Mirlene Ferreira Macedo Damázio
Carla Barbosa Alves
Josimário de Paulo Ferreira
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
- Abordagem Bilíngue para Pessoas com Surdez
-
UFC/UAB/FNDE/MEC
Aos leitores
INTRODUÇÃO
Caros leitores, a construção de um caminho pedagógico para o Atendimento Educacional Especializado para Pessoas com Surdez (doravante AEEPS), numa perspectiva inclusiva, com base em princípios decorrentes dos novos paradigmas, tem encontrado dificuldades para se efetivar, em virtude de problemas relacionados a decisões político-filosóficas, pedagógicas, metodológicas e de gestão e planejamento da escola brasileira.
Assim, desejamos explicar que o ato educativo relativo ao contexto da escola para o aluno com surdez, no que diz respeito ao cotidiano pedagógico, precisa ser redirecionado, construindo novas e infinitas possibilidades que levem este aluno a uma aprendizagem contextualizada e significativa, valorizando seu potencial e desenvolvendo suas habilidades cognitivas, lingüísticas e sócio-afetivas.
Diante do exposto, e sob um outro ponto de vista, propomos primeiramente, considerar a pessoa com surdez, o conhecimento e o objeto de estudo de outra forma, a partir da base conceitual do pensamento pós-moderno, que envolve epistemologicamente a complexidade do fenômeno inter e intra-humano e estabelece uma simbiose entre a educação da consciência e da instrução da inteligência.
Apresentamos neste livro uma proposta educativa, capaz de gerar novos ambientes de aprendizagem, em que o AEEPS na modalidade complementar a classe comum, tece o ensino, mediante uma teoria que leva em conta o conhecimento produzido por nós, sujeitos humanos, e se estabelece em forma de conexões ou nós. Esse processo metodológico foi idealizado por Damázio (2005) e tem sido operacionalizado sob a ótica epistemológica do pensamento de Morin (2001), Deleuze e Guatarri (1995), na visão paradigmática da complexidade e dos rizomas, conforme expressa os vários capítulos do livro.
Especializado de Libras: Canal gestual-visual e o seu sistema escrito; Atendimento Educacional Especializado de Língua Portuguesa: Leitura e escrita.
Nestes capítulos, o processo educativo apresenta a interdependência e a simbiose entre a educação da consciência e a instrução da inteligência, para a era das relações e contatos humanos. A proposta do AEEPS visa preparar para a individualidade e a coletividade as pessoas com surdez, provocando um processo comunicacional-dialogal-global e a superação da imanência, da imediaticidade e buscando, assim, a transcendência, ou seja, um processo de mudanças do social, do cultural e do histórico-ideológico, com a ruptura de fronteiras, onde os saberes não aprisionem o corpo ao poder, mas possam liberá-lo para a era das relações, das conexões, dos nós comunicativos, das infinitas possibilidades humanas, em fim, ficar no lócus
epistemológico da inclusão.
UFC/UAB/FNDE/MEC
OS AUTORES
Mirlene Ferreira Macedo Damázio
psmirlenefm@gmail.com
Pedagoga, Doutora em Educação/UNICAMP, Mestre em Educação/UFU, Mestre em Educação Especial/Universidade de Salamanca Espanha, Especialista em Educação Espeical/UFU e Pedagogia Clínica/UNAERP. Há 25 anos atua na Educação, em especial na educação das pessoas com surdez. Atualmente é Diretora Geral da Fundação Conviver para Ser; é coordenadora e professora de Cursos de Especialização da Pós-Graduação da Unicaldas; é professora pesquisadora bolsista da Universidade Aberta do Brasil, sendo conteudista e coordenadora da área da surdez do Projeto de Formação Continuada à Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade do MEC/FNDE/SEESP/ Universidade Federal do Ceará. Ministra vários cursos, palestras, assessorias e consultorias po todo o País. Têm textos e livros publicados.
Carla Barbosa Alves
carlabarbosa180@gmail.com
Pedagoga, especialista em Educação Especial e Metodologia do Superior pela UFU. Há 9 anos na educação,especificamente mais no campo da Educação Especial. Atualmente, supervisora escolar concursada da Prefeitura Municipal de Uberlândia, atuando no setor responsável pela Educação Especial no município dando assessoria às escolas que têm o Atendimento Educacional Especializado; é supervisora de conteúdo do Projeto de Formação Continuada à Distância de Professores para o Atendimento Educacional Especializado do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade do MEC/FNDE/SEESP/ Universidade Federal do Ceará; e professora de cursos de Pós-graduação do Instituto Passo 1/ Uberlândia-MG.
Josimário de Paulo Ferreira
josimariodepa@gmail.com
SUMÁRIO
I-Educação Escolar de Pessoas com surdez...05
II- Atendimento Educacional Especializado para Pessoas com Surdez...10
III- Atendimento educacional especializado em Libras...15
IV- Atendimento Educacional Especializado de Libras: Canal gestual-visual e o seu sistema escrito...23
V- Atendimento Educacional Especializado de Língua Portuguesa: Leitura e escrita...33
UFC/UAB/FNDE/MEC
I - EDUCAÇÃO ESCOLAR DE PESSOAS COM SURDEZ
A educação escolar das pessoas com surdez nos reporta aproximadamente há dois séculos, quando se instaurou um embate político e epistemológico entre os gestualistas e oralistas. Este confronto tem ocupado até então um lugar de destaque nas políticas públicas, nos debates e nas pesquisas científicas, bem como nas ações pedagógicas empreendidas em prol da educação dessas pessoas na escola, seja ela comum ou especial. Enquanto as discussões acontecem, os alunos com surdez ficam excluídos da escola e são prejudicados em seu desenvolvimento, tendo em vista suas capacidades e seu potencial cognitivo e linguístico.
As concepções de educação escolar desenvolvidas em favor de pessoas com surdez ora centram-se na inserção desses alunos na escola comum e/ou em classes especiais, ora na escola especial. Elas se fundamentam em três abordagens diferentes: a oralista, a comunicação total e a abordagem por meio do bilingüismo.
As escolas comuns ou especiais, pautadas no oralismo visam à capacitação da pessoa com surdez para que utilize a língua da comunidade ouvinte na modalidade oral, como única possibilidade lingüística, de modo que seja possível o uso da voz e da leitura labial, tanto na vida social, como na escola. As propostas educacionais, baseadas no oralismo, não conseguiram atingir resultados satisfatórios, porque, normalizam as diferenças, não aceitam a língua de sinais dessas pessoas e centram os processos educacionais na visão da reabilitação e naturalização biológica.
A comunicação total considera a pessoa com surdez de forma natural, aceitando suas características e prescrevendo o uso de todo e qualquer recurso possível para a comunicação, procurando potencializar as interações sociais, considerando as áreas cognitivas, lingüísticas e afetivas dos alunos. Os resultados obtidos com esta concepção são questionáveis quando observamos as pessoas com surdez frente aos desafios da vida cotidiana. A linguagem gestual, visual, os textos orais, os textos escritos e as interações sociais parecem não possibilitar um desenvolvimento satisfatório e esses alunos continuam segregados, permanecendo em seus guetos, ou seja, marginalizados,
Os dois enfoques – oralista e comunicação total – deflagram um processo que não favorece o pleno desenvolvimento das pessoas com surdez, por focalizar o domínio das modalidades orais, negando a língua natural desses alunos e provocando perdas consideráveis nos aspectos cognitivos, sócio-afetivos, lingüísticos, político, culturais e na aprendizagem. Em favor da modalidade oral, por exemplo, usa-se o Português sinalizado e desfigura-se a rica estrutura da língua de sinais, cujo processo de derivação lexical é descartado.
Por outro lado, a abordagem educacional por meio do bilingüismo visa capacitar a pessoa com surdez para a utilização de duas línguas no cotidiano escolar e na vida social, quais sejam: a língua de sinais e a língua da comunidade ouvinte. Estudos têm demonstrado que esta abordagem corresponde melhor às necessidades do aluno com surdez, em virtude de respeitar a língua natural e construir um ambiente propício para a sua aprendizagem escolar.
Diante dessas concepções torna-se urgente, neste momento, repensar e analisar o problema da educação escolar dos alunos com surdez, tirando o foco nesta ou naquela língua e buscando outros motivos que possam explicar o seu fracasso escolar, entre os quais, a qualidade da educação escolar e das práticas pedagógicas. É preciso construir um campo de comunicação e de interação amplos, possibilitando que a língua de sinais e a língua majoritária, preferencialemnte a escrita, tenham lugares de destaque na escolarização do aluno com surdez, mas que não sejam o centro de todo o processo educacional.
Nesse sentido, a nova política de Educação Especial vem ao encontro de nossos propósitos de mudanças no ambiente escolar e nas práticas sociais/institucionais para promover a inclusão dos alunos com surdez na escola comum. Por mais que a referida Política tenha sido definida nesse sentido, muitas questões e desafios ainda estão para serem enfrentadas, muitas propostas educacionais precisam ser revistas e algumas tomadas de posição precisam ficar mais claras para que, realmente, as práticas de ensino e aprendizagem nas escolas públicas e particulares apresentem caminhos consistentes e produtivos para a educação de pessoas com surdez.
UFC/UAB/FNDE/MEC
deficiente, pois há nela uma potencialidade que integra os outros processos perceptuais, tornando-a capaz de se tornar um ser de consciência, pensamento e linguagem.
É necessário reinventar as formas de conceber a escola e suas práticas pedagógicas. Em síntese, é preciso provocar um impacto político-social e educacional, rompendo com os modos lineares do pensar e agir humano no que se refere à escolarização.
Em nossa interpretação, a pessoa com surdez é um ser humano descentrado, capaz, com potencialidade para adquirir e desenvolver não somente os processos visuais-gestuais, mas também ler e escrever em várias línguas e, se desejar, também falar.
O sujeito com surdez não pode ser reduzido ao chamado mundo surdo, com a identidade e cultura surdas. É no descentramento identitário que concebemos a pessoa com surdez como ser biopsicosocial, cognitivo, cultural, não somente na constituição de sua subjetividade, mas também na forma de aquisição e produção de conhecimentos.
Pensar e construir uma prática pedagógica, que se volte para o desenvolvimento das potencialidades das pessoas com surdez na escola, é fazer com que esta instituição esteja preparada para compreender essa pessoa em suas potencialidades, singularidades e diferenças e em seus contextos de vida.
Rompe-se então, com a dicotomização entre oralismo e gestualismo e assume-se a tendência bilíngüe, que desterritorializa a clausura em que vive a pessoa surda.
Na abordagem bilíngüe, a Libras e a Língua Portuguesa, em suas variantes de uso padrão, quando ensinadas no âmbito escolar, são deslocadas de seus lugares especificamente lingüísticos e devem ser tomadas em seus componentes histórico-cultural, textual, interacional e pragmático, além de seus aspectos formais, envolvendo a fonologia, morfologia, sintaxe, léxico e semântica.
Para que isso ocorra, não se discute o bilingüismo com olhar fronteiriço ou territorializado, segundo o que a literatura (principalmente a estrangeira) tem produzido. Acredita-se que a pessoa com surdez não é estrangeira em seu próprio país, mas usuária de um sistema lingüístico com características e status próprios, no qual cognitivamente
se organiza, estrutura a linguagem por meio de processos de mediação simbólica . Uma visão enviesada do bilingüismo tem gerado questões, tais como:
•A proficiência em duas línguas não seria uma ilusão, pois ainda há uma
subordinação de uma língua a outra?
• O bilingüismo, muitas vezes, não daria lugar ao bimodalismo e/ou português
sinalizado?
•E as pessoas em seus graus de surdez, a pessoa com implante coclear, os
filhos de pais com surdez, os filhos de pais sem surde – como ficam diante do bilingüismo?
•Como ficam os processos de gestualizar, sinalizar, articular, oralizar, ler e
escrever na aquisição e desenvolvimento das línguas?
A perspectiva inclusiva da educação de pessoas com surdez o bilinguismo supera esses viéses, porque o que se destaca é a liberdade de o aluno se expressar e de participar de um ambiente escolar que desafie seu pensamento e exercite sua capacidade perceptivo-cognitiva, suas habilidades para atuar e interagir em um mundo social que é de todos, considerando o contraditório, o ambíguo, as diferenças entre as pessoas.
Continuar, portanto, o embate epistemológico entre gestualistas e oralistas e as questões que foram levantadas sobre o bilingüismo é manter na exclusão escolar as pessoas com surdez.
Temos de deflagrar iniciativas no meio escolar pautadas no reconhecimento e na valorização das diferenças, que demonstrem a possibilidade da educação escolar inclusiva de pessoas com surdez na escola comum brasileira.
De acordo com o Decreto 5.626, de 5 de dezembro de 2005, as pessoas com surdez têm direito a uma educação que garanta a sua formação, em que a Língua Brasileira de Sinais e a Língua Portuguesa, preferencialmente na sua modalidade escrita, constituam línguas de instrução, e que o acesso às duas línguas ocorra de forma simultânea no ambiente escolar, colaborando para o desenvolvimento de todo o processo educativo.
Diante do exposto, é no viés da modalidade bilíngue que organizamos a prática pedagógica da escola comum e , em consequência, o Atendimento Educacional Especializado para pessoas com surdez aqui proposta.
Para Saber Mais
DAMÁZIO, Mirlene F. Macedo e JOSIMÁRIO P. Ferreira. Educação Escolar de Pessoas com Surdez-Atendimento Educacional Especializado em Construção. Revista
UFC/UAB/FNDE/MEC
___________.Mirlene Ferreira Macedo. Educação Escolar de Pessoa com Surdez: uma proposta inclusiva. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2005. 117 p. Tese
de Doutorado.
___________. Mirlene Ferreira Macedo. Educação Escolar das Pessoas com Surdez: dos primórdios aos tempos atuais. 2005. mimeo
____________. Mirlene Ferreira Macedo. Concepções Subjacentes: Educação das Pessoas com Surdez. 2005. mimeo
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 3 ed. Lisboa: Stória, 2001.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer?