ao usuário-cidadão (Sistema Nacional).

Essas ações fazem parte do Programa de Qualidade no Serviço Público7que atua em três grandes eixos: atendimento ao cidadão, avaliação

da satisfação do usuário e incentivo à melhoria da qualidade, os quais dizem respeito ao “aperfeiçoamento das formas de atendimento ao cidadão, orientando a implantação de mecanismos e instrumentos adequados e eficazes que promovam a qualidade no atendimento; a avaliação da satisfação do usuário com os serviços públicos, instrumentalizando as organizações a avaliarem seus resultados por meio da interação com o cidadão; e o incentivo à melhoria do atendimento, mobilizando e prestando assessoria técnica às organizações públicas” (Brasil, 2000).

As iniciativas implementadas no âmbito descentralizado, envolvendo diversas instituições do governo federal voltadas para o usuário-cidadão dos serviços públicos, consideradas neste trabalho, foram coletadas a partir de uma seleção das experiências premiadas no Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal — Prêmio Helio Beltrão, organizado pela ENAP Escola Nacional de Administração Pública, Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão e o Instituto Helio Beltrão.8

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Considera-se que o Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal — Prêmio Helio Beltrão constitui um meio propício para a coleta dessas experiências, uma vez que o foco no usuário tem sido utilizado como critério para a escolha das experiências vencedoras. A utilização do critério foco no usuário como requisito resultou na apresentação para o concurso de diferentes experiências apontando concretamente áreas, tipos de serviço, tecnologias utilizadas, formas de atendimento e evolução dos produtos e serviços públicos oferecidos ao usuário-cidadão. Essas experiências estão mais relacionadas com as dimensões de aperfeiçoa-mento do processo de prestação de serviços para o usuário-cidadão e para ampliação do acesso a informações e serviços públicos.

O conjunto de experiências premiadas com foco no usuário-cidadão em diversas edições do Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal — Prêmio Helio Beltrão, oferece informações sobre como o conceito da administração, com foco no usuário, vem sendo traduzido na prática em experiências concretas de instituições públicas e permite conhecer os avanços e desafios do setor público federal para a melhoria do forneci-mento de produtos, serviços e informações.

Rua (1999), em um texto que analisa as experiências premiadas nas duas primeiras edições do concurso, identifica que a dimensão relativa ao atendimento do usuário-cidadão foi a que apresentou a segunda maior ocorrência de inovações. Segundo a autora, esse fato permite uma ava-liação positiva das mudanças recentes na administração pública:

“Primeiro, porque expressa uma sensibilização ao princípio central do modelo de administração gerencial — o foco no usuário-cidadão. Segundo, porque sugere o início de uma importante mudança comportamental, uma vez que sinaliza no sentido da ruptura do caráter auto-referido típico do modelo de administração burocrática. Terceiro, porque a maioria das inovações nessa dimensão apresenta custos relativamente baixos e resultados imediatos em termos da qualidade dos serviços (eficácia)” (Rua, 1999: 290).

As experiências premiadas no concurso mostram que o foco no usuário foi adotado por diversas instituições, destacando-se a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda; e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), vinculado ao Ministério da Previdência e Assis-tência Social (MPAS).

Os projetos da Secretaria da Receita Federal estão fortemente relacionados à utilização de tecnologia da informação e da Internet para fornecimento de informações e prestação de serviços — disponibilização de programas de Imposto de Renda na Internet e em disquete, prestação de atendimento via e-mail e emissão de certidão negativa de débitos de

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tributos via Internet — embora existam também experiências voltadas à criação de centrais de atendimento ao contribuinte e à melhoria da rotina do atendimento.

No INSS destacam-se as iniciativas de atendimento itinerante em diversos Estados da Federação, verificando-se ainda projetos de Central de Atendimento e a utilização de tecnologia de comunicação (rádio).

No Banco do Nordeste vêm sendo realizadas iniciativas incluindo a criação da Central de Orientação ao Cliente, criação do serviço de agência itinerante para o atendimento de clientes em locais em que não há agências e o redesenho do processo de concessão de crédito com vistas a melhor atender ao cliente.

No Ministério do Trabalho e Emprego criou-se uma central de atendimento telefônica facilitando o acesso às informações e serviços prestados e implantou-se um serviço móvel para o atendimento em bairros periféricos e na zona rural em uma unidade descentralizada.

No Centro Tecnológico Aeroespacial foram adotados dois projetos voltados para a melhoria de rotinas de atendimento: marcação de consultas por telefone para eliminar as filas de espera e a criação de um manual do usuário.

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) apresentou duas experiências voltadas para melhorar o acesso dos cidadãos aos serviços: em um caso, para a solicitação de segunda via de documentos sem que tenham de se locomover ao local de emissão e em outro, para o recebimento de correspondência em áreas urbanas não organizadas com a instalação de caixas postais comunitárias.

Verificam-se também iniciativas isoladas implantadas por unidades específicas. Esse é o caso da Central de Atendimento ao Público da Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), na Paraíba; da central de atendimento para simpli-ficar e agilizar a criação e registro de empresas comerciais e civis do Departamento Nacional de Registro do Comércio; a melhoria do atendi-mento no ambulatório Maria da Glória; a divulgação de previsão do tempo pela Internet, realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); do Projeto Vida no Posto de Assistência Médica do Méier; dos Consulados Itinerantes do Ministério das Relações Exteriores, entre outras. Essa breve descrição das experiências com foco no usuário implementadas permite algumas observações. Existem instituições nas quais o conceito do usuário-cidadão parece estar inserido em uma abordagem mais global. É o caso, sobretudo, da Secretaria da Receita Federal e do INSS. Existem outros casos em que o foco no usuário-cidadão pode ser base para experiências localizadas, aparentando não se inserir em uma estratégia maior.

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A disseminação do projeto Central de Atendimento entre as unidades da Receita Federal mostra como a estratégia global voltada para o usuá-rio-cidadão está sendo implementada na instituição. Em um primeiro mo-mento, a meta previa a implantação da iniciativa nas 82 Delegacias da Receita Federal. Nessas, 47 Centrais de Atendimento estavam em funcio-namento pleno, 18 em funciofuncio-namento parcial e dez em estudos, faltando apenas sete para que fosse atingida a totalidade das Delegacias. Há também Centrais de Atendimento funcionando plenamente em três Inspe-torias e duas Agências, de acordo com informações contidas no projeto apresentado pela Secretaria da Receita Federal em 1995.

As experiências premiadas do INSS mostram que a estratégia global está sendo desenvolvida para além da administração central, em unidades espalhadas no território nacional (Pará, Paraíba, Rondônia, Rio Grande do Sul e Pelotas). Nas unidades descentralizadas do INSS, foram criados postos itinerantes — que incluem a utilização de barcos e trailers — para orientar e regularizar a situação dos contribuintes, implantou-se um serviço móvel com voluntários em shoppings, feiras, exposições etc., para levar atendimento e informações aos usuários e foi desenvolvido um programa de ação, com objetivo de implantar um modelo de atendimento ao cliente, em conjunto com a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV).

Esses projetos se enquadram em um programa mais amplo de melhoria do atendimento, que envolve ações como: ampliação das horas de atendimento, com atendimento ininterrupto; instalação de terminais de auto-atendimento; ampliação da rede de agências e unidades de atendi-mento; ampliação do serviço de teleatendiatendi-mento; qualificação dos servidores para atendimento ao cliente. Foram definidos padrões de dura-ção para diversas modalidades de atendimento, que em alguns casos estão sendo superados na prática, de acordo com o projeto da experiência apre-sentado pelo MPAS em 2000.9

É interessante notar que as duas instituições, em que se pode veri-ficar o desenvolvimento de uma estratégia global de orientação para o usuário-cidadão, têm em suas atividades um componente econômico: tratam-se de duas instituições arrecadadoras de receitas públicas (Secre-taria da Receita Federal e INSS). Entretanto, no que se refere ao INSS, as iniciativas analisadas mostram também um esforço de melhorar o serviço no sentido de ampliar o acesso aos recursos públicos garantindo a sua disponibilização àqueles que têm direito. Essas iniciativas merecem ser destacadas tendo em vista que grande parte dos usuários dos serviços da instituição pode ser classificada como cliente cativo, com possibilidades limitadas de escolha por prestadores de serviços alternativos.10

Com relação ao conteúdo das experiências, as iniciativas premiadas nas várias edições do Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal

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— Prêmio Helio Beltrão, voltadas diretamente para prestação de serviços aos usuários-cidadãos, com qualidade e eficiência, podem ser agrupadas em quatro categorias:11

as Centrais de Atendimento, que oferecem informações, inte-gração de serviços em “guichê único”, atendimento direcionado às necessidades dos usuários e, principalmente, atendimento conclusivo, ou seja, todo o processo — da demanda em relação ao produto ou serviço à obtenção do resultado — realiza-se em um único lugar e no menor tempo possível;

o atendimento itinerante, que se refere à prestação de serviços e informações a segmentos de usuários, evitando o seu deslocamento para obtenção do serviço demandado. Inclui o atendimento dos usuários em suas próprias comunidades, bem como a viabilização de meios de acesso a serviços prestados em locais distantes. Nesse processo são pres-tados esclarecimentos e informações, atendimento às necessidades locais, bem como serviços;

utilização de tecnologias de informação para prestação de infor-mações/serviços ao usuário-cidadão (serviços informatizados online, Internet, serviços que usam o sistema de telefonia e outros meios de comunicação como o rádio);

experiências voltadas para a revisão de processos tradicionais de atendimento aos usuários-cidadãos visando garantir maior agilidade e menor tempo de espera.

Cabe observar que a prestação de serviços públicos por meio de

Centrais de Atendimento segue a tendência internacional do uso do one-stop model, ou seja, atendimento generalista em balcões ou quiosques promovendo o reagrupamento dos serviços públicos ou do fornecimento de informações. A implantação desse modelo de serviço está sendo incen-tivada pelo Projeto Atendimento Integrado desenvolvido pela Secretaria de Gestão, mencionado anteriormente.

Os projetos de atendimento itinerante e os processos de melhoria da prestação de serviços com o uso de tecnologias de informação, por sua vez, procuram equacionar o problema da viabilização do acesso aos cidadãos à prestação de serviços públicos.

No entanto, embora o objetivo dessas duas formas de implantar o foco no usuário seja o de aumentar o acesso a informações e serviços públicos, elas se diferenciam na medida em que o acesso garantido com a utilização de tecnologias de informação envolve experiências em que a prestação de serviços e a disponibilização de informações têm como pré-requisito o acesso prévio por parte do usuário aos suportes necessá-rios à obtenção dos serviços: micro-computadores conectados à Internet, acesso a linhas telefônicas, fax etc.

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Já a prestação de serviços por meio de atendimento itinerante objetiva levar atendimento público — disponibilizando um determinado serviço ou conjunto de serviços — até os usuários-cidadãos que se encon-tram excluídos da prestação regular de serviços por morarem distantes dos centros fornecedores ou tendo dificuldade para se locomover até o local da prestação de serviços. Inclui iniciativas que levam a prestação do serviço ou informação até a comunidade ou evitam a necessidade de deslocamento para o acesso aos serviços. O serviço é levado aos usuários-cidadãos com os suportes tecnológicos (computadores, fax, Internet, arquivos, bancos de dados) necessários para viabilizar o atendimento. Esse tipo de experiência, além de prestar serviços voltados para as neces-sidades dos usuários, tem como foco a garantia do acesso aos serviços de maneira eqüitativa a todos os cidadãos demandantes, o que ressalta o seu caráter democratizante.12

Os projetos voltados para a melhoria dos processos tradicionais

de atendimento ao público incluem iniciativas voltadas para aperfeiçoar

rotinas relacionadas ao atendimento: processo de triagem e encami-nhamento do usuário-cidadão, gestão de filas, marcação de consultas por telefone, definição de parâmetros de atendimento etc. Essas experiências objetivam reduzir o tempo de espera e de atendimento, diminuir e/ou eliminar as filas. Os requisitos mínimos de atendimento ao público que devem ser estabelecidos pelas instituições públicas de que trata o decreto no 3.507, de 2000, referem-se, sobretudo, a esse tipo de aperfeiçoamento

de serviço.

Chama a atenção o fato de os Ministérios da Educação e da Saúde não estarem entre as instituições que se destacam em projetos premiados voltados para o usuário-cidadão, uma vez que nessas duas áreas, conside-radas sociais por excelência, concentram-se atividades voltadas para a prestação de serviços públicos diretamente ao usuário-cidadão, especial-mente aos de baixa renda.

Entretanto, diversas iniciativas que contribuem direta ou indireta-mente para a qualidade do serviço prestado ao usuário-cidadão foram apresentadas por instituições que atuam nas áreas de educação e saúde e premiadas no concurso.13 No caso do Ministério da Educação ressaltam

os exames nacionais do ensino básico e de cursos de nível superior, que representam uma forma alternativa de avaliar a qualidade da prestação do serviço, a partir dos seus resultados concretos e não diretamente consi-derando o grau de satisfação do usuário-cidadão.

Os resultados da 1a Pesquisa Nacional de Avaliação da Satisfação

dos Usuários do Serviço Público mostram que nas áreas de educação, saúde e previdência encontram-se situações diversas no que se refere à satisfa-ção dos usuários-cidadãos. Dentre os três serviços públicos pesquisados, o de educação pública de 1o e 2o graus foi considerado o mais satisfatório,

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com taxa de satisfação de 78,5%, enquanto que o setor saúde foi consi-derado o menos satisfatório, com taxa de satisfação de 64,3%.14

É interessante notar que na área de educação a avaliação mais baixa (64,4%) foi dada a uma característica ‘segurança dentro da escola, evitando violência’ que não está diretamente relacionada com a prestação do serviço de ensino. Já no setor saúde, as dimensões do serviço ‘agilidade no atendimento’ e ‘garantia de acesso/processo de execução do serviço’, ambas relacionadas de forma estreita ao atendimento ao usuário-cidadão, foram as que receberam as menores avaliações, não excedendo 61%. Já nos serviços da Previdência Social, de competência exclusiva do MPAS e do INSS, a taxa de satisfação ficou em 72,5%. No entanto, a dimensão ‘agilidade no atendimento’ obteve a menor taxa de satisfação (64,1%), a despeito das diversas iniciativas implementadas por essas instituições voltadas para a melhoria do atendimento, descritas anteriormente.

Finalmente, são dignas de menção as iniciativas da Secretaria da Receita Federal, embora essas se situem no grupo de ações que tem como requisito o acesso à tecnologia por parte do usuário-cidadão, apresen-tando, por essa razão, um componente de relativa exclusão. Para o equacionamento desta questão, o processo tem que ser complementado por iniciativas que induzam a participação dos grupos cujo acesso seria mais custoso, como, por exemplo, a construção de postos de serviço onde se ofereça amplo acesso à Internet. “O estabelecimento de lugares públicos, tais como quiosques, onde a população possa fazer consultas aos web sites governamentais pode ser uma forma de garantir o acesso universal à nova tecnologia” (Ferreira e Araújo, 2000).15

Controle social nas

Organizações Sociais

O mecanismo de controle social previsto no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado refere-se à participação das entidades representativas da sociedade civil no conselho de administração de enti-dades prestadoras de serviços públicos não-exclusivos do Estado, quali-ficadas como Organizações Sociais.

As Organizações Sociais constituem uma forma institucional pensada para o setor de serviços que não pressupõem o poder do Estado,16

mas no qual a presença do Estado se justifica porque dizem respeito a direitos humanos fundamentais ou geram “economias externas”, tais como as áreas de ensino, pesquisa científica e tecnológica, preservação do meio ambiente, cultura e saúde. A prestação dos serviços é descentralizada por meio de um processo denominado “publicização” para entidades de propriedade pública não-estatal17, denominadas Organizações Sociais.

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O instrumento de controle social previsto no projeto dessas organi-zações refere-se à participação de entidades representativas da sociedade civil no seu conselho de administração.18 No contexto de direcionar as

ações da administração pública para o usuário-cidadão dos serviços públicos, esse instrumento de controle social pode ser entendido como uma forma de viabilizar o controle dos burocratas públicos pelos cidadãos, de forma a garantir eficiência na prestação de serviços. Utilizando a abordagem do principal-agente, Przeworski (1996) afirma que a ausência de controle dos burocratas gera ineficiência na implementação de polí-ticas públicas sendo essa falta de controle resultado, entre outros, da inexistência de informações sobre o desempenho dos burocratas.19

“Mas os cidadãos, para os quais os serviços públicos são prestados, têm informações sobre o desempenho dos burocratas na implementação de políticas públicas que podem ser utilizadas pelos políticos (...). Com base nas informações dos usuários dos serviços públicos, os burocratas podem ser controlados pelos políticos” (Nassuno, 1999).

O conselho de administração das Organizações Sociais deverá ser composto por 20% a 40% de membros natos representantes do poder público; 20% a 30% de membros natos representantes de entidades da sociedade civil; até 10%, no caso de associação civil, de membros eleitos dentre os membros ou associados; 10% a 30% de membros eleitos pelos demais integrantes do conselho, dentre pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral; e até 10% de membros indi-cados ou eleitos na forma estabelecida pelo estatuto.

O processo de implantação das Organizações Sociais foi iniciado com a edição da medida provisória no 1.591, de 26 de outubro de 1997,

posteriormente convertida na lei no 9.637, de 15 de maio de 1998,

estabe-lecendo o marco legal do projeto e dispondo sobre a qualificação de enti-dades como Organizações Sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção do Laboratório Nacional de Luz Síncroton e da Fundação Roquete Pinto e a absorção de suas atividades por Organi-zações Sociais.

Atualmente, três organizações estão funcionando no governo fede-ral: a Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncroton (ABTLuS); a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP) e a Bio-amazônia. Adicionalmente, existem ainda mais quatro instituições na área de Ciência e Tecnologia que querem se transformar em Organizações Sociais. A parte legal está sendo preparada com esse objetivo.

De acordo com a avaliação da Secretaria de Gestão, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que passou a ser responsável pelo projeto, a partir de 1999, duas organizações funcionam bem:

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“(...) uma era um laboratório pequeno, bem organizado e administrado, cujo funcionamento foi potencializado ao ser transformado em instituição privada. Contrata sem concurso público e tem um sistema interno de avaliação, de compras, de auditoria e assim por diante. A outra é uma instituição criada para gerir um programa na Amazônia, a Bio-amazônia, que pesquisa material naquela região e é uma experiência nova” (Brasil, 2000: 36). A ACERP enfrenta dificuldades que não têm a ver com o modelo e sim problemas administrativos existentes na instituição que lhe deu origem, a antiga TVE, Fundação Roquete Pinto. Por essa razão, a dele-gação de autonomia foi feita com muitas ressalvas (Brasil, 2000).

De acordo com seu estatuto, a ABTLuS tem por missão realizar pesquisa e desenvolvimento e formação de recursos humanos qualificados em Ciência e Tecnologia, em particular na área de aceleradores de partí-culas e suas técnicas de projeto e construção; projetar e construir fontes de luz síncrotron, seu instrumental científico e desenvolver suas aplicações em pesquisa básica e tecnológica, nos setores industrial e agro-industrial, no setor saúde e em áreas correlatas de tecnologia de ponta; desenvolver, gerar bens e/ou licenciar, para fabricação por terceiros, produtos e serviços de alta tecnologia; importar e/ou exportar materiais, componentes e equipa-mentos nas suas áreas de atuação, para o cumprimento de sua missão; colaborar com instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento nacionais e internacionais no cumprimento de sua missão; cooperar com a iniciativa privada em atividades de pesquisa e desenvolvimento; e incentivar a incubação e realizar a implantação de novas empresas de alta tecnologia.

A Bio-amazônia tem por objetivo colaborar com a implementação do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o uso sustentável da biodiversidade da Amazônia (PROBEM/Amazônia), visando o desenvol-vimento integrado da biotecnologia na Amazônia por meio da operação de uma rede nacional voltada para a bioprospecção e o apoio ao desen-volvimento de atividades industriais baseadas na região amazônica.

A ACERP tem por finalidade promover a educação, a cultura brasileira, o debate nacional, a formação profissional, por meio, inclu-sive, da operação dos canais de radiodifusão de sons e imagens, das tecnologias informacionais disponíveis, que permitam apoiar as políticas públicas. Pode prestar apoio cultural de instituições públicas e privadas a programas educativos de radiodifusão, bem como comercializar seus produtos e serviços.

Nas Organizações Sociais existentes, a participação das entidades representativas da sociedade civil está prevista no respectivo estatuto, conforme quadro a seguir:

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No que se refere à participação da sociedade, o Conselho de Admi-nistração da ABTLuS tem dois membros das entidades representativas dos interesses da comunidade científica (Academia Brasileira de Ciências e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e um membro da entidade representativa dos interesses do setor industrial.

O controle social é exercido no Conselho de Administração da Bio-amazônia por três membros representando interesses do empresariado, um de abrangência nacional, o outro de âmbito regional e outro ligado às micro e pequenas empresas; e dois membros de entidades representativas dos interesses da comunidade científica, um de âmbito nacional e outro de âmbito regional.

As entidades representativas da sociedade civil que participam do Conselho de Administração da ACERP são: uma entidade representativa dos interesses das empresas do setor de rádio e televisão e duas enti-dades que não representam interesses de setores ou grupos específicos, mas, mais propriamente, representam causas comuns (a literatura/cultura brasileira e a liberdade de imprensa).

Considerando-se a finalidade e a missão das Organizações Sociais existentes: formação de recursos humanos e realização de pesquisa básica e tecnológica nos setores industrial e agroindustrial, no setor saúde e em áreas correlatas de tecnologia de ponta (ABTLuS); o desenvolvimento integrado da biotecnologia na Amazônia e o apoio ao desenvolvimento de atividades industriais baseadas na região amazônica (Bio-amazônia), pode-se dizer que as atividades das Organizações Sociais criadas concen-tram-se na área de pesquisa científica e tecnológica, na qual o usuário-cidadão não é o público-alvo preferencial das ações, ao contrário das instituições da área de educação e saúde. Essas instituições não estão diretamente relacionadas a serviços a serem usufruídos pelo usuário-cidadão convencionalmente considerado.

No caso da ACERP, a justificativa para que o Estado promova atividades de rádio e televisão é justamente a de oferecer ao usuário-cidadão um produto — a educação, a cultura brasileira, o debate nacional, a formação profissional — diferenciado daquele oferecido pelo setor comercial de rádio e televisão, que, em princípio, oferece os bens culturais que o consumidor deseja. Sendo assim, as atuais entidades representa-tivas da sociedade civil, membros do conselho de administração, que detém conhecimento e expertise específicos, podem contribuir mais efetivamente para a produção de bens culturais mais elaborados.

As peculiaridades das atividades desenvolvidas pelas Organizações Sociais existentes refletem-se nas entidades representativas de interesses da sociedade civil que participam dos respectivos conselhos de adminis-tração. São, de maneira geral, representantes da comunidade científica ou representantes do setor empresarial. São grupos cuja relação com a

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instituição não é apenas a de um mero usuário. Representam stakeholders com interesses mais abrangentes relacionados à missão e objetivos da organização e não apenas ao consumo de seus produtos. Pode-se dizer que as instituições que participam do conselho como entidades representa-tivas da sociedade civil são aquelas que podem contribuir com informações técnicas e experiências qualificadas para que a organização realize os seus objetivos.

Essa visão é reforçada quando se consideram as competências que o conselho de administração dessas instituições exercem. Elas se referem basicamente a definir políticas, diretrizes, estratégias para as atividades, aprovar documentos de gestão (contrato de gestão, proposta orçamentária etc.) além de normas e regulamentos internos às organiza-ções, para cuja consideração são necessários conhecimentos específicos.

Avanços e desafios à direção adotada

O direcionamento das ações da administração pública brasileira para o usuário-cidadão está presente no texto do Plano Diretor nos disposi-tivos que identificam o cidadão como o cliente dos serviços públicos e na previsão de um mecanismo de controle social — a participação de entidades representativas da sociedade civil no conselho de administração das Organizações Sociais.

As realizações da Reforma do Aparelho do Estado voltadas para a dimensão usuário-cidadão apresentadas neste texto e implementadas, tanto centralmente quanto no âmbito de instituições específicas, apontam para algumas direções. As ações com foco no usuário-cidadão visam:

obter informações sobre os serviços públicos;

o aperfeiçoamento do processo de prestação de serviços públicos;

a melhoria da qualidade do serviço com a incorporação de requisitos relativos a atendimento ao usuário-cidadão;

aumentar o acesso dos cidadãos a informações e serviços públicos, embora em alguns casos com um caráter relativamente excludente; e

aperfeiçoamento do processo de definição de diretrizes e estra-tégias institucionais com a incorporação de atores com conhecimento e experiência específicos.

As iniciativas adotadas pelo órgão central do governo federal respon-sável pela condução da reforma são integrantes de um programa de qualidade, contribuindo para dar uma orientação única para ações com foco no usuário-cidadão implementadas descentralizadamente pelas instituições públicas. As experiências premiadas no Concurso de Inovações mostram que a difusão do conceito usuário-cidadão não ocorre de modo uniforme, havendo situações nas quais é incorporada como uma estra-tégia organizacional mais ampla, enquanto que em outras se verifica apenas

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a ocorrência de projetos isolados. Para que esses casos isolados se desenvolvam em estratégias institucionais mais amplas e globais, as ações adotadas em nível centralizado podem representar uma importante contri-buição, na medida em que dão uma direção única a ser seguida pelas diversas instituições.

A literatura aponta alguns desafios à implementação da adminis-tração com foco no usuário-cidadão. Em primeiro lugar, no que se refere à utilização de informações dos usuários sobre os serviços públicos, men-ciona-se que a avaliação pode ser baseada em uma percepção que não necessariamente corresponde à realidade, associada ao contexto social no qual os serviços são prestados e experiências passadas.

“User evaluations are thus liable to a dual distortion, firstly from the impact of influences beyond those being evaluated, and secondly from the initial level of aspirations of the users who are part of the evaluation” (Knox e Mcalister, 1995: 419). Usuários para os quais historicamente são oferecidos serviços de baixo nível, terão expectativas baixas a respeito dos serviços e ficarão satisfeitos com padrões que seriam inaceitáveis em outros contextos.

Em segundo lugar, outro item complexo apontado na literatura refere-se à definição de quem são os usuários dos serviços públicos específicos. É apontada a necessidade de se definir o usuário como uma entidade passível de ser pesquisada. O equacionamento desse problema inclui não apenas identificar aqueles que usam os serviços, mas também descobrir se esses usuários, como grupo, podem oferecer uma contri-buição significativa para o serviço. A generalização pode ser problemática se os envolvidos representam um grupo muito restrito de indivíduos. A coesão do grupo pode ser assim uma consideração-chave na definição de uma amostra representativa da visão dos usuários dos serviços prestados.

No caso da prestação dos serviços públicos, o usuário mais óbvio é aquele que diretamente usufrui o serviço, mas além dele existem usuários potenciais e futuros com diferentes graus de interesse no serviço.2 3

A aceitação acrítica dos desejos dos usuários atuais pode ignorar os interesses de usuários futuros ou potenciais cujas decisões deverão ser influenciadas pelo serviço atualmente prestado. Segundo alguns autores, a utilização de informações sobre a satisfação dos usuários não deve subs-tituir a discussão pública a respeito do desenvolvimento dos serviços públicos. “While quality of service can be improved by taking account of the wishes of users, there is still need for a strategic vision of how each service should develop in the future. Without such a vision, stakeholders (including consumers) have no precise focus for discussion of their expectations of the service” (Younis et al, 1996: 380).

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Em terceiro lugar, considerando que as avaliações dos usuários devem não apenas ser utilizadas para monitorar o seu grau de satisfação, mas, sobretudo, para o aperfeiçoamento dos serviços públicos (Dinsdale e Marson, 1999), embora a 1a Pesquisa Nacional represente uma

expe-riência pioneira, precisa ser complementada por avaliações mais especí-ficas das instituições e serviços envolvidos. Isso se aplica, em especial, aos serviços de educação e saúde que são prestados por diversas organi-zações públicas federais, estaduais e municipais e, sendo os resultados da pesquisa agregados, torna-se difícil apropriá-los para a melhoria das atividades das organizações individualmente.

Adicionalmente, segundo Gilbert et al (1998), indicadores de satisfação do usuário são adequados para a medir a eficácia institucional quando a agência governamental atende a usuários que têm liberdade de escolha entre diversos prestadores de serviços. Para instituições que aten-dem usuários cativos que não têm fornecedores alternativos a escolher — como é o caso das relacionadas a serviços previdenciários — devem ser incorporados indicadores alternativos, tais como a qualidade dos serviços prestados em termos de assegurar os direitos individuais.24

Em quarto lugar, existe a ressalva de que a administração com foco no usuário é uma estratégia que carrega princípios de mercado pouco adaptados ao setor público. Se para o setor privado, que valoriza o lucro, faz sentido criar diferenças entre os clientes, essas são inadimissíveis no setor público, em que a igualdade é um princípio essencial (Coutinho, 2000). Nesse sentido, os cidadãos sendo ou não usuários de serviços públicos específicos, são integrantes de uma comunidade e portadores de direitos e deveres. Ao contrário dos clientes do setor privado, freqüente-mente não podem escolher um serviço alternativo, caso estejam insatisfeitos com o serviço prestado pelo setor público. As instituições públicas não atendem somente aos usuários diretos, mas preservam os direitos de todos os cidadãos, devendo equacionar os conflitos potenciais entre a satis-fação dos usuários específicos e a proteção dos interesses de toda a comunidade ou cidadãos de um país (CCSN/CCMD, 1999).

A despeito desses desafios, é importante mencionar que a identi-ficação do cidadão como usuário preferencial da administração pública representa um avanço em diversos aspectos. Em primeiro lugar, tem uma interface importante com a dimensão da relação entre o Estado e a socie-dade, na medida em que se parte do conceito de cidadania como um conjunto de direitos, associando o desenvolvimento da cidadania a um processo de conquista e expansão dos direitos do cidadão, iniciado com a afirmação dos direitos civis e que inclui o usufruto dos serviços asso-ciados aos direitos sociais. Segundo Wanderley Reis (1990), o aspecto da provisão de serviços públicos não deve ser desconsiderado:

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“Temos de fazer clientes reais para que possamos esperar ter

cidadãos em sentido pleno, capazes não só de expressar a autonomia

que diz respeito especialmente aos direitos civis e políticos da cidadania, mas também de eventualmente exibir virtudes cívicas e exercer as responsabilidades que a concepção normativa da cidadania vê como o anverso daqueles direitos” (Wanderley Reis, 1990: 188).

A visão de que a melhoria da prestação de serviços públicos con-tribui para o fortalecimento da cidadania é confirmada por Rua (1999). Segundo a autora, a simplificação de procedimentos e a restruturação de processos de trabalho com vistas a melhorar o atendimento ao usuário-cidadão corrigem a situação na qual “a presença de irracionalidades nos procedimentos cria espaço para privilégios e relações de clientela e de favor”, introduzindo assimetrias no tratamento ao cidadão:

“E, mesmo que não haja relações personalizadas de privilégio, procedimentos pesados aumentam os custos de oportunidade de forma diferenciada conforme os cidadãos, gerando desigualdades no acesso aos bens públicos e fragilizando o exercício da cidadania” (Rua, 1999: 290).

Em segundo lugar, cabe ressaltar que os projetos inovadores de

atendimento itinerante, ao orientarem ações para o usuário-cidadão

afastado dos centros prestadores de serviços, propiciam uma equalização do acesso, contribuindo para reduzir as diferenças no tratamento dos cidadãos e relativizando a crítica geral feita ao foco no usuário-cidadão de que contrariaria o princípio da igualdade que norteia as ações públicas. Em terceiro lugar, a inclusão dos eixos atendimento ao cidadão e avaliação da satisfação do cidadão no Programa de Qualidade no Serviço Público pode contribuir para parametrizar as iniciativas com foco no cliente implementadas descentralizadamente nos programas de qualidades das várias instituições. Essa orientação única pode incentivar a concentração de esforços institucionais na adoção de iniciativas para o usuário-cidadão com as características das ações preconizadas centralmente, conferindo-lhes maior importância e abrangência.

Em quarto lugar, embora a utilização do foco no usuário-cidadão na administração pública seja recente e relativamente pouco desenvol-vida, Myers e Lacey (1996: 346) avaliam que o conceito tem um potencial considerável para melhorar a qualidade dos serviços públicos e forta-lecer instituições governamentais. Segundo os autores, um sistema efetivo de atendimento às queixas dos cidadãos pode aumentar a accountability do governo; serviços para os usuários podem vincular o público em geral aos esforços de reforma do setor público e dar uma conotação positiva ao processo que é geralmente associado a

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RSP downsizing; se apoiado por maior transparência e uma separação

cla-ra da responsabilidade sobre a política e sobre a regulação, um arcla-ranjo bem desenhado de orientação para o cliente pode ajudar a enfraquecer as conexões entre o governo e grupos de interesse influentes e permitir aos governos responder de forma mais efetiva aos grupos mais vulne-ráveis da sociedade; informações sobre os usuários ao possibilitar o conhecimento em detalhe das necessidades de diferentes comunidades pode apoiar o desenho e implantação de mudanças.

Finalmente, é importante destacar também que alguns autores consi-deram a orientação para o usuário em programas de qualidade um requisito necessário para os governos no atual contexto de crescentes demandas e restrição de recursos. As ferramentas de qualidade não podem ser igno-radas pelo setor público tendo em vista o aumento das expectativas dos cidadãos no que diz respeito à amplitude e qualidade dos serviços. Younis et al apontam fatores que justificam a aplicação de estratégias voltadas para a melhoria da qualidade no setor público e as respectivas ferramentas como forma de melhorar a efetividade, a competitividade e a flexibilidade, uma vez que existem aspectos comuns de gestão entre o setor público e privado a despeito de o primeiro ter especificidades:

“[W]hatever the political philosophy, public sector services are no longer being taken for granted. Their purpose and operations are becoming subject to rigorous review by both politicians and consumers” (Younis et al, 1996: 373).25

No que se refere ao mecanismo de controle social das Organi-zações Sociais, percebe-se que nas instituições existentes foram escolhidas entidades representativas de interesses da sociedade civil que representam stakeholders com interesses mais amplos relacionados à missão e objetivos da instituição. Podem contribuir com conhecimentos, informações técnicas e experiências qualificadas para que a organização realize os seus objetivos. Tratam-se, na maioria das vezes de representantes de profissionais que atuam na área de competência da organização ou representantes do setor empresarial. O fato de as atividades dessas insti-tuições não se referirem a serviços a serem usufruídos diretamente pelo usuário-cidadão convencionalmente considerado pode explicar a escolha desses membros no conselho de administração.

A definição de que as entidades devem participar do conselho de administração das Organizações Sociais é complexa. No entanto, o requisito de domínio profissional para a participação no conselho dessas organi-zações existentes pode reduzir a abrangência dessa participação. Embora, no caso das Organizações Sociais existentes, a especificidade das atividades realizadas por essas instituições justifique o requisito do

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conhecimento técnico para a escolha das entidades representativas da sociedade civil que participam do conselho de administração.

A ênfase na participação desses atores de elite na gestão das Orga-nizações Sociais no sentido de fornecer conhecimento profissional e expertise coloca algumas questões. Como esses atores são aqueles poten-cialmente afetados pelas ações da instituição, existe o risco que usem sua influência no sentido de privilegiar os próprios interesses, reduzindo a possibilidade de formulação de uma política efetiva e apropriada:

“Also, non-governmental policy experts (...) will normally also make their assessment of the policy problem and whether indeed governmental action is the best way of resolving it” (Pierre, 1998: 149).26

Por outro lado, o dispositivo proposto no projeto das Organizações Sociais se inclui entre os mecanismos que os consumidores podem utilizar para chamar a atenção dos administradores sobre qualidade dos produtos e serviços sob a forma de voice, segundo a concepção de Hirschman (1970), pois inclui a possibilidade de envolver grupos de consumidores e a sua pressão sobre os prestadores de serviços de forma a assegurar a qualidade.

Além disso, a participação de entidades da sociedade civil em organizações prestadoras de serviços públicos, tal como previsto no projeto das Organizações Sociais pode ser, segundo Zifcak (2000), um instru-mento para se promover deliberação administrativa.27 Esse autor procura

definir algumas medidas que podem aumentar a deliberação administrativa entre o serviço público e os controladores independentes, entre elas, a previsão da participação de grupos de interesse e cidadãos nos conselhos administrativos de agências prestadoras de serviços público. Parte do con-ceito de democracia, no qual se enfatiza a necessidade do estabelecimento de certas pré-condições procedimentais para a efetiva deliberação democrática28, e utiliza o conceito de contestability — a possibilidade de

contestar permanentemente o poder — como requisito para a proteção da interferência arbitrária.

“As executive agencies and non-government organizations will have a direct relationship with and responsibility to their clientele, active consideration should be given to the establishment of consumer councils with whom agency officials should be required to consult regularly with respect to the nature, standard, quality and price of the service being delivered. Similarly, many such agencies and organizations will have their own boards of management. Membership of such boards might usefully be expanded to permit interested organizations, interest groups and citizens to play their part in board deliberation” (Zifcak, 2000: 271).

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De acordo com Zifcak (2000), a previsão da participação de enti-dades da sociedade civil no conselho administrativo das Organizações Sociais é um dos instrumentos que pode ampliar a deliberação administra-tiva propiciando a abertura de espaços no interior do Estado para a incorpo-ração de outras perspectivas, cuja consideincorpo-ração se faz necessária para o equacionamento dos desafios colocados para a administração pública.29

Comentários finais

O texto tratou das iniciativas adotadas tanto em nível central quanto no âmbito de instituições específicas voltadas para o usuário-cidadão, considerando as diretrizes gerais estabelecidas no Plano Diretor: definição do cidadão como cliente dos serviços públicos e destaque da importância do controle social. As realizações mostram que as ações com foco no usuário-cidadão estão voltadas para a obtenção de informações sobre os serviços públicos; para o aperfeiçoamento do processo de prestação desses serviços; a melhoria da qualidade do serviço prestado incorporando requisitos relativos a atendimento ao usuário-cidadão; para o aumento do acesso dos cidadãos a informações e serviços públicos e incorporação de conhecimento e experiência no processo de definição de políticas e estra-tégias institucionais.

A adoção do foco no usuário-cidadão apresenta desafios relacio-nados à definição de quem são os usuários, o risco de a sua percepção sobre os serviços públicos ser enviesada e insuficiente para o desenvolvi-mento desses serviços, a necessidade de obter informações que possibilitem a melhoria dos serviços públicos e o fato de que o conceito de usuário pode embutir o princípio de diferenciação que é incompatível com o setor público. Por outro lado, na medida em que considera a questão da quali-dade e do aumento do acesso à prestação de serviços públicos, o foco no usuário pode fortalecer a dimensão da cidadania associada ao usufruto de serviços correspondentes aos direitos sociais. Os projetos de atendi-mento itinerante apresentados representam um exemplo de como essa estratégia pode levar a uma segmentação que não é necessariamente excludente. Adicionalmente, iniciativas voltadas para o usuário-cidadão podem aumentar a accountability do governo, ajudar a enfraquecer relações perversas entre o governo e grupos de interesse influentes, for-necer informações detalhadas sobre comunidades específicas e grupos mais vulneráveis da sociedade, além de contribuírem para equacionar as pressões crescentes dos cidadãos para a melhoria dos serviços públicos. Além disso, a definição do cidadão como cliente dos serviços públicos pode ser associada a um conceito de cidadania e o mecanismo de controle social das Organizações Sociais representa a abertura de um espaço no interior do Estado para a incorporação de outras perspectivas

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para a deliberação administrativa, podendo constituir contribuições no sentido de aperfeiçoamento da interface entre Estado-sociedade.

No entanto, as ações iniciadas não são suficientes se retomarmos o diagnóstico da crise do Estado. O conceito de cidadania implícito na definição do cidadão como cliente da administração pública enfatiza a dimensão individual desse conceito, o do cidadão enquanto consumidor de bens e serviços. No entanto, o diagnóstico da crise do Estado aponta para a necessidade também de se fortalecer a cidadania nos seus aspectos coletivos. E, nesse sentido, as realizações precisam ser complementadas por outras ações voltadas para a constituição e o fortalecimento de outras instâncias de participação que contribuam para a consolidação de uma cidadania. Uma cidadania que implique o reconhecimento pelo indivíduo da legitimidade do Estado independentemente da provisão dos bens corres-pondentes aos direitos sociais, entendida como a integração a uma comu-nidade, que define a identidade do cidadão e a ele associa um conjunto de responsabilidades e deveres, e que dele exige um comportamento respon-sável. O projeto das Organizações Sociais apresenta avanços, no sentido da abertura de canais de comunicação com a sociedade no interior de instituições prestadoras de serviços públicos. No entanto, até pelo seu reduzido número e por características específicas das atividades realizadas pelas Organizações Sociais existentes, essa iniciativa precisa ser aprofundada tanto nas realizações quanto na compreensão dos diversos aspectos envolvidos.

Notas

1 Este texto é uma versão revista e ampliada do paper apresentado no V Congresso do

Centro Latino Americano da Administração para o Desenvolvimento (CLAD). A autora agradece a Regina Silvia Viotto Pacheco pelas sugestões e comentários.

2 Hood et al (1996) afirmam que embora o tema da orientação da administração pública

para o cliente esteja em evidência nos processos atuais de reforma do setor público, não existe uma maneira única de realizá-lo. Considerando as dimensões ‘grau de participação’ (que varia de manipulação para controle dos cidadãos) e ‘influência do cidadão’ (que varia de acesso a representação) identificam 16 diferentes tipos de ações orientadas para os usuários-cidadãos dos serviços públicos.

3 O referencial da qualidade dos serviços públicos foi incorporado pioneiramente pelo

governo britânico desde a metade da década de 80 como resposta às críticas contra a ênfase na eficiência em detrimento da efetividade na prestação de serviços. Nas empresas privadas, a adoção da abordagem da administração da qualidade total foi resultado do aumento da concorrência e do nível de exigência dos consumidores. No setor público, “[a] introdução da perspectiva da qualidade surgiu quase no mesmo momento em que a administração pública voltava suas atenções aos clientes/consumidores” (Abrucio, 1997: 20).

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4 O Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) até 1999 e o

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão nos anos subseqüentes.

5 Processo refere-se à percepção do usuário quanto à capacidade da organização em atender

aos requisitos estabelecidos para os serviços, ou seja, cumprir com o que foi prometido; prestabilidade refere-se à percepção do usuário quanto à capacidade da organização em prestar bons serviços em tempo hábil; confiabilidade relaciona-se com fatores vinculados à imagem de credibilidade, competência e segurança da organização; empatia refere-se à percepção do usuário quanto ao cuidado e atenção individualizada que a organização disponibiliza; aspectos tangíveis referem-se aos aspectos visíveis dos serviços (Brasil, s/d).

6 Esse modo de prestação de serviços cumpre basicamente três funções: 1) melhorar o

acesso aos serviços públicos em geral; 2) aumentar a comodidade na prestação de serviços em centros que oferecem, em um mesmo lugar, a totalidade ou grande parte dos serviços fornecidos por um determinado órgão público; e 3) ultrapassar os limites das compe-tências (dos órgãos públicos) para fornecer serviços integrados, ou seja, possibilitar em um mesmo local a oferta de serviços públicos conexos.

7 Esse programa dá continuidade ao Programa de Qualidade e Participação iniciado em

1995. Nesse programa, a coordenação e implantação de programas de qualidade era feita descentralizadamente por cada órgão ou entidade e envolvia a elaboração de um plano de melhoria de gestão, com horizonte de um ano fundamentado no modelo de avaliação da gestão adotado pela Fundação para o Prêmio Nacional da Qualidade (Brasil, 1997).

8 O Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal — Prêmio Helio Beltrão é

promo-vido pela ENAP Escola Nacional de Administração Pública, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e uma organização não-governamental voltada para incentivar iniciativas no sentido de agilizar os serviços públicos, o Instituto Helio Beltrão. O concurso destina-se a identificar, divulgar e premiar experiências de inovação na gestão, já em curso na administração pública federal, com o objetivo de reconhecer e divulgar as iniciati-vas que estão dando certo na administração pública e promover a valorização de equipes de empreendedores, incentivando, desse modo, a participação de um número cada vez maior de servidores públicos na implementação de mudanças e inovações em seus setores e instituições. O concurso é realizado anualmente e, desde sua criação, em 1996, tem recebido ampla participação de órgãos e entidades da administração pública federal. Da primeira à quinta edição, (1996/2000), foram recebidos 526 projetos e premiadas 178 iniciativas.

9 Esse é o caso da modalidade de atendimento “orientação especializada” e “atendimento

especializado com hora marcada” que tem como padrão de duração 15 minutos e 60 minutos respectivamente, sendo que estão sendo realizadas em 12 minutos e 41 minutos.

10 Segundo Gilbert et al (1998), em instituições que atendem clientes cativos os usuários

têm pouca influência relativamente a outros stakeholders e podem ser sujeitos a uma prestação de serviços em um nível mais baixo de satisfação.

11 As experiências selecionadas segundo as quatro categorias encontram-se no Anexo.

Trata-se de cinco experiências de implantação de centrais de atendimento, dez expe-riências de atendimento itinerante , oito expeexpe-riências com a utilização de tecnologia

de informação e seis projetos de melhoria de processos tradicionais de atendimento.

Agradeço a Chélen Fischer de Lemos, da Pesquisa ENAP, pela seleção preliminar, classificação e comentários sobre as experiências.

12 Nessas experiências ressalta-se o conceito de cidadania entendido como acesso aos

serviços e o seu usufruto — referindo-se a um direito social conquistado, conforme será abordado nos comentários finais.

13 Essas experiências foram apresentadas pelas seguintes instituições: Hospital de Clínicas de

Porto Alegre, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Uberlândia, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Universidade Federal do Paraná, Centro Psiquiátrico Pedro II, Instituto Nacional do Câncer, Universidade Federal de Santa Maria, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Centro Federal de Educação Tecnológica

Referências

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