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Estudo prospectivo das perturbações visuais associadas a enxaqueca

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Medicina de Lisboa

Estudo prospectivo das perturbações

visuais associadas a enxaqueca.

Edite Carla Amorim de Morais Silva Pimentel Teixeira

Mestrado em Neuroftalmologia

Ano 2009

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A impressão desta dissertação foi aprovada

pela comissão Coordenadora do Conselho

Científico da Faculdade de Medicina de

Lisboa em reunião de 16-12-2008.

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Faculdade de Medicina de Lisboa

Estudo prospectivo das perturbações

visuais associadas a enxaqueca.

Edite Carla Amorim de Morais Silva Pimentel Teixeira

Mestrado em Neuroftalmologia

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor José Maria

Pereira Monteiro

Co-Orientador: Prof. Doutor António Castanheira

Dinis

Todas as afirmações efectuadas no presente documento são da exclusiva responsabilidade

do seu autor, não cabendo qualquer

responsabilidade à Faculdade de Medicina de Lisboa pelos conteúdos nele apresentados.

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RESUMO

Introdução: A cefaleia é uma queixa comum nos doentes que consultam oftalmologistas. A existência de qualquer patologia que interfira com o correcto funcionamento do sistema óptico pode resultar numa cefaleia de causa ocular. Embora exista uma crença popular numa relação causa efeito entre erros refractivos e cefaleias em geral, são poucos os estudos publicados que demonstrem uma relação entre erros refractivos e enxaquecas. Existem também diversos estudos internacionais sobre a relação do tamanho da pupila com a enxaqueca. A maior parte dos estudos publicados aponta para a existência de uma hipofunção do Sistema Nervoso Simpático nestes doentes. Objectivos: Fazer um estudo prospectivo das perturbações visuais numa população com enxaqueca, tentando avaliar a existência de uma relação entre erros refractivos não corrigidos, a presença de heteroforias e o desencadear de enxaquecas. Avaliar a presença de anisocoria durante a crise. Diagnosticar e classificar o tipo de manifestações visuais que ocorrem no sub-grupo de doentes com aura visual.

Métodos: Foram observados 50 indivíduos com enxaqueca que foram subdivididos em dois sub-grupos – doentes com enxaqueca com aura e doentes com enxaqueca sem aura. 52 indivíduos saudáveis foram escolhidos como grupo controlo. Todos os doentes com enxaqueca responderam a um questionário sobre as características da sua dor e nos casos em que havia aura visual típica, responderam a um segundo questionário sobre as características da aura visual. Os indivíduos de ambos os grupos foram submetidos a um exame oftalmológico completo. Os dados obtidos foram registados e comparados entre os dois grupos, tendo-se procedido à análise estatística dos mesmos, através do programa SPSS 15.0.

Resultados: Foi encontrado em maior número de casos de miopia e/ou astigmatismo nos doentes com enxaqueca. A diferença entre a média do erro refractivo esférico subjectivo, assim como a diferença entre a média do astigmatismo absoluto dos dois grupos, não apresentam diferenças estatísticamente significativas. Os resultados obtidos com a Asa de Maddox revelaram-se semelhantes entre os dois grupos. Apenas 14% dos doentes têm mais do que 4∆ de exoforia. O diâmetro pupilar médio do grupo de doentes é menor do que o do grupo controlo e esta diferença tem significado estatístico. A frequência de anisocoria do grupo com enxaqueca é maior do que no grupo controlo, mas a diferença entre a anisocoria média dos dois grupos não é estatísticamente significativa. A localização preferencial da dor foi a temporal. São mais frequentes as auras visuais bilaterais. O sintoma mais frequentemente encontrado foi a visão desfocada.

Conclusões: Não existem neste estudo dados que permitam estabelecer com certeza uma relação de causa efeito entre erros refractivos e heteroforias com a enxaqueca. Existe um maior número de casos de astigmatismo de baixo grau entre os indíviduos doentes. O diâmetro pupilar médio dos doentes com enxaqueca é menor do que no grupo controlo.

Palavras chave: Enxaqueca; erros refractivos; heteroforias; pupila; aura visual.

(5)

ABSTRACT

Introduction: Headache is a common complaint among patients who consult ophthalmologists. The presence of any pathology that interfere with the correct work of the optic system can result in an headache of ocular cause. Although there is a strong popular belief of a causative effect between refractive errors and headaches, there are only few studies claiming association between refractive errors and migraine headaches. There are also many international studies about the relation of the pupil size with migraine headache. The great number of the studies published before, suggests an Autonomic nervous system deficit in migraine patients .

Objectives: To do a prospective study about visual manifestations in a population with migraine trying to investigate the existence of a correlation between non-corrected refractive errors, the presence of heterophorias and the unchain of migraine. To evaluate the presence of anisocoria during the crisis. To diagnose and classify the aspects of the visual manifestations that occur in the group of patients with migraine with aura.

Methods: 50 individuals with migraine headache were observed and divided into two other groups – patients with migraine with aura and patients with migraine without aura. 52 healthy subjects were included as a control group. A questionnaire was presented to all 50 patients with migraine with questions about pain characteristics and for those individuals who suffer of migraine with visual aura, a second questionnaire was presented for a full description of the aura. All subjects, from the two groups, underwent full ophthalmologic examination. All data obtained were recorded and compared for the two groups and statistical analysis was performed for all data with SPSS 15.0 programme. Results: A great number of cases of myopia and/or astigmatism was found in migraine group. The difference between the mean subjective spherical refractive errors, and also the difference between the average of the absolute astigmatic refractive error for the two groups were not significantly different. The results of the measurements with the Maddox Wing were similar between the two groups studied. Only 14% of the patients had more than 4∆ of exophoria. The mean pupillary diameter of the migraine group is lower than the healthy group and this difference was significant. The frequency of anisocoria of the migraine patients is higher than control group, but the difference between the mean anisocoria for the two groups was not significantly different. The most common site of the pain was temporal. Most patients had bilateral visual auras. The most common phenomena described was “foggy vision”.

Conclusions: There are not enouth data in this study to describ with certain a causative link between refractive errors and heterophorias with migraine. Low degrees of astigmatism were more common among the individuals studied. The mean pupillary diameter of the migraine group is lower than the healthy group.

Palavras chave: Migraine; refractive errors; heterophorias; pupil; visual aura.

(6)

Agradecimentos

A ideia de efectuar este estudo partiu do facto de verificar com muita regularidade, na minha prática clínica, que o motivo da consulta de oftalmologia, é a suspeita de que um erro refractivo possa ser a causa das cefaleias do doente.

Há anos atrás, ainda na faculdade, tive por professor da cadeira de Neurologia o Professor Doutor José Maria Pereira Monteiro, que me convidou, juntamente com outros colegas da faculdade, a colaborar num trabalho de campo, na recolha de dados para um Estudo Epidemiológico e Clínico de uma População Urbana, sobre Cefaleias, estudo esse que se destinava à sua dissertação de candidatura ao grau de Doutor. Dessa colaboração foram-se criando laços de amizade que motivaram que quando necessitei de criar o meu próprio estudo, e de ter um Orientador de Mestrado na Universidade do Porto,a escolha tivesse recaido no Prof. Pereira Monteiro, que prontamente aceitou o convite para ser meu orientador. Assim nasceu o tema do trabalho e o início da investigação. Foi a partir da sua consulta de cefaleias do Hospital Geral de Santo António que obtive a maior parte dos doentes com enxaquecas, que participaram neste estudo. Infelizmente, e pelo facto de por razões pessoais ter deixado de trabalhar no HGSA, pouco tempo depois deste trabalho ter iniciado, não foi possivel incluir na investigação o número de doentes inicialmente previsto.

Para a colheita de dados participaram alguns colaboradores, cuja dedicação desejo enaltecer, e que são as técnicas de ortóptica Maria José e Susana do Sams Norte. O funcionário administrativo Jorge Lopes do Hospital da Arrábida. Para a colheita da informação bibliográfica contei com a colaboração da colega Isabel Palha e do Laboratório Pfizer, agradecendo particularmente a disponibilidade dos seus funcionários Alice e Miguel.

Ao Dr. Manuel Barca da Costa, meu antigo director de Serviço, agradeço o facto de me ter autorizado a frequentar a parte teórica do mestrado, e de me ter permitido deslocar-me à Faculdade de Medicina de Lisboa com regularidade, libertando-me do meu trabalho de rotina no HGSA.

Aos meus colegas de Serviço no HGSA o incentivo que sempre me deram para encetar esta tarefa.

Ao meu marido e aos meus filhos, agradeço toda a sua compreensão para suportarem as minhas ausências regulares e a minha menor disponibilidade para participar nas suas actividades diárias, sem grandes protestos.

Aos meus pais e ao meu irmão por todo o seu carinho e apoio a vários níveis.

Aos meus primos Manuela, Francisco (pai e filho) e Rita, por me terem tão bem recebido, na sua residência, nas minhas idas mensais a Lisboa, durante o estudo teórico deste mestrado.

(7)

ÍNDICE

Página

Resumo

4

Abstract

5

Agradecimentos

6

I Introdução

8

1. Cefaleias

8

2. Enxaqueca

26

3. A enxaqueca e os olhos

42

4. A pupila e a enxaqueca 43

II Metodologia

49

III Resultados

52

IV Discussão

66

V Conclusões

78

Bibliografia

79

Apêndice 1 - Questionário

84

(8)

I INTRODUÇÃO

A enxaqueca é um distúrbio comum, crónico. Caracteriza-se por ataques recorrentes de cefaleia unilateral, pulsátil, associada a disfunção autónoma. Actualmente é considerada uma doença neurovascular, com as alterações vasculares ocorrendo secundáriamente à activação neuronal.1

Apesar da elevada frequência de enxaquecas na população geral, a patofisiologia desta cefaleia é ainda pouco clara. Pensa-se que o cérebro dos indivíduos com enxaqueca terá um limiar reduzido para uma variedade de estímulos, os chamados factores desencadeantes, quer internos, quer externos, sendo esta situação descrita como hiperexcitabilidade cortical.1 As crises de enxaqueca provavelmente resultam de disfunção primária nos núcleos cerebrais envolvidos na modulação sensitiva.1

1. CEFALEIAS

1.1 História

Primeiras referências

As primeiras referências a cefaleias em documentos antigos remontam ao ano de 3000 a.C, na Babilónia e foram associadas a alterações na visão.2,3 Posteriormente foram descritas cefaleias, do tipo da enxaqueca, em documentos do antigo Egipto, e que datam do ano 1500 a.C.4,5

Foi sobretudo com Hipócrates, médico grego, entre 460 e 565 a.C, que o conhecimento médico sobre cefaleias sofreu maiores avanços, particularmente sobre os pródromos visuais da enxaqueca.6,7

No ano 80 d.C., Arataeus da Cappadocia descreveu uma dor localizada a um lado da cabeça, associada a suores, náuseas, vómitos e acompanhada de perturbações visuais, sugestivas de enxaqueca com aura. Designou-a por heterocrânia2 e sobre os doentes disse:

“Eles evitam a luz; a escuridão alivia a doença; nem sequer toleram contemplar ou ouvir alguma coisa agradável...

Os doentes estão cansados da vida e desejam morrer”. 8

Celsus no ano 30d.C atribuiu à luz solar uma das causas desencadeadoras de enxaqueca. 8

Hemicrânia , migraine e enxaqueca

Galeno, no século II d.C. introduziu a designação de hemicrânia para a cefaleia unilateral (como sinónimo da heterocrânia de Arataeus da Cappadocia).9 Desta viria a resultar mais tarde a denominação francesa

(9)

de migraine. Enxaqueca, por sua vez, é uma palavra derivada do árabe Ax-xaqiqâ, que significa “dor de cabeça”; passou para espanhol jaqueca e para o português enxaqueca.

Os seguidores de Galeno na Idade Média e na Renascença criaram um sistema de medicina centrado nos seus conceitos os quais eram considerados pelos seus seguidores como verdade absoluta, pelo que não podiam ser alterados. Só no séc. XVII voltaram a surgir descrições literárias e médicas inovadoras sobre cefaleias.10,11,12

Inicio da interpretação patogénica

Em 1684, Thomas Willis, na sua colectânea “Willis’s Practice of Physicke”, incluiu dois capítulos sobre cefaleias, onde afirmou que a origem da dor não estava no “cérebro, cerebelo ou medula, que não tem fibras sensitivas”, mas antes na distensão dos vasos que “puxam as fibras nervosas afastando-as umas das outras, acarretando-lhes deformações dolorosas ou rasgaduras” e referiu que a dor era desencadeada pelo “vinho, calor excessivo, exposição ao Sol, actividade sexual, sono prolongado, tumores cirrosos a crescer nas menínges e outras doenças mal definidas”.4,13,14 Willis descreveu também o aparecimento de sintomas premonitórios, como o aumento do apetite e admitiu que a vasoconstrição e a vasodilatação eram fenómenos causais das cefaleias.4,13,14

Em 1677 Locke, médico discípulo de Willis, fez a primeira descrição de nevralgia do trigémio.15

A aura

No início do séc XVIII, em 1723, Vater descreveu o escotoma hemianóptico da enxaqueca. 11,13

Em 1778, Fothergill descreveu as perturbações visuais da enxaqueca usando pela primeira vez o termo fortification spectra, (espectro de fortificação) , ainda hoje utilizado para descrever um tipo específico de aura visual que lembra as fortificações de castelos. 4,11,13

Nos finais do séc. XVIII e durante o séc. XIX diversos cientistas descreveram as suas próprias auras, contribuindo para um maior conhecimento das mesmas. 15

São conhecidas várias personalidades famosas que sofreram de enxaqueca: Imperador Júlio César, Rainha Catarina de Médicis, Escritor Miguel de Cervantes, Imperador Napoleão Bonaparte, Escritor Lewis Carroll, Filósofo Friedrich Nietzsche, Psicanalista Sigmund Freud.

Primeiras teorias etiopatogénicas

Em 1859, Emil DuBois-Reymond, fundador da electrofisiologia, ao verificar que ficava pálido durante a sua própria enxaqueca e notando que a dor aumentava em sincronia com o pulso da artéria temporal

(10)

superficial, tentou demonstrar que a enxaqueca era devida a uma hiperactividade simpática, acreditando na origem angiospástica da doença. 11,16

Huglings Jackson considerava a enxaqueca uma forma de epilepsia sensitiva, em que as cefaleias e os vómitos eram interpretados como epifenómenos. 10,11,13

Em 1886 Gowers referiu-se a duas grandes teorias da etiopatogenia: a vascular e a neural. 10

No fim do século XIX o neurologista alemão P.J. Moebius fez uma revisão da enxaqueca, que considerava um estigma de degenerescência, tendo sido o autor da designação de “estado de

enxaqueca” por analogia com o estado epiléptico. 11

Nos anos 20 (século XX) predominam as teorias alérgicas e nos anos 50 as psicossomáticas. 3

Conceitos contemporâneos da patogenia da enxaqueca

Apesar da elevada frequência de doentes com enxaqueca na população geral, a sua patogenia continua em muitos aspectos a ser desconhecida até agora.

A teoria patofisiológica mais aceite actualmente para explicar o desenvolvimento da aura associada à enxaqueca, assenta na hipótese (sugerida por estudos electrofisiológicos) de que o córtex occipital dos indivíduos com enxaqueca é hiperexcitável.17

O K+ parece desempenhar um papel muito importante no desencadear dos diversos fenómenos eléctricos e metabólicos que ocorrem a nível cerebral dos indivíduos com enxaqueca. A “clearence” do K+ depende em grande parte da capacidade das células gliais.18 Sabe-se que no cérebro humano é ao nível do córtex occipital que se encontra a menor relação entre células gliais e neurónios, pelo que se compreende que a maior parte das auras sejam do tipo visual.19

Algum factor predisponente (genético) e/ou desencadeador (ambiental), ainda não completamente conhecido e variável de doente

para doente causa uma despolarização inicial das células gliais e neuronais, a nível occipital. Essa despolarização está por sua vez, associada a uma saída de K+ e hidrogénio para o espaço extracelular, enquanto o Na+, Ca2+ e Cl- dão entrada nas células acompanhados por água. O espaço extracelular fica reduzido a cerca de metade.19 Esta alteração eléctrica e metabólica propaga-se às regiões vizinhas e surge uma onda de Depressão Cortical Alastrante descrita por Leão em 1944,20 em que a actividade cortical cerebral sofre uma diminuição progressiva, com uma onda de despolarização que tem inicio no córtex occipital, onde é responsável pelo aparecimento da “aura visual” referida por alguns doentes, seguindo-se uma progressão dessa onda através do córtex parietal e temporal, na direcção anterior, podendo originar outros sintomas neurológicos focais.21 Essa onda desloca-se a uma velocidade de cerca de 2-3 mm/minuto e é acompanhada por uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral regional, que tem início no lobo occipital e se desloca para o lobo parietal, durante cerca de 30-60 minutos, designada

(11)

por oligoemia alastrante, que acompanha a onda de despolarização.

22,23

A progressão desta onda de oligoemia acompanha a superfície cortical e não o território das grandes artérias, portanto presume-se que exista uma vasoconstrição arteriolar cortical e não um vasoespasmo arterial. Esta despolarização inicial é seguida de um silêncio neuronal que dura alguns minutos e que se supõe ser a base neurofisiológica dos sintomas que ocorrem durante a fase da aura da enxaqueca.20,23

O período de latência entre o início da aura e a cefaleia poderá traduzir o tempo necessário para que a depressão cortical se propague desde o córtex occipital até estas terminações álgicas.24

O aparecimento da dor (cefaleia) que caracteriza a enxaqueca decorre da activação de aferências nociceptivas vasculares do trigémio, localizadas na superficie cortical cerebral, particularmente no seu núcleo caudalis. O período de latência entre a aura e a cefaleia pode reflectir o tempo que medeia a propagação da onda de depressão cortical, desde o córtex occipital até à zona de activação das estruturas nociceptivas.23 Estas fibras nervosas inervam os vasos sanguíneos das meninges, as artérias extracranianas e as do circulo de Willis. Contêm receptores capazes de gerar impulsos de dor. Estas fibras exibem duas importantes funções: aumentam o fluxo sanguíneo cortical por mecanismo tipo reflexo axonal local, através da libertação perivascular de neuropeptídeos vasoactivos. Quando estimuladas pelos factores desencadeadores da enxaqueca ou pelas alterações metabólicas e iónicas que ocorrem na função cerebral associadas à depressão cortical alastrante, as terminações do nervo trigémio libertam substância P e CGRP (calcitonin gene related peptide) nos vasos sanguíneos durais e meníngeos. A libertação destas substâncias, por sua vez, causa desgranulação dos mastócitos e atracção de leucócitos PMN. Os mastócitos libertam histamina, as plaquetas serotonina com consequente vasodilatação e exsudação de plasma e proteinas nos tecidos. Produz-se uma resposta inflamatória na área em volta dos vasos sanguíneos inervados pelo trigémio. A esta resposta dá-se o nome de “inflamação perivascular neurogénica estéril”.25

Quando activado o nervo trigémio também transmite impulsos de dor ao seu núcleo caudalis, que por sua vez envia impulsos de dor a centros superiores cerebrais.26

Primeira classificação moderna

H.G. Wolff e os seus colaboradores, com diversos trabalhos, deram um importante contributo para um melhor conhecimento das cefaleias em geral e da enxaqueca em particular.27 Foram os únicos investigadores a estudar todos os tipos de cefaleias e a criar as bases da investigação moderna nesta área. Também inspiraram a formação de uma Comissão Ad Hoc para a Classificação das Cefaleias que produziu, em 1962, a primeira classificação moderna das cefaleias.28

Em 1988 a Sociedade Internacional de Cefaleia (International

Headache Society IHS)29 elaborou uma nova classificação, que foi publicada nesse ano, e posteriormente, em 2004, foi publicada uma

(12)

segunda edição de classificação de cefaleias, que é a que ainda se encontra em vigor actualmente.30

1.2 Cefaleias

Definição de Cefaleia

Ao termo cefaleia têm sido atribuidos diversos significados. Para alguns autores constitui “toda a dor da extremidade cefálica, localizada ou difusa” 28, para outros será apenas uma “dor localizada ao crânio” 31, sendo a algia facial a “dor localizada na face” 32,33,34.

Em 196228 a Comissão Ad-Hoc nomeada pelo National Institute Of Neurological Diseases an Blindness, dos Estados Unidos, para a classificação das cefaleias, definiu a cefaleia como “uma sensação de desconforto, doloroso ou não, de toda a cabeça”31. Esta definição, simples, mas de âmbito lato, veio a ser adoptada como definição de cefaleia pela Federação Mundial de Neurologia35.

Classificação das Cefaleias

A cefaleia, como sintoma isolado ou integrado em síndromes mais ou menos complexos, é extremamente frequente. O carácter iminentemente subjectivo das cefaleias e dos seus sintomas acompanhantes, a ocorrência de episódios com grande variação na severidade, duração, frequência e manifestações associadas, assim como a possibilidade de ocorrer no mesmo indivíduo mais de um tipo de cefaleias, torna difícil o estudo das mesmas. O seu correcto diagnóstico é essencial para permitir a distinção entre situações clínicas benignas, nas quais a cefaleia é um dos sintomas, daquelas situações em que a cefaleia pode fazer parte de um quadro clínico com implicações graves para o doente, onde o diagnóstico e o tratamento atempados são fundamentais (por ex. meningites, hipertensão intracraniana, tumores cerebrais, etc).

A definição e sistematização das cefaleias, tem sofrido evolução, com diversas tentativas de classificação. A classificação tem utilidade clínica, auxiliando no estabelecimento do diagnóstico, prognóstico e abordagem terapêutica e científica, uniformizando a nomenclatura dos diversos tipos de cefaleias, quando estudados em diferentes centros de investigação36.

As cefaleias podem ser classificadas de diversas formas: 1. Segundo a etiologia

a) Cefaleias primárias ou idiopáticas: são as que ocorrem sem etiologia demonstrável pelos exames clínicos ou laboratoriais habituais, ou seja não estão habitualmente relacionadas com qualquer lesão estrutural. Os principais exemplos são a enxaqueca, a cefaleia de tensão, a cefaleia em salvas, entre outras.

(13)

b) Cefaleias secundárias: aquelas cuja causa pode ser demonstrada por exames clínicos ou laboratoriais. A dor surge como consequência de uma agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica, ou seja são relacionadas com lesões estruturais e por isso também designadas por

orgânicas ou sintomáticas. Por exemplo as cefaleias associadas às

meningites, a lesões expansivas do SNC, entre outras36. 2. Segundo o modo de instalação e a evolução

a) Cefaleias agudas: atingem o seu máximo em minutos ou poucas horas. Tanto as cefaleias primárias como as secundárias podem apresentar este tipo de instalação. Por exemplo a enxaqueca, a cefaleia da meningite, das sinusites agudas, etc. Dentro das cefaleias agudas, algumas têm instalação hiperaguda quando surgem abruptamente, em fracção de segundos, atingindo a sua intensidade máxima instantaneamente, às vezes com o doente referindo “como se tivesse levado um estalo”. Esta instalação sugere a rotura de um aneurisma arterial intracraniano ou de outras malformações vasculares.

b) Cefaleias subagudas: têm instalação insidiosa, atingindo o ápice em dias ou poucos meses (até três meses). Ocorrem principalmente nas cefaleias secundárias, decorrentes de hematomas subdurais, tumores de crescimento rápido, meningites crónicas.

c) Cefaleias crónicas: são as que persistem por meses ou anos e em geral são primárias. Podem ser recidivantes, ocorrendo por um período variável de tempo (minutos, horas, dias) para depois desapareceram, reaparecendo algum tempo depois, como a enxaqueca. Podem ser

persistentes, aparecendo diariamente ou quase diariamente, por um

período mínimo de 4 horas. A intensidade da dor deve permanecer mais ou menos a mesma durante meses ou anos. São exemplos as cefaleias crónicas diárias que aparecem regularmente nas consultas de cefaleias36.

A primeira classificação moderna de cefaleias surgiu em 1962, nos Estados Unidos28. (Quadro 1)

Nesta classificação os cinco primeiros grupos (Quadro 1) englobam as formas mais frequentes, as cefaleias crónicas, quer paroxísticas, como a enxaqueca, quer as contínuas, como as cefaleias de tensão, e as psicogénicas ou as associações destas, todas elas habitualmente com etiologia primária ou idiopática.

Nos grupos 6 a 14 estão incluídas as cefaleias de etiologia secundária.

No grupo 15 estão incluídas as nevralgias essenciais dos nervos cranianos, estas também em regra de etiologia orgânica desconhecida.

Esta classificação foi referência obrigatória na definição das entidades clínicas para investigação científica durante mais de duas décadas, tendo sido válida até 1988, altura em que surgiu nova classificação29.

(14)

Quadro 1. Classificação das Cefaleias da Comissão Ad-Hoc do National Institute Of Neurological Diseases and Blindness (NINDB) – 1962

1. Cefaleias vasculares tipo enxaqueca:

Enxaqueca clássica, comum, complicada, cefaleia histamínica (Horton) e dor do andar inferior da face

2. Cefaleias de tensão muscular: Por contracção muscular sustentada 3. Cefaleias combinadas:

Associação de enxaqueca com cefaleias de tensão 4. Cefaleias de reacção vasomotora nasal:

Rinite vasomotora

5. Cefaleias de causa psicogénia: De concersão e hipocôndria

6. Cefaleias vasculares (excluindo a enxaqueca):

Infecções sistémicas, doenças metabólicas, tóxicas, hipertensão arterial, etc

7. Cefaleias de tracção:

Hipo e hipertensão intracraniana de qualquer causa 8. Cefaleias por inflamação craniana:

Arterites intra ou extracranianas

9. Cefaleias por doença oftalmológica:

Glaucoma, estrabismo, traumas, tumores ou inflamações oculares 10. Cefaleias por doença otológica:

Trauma, tumor ou inflamação do ouvido 11. Cefaleias por doença rinológica:

Trauma, tumor ou inflamação das estruturas nasais ou sinusais 12. Cefaleias por doença dentária:

Trauma, tumor ou inflamação de estruturas dentárias 13. Cefaleias por alteração da coluna vertebral e crânio:

Trauma ou inflamação de estruturas do crânio e/ou da coluna cervical 14. Cefaleias por nevrites cranianas:

Trauma, tumor ou inflamação dos nervos cranianos 15. Cefaleias por nevralgias cranianas:

Nevralgias essenciais do trigémio e glossofaríngeo Sociedade Internacional de Cefaleias

Em 1988 a Sociedade Internacional de Cefaleia (International

Headache Society IHS) elaborou uma nova classificação de cefaleias,

que foi publicada nesse ano, com o título de “Classificação e Critérios Diagnósticos das Cefaleias, Nevralgias Cranianas e Dor Facial”. Esta classificação procurou correlacionar as várias etiologias com tipos específicos de dor de cabeça e procurou estabelecer critérios diagnósticos operacionais restritivos para as cefaleias primárias. Introduziu, também, a noção de níveis de diagnóstico. O Quadro 2 mostra a classificação da enxaqueca da Sociedade Internacional de Cefaleias publicada no ano de 198829.

(15)

Quadro 2. Classificação da Enxaqueca da International Headache Society IHS – ICHD 1988

1. Enxaqueca sem aura (comum) 2. Enxaqueca com aura (clássica)

2.1 Enxaqueca com aura típica 2.2 Enxaqueca com aura prolongada 2.3 Enxaqueca hemiplégica familiar 2.4 Enxaqueca basilar

2.5 Aura sem cefaleia 2.6 Aura de inicio agudo 3. Enxaqueca oftalmolplégica 4. Enxaqueca retiniana

5. Síndromes infantis possivelmente precursores ou

associados a enxaqueca

5.1 Vertigem paroxística benigna 5.2 Hemiplegia alternante

6. Complicações

6.1 Estado de enxaqueca 6.2 Enxaqueca com enfarte 7. Enxaqueca não classificável

Posteriormente em 2004 foi publicada uma segunda edição de classificação de cefaleias que se encontra resumida no Quadro 330. Quadro 3. Classificação das Cefaleias da International Headache Society IHS – ICHD II 2004

1. Enxaqueca

1.1 Enxaqueca sem aura 1.2 Enxaqueca com aura

1.3 Síndromes periódicas da infância geralmente precursoras da enxaqueca

1.4 Enxaqueca retiniana

1.5 Complicações da enxaqueca 1.6 Enxaqueca provável

2. Cefaleias tipo tensão

2.1 Cefaleia tipo tensão episódica pouco frequente 2.2 Cefaleia tipo tensão episódica frequente

2.3 Cefaleia tipo tensão crónica 2.3 Cefaleia tipo tensão provável

3. Cefaleia em salvas e outras cefaleias trigémino-autonómicas 3.1 Cefaleia em salvas

3.2 Hemicrania paroxística

3.3 Cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejo (SUNCT)

(16)

4. Outras cefaleias primárias

4.1 Cefaleia primária tipo guinada 4.2 Cefaleia primária da tosse 4.3 Cefaleia primária do exercício

4.4 Cefaleia primária associada à actividade sexual 4.5 Cefaleia hípnica

4.6 Cefaleia explosiva primária 4.7 Hemicrania contínua (HC)

4.8 Cefaleia persistente diária desde o início (NDPH)

5. Cefaleia atribuída a traumatismo crânio-encefálico e/ou cervical

5.1 Cefaleia aguda pós-traumática 5.2 Cefaleia crónica pós-traumática

5.3 Cefaleia aguda atribuída a lesão em contragolpe (“whiplash”)

5.4 Cefaleia crónica atribuída a lesão em contragolpe 5.5 Cefaleia atribuída a hematoma intracraniano traumático 5.6 Cefaleia atribuída a outro traumatismo cranioencefálico

e/ou cervical

5.7 Cefaleia pós-craniotomia

6. Cefaleia atribuída a doença vascular craniana ou cervical 6.1 Cefaleia atribuída a acidente vascular cerebral isquémico ou acidente isquémico transitório

6.2 Cefaleia atribuída a hemorragia intracraniana não Traumática

6.3 Cefaleia atribuída a malformação vascular não rota 6.4 Cefaleia atribuída a arterite

6.5 Dor da artéria carótida ou vertebral

6.6 Cefaleia atribuída a trombose venosa cerebral

6.7 Cefaleia atribuída a outra doença vascular intracraniana 7. Cefaleia atribuída a perturbação intracraniana não vascular

7.1 Cefaleia atribuída a hipertensão do liquor 7.2 Cefaleia atribuída a hipotensaõ do liquor

7.3 Cefaleia atribuída a doença inflamatória não infecciosa 7.4 Cefaleia atribuída a neoplasia intracraniana

7.5 Cefaleia atribuída a injecção intratecal 7.6 Cefaleia atribuída a crise epiléptica

7.7 Cefaleia atribuída a malformação de Chiari tipo I

7.8 Síndrome de cefaleia e défices neurológicos transitórios com linfocitose de liquor (HaNDL)

7.9 Cefaleia atribuída a outra perturbação intracraniana não vascular

8. Cefaleia atribuída a substâncias ou sua privação 8.1 Cefaleia induzida pelo uso ou exposição aguda a substância

8.2 Cefaleia por uso excessivo de medicação

8.3 Cefaleia como efeito adverso atribuído a medicação crónica

(17)

9. Cefaleia atribuída a infecção

9.1 Cefaleia atribuída a infecção intracraniana 9.2 Cefaleia atribuída a infecção sistémica 9.3 Cefaleia atribuída ao HIV (AIDS/SIDA) 9.4 Cefaleia crónica pós-infecção

10. Cefaleia atribuída a perturbação da homeostase 10.1 Cefaleia atribuída a hipóxia e/ou hipercapnia 10.2 Cefaleia da diálise

10.3 Cefaleia atribuída a hipertensão arterial 10.4 Cefaleia atribuída ao hipotiroidismo 10.5 Cefaleia atribuída ao jejum

10.6 Cefaleia cardíaca

10.7 Cefaleia atribuída a outra perturbação da homeostase 11. Cefaleia ou dor facial atribuída a perturbação do crânio,

pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios perinasais, dentes, boca ou outras estruturas cranianas ou faciais

11.1 Cefaleia atribuída a perturbação de osso craniano 11.2 Cefaleia atribuída a perturbação do pescoço 11.3 Cefaleia atribuída a perturbação dos olhos 11.4 Cefaleia atribuída a perturbação dos ouvidos 11.5 Cefaleia atribuída a rinosinusite

11.6 Cefaleia atribuída a perturbação dos dentes, mandíbula ou estruturas relacionadas

11.7Cefaleia ou dor facial atribuída a perturbação da articulação temporomandibular

11.8 Cefaleia atribuída a perturbação do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cervicais

12. Cefaleia atribuída a perturbação psiquiátrica

12.1 Cefaleia atribuída a perturbação de somatização 12.2 Cefaleia atribuída a perturbação psicótica

13. Nevralgias cranianas e causas centrais de dor facial 13.1Nevralgia do trigémio

13.2 Nevralgia do glossofaríngeo 13.3 Nevralgia do intermediário 13.4 Nevralgia do laríngeo superior 13.5 Nevralgia do nasociliar

13.6 Nevralgia do supraorbitário

13.7 Outras nevralgias de ramos terminais 13.8 Nevralgia do occipital

13.9 Síndrome pescoço-língua

13.10 Cefaleia por compressão externa 13.11 Cefaleia do estímulo frio

13.12 Dor constante causada por compressão, irritação ou tracção de nervos cranianos ou raízes cervicais superiores por lesão estrutural

13.13 Nevrite óptica

13.14 Neuropatia ocular diabética

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13.16 Síndrome de Tolosa-Hunt 13.17 “Enxaqueca” oftalmoplégica 13.18 Causas centrais de dor facial

13.19 Outra nevralgia craniana ou dor facial centralmente mediada

14. Outra cefaleia, nevralgia craniana e dor facial central ou primária

14.1 Cefaleia não classificada noutro local 14.2 Cefaleia não especificada

Nesta classificação as cefaleias primárias passaram a estar englobadas em 4 grupos (eram cinco na classificação de 1962). Os 8 grupos seguintes incluem as cefaleias secundárias (eram nove em 1962). Os grupos 13 e 14 incluem as nevralgias (que anteriormente faziam parte do grupo 15).

1.3 Cefaleia Ocular

A existência de qualquer patologia que interfira com o correcto funcionamento do sistema óptico pode resultar numa cefaleia de causa ocular. Este tipo de cefaleia foi incluído no grupo 11 da Classificação Internacional de Cefaleias30:

11. Cefaleia ou dor facial atribuída a perturbação do crânio,

pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios perinasais, dentes, boca ou outras estruturas cranianas ou faciais

11.1 Cefaleia atribuída a perturbação de osso craniano 11.2 Cefaleia atribuída a perturbação do pescoço 11.2.1 Cefaleia cervicogénica

11.2.2 Cefaleia atribuída a tendinite retrofaríngea 11.2.3 Cefaleia atribuída a distonia craniocervical 11.3 Cefaleia atribuída a perturbação dos olhos 11.3.1 Cefaleia atribuída a glaucoma agudo 11.3.2 Cefaleia atribuída a erros de refracção

11.3.3 Cefaleia atribuída a heteroforia ou heterotropia (estrabismo latente ou manifesto)

11.3.4 Cefaleia atribuída a inflamação ocular 11.4 Cefaleia atribuída a perturbação dos ouvidos 11.5 Cefaleia atribuída a rinosinusite

11.6 Cefaleia atribuída a perturbação dos dentes, mandíbula ou estruturas relacionadas

11.7Cefaleia ou dor facial atribuída a perturbação da articulação temporomandibular

11.8 Cefaleia atribuída a perturbação do crânio, pescoço, olhos, ouvidos, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou cervicais

Actualmente a crescente utilização de tecnologia informática (particularmente monitores de computadores) nas actividades laborais e lúdicas da civilização actual, com exigências cada vez maiores da visão

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de perto, faz com que os nossos olhos sejam submetidos a um esforço maior do que aquele para o qual foram em princípio concebidos – a localização de inimigos à distância e a procura de alimentos.37 As pessoas que habitualmente realizam o seu trabalho a curta distância por tempo prolongado manifestam com frequência sintomas e sinais de fadiga visual ou “astenopia”, com sensação de visão turva.37,38

Cefaleia atribuída a erros de refracção

A cefaleia associada aos erros refractivos está descrita pela Sociedade Internacional de Cefaleias30, no Grupo 11, alínea 11.3.2 e os seus critérios de diagnóstico são os seguintes:

A. Cefaleia fraca, recorrente, frontal ou nos próprios olhos, preenchendo os critérios C e D.

B. Erro de refracção não corrigido ou inadequadamente corrigido (ex: hipermetropia, astigmatismo, presbiopia, uso de óculos inapropriados).

C. A cefaleia e a dor ocular aparecem pela primeira vez em estreita relação temporal com o erro de refracção, estão ausentes ao acordar e agravam-se por actividade visual prolongada à distância ou em ângulos nos quais a visão está a ser prejudicada.

D. A cefaleia e a dor ocular desaparecem dentro de sete dias e não recorrem após a completa correcção do erro de refracção.

Cefaleia atribuída a heteroforia ou heterotropia (estrabismo latente ou manifesto)

A cefaleia associada a heteroforia ou heterotropia está descrita pela Sociedade Internacional de Cefaleias30, no Grupo 11, alínea 11.3.3 e os seus critérios de diagnóstico são os seguintes:

A. Cefaleia recorrente, não pulsátil, fraca a moderada e frontal, preenchendo os critérios C e D.

B. A heteroforia ou a heterotropia foram demonstradas com pelo menos um dos seguintes:

a. Visão desfocada intermitente

b. Dificuldade em ajustar o foco de objectos próximos para objectos distantes e vice-versa

C. Pelo menos um dos seguintes:

a. A cefaleia aparece ou piora durante a actividade visual, especialmente quando cansativa

b. A cefaleia é atenuada ou melhora com o fechar de um dos olhos.

D. A cefaleia desaparece dentro de sete dias e não recorre, após correcção apropriada da visão.

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Diagnóstico diferencial da Cefaleia Ocular

Apesar da dor na região periocular ser um problema comum na prática clínica diária, o seu diagnóstico pode ser dificil a menos que exista uma causa ocular óbvia. O diagnóstico diferencial faz-se essencialmente entre quatro tipos de situações clínicas:

1. Patologia ocular: doenças inflamatórias (queratites, uveites, esclerites); infecções (ulceras de córnea, conjuntivites, endoftalmites); glaucoma de ângulo fechado; glaucoma neovascular; neoplasias,etc.

2. Patologia orbitária: celulite; pseudotumor órbita;

tendinite,etc.

3. Erros refractivos e heteroforias: astigmatismo;

hipermetropia; miopia; presbiopia; hiperforia; insuficiência de convergência, etc.

4. Patologia não ocular: nevralgias; enxaqueca; alterações cervicais; doenças dos seios perinasais; do ouvido; dos dentes; problemas da articulação temporomandibular.

Caracteristicas clínicas da Cefaleia Ocular

A cefaleia localiza-se quase sempre na região ocular, podendo ser frontal ou temporal. Pode ser referida a qualquer zona de distribuição do primeiro ramo do V par craniano ou dos nervos cervicais superiores. Por vezes também irradia inferiormente até ao pescoço ou extremidades superiores. A irradiação da dor pode ser unilateral ou tornar-se generalizada. A sua natureza pode ser superficial, simulando uma hiperestesia cutânea; pode ser profunda e contínua; intensa e pulsátil; de tipo nevrálgico, lancinante. Pode ocorrer quer de forma permanente, quer periódica, consoante os casos. Pode simular uma enxaqueca, ser incapacitante, constante e persistente, acompanhada por vezes de náuseas e/ou vómitos.37

No estudo de qualquer cefaleia de origem desconhecida, com uma etiologia que pareça pouco clara, deve ser sempre eliminada a possibilidade da causa ser ocular ou existir nos olhos algum factor precipitante da cefaleia.37

Erros refractivos - heteroforias Astenopia

Do ponto de vista etimológico astenopia quer dizer visão escassa, mas o seu significado não se refere a “diminuição da visão”. Trata-se de um conceito que engloba todas as perturbações que surgem relacionadas com a visão de perto, tal como mau estar ocular, visão turva, sensação esporádica de diplopia, sensação de cansaço

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prematuro, cefaleias, dor retro-ocular, etc. Estes sintomas têm um carácter intermitente e são motivados pelo esforço de compensar imperfeições ópticas ou musculares.

A astenopia pode melhorar com a interrupção do trabalho de perto, mas quando o mesmo se prolonga por muito tempo, faz com que um incómodo vago inicial possa dar lugar a uma sensação de tensão real, que chega a manifestar-se como dor, por vezes grave e aguda, estendendo-se profundamente na órbita e com irradiação para toda a cabeça, originando uma cefaleia generalizada.37

Etiologia

1. Factores ambientais 1.1 Tipo de tarefa visual

Os objectos muito pequenos obrigam-nos a uma aproximação dos mesmos para ampliar a imagem retiniana, forçando a acomodação convergência. Este tipo de trabalho pode ser um factor importante na etiologia da cefaleia de causa ocular.

1.2 Iluminação

O grau de iluminação necessário para os trabalhos de precisão sem esforço dependem da complexidade e dificuldade visual da tarefa a desempenhar, da acuidade visual, da idade do indivíduo e da velocidade e rigor com que é necessário perceber os objectos.

Se o tamanho e o contraste dos objectos forem grandes a função visual poderá desenrolar-se com relativa facilidade, com uma iluminação mais escassa. Pelo contrário, à medida que se reduz o tamanho e/ou o contraste dos objectos será necessário um nível de iluminação superior para que a tarefa decorra com eficácia.

A distribuição da iluminação é tão importante como a sua intensidade, pois uma distribuição errónea pode induzir a apresentação de reflexos.

Uma iluminação excessiva pode causar encandeamento que dificulta a visão ao diminuir a sensibilidade retiniana e pode provocar uma contracção pupilar sustentada, responsável por uma dor ocular persistente.37

A fonte de luz tem influência na qualidade da iluminação e na eficiência visual. A luz solar é a mais adequada para o trabalho. As luzes fluorescentes aumentam a fadiga visual.37

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2.0 Factores oculares 2.1 Erros refractivos

A causa mais comum dentro dos factores oculares são as pequenas ametropias não corrigidas, porque quando o erro é pequeno o doente pode tentar rectificá-lo com um esforço continuado do músculo ciliar, o que acaba por provocar fadiga muscular, fadiga neuro-muscular e vários sintomas reflexos. Os erros grandes, como provocam uma baixa significativa de visão levam mais rapidamente o doente a procurar correcção dos mesmos com lentes.37

Diz-se que um indivíduo tem um erro refractivo quando o seu olho não é capaz de trazer raios de luz paralelos (objectos distantes) a serem focados na retina. Existem três tipos de erros refractivos: hipermetropia, miopia e astigmatismo.

A ausência de erros refractivos designa-se por emetropia.

2.1 a) Hipermetropia

É o estado refractivo no qual os raios de luz paralelos provenientes teoricamente do infinito, tendem a focalizar-se atrás da retina. Formam-se circulos de difusão na retina que produzem uma imagem dos objectos desfocada e confusa, estando o olho em repouso, sem acomodação.

Pode ser resultante de um aplanamento antero-posterior do globo ocular - hipermetropia axial ou de diminuição do poder de refracção por diminuição da curvatura normal da córnea – hipermetropia de curvatura ou por diminuição do poder de refracção do cristalino (por aumento do índice do córtex que tende a igualar o do núcleo) - hipermetropia de índice.

A única forma de se obter uma imagem nítida dos objectos é através do aumento do poder de convergência do sistema óptico, que pode ser conseguida de duas formas: por contracção do músculo ciliar que aumenta a curvatura do cristalino e aumenta o seu poder refractivo (acomodação), ou por meios artificiais (lentes). O hipérmetrope utiliza permanentemente a sua acomodação para trazer as imagens para um plano retiniano, quer na visão de longe, quer na visão de perto.

Um doente hipermétrope quando tem um erro refractivo de valor superior à sua capacidade de acomodação verá mal ao longe e muito pior ao perto. O sintoma subjectivo mais caracteristico da hipermetropia não corrigida é um transtorno visual produzido pelo esforço, maior ou menor, a que submete a sua acomodação e que trás consigo a chamada

astenopia acomodativa. O doente vê-se obrigado a interromper

periódicamente o seu trabalho visual por crises de visão desfocada que melhoram com o repouso. A esta fadiga visual sucedem dores mais ou menos intensas da região ocular que podem chegar a uma verdadeira cefaleia. Nalguns casos produz-se visão desfocada com impossibilidade de focar os objectos próximos, quando a acomodação se torna dificil por efeito da fadiga, podendo levar inclusivé a sintomas vegetativos, como náuseas e vómitos. Em virtude de o esforço acomodativo ser sempre

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maior na visão de perto, a astenopia e uma eventual cefaleia ocorrerá mais facilmente nos indivíduos que utilizam mais este tipo de tarefa visual (ex: estudantes; bancários; secretários administrativos; costureiras; técnicos de informática; desenhadores gráficos; etc).

Nas revisões bibliográficas os sintomas mais frequentemente descritos nos hipermetropes são as cefaleias frontais, incluindo os globos oculares, ocorrendo por vezes verdadeiras enxaquecas com náuseas e vómitos.37,38,39,40

2.1 b) Miopia

É o estado refractivo no qual os raios paralelos de luz provenientes do infinito são focados num ponto anterior à retina.

Pode ser resultante de um excessivo alongamento do olho (miopia axial) relativamente aos seus componentes refractivos, ou resultar de um poder refractivo global do olho, determinado pela curvatura da córnea e do cristalino (por ex: catarata nuclear), excessivo em relação ao comprimento axial normal do olho (21,50-25,50 mm) (miopia refractiva).

Um miope não corrigido ou mal corrigido para longe, apresenta uma baixa acuidade visual de longe, por vezes acompanhada de cefaleias.

Excepcionalmente alguns miopes com correcções ópticas inadequadas, incorrectas ou desactualizadas referem sensação de pressão ocular relacionada com o trabalho prolongado de perto. Nestes casos o mais provável é a existência de incoordenação da convergência com uma acomodação inadequada. No entanto, é preciso referir que os miopes não são sensiveis a tais situações, pois chegam a suportar com relativa facilidade exoforias, estrabismos divergentes transitórios e inclusivé intermitentes. Os miopes podem ter queixas de mau estar com os trabalhos de perto, ao aproximar-se excessivamente dos objectos e ao flectir o pescoço. Com frequência as dores dos ombros e nuca acompanham-se de cefaleia devida a contractura da musculatura occipital e cervical.

A situação pode ser diferente nos miopes corrigidos em excesso e transformados em hipermétropes débeis. Neste caso, um miope que em circunstâncias normais acomoda menos que um emétrope, pode ter cefaleias com localização ocular e frontal, semelhantes às experimentadas pelos hipermétropes com astenopia acomodativa.37,38,39

2.1 c) Astigmatismo

O sistema óptico diz-se astigmata quando a imagem de um ponto não é vista como tal na retina. No astigmata o raio de curvatura da córnea central varia entre os diferentes meridianos, particularmente entre os dois planos principais que definem o astigmatismo e que habitualmente são perpendiculares entre si, ou seja, a córnea central não se assemelha a uma calote esférica, de curvatura regular (como é típica do émetrope, dos miopes e dos hipermétropes). O olho do

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astigmata obterá a partir da imagem de um ponto duas imagens lineares, designadas por focais, situadas nesses planos principais. A imagem mais anterior corresponde ao plano mais convergente; a imagem mais posterior é dada pelo menos convergente. Um dos dois focos, pelo menos, não fica no plano retiniano, pelo que a imagem não é nítida. Se os dois meridianos se situam a uma distância de 90º entre si, o astigmatismo diz-se regular. Se tal não acontece diz-se irregular. Se por outro lado distam 90º, mas não se situam nos planos horizontal ou vertical, o astigmatismo é oblíquo.

O mau estar e as dores resultantes do astigmatismo devem-se ao esforço do doente para ajustar o eixo do astigmatismo que lhe parece mais favorável, obrigando a um esforço prolongado, alternante e pouco eficaz do seu músculo ciliar. Frequentemente astigmatas que habitualmente toleram o seu pequeno erro refractivo, queixam-se de astenopia e dor ocular quando fazem um trabalho em que é necessária uma visão muito nítida, ou em situações de doença e debilidade física e psíquica.37,38,39,40

2.1 d) Anisometropia

Quando o poder refractivo de um olho é diferente do olho adelfo (anisometropia) pode aparecer uma astenopia acomodativa com dor surda, que se pode tornar lancinante na região frontal, ocular ou cefálica. Em regra geral uma diferença refractiva entre ambos os olhos só é suportável com relativa comodidade quando é inferior às quatro dioptrias. Nestas situações o ideal é a utilização de lentes de contacto para reduzir o mau estar ocular durante um esforço visual prolongado.

37,38,39,40

2.1 e) Presbiopia

É a dificuldade em focar objectos próximos devido a um declínio normal, relacionado com a idade, do poder acomodativo do cristalino.

Na correção óptica destas situações é importante a distância a que se realiza o trabalho de perto, pois pode não coincidir com a correcção óptica do individuo e ser por si só causadora de mau estar. Por exemplo um pianista poderá necessitar de uma correcção de perto ajustada para 50 cm para ler uma pauta, e não da habitual correcção para cerca de 33 cm, que é a utilizada na maioria das vezes para leitura de um livro.

37,38,39,40

2.2 Heteroforias

Cerca de 70% da população tem heteroforia, sem que a mesma interfira com a visão na maioria dos casos.

A heteroforia com fusão normal compensa-se aumentando o tónus de certos músculos oculares, o que pode induzir astenopia muscular. Se

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o doente usa óculos, mas os mesmos estiverem mal executados, pode-se produzir uma heteroforia artificial, com um quadro de astenopia.

Dentro das heteroforias a menos bem tolerada é a hiperforia, já que a capacidade de fusão vertical raramente é superior a 2%. A que produz menos sintomas é a esoforia, visto que a visão de perto se associa à convergência.37,38,39,40

2.3 Insuficiência de convergência

Esta deficiência produz sintomas de astenopia, fundamentalmente diplopia.

A diminuição do poder de convergência manifesta-se muitas vezes em doentes com debilidade física ou fadiga neuro-muscular, juntamente com redução do poder de fusão e exoforia.

É necessário corrigir em todos os casos os erros refractivos, tendo em conta a relação acomodação-convergência, já que uma miopia mal corrigida pode originar uma convergência defeituosa.38

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2. ENXAQUECA

Definição

A enxaqueca, com as suas múltiplas variedades, faz parte do grupo das cefaleias não associadas a lesões estruturais, em que a dor é de causa desconhecida, podendo resultar de disfunção de um ou mais sistemas orgânicos. Este tipo de cefaleias são designadas genericamente por cefaleias primárias ou idiopáticas.

A enxaqueca é uma doença neurológica crónica caracterizada por episódios dolorosos e debilitantes de cefaleia. Os doentes que sofrem de enxaqueca são obrigados a viver com uma série de restrições, evitando factores conhecidos como desencadeadores de crises de enxaqueca, tais como a privação do sono, o stress, ruídos fortes, luzes brilhantes, consumo de bebidas alcoólicas, particularmente vinho tinto, de chocolate e certas variedades de queijo.

Alguns estudos sugerem que a enxaqueca não é apenas uma doença crónica. Nalguns doentes ela apresenta uma natureza progressiva, com uma frequência e gravidade crescentes das crises.

A enxaqueca figura no ranking da OMS na 19ª posição mundial entre todas as doenças causadoras de incapacidade.

O reconhecimento dos factores desencadeantes das crises pelos próprios doentes, contribui para que estes adoptem mudanças no seu estilo de vida, por forma a minimizarem a frequência das mesmas.41,42

Prevalência e impacto

A grande variabilidade da apresentação clínica da enxaqueca, torna difícil a avaliação da sua prevalência. É difícil estudar uma população por longos períodos de tempo, com contactos e observações periódicas.

Os resultados de diversos estudos efectuados são contraditórios, porque foram estudadas populações com caracteristicas diferentes (idade, sexo, situação profissional) e foram utilizados critérios de diagnóstico diferentes.

Balyeat e Rinkel em 1931, encontraram percentagens de doentes com enxaqueca que variavam entre 3,7% a 13,5% conforme o grupo social estudado. Bille43 em 1962 estudou 9000 crianças suecas e encontrou 1% de enxaquecas aos 6 anos e 5% aos 11 anos. Dalsgaard-Nielsen44, em 1970 ao estudar crianças dinamarquesas, encontrou percentagens de 3% aos 7 anos e 9% aos 15 anos. Nos adultos as crises ocorriam em 11% dos homens e 19% das mulheres. No Reino Unido, um estudo efectuado pelo British Migraine Trust em 1975, em 15000 pessoas, mostrou uma prevalência de 20% no sexo masculino e 26% no sexo feminino. Já nos Estados Unidos da América a prevalência anual foi calculada em cerca de 18% para as mulheres e 6% para os homens.

Em Portugal existe um estudo de prevalência de uma população estudantil universitária efectuado em 1992 por Pereira Monteiro45,

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Eduardo Matos e José M. Calheiros, que revelou uma prevalência de 6,1%, na forma pura e um outro estudo populacional efectuado por Pereira Monteiro que mostrou uma prevalência de 8,8% de enxaqueca ao longo da vida, na sua forma pura e mais 12,1% associada a outras formas de cefaleias, predominantemente cefaleias de tensão46,47.

Factores sócio-demográficos

Segundo Lance e Antony, as crises têm início na primeira década de vida, em cerca de 25% dos doentes, sendo mais frequente iniciarem-se na segunda década48.

A enxaqueca ocorre em todos os grupos etários. A prevalência da enxaqueca aumenta durante a adolescência e a idade adulta, atingindo o pico, em ambos os sexos, pouco depois dos 30 anos, sofrendo um declínio daí em diante. O início das crises ocorre em cerca de 90% dos casos antes dos 40 anos e só raramente surge pela primeira vez depois dos 50 anos. A remissão ocorre na 5ª ou 6ª década, sendo favorecida pela menopausa. A diminuição da prevalência de cefaleias com o avançar da idade, já verificada em diversos estudos transversais, pode ser explicada, pelo facto de certos tipos de cefaleias serem auto-limitadas, como por exemplo a enxaqueca, mas também por problemas de memória ou simplesmente pela ocorrência de doenças mais graves. As pessoas com enxaqueca com aura podem manter os sintomas neurológicos sem cefaleia depois dos 50 anos.49,50

Antes dos 12 anos é mais comum nos rapazes do que nas raparigas. Posteriormente existe uma prevalência desproporcional nas mulheres. Aos 20 anos a proporção entre H:M é de 1:2. Entre os 42 e os 44 anos passa a ser H:M 1:3. Esta preponderância feminina é atribuída a factores hormonais, associados aos ciclos menstruais. Cerca de 60% das crises que ocorrem em mulheres com enxaqueca têm relação com os seus períodos menstruais.49,50

Diversos estudos de base populacional demonstraram que existe uma distribuição uniforme da prevalência de cefaleias, em geral, nas diversas classes sociais independentemente dos níveis de instrução e de qualificação social.49,50

Factores genéticos

A responsabilidade dos factores genéticos no desencadear das crises de enxaqueca e a forma como eles poderão contribuir para a hiper-excitabilidade neuronal, começam agora a ser identificadas. É sabido que a enxaqueca tem tendência familiar. 75% dos doentes com crises têm uma história familiar de cefaleias51.

Russel e Olesen51,52 nos seus estudos, concluíram que os familiares em primeiro grau dos indivíduos investigados com enxaqueca com aura, apresentavam um risco aproximadamente quatro vezes mais elevado de virem a sofrer também de enxaqueca com aura, mas não de enxaqueca sem aura. Quando comparados com a população em geral, os familiares

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em primeiro grau dos indivíduos que sofriam de enxaqueca sem aura, apresentavam um risco de 1,9 vezes mais elevado de virem a sofrer de enxaqueca sem aura sendo o risco de 3,8 vezes se forem familiares de doentes com enxaqueca com aura.51,52

A primeira mutação genética identificada como estando associada à enxaqueca hemiplégica familiar é designada por gene CACNA 1A e fica localizada no cromossoma 19. Este defeito (autossómico dominante) altera o funcionamento de canais de cálcio neuronais (tipo P/Q) que estão envolvidos na libertação de vários neurotransmissores. Vários loci têm sido identificados em anos recentes. Um locus para enxaqueca com aura no cromossoma 4. Um para enxaqueca com e sem aura, no cromossoma 6. Um outro locus para enxaqueca sem aura no cromossoma 14.53

Estudos com gémeos têm revelado que gémeos monozigóticos têm uma prevalência mais elevada de enxaqueca do que os dizigóticos, confirmando o papel da genética.53

Factores precipitantes

Existem casos em que a cefaleia da enxaqueca pode ocorrer regularmente ou em ciclos sem qualquer relação aparente com factores causais evidenciáveis, parecendo resultar de perturbação de um mecanismo endógeno. Noutros casos os doentes relacionam as crises com certos factores ambientais, quer exógenos quer endógenos.

Factores precipitantes exógenos:

Factores ambientais: alterações térmicas, tais como calor excessivo,

frio intenso, bebidas geladas, ruído excessivo, luzes intermitentes, cheiros muito activos ou a combinação de vários destes factores.54

Traumatismos: os cranianos mínimos, particularmente nas crianças e

nos desportistas, podem originar crises típicas de enxaqueca.55

Dores localizadas: cervicais, dentárias, sinusais, otológicas ou

oculares.54

Esforços físicos: exercício físico intenso, quer na prática desportiva,

quer na actividade profissional ou sexual. A ocorrência de crises nestas situações poderão ser explicadas por diversos mecanismos, tais como hipoglicemia, contracção muscular sustentada, hipoxia ou hipertensão arterial transitória.56

Alimentação: há doentes que referem que têm crises após jejum

prolongado. A maioria dos doentes relaciona as crises com alimentos gordos, chocolates, citrinos, queijo, marisco e álcool, entre outros. No entanto os estudos efectuados até ao momento por diversos autores são contraditórios quanto a esta relação de certos alimentos com o desencadear das crises. Podem resultar do simples facto de na fase prodrómica os doentes terem uma apetência especial por certos alimentos e posteriormente acabam por os relacionar com a crise.57,58

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Factores precipitantes endógenos:

Alterações hormonais: associação das crises com a fase

pré-menstrual, é uma situação frequente. Certos contraceptivos orais aumentam as crises nas mulheres susceptíveis. Admite-se, como explicação que a retenção hídrica e a tensão emocional que ocorre na menstruação, associadas a uma quebra brusca dos níveis de estrogénios (abaixo dos 20 ng/ml) sejam desencadeadoras das crises.33

Sono: o sono pode resolver as crises, mas frequentemente pode

desencadeá-las, se for prolongado.33

Jejum prolongado: desencadeia episódios mais frequentemente nas

crianças. A explicação poderá ser a hipoglicemia.59

Fadiga: a fadiga intensa na fase de relaxamento pós-esforço, pode

desencadear crises, talvez por vasodilatação secundária.59

Factores psicológicos: stress prolongado ou emoções fortes podem

originar crises.60

Aspectos clínicos da enxaqueca.

A enxaqueca não é apenas uma doença crónica, nem é apenas uma dor de cabeça. É uma situação patológica cujas manifestações clínicas traduzem um envolvimento do sistema nervoso central, particularmente das funções visuais, motoras, sensitivas, sensoriais e cognitivas e também do sistema nervoso autonómico, com alterações funcionais gastro-intestinais, cardio-vasculares, respiratórias, endócrinas, metabólicas e cutâneas. A cefaleia é o sintoma dominante.

As fases da enxaqueca:

Pródromos (sintomas premonitórios)

Os sintomas premonitórios que antecedem a cefaleia em várias horas, ou dias, são, frequentemente, os primeiros sinais da iminência de uma crise de enxaqueca.

Ocorrem em aproximadamente 60% dos doentes.

Podem ocorrer uma grande diversidade de manifestações clínicas psico-somáticas, tais como: alterações no humor; alterações na vigília (bocejo frequente, sono súbito, sem motivo aparente); alterações do apetite, sobretudo apetência por alimentos doces ou ricos em hidratos de carbono; alteração do nível de energia; alteração do trânsito intestina (sobretudo obstipação); retenção hídrica; hipersensibilidade à luz ou ao ruído, apatia; dificuldades de concentração, entre outros.61,62

(30)

Aura

A aura da enxaqueca caracteriza-se por alterações neurológicas – fenómenos visuais, sensoriais ou motores, isolados ou em combinação – que de uma forma geral precedem ou acompanham uma crise.

Ocorre em cerca de 20% dos doentes que sofrem de enxaqueca. A aura visual é a mais frequente. Pode apresentar-se sob a forma de cintilações, formas geométricas (linhas em zig-zag), escotomas intermitentes ou persistentes, podendo atingir a forma de uma hemianópsia.

Uma aura visual típica pode manifestar-se como um arco de luzes cintilantes que tem início no campo central da visão e que se pode expandir para uma metade do campo visual.

A aura sensitiva, menos frequente, é geralmente constituída por parestesias, habitualmente de localização peri-bucal e palmar, raramente como uma hemi-hipostesia ou hemi-anestesia.

A aura motora, ainda mais rara, caracteriza-se por diminuição da força num hemicorpo e, se atinge o hemisfério dominante, pode acompanhar-se de disfasia motora.

Existem ainda auras complexas, de tipo cognitivo, com perturbações do pensamento abstracto, desorientação e confusão mental.

Acredita-se que a aura corresponde fisiologicamente a uma onda de despolarização, que de forma lenta (2-3 mm/min) viaja ao longo do córtex.61,62

Cefaleia ou fase drómica

A cefaleia típica da enxaqueca começa geralmente por uma dor unilateral, de instalação aguda e excruciante, que progride gradualmente em minutos ou horas, podendo tornar-se mais tarde pulsátil ou permanecer constante. Qualquer actividade física rotineira pode agravar a dor. Pode ocorrer em qualquer período do dia ou da noite, mas é mais frequente de manhã ao acordar. Dura aproximadamente entre 4 a 72 horas, mas na maior parte dos casos as crises têm uma duração inferior a 24 horas. Quando ultrapassam os três dias de duração, as crises designam-se por “estado de enxaqueca” ou “estado de mal de enxaqueca”.

A cefaleia pode ser acompanhada de náuseas ou vómitos. Alguns doentes têm hipersensibilidade à luz (fotofobia e lacrimejo) ou ao ruído (fonofobia) e até aos cheiros (cheirofobia) e procuram habitualmente lugares escuros ou calmos para evitar estes estímulos. Outros ainda têm hipersensibilidade dolorosa, particularmente no couro cabeludo, condição que actualmente se atribui a alodinia aumento da pulsatilidade das artérias temporais superficiais e da temperatura da cabeça no local da dor.61,62

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Fase da resolução

Nesta fase a respiração torna-se regular. Os vómitos (espontâneos ou provocados), assim como o sono podem aliviar a dor. Na parte final pode haver desejo de alimentos quentes.61,62

Fase pós-drómica

As crises são frequentemente seguidas de sintomas pósdromicos, que se podem assemelhar aos pródomos, e que podem durar de horas a dias, embora habitualmente não ultrapassem as 24 horas. É uma fase de recuperação em que o doente pode manifestar alterações de humor variáveis, desde apatia e depressão a euforia, perturbações de vigília, sono e bocejo, falta de concentração, alterações gastro-intestinais, anorexia e aumento da diurese, com restabelecimento do equilibrio hídrico.60,61

Classificação e diagnóstico

A International Headache Society30,63 (Sociedade Internacional de Cefaleias) classifica a enxaqueca da seguinte forma:

1. Enxaqueca

1.1 Enxaqueca sem aura

1.2 Enxaqueca com aura

1.2.1 Aura típica com cefaleia típica (de enxaqueca) 1.2.2 Aura típica com cefaleia atípica (de enxaqueca) 1.2.3 Aura típica sem cefaleia

1.2.4 Enxaqueca hemiplégica familiar (FHM) 1.2.5 Enxaqueca hemiplégica esporádica (SHM) 1.2.6 Enxaqueca do tipo basilar

1.3 Síndromes periódicas da infância geralmente percussoras da enxaqueca

1.3.1 Vómitos cíclicos 1.3.2 Enxaqueca abdominal

1.3.3 Vertigem paroxística benigna da infância

1.4 Enxaqueca retiniana

1.5 Complicações da enxaqueca 1.5.1 Enxaqueca crónica

1.5.2 Estado de mal de enxaqueca 1.5.3 Aura persistente sem enfarte 1.5.4 Enfarte atribuído à enxaqueca

Imagem

Figura 1a) Distribuição por idade e sexo do grupo com enxaqueca
Figura 1b) Distribuição por idade e sexo do grupo controlo
Tabela 1: Pesquisa de heteroforias com Asa de Maddox.
Tabela 4: Lateralização da dor
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Referências

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