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COOPERAÇÃO OU CONFLITO? PROSPECÇÕES SOBRE A GEOPOLÍTICA BRASILEIRA E A ESTRATÉGIA CHINESA PARA O ATLÂNTICO SUL

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Academic year: 2021

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COOPERAçÃO OU CONFLItO? PROSPECçõES SOBRE A GEOPOLítICA BRASILEIRA E A EStRAtÉGIA CHINESA PARA O AtLâNtICO SUL

Sérgio Ricardo Reis Matos* Marcelo Bastos de Souza** RESUMO

O trabalho discute as relações entre a geopolítica brasileira, acerca do Atlântico Sul, e a estratégia de inserção internacional chinesa. À luz de teorias de cultura estratégica, conclui sobre a prospecção dessas relações. Para tanto, o estudo possui uma seção conceitual, abarcando a cultura estratégica e as teorias geopolíticas aplicadas; e uma seção de discussão, abordando cultura(s) estratégica(s) chinesa(s) e prospecções relacionadas. O estudo segue abordagem qualitativa e foi delineado a partir de investigação bibliográfica e documental. Para reforçar interpretações, contém pesquisa de campo exploratória, operacionalizada por questionário respondido por oficiais-generais e professores universitários de diversas áreas de estudo aplicado. Sobre cultura estratégica chinesa, verifica-se que Pequim prioriza atacar a estratégia do oponente do que seu poderio militar, enfatizando o soft power. Seu ancestral quanbian reflete, numa vertente, a submissão do oponente sem empregar diretamente a força; em outra, em situações extremas, prefere ações diretas ofensivas. Na conclusão, presume-se que, em um recorte temporal de 30 anos, embora as estratégias brasileira e chinesa sejam concorrentes no Atlântico Sul, as soluções de controvérsias terão cunho soft, baseadas em pressupostos de cooperação e negociação, até porque o poder militar sino terá como prioridade solucionar questões no seu entorno. No caso de agravamento da crise, nesse recorte, as soluções serão buscadas nas instâncias dos organismos internacionais. Palavras-chave: Geopolítica. Atlântico Sul. Cultura estratégica. Estratégia chinesa.

cooperation or conflict? prospects aBout the BraZilian Geopolitics and the chinese strateGies for the south atlantic

ABStRACt

This paper discusses the relationship between Brazilian geopolitics (South Atlantic) and Chinese international insertion strategies, in order to conclude the prospecting of this relationship over the theories of strategic culture. Thus, this study has a conceptual section, covering the strategic culture, the applied geopolitical theories, ____________________

* Mestre em Relações Internacionais e Integração. Major do Exército Brasileiro. Colaborador do Laboratório de Estudos de Sociedade e Defesa (LABSDEF) da ESG. Contato:< sergiomatos97@gmail.com.>.

** Mestre em Ciências Militares. Major do Exército Brasileiro. Integrante do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Contato: <m.bastos.souza@uol.com.br.>.

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and a section of discussion, so that it approaches the culture strategic Chinese and the related prospecting. This study is a qualitative approach, designed from bibliographic and documentary researches. To support interpretations, this work contains an exploratory research, operationalized by a questionnaire answered by general officers and academics from various applied areas of study. About Chinese strategic culture, it is important to observe that Beijing has given priority to attack the opponent’s strategy than its military power, emphasizing the soft power. Their ancestral quanbian reflect, in part, the submission of the opponent without employing it force. On extreme situations, they have preferred an accurate offensive action. In conclusion, although the Brazilian and Chinese strategies are to contend the South Atlantic, it is assumed that, in a time frame of 30 years, the controversies will disappear slowly, based on cooperation and negotiation assumptions. It is because the military power bell will focus on resolving issues in their surroundings. In this extract, in the case of aggravation of the crisis, the legal bodies of international organizations will discusses about solutions.

Keywords: Geopolitics . South Atlantic . Strategic Culture. Chinese strategy.

¿cooperación o conflicto? perspectiVas soBre la Geopolítica BrasileÑa y la estrateGia china para el atlantico sur

RESUMEN

El documento analiza las relaciones entre la geopolítica brasileña sobre el Atlántico Sur y la estrategia de inserción internacional de China. A la luz de las teorías de la cultura estratégica, concluye en la exploración de estas relaciones. Así, el estudio tiene una sección conceptual, que abarca la cultura estratégica y aplica las teorías geopolíticas; y una sección de discusión, abarcando a la cultura(s) estratégico(s) China(s) y los estudios relacionados. El estudio sigue un enfoque cualitativo y fue diseñado desde la investigación bibliográfica y documental. Para corroborar interpretaciones, hayun estudio de campo, llevado a cabo mediante un cuestionario respondido por los oficiales generales y académicos de diversas áreas aplicadas de estudio. Acerca de la cultura estratégica china, China da prioridad a atacar la estrategia del rival de su poderío militar, haciendo hincapié en el poder blando. Su ancestral quanbian refleja, en parte, la presentación de su oponente sin empleo directo a la fuerza; en otro, en situaciones extremas, prefiere la acción directa ofensiva. En conclusión, se supone que, en un plazo de 30 años, a pesar de las estrategias de Brasil y China compiten en el Atlántico Sur, la solución de controversias morirán suave, basada en la cooperación y negociación suposiciones, porque el poder militar chino se centrará en la resolución de problemas en su entorno. En el caso de agravación de la crisis, las soluciones se buscarán en los trámites de las organizaciones internacionales.

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1 INtRODUçÃO

A descoberta de técnicas de extração de hidrocarbonetos em águas profundas e o aumento das transações comerciais com parceiros além-mar contribuíram para que o Brasil ressignificasse a importância de sua costa marítima.

Nesses últimos trinta anos, o Atlântico Sul deixou de ser um remanso geoestratégico para se tornar referência de contínuas ações no campo diplomático, sendo vetor para o fortalecimento de capacidades militares do país.

Outrossim, não é apenas Brasília que vislumbra lograr interesses nessa nova região. Abdenur e Souza Neto (2013), por exemplo, afirmam que o Atlântico Sul também assumiu nova relevância em Segurança e Defesa para a China, que estaria interessada em garantir o uso de rotas para o transporte de matérias-primas, impulsionada por suas crescentes demandas energética e alimentar.

Esse fato é relevante, pois a China, segundo Oliveira (2010), é um ator cujas futuras estratégias influenciam a segurança internacional. Nessa premissa, sob uma perspectiva tradicional do dilema da segurança, Mearsheimer (2004) postulou a Teoria da China-Ameaça, em que Pequim utilizará, mandatoriamente, métodos não pacíficos para constituir-se potência mundial.

Os atuais números da Defesa chinesa são significativos. O Livro Branco chinês (CHINA, 2013) enseja que o país, para salvaguardar seus interesses no mundo, conta com mais de um milhão de militares, um porta-aviões, uma Força Naval em modernização, mísseis balísticos e de cruzeiro1. Numa primeira aproximação, esses dados indicam elementos (meios e finalidade) que, seguindo os clássicos pressupostos de Beaufre (1998), podem induzir à teoria de Mearsheimer (2004).

Surge uma questão instigadora: seria um cenário prospectivo uma disputa militar entre Brasil e China no Atlântico Sul?

Nessa moldura, à luz de teorias de cultura estratégica, o trabalho discute as relações entre a geopolítica brasileira acerca do Atlântico Sul e a estratégia de inserção internacional chinesa, concluindo sobre a prospecção dessas relações.

A pesquisa valoriza perspectivas qualitativas. Intenta aproximar-se do pensamento de Morin (2009), ao considerar que desafios contemporâneos são problemas-chave para o pensamento e ação geopolítica. As incertezas desse mundo complexo devem ser analisadas de forma multidimensional, multidisciplinar, e não simplesmente pelo dogma determinista.

2 REVISItANDO CONCEItOS

Esta seção trabalha os conceitos de cultura estratégica, bem como a evolução da geopolítica brasileira aplicada.

1 Inclusive no setor espacial, Pequim possui capacidade para lançar mísseis visando à destruição de meios espaciais, pontos sensíveis estadunidenses. (OLIVEIRA, 2010).

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2.1 Cultura Estratégica

No contexto investigado, pode-se valer do conceito de cultura estratégica, que tem como um de seus precursores o pesquisador Colin Gray, que assim a define:

Cultura estratégica consiste nas premissas socialmente construídas e transmitidas, hábitos mentais, tradições e métodos preferenciais de operação [...] que são mais ou menos específicos para uma determinada comunidade de segurança geográfica. (GRAY, 1999, p. 28, tradução nossa).

Segundo Gray, nem as pessoas, tampouco as instituições, podem agir além da cultura. Os fatores culturais influenciam tanto as ideias quanto os comportamentos, o que pode ser estendido às questões estratégicas.

Não obstante, o autor alerta que a cultura estratégica não pode ser analisada isoladamente, mas em contexto: “O contexto cultural estratégico para o comportamento estratégico inclui os atores estratégicos e suas instituições que produzem cultura e interpretam aquilo que percebem.” (GRAY, 1999, p. 130, tradução nossa).

Ressalta-se, ainda, que a cultura estratégica pode mudar com o passar do tempo, conforme novas experiências assimiladas, decodificadas e transmitidas culturalmente, bem como por fatos que alterem radicalmente o status quo.

Vários são os fatores que influenciam a cultura estratégica, tais como a geografia física e política, a ideologia política e religiosa e até as tecnologias militares, porém os principais atores que interferem sobre a cultura estratégica são os seres humanos, os agentes culturais por excelência, que podem modificar o ambiente estratégico de acordo com suas preferências e as circunstâncias que se apresentem.

Verifica-se, também, que eventuais comportamentos desviantes não implicam necessariamente uma transformação da cultura estratégica. Gray (1999) cita o exemplo da Inglaterra nas duas grandes guerras mundiais: o fato de haver combatido nesses dois conflitos sob uma estratégia predominantemente continental foi circunstancial, o país não abandonou sua cultura estratégica essencialmente marítima.

O autor alerta para os perigos do etnocentrismo, o que leva a sérios erros de avaliação, como no caso dos soldados americanos na Segunda Guerra Mundial que chegaram ao front com ideias pré-concebidas sobre o “engessamento” do soldado alemão e se depararam com um inimigo versátil.

Gray (1999) apresenta alguns princípios que auxiliam o entendimento dessa teoria. O comportamento estratégico não pode existir além da cultura, ou

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seja, por mais desviante ou excepcional que determinado comportamento seja, sempre estará alicerçado sobre um padrão cultural de pensamento típico daquele determinado país ou comunidade de segurança.

A adversidade não pode cancelar a cultura: em condições de pressão, em que o tempo para a tomada de decisões é escasso, os fatores culturais imperam sobre os demais.

A cultura estratégica funciona como um guia para a ação estratégica, pois os combatentes, em todos os níveis, carregam consigo uma herança cultural que é fundamental na compreensão da realidade e que prevalece nas grandes decisões.

A cultura estratégica pode, ainda, apresentar comportamentos e ideias que Gray (1999) chamou de dysfunctional, que traduzimos livremente como “irracionais”. O autor alerta, contudo, que nem sempre os traços culturais “irracionais” serão dominantes e que outros fatores podem, dependendo do contexto, preponderar e levar a uma situação estratégica vantajosa. Cabe ressaltar que mesmo os fracassos estratégicos podem ser aproveitados como fatores motivacionais, como a Retirada da Laguna2 para o Brasil. Todavia, que essa não foi a única maneira de compreender a cultura estratégica. Johnston oferece contrapontos:

É preciso cautela ao utilizar a cultura estratégica como uma ferramenta de análise. [...] A cultura estratégica pode ter um efeito observável no comportamento dos Estados, mas [...] ela não pode ser o único fator para qualquer Estado. (JOHNSTON 1995, p. 33, tradução nossa).

Além disso, o autor enfatiza que, por causa da complexidade do conceito de cultura e pelo fato de ser um somatório de diferentes fatores (valores, tradições, história, costumes etc.), a cultura estratégica, por conseguinte, deveria ser analisada de maneira mais particularizada, conforme cada realidade estratégica.

Ademais, Johnston afirma que Gray deixou pouco espaço às explicações não culturais e desvios comportamentais, o que, de certa forma, fragiliza o conceito.

Outra crítica de Johnston refere-se à proposição de que uma nação teria apenas uma cultura estratégica dominante. Segundo o autor, ocorre justamente o contrário: seria mais plausível supor que a diversidade de uma sociedade sob os mais variados aspectos produziria culturas estratégicas diferentes e até mesmo conflitantes.

2 No contexto da Guerra da Tríplice Aliança, a Retirada da Laguna ocorreu entre 8 de maio e 11 de junho de 1867 e percorreu uma vasta região no Mato Grosso do Sul, onde os soldados brasileiros foram acometidos por fortes investidas paraguaias, pela fome, pela defasagem estratégica e de logística e por vários tipos de doenças. Estima-se que, dos três mil soldados enviados para compor as forças que invadiriam o território paraguaio, somente 700 sobreviveram. É considerada um dos maiores fracassos da história do Exército brasileiro.

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Johnston enfatiza ainda o fato de que a cultura estratégica é cambiante ao longo do tempo. Por esse motivo, a análise do comportamento de determinado ator por meio da cultura estratégica deve ser realizada de maneira bastante criteriosa, pois, dependendo do recorte temporal a ser avaliada, a cultura estratégica do Estado em questão pode não servir como parâmetro fidedigno para o estudo de seu comportamento estratégico.

Logo, Johnston propõe uma nova abordagem para cultura estratégica: [...] pressupostos comuns e regras de decisão que impõem um grau de ordem nas concepções individuais e coletivas em sua relação com o seu ambiente social, organizacional ou político (JOHNSTON, 1995, p. 45, tradução nossa).

O autor assevera ainda que culturas variadas podem existir, mas uma cultura dominante sobrepujará as demais por meio de sua instrumentalização e adoção como discurso pela classe política que deseja preservar o status quo. A cultura estratégica ofereceria, então, um “repertório” de opções para os decisores.

As categorias deste estudo são: herança cultural, que se aproxima do conceito de Gray; e adversidades comportamentais, que levam em consideração os contrapontos de Johnston.

2.2 A evolução da geopolítica brasileira aplicada

A Geopolítica, neste trabalho, compreende a fundamentação de linhas de ação políticas com base em fatores geográficos. Alargando o conceito, consoante Costa (1992), tem caráter interdisciplinar e considera o papel atual dos agentes políticos e das organizações na definição de mosaicos políticos territoriais numa determinada cultura.

Por envolver a cultura, é importante levar sua perspectiva histórica. No século XX, a Geopolítica floresceu no Brasil majoritariamente nos meios militares, utilizando-se de pressupostos clássicos alemães3 e estadunidenses (COSTA, 1992). Enfocando o Atlântico Sul, abordamos a teoria sobre Poder Marítimo, que tem o norte-americano Alfred Mahan como protagonista.

Da análise de Reis e Almeida (2012), destacamos sua principal tese: o oceano tem importância primordial para o engrandecimento das nações. Para desenvolver o Poder Marítimo, as nações devem possuir alguns fatores fundamentais: posição geográfica vantajosa; portos desenvolvidos e bem localizados; território com extensão que possibilite alternativas; população com tamanho e propensão; e governo que privilegiasse esse poder.

3 Oficiais que realizaram estágios na Alemanha entre 1906 e 1914 introduziram a Geopolítica nas escolas militares. Entre eles, Trindade (1911) publicou artigo na revista do exército Brasileiro, destacando, a partir de Ratzel e Richthofen, que o método alemão seria o novo rumo para os estudos geográficos na Escola Militar de Realengo.

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Costa (1992) cita que a consolidação desse pensamento originou-se durante o período da Primeira Guerra, com a construção do Canal do Panamá e o navy act, potencializando o status de potência mundial para os Estados Unidos da América (EUA). Esse status foi relevante para a evolução do pensamento geopolítico brasileiro, pois se confiou, durante as guerras mundiais e na Guerra Fria, a segurança do Atlântico à aliança com os EUA.

Em razão das condições geográficas brasileiras, bem como dos interesses nacionais e de nossas empresas no além-mar, certas proposições de Mahan, salvo suas condições imperialistas, são aplicáveis.

Na moldura do pensamento geopolítico brasileiro aplicado ao Atlântico Sul, este trabalho destaca os estudos de Delgado de Carvalho, Golbery do Couto e Silva, Meira Mattos, Therezinha de Castro e Wanderley Costa.

Pelo estudo do artigo O Atlântico, de Delgado de Carvalho (1939), ressalta-se o fato de os alemães terem realizado estudos geográficos no Atlântico Sul justamente nos períodos que antecederam as duas guerras mundiais. Em nossa análise, foram dados preciosos para a mobilização dos planos alemães. O trabalho ainda conclamou a necessidade de meticulosas pesquisas brasileiras sobre a região, para melhor aproveitamento de suas capacidades econômicas e de comunicação mundial.

No trabalho A questão da Antártica, Carvalho e Castro, tratando da discussão sobre o futuro daquele continente, asseveraram que “caberia ao Brasil uma iniciativa diplomática no hemisfério sul, onde seus territórios ocupam a maior extensão das terras conhecidas [...]” (CARVALHO; CASTRO, 1956, p. 503) e que a Geopolítica, “apesar do descrédito que lançaram sobre ela com o abuso das teorias nazistas, não pode ser ignorada numa hora tão decisiva, e, se impõe a consideração de nossos geógrafos, diplomatas e militares” (CARVALHO; CASTRO, 1956, p. 505). Inferimos que a Geopolítica aplicada sobre a Antártica sugestiona a implementação de capacidades marítimas no Atlântico Sul.

Por sua parte, os trabalhos de Golbery do Couto e Silva demonstram uma crescente importância ao Atlântico Sul. De golfão excêntrico (SILVA, 1955) a oceano mais vivificado do mundo (SILVA, 1981), ele manifestou sua tese de projeção pacífica no exterior, sob o discurso de colaboração com nações pobres de aquém e além-mar.

O Atlântico Sul seria a comunicação com os centros de produção e cultura no Hemisfério Norte, enquanto o Saliente Nordestino seria justamente a zona de soldadura entre os hemisférios. No bojo da Guerra Fria, Golbery afirmava que era necessário negociar uma aliança bilateral expressiva que assegurasse tanto a segurança quanto um papel protagonista do Brasil no Atlântico Sul (SILVA, 1981). O destino manifesto seria que essa aliança fosse com os EUA, visando eliminar a ameaça marxista nas costas africana e sul-americana.

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Quando no governo, Golbery destacou-se na busca pela melhoria da infraestrutura de portos e cidades adjacentes, pelo incentivo à pesquisa de prospecção de petróleo, bem como pela abertura comercial de hidrocarbonetos ao Oriente Médio, aspectos que, à época, direcionaram investimentos para a costa atlântica.

Por seu turno, Meira Mattos compreendia o Atlântico Sul como o pulmão do Brasil para o mundo exterior, aproximando-nos da África.

O Atlântico [...] oferece-nos não apenas a melhor via de comunicação entre grandes centros costeiros [...] ou [...] comércio exterior; propicia-nos, também, uma fonte de recursos econômicos da maior importância. Além da pesca [...], os novos caminhos abertos pela tecnologia vieram a ampliar a gama de recursos marinhos em setores [...] como os hidrocarbonetos. (MATTOS, 2011, p. 359).

Nesse sentido, Mattos enfatizava que esses novos caminhos tecnológicos impulsionaram a estratégia brasileira de adotar o mar territorial de 200 milhas, fato relevante para as atuais explorações na camada do Pré-sal.

Por sua vez, as teses de Therezinha de Castro priorizaram o estudo do Brasil como um país voltado para o Atlântico, com relações geo-históricas com a África e com destino na Antártica.

Em seus textos sobre a África, Castro cita fatores de aproximação com o Brasil (idioma, cultura e elites) e as diretrizes difundentes de Médici em direção ao continente, tendo o Atlântico Sul como o vetor geográfico de aproximação e de autonomia (CASTRO, 1997).

Sobre o continente Austral, Therezinha de Castro (1988) defendia a defrontação em sua partilha, justamente pela extensão da costa brasileira sobre o Atlântico Sul. Em sua teoria, o Brasil seria o único país de múltiplo vetor da América do Sul, por possuir conexões com todas as regiões naturais do subcontinente. Por essa razão, a instalação da estação brasileira foi importante, porém um pequeno passo. Para ela:

A Antártica começa por ser entendida como constituindo a pedra angular do destino brasileiro em função de suas potencialidades como ‘base de alerta, interceptação e partida em qualquer emergência que venha a afetar a defesa do Atlântico-Sul’. (CASTRO apud FREITAS, 2004, p. 104).

Significativas também são as análises de Wanderley Costa. Para ele (1992), a mundialização das políticas, relações econômicas e tecnologias, e a relativização da noção do Estado territorial soberano criam um quadro tendente

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à interdisciplinaridade no âmbito das Ciências Sociais, o que interfere nas considerações geopolíticas.

Nessa década, Costa (2012) destaca a projeção do Brasil no Atlântico Sul, região que é caracterizada como periférica na literatura especializada, porém que representa 20% da produção mundial de petróleo, com taxas anuais de crescimento de 10%, números que atraem os atores globais com grandes demandas no campo energético. Em suas palavras, “o Atlântico Sul está deixando de ser aquela periférica e plácida zona marítima para se juntar aos macroespaços geopolíticos mais relevantes do mundo.” (COSTA, 2012, p. 19). Zona pacífica? Costa exemplifica questões de equilíbrio de poder, conflitos, fricções, tensões e projeção de novas estratégias militares que criam um cenário mais volátil para a região, com possíveis consequências para os interesses brasileiros.

Costa ainda aborda que, embora o Brasil tenha papel relevante em iniciativas diplomáticas, como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS) e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), é flagrante sua fragilidade no campo da Segurança e Defesa. Para defender seus interesses na região, o Brasil deve dispor de “capacidade militar suficiente para dissuadir potenciais ameaças e, no limite, para repelir ataques de forças inimigas, o que requer meios adequados quanto à quantidade e sofisticação tecnológica.” (COSTA, 2012, p. 21), incluindo satélites próprios e submarinos de propulsão nuclear. Verificamos que o pensamento desses geopolíticos tem seus reflexos nos atuais documentos de defesa.

O VIII Plano Setorial para os Recursos do Mar criou o conceito de Amazônia Azul em 2008, como:

Área marítima sob jurisdição nacional de dimensões que correspondem a, aproximadamente, metade do território nacional, ou ainda, pela semelhança com sua potencialidade de recursos naturais, comparada à outra Amazônia, assim chamada pela Marinha com o intuito de destacar para a sociedade a importância estratégica e econômica do mar que nos pertence. (GONÇALVES; GRANZIERA, 2012, p. 150).

No campo da retórica, tal conceito favorece a identificação nacional com a defesa do Atlântico, atraindo investimentos públicos e privados e facilitando a aprovação de normas e leis nas instâncias constitucionais.

Ademais, em 2013, o Congresso aprovou, através do Decreto Legislativo no 373, a Política Nacional de Defesa (PND) (BRASIL, 2012a) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) (BRASIL, 2012b).

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A PND inclui como entorno estratégico o Atlântico Sul, os países lindeiros da África e a Antártica4; ratifica a importância da amazônia azul; e orienta que o país deve dispor de capacidades de defesa para manter a segurança nas linhas de comunicação nesse oceano.

A END eleva o Atlântico Sul a uma das preocupações mais agudas de defesa; prescreve o incremento da participação brasileira na ZOPACAS como instrumento de aplicação da estratégia; prevê o desenvolvimento de submarinos de propulsão nuclear com tecnologia nacional, bem como a fabricação de veículos lançadores de satélites e de satélites de baixa e alta altitude.

Destarte, observa-se que os atuais documentos de defesa abrangem aproximações dos pensamentos geopolíticos dos autores citados, fato potencializado pela descoberta das técnicas de extração de hidrocarbonetos em camadas profundas. Todavia, sua implementação ainda demanda maiores investimentos, particularmente em Ciência e Tecnologia, e maior conscientização sobre a Defesa Nacional na sociedade.

3 ANALISANDO PERSPECtIVAS

A seção analisa perspectivas a partir da compreensão de cultura(s) estratégica(s) chinesa(s), assim como prospecta cenários da atuação sina no espaço geográfico ora estudado.

3.1 Cultura(s) estratégica(s) chinesa(s)

O estudo sobre Sun-Zi e acerca do paradigma maoísta permite identificar cultura(s) estratégica(s) chinesa(s).

3.1.1 Os pressupostos de Sun-Zi

A teoria de Sun-Zi foi escrita de 453 a 221 a.C. período de profundas mudanças na sociedade, cultura e pensamento orientais, que originaram a nacionalidade chinesa. (SUN-ZI, 2001). A China, até hoje, possui estratégias que refletem essa teoria (DUARTE, 2012; KANE, 2007).

Influenciado pela ética confucionista5, Sun-Zi defende estratégias de prevenção e de guerra limitada, em que se respeitem regras humanitárias, minimizando o sofrimento humano e a destruição física.

4 Citando que a consolidação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico-Sul (ZOPACAS) é um fator que contribui para redução de conflitos nesse entorno.

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Em que pese a priorização de guerras limitadas, Sun-Zi destaca o imperativo estudo de campanhas militares, pois considera assunto de vital importância para o Estado (MCNEILLY, 2009). Referendados estudos chineses sobre conflitos contemporâneos6e a crescente participação em missões de paz e de ajuda humanitária achegam-se a tal pressuposto.

Para Sun-Zi (2001), as campanhas devem ser limitadas, pois a guerra conduzida de forma prolongada tende a empobrecer a nação. É preferível errar por excesso de cautela. Para ele, o conceito de tempo na guerra é essencial: surpreende o inimigo e permite explorar fraquezas.

A preparação do campo de batalha serve para modelar o inimigo, colocando-o em desvantagem7, enquanto se dissimula o dispositivo pátrio. Recobra-se, portanto, o pensamento: “Se você conhece o inimigo e a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas.” (SUN-ZI, 2001, p. 60). Atualmente, a guerra da opinião pública, as atividades e o desenvolvimento de tecnologias para vigilância, proteção e consciência situacional se aproximam desse pensamento: a China é referência em Guerra Cibernética.

Ademais, Sun-Zi (2001) valoriza o postulado de que uma nação deve saber quando não tem condições de combater e que o chefe hábil subjuga as tropas do inimigo sem luta, atacando sua estratégia. Como analisa Oliveira (2010), Pequim procura enfatizar o emprego do soft power,8 buscando persuadir a opinião pública

internacional para obter aliados em interesses.

Ainda em relação ao oponente, a teoria de Sun-Zi afirma que, se alguma tropa estrangeira permanece no seu entorno estratégico, é porque tem intenções ofensivas. O filósofo também prescrevia que é preciso examinar as alianças de seu oponente, para rompê-las e dissolvê-las.

As discussões sobre capacidades de projeção militar dos países do Atlântico Norte e a presença estadunidense em aliança com o Japão no entorno chinês, sob tais paradigmas, são vistas, portanto, como estratégias de contenção9. Em perspectiva oposta, sua presença em outras regiões geoestratégicas pode indicar intenções não tão preventivas.

6 Como Unrestricted Warfare, dos chineses Liang e Xiangsui.

7 Miller (2011) afirma que a China, tendo conhecimento de suas próprias capacidades, procura aprender o possível sobre as do rival para modificar sua estratégia.

8 O soft power é a habilidade que um ator tem de permear outras culturas, mediante persuasão, o que implica estratégias que mesclam elementos simbólicos e culturais com valores políticos, ideológicos e psicossociais, propagando estilo de vida com qualidade e desenvolvimento tecnológico (NYE, 2006). Para Duarte (2012), essa abordagem é baseada em soluções pacíficas, indiretas e sutis, que capacitam um ator a influenciar decisões internacionais. Por seu turno,

hard power consiste na capacidade de um ator alcançar objetivos pelo uso da força militar ou da

coerção econômica. Alsina Júnior (2009) ressalta a importância dessa capacidade para a política externa de um Estado, sendo fundamental para dissuasão de ameaças e solução de conflitos. 9 “EUA e Japão pretendem manter o status quo político na Ásia, ao passo que a China objetiva

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Nesse sentido, Sun-Zi também aborda que “aquele que conhece a arte do método direto e do indireto será vitorioso.” (MCNEILLY, 2009, p. 47). Não somente com soft power atua Pequim: quando em controvérsia com países de menor projeção, Miller (2011) atesta que as estratégias chinesas são mais coercitivas, empregando hard power, o que é corroborado por Duarte (2012, p. 511): “inspirados pelos ensinamentos de Sun-Zi, os chineses ‘só partem para a batalha quando estão seguros que irão vencê-la.’”

3.1.2 O paradigma maoísta

A partir do estudo de Johnston (1996), percebe-se que Mao Tsé-Tung possui influência marcante sobre a cultura estratégica chinesa, mesmo após as reformas implementadas por Xiaoping na década de 1970.

Mao, influenciado pelo marxismo-leninismo, considerava o conflito como solução para os problemas políticos. Assim, projetou a ideia da luta de classes para o plano das relações internacionais, em que os Estados fracos marchariam rumo ao declínio, sendo exterminados e substituídos por outros. Tal como Clausewitz, Tsé-Tung acreditava na guerra como a perpetuação dos interesses políticos.

Outra influência maoísta foi a ideia de guerra justa (yizhan), oriunda da China antiga: se o oponente representa uma ameaça à ordem política e moral vigente, não basta derrotá-lo, mas também destruí-lo. Logo, Tsé-Tung classificou como justas as guerras de oprimidos contra opressores, classificando tais conflitos como de soma zero. Nesse contexto, todas as estratégias e táticas eram aceitáveis para derrotar o “injusto”. Para Mao, “havia uma forte aceitação tanto ideológica quanto pragmática de que a violência inerente aos processos sociais humanos foi essencial para a autopreservação e o autodesenvolvimento.” (JOHNSTON, 1996, p. 234).

Nessa premissa, verifica-se a priorização do emprego militar em seu entorno geográfico, particularmente no caso de disputas territoriais. Johnston (1996) cita que até 1985, Pequim se envolveu em onze crises externas, sendo que, em oito delas (72%), recorreu ao emprego da força. Como comparação, o autor cita os números dos EUA (18%), da antiga URSS (27%) e União Europeia (12%), denotando a valorização chinesa pela resposta militar considerada legítima.

Ademais, outro marco maoísta é a flexibilidade de adequar-se às situações que se apresentem, de modo a transformar suas próprias capacidades militares em curto espaço de tempo, procurando apresentar a resposta adequada às suas demandas estratégicas.

3.1.3 Síntese

Em síntese, a China apresenta duas culturas estratégicas dominantes: a primeira, influenciada pelo pensamento Confúcio-menciano, tem uma característica

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não violenta, priorizando submeter o oponente sem o uso direto da força; a segunda privilegia o uso de ações ofensivas ou defensivas, dependendo do tipo de ameaça que se apresenta, bem como das capacidades relativas chinesas no contexto em questão. Daí surge o conceito oriundo da China antiga de quanbian, ou seja, flexibilidade de avaliação da própria situação e a do oponente, de modo a adotar o melhor comportamento estratégico – ofensivo ou defensivo.

Nas soluções de controvérsias, o estudo da tradição de Sun-Zi e da maoísta revela peculiaridades: a adoção de uma postura defensiva no início do conflito e ofensiva no seu desenrolar, com duas finalidades: a primeira, evitar angariar a pecha de agressor na opinião pública mundial, particularmente em conflitos extraterritoriais, enquanto se busca neutralizar a estratégia oponente; a segunda, possibilitar a melhor compreensão do inimigo, a fim de avaliar suas características e possibilidades e, concomitantemente, preservar suas próprias capacidades militares, empregando-as posteriormente em uma situação mais vantajosa.

3.2 conflito ou cooperação: aproximações prospectivas

No atual cenário global, Pequim ascendeu à potência mundial estimulando a cooperação Sul-Sul, desenvolvendo um quadro de interdependência assimétrica10 com países da África e a América Latina, valorizando os produtos e os recursos dessas regiões. Atua adaptando-se às normas e instituições internacionais, ao passo que postula modificar os arranjos do sistema por meio de estratégias ditas pacíficas. Os discursos dessas estratégias destacam o respeito à soberania, sistemas políticos, crenças e valores culturais de seus parceiros. (OLIVEIRA, 2010; VADELL, 2010).

Corroborando, General Guangqian (apud CABRAL, 2010) aborda que o conceito de segurança da política chinesa propõe ênfase no soft power: a confiança mútua como fundamento, o benefício mútuo como objetivo, a igualdade como garantia e a cooperação e coordenação entre as nações como estratégia.

Não obstante, devem ser destacadas ponderações sobre a teoria de interdependência assimétrica de Keohane e Nye (1989): apesar de a tomada de 10 Para Keohane e Nye (1989), a interdependência significa dependência mútua, o que, na

política mundial, se caracteriza pelo efeito recíproco entre atores ou países. Por sua vez, a interdependência complexa é aquela em que: (1) incrementam-se os vínculos entre Estados e atores não estatais; (2) não há distinção hierárquica entre temas de alta e baixa política na agenda de temas internacionais; (3) há múltiplos canais de interação entre as sociedades nacionais; (4) há declínio da eficácia do uso da força militar. Não obstante, tudo isso não significa equilíbrio entre as partes, pois há assimetrias que garantem que um ator influencie em outros. Portanto, a interdependência assimétrica torna-se uma fonte de poder quando potencializa controle sobre os recursos ou resultados. “Um ator menos dependente em uma relação, muitas vezes, tem o recurso político mais significativo, pois pode ser capaz de iniciar ou ameaçar mudanças no relacionamento, de forma a impactar mais seus parceiros do que a ele mesmo”. (KEOHANE; NYE, 1989, p. 11, tradução nossa). Nesse quadro, as capacidades estritamente militares continuam sendo uma fonte significativa de poder.

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decisões ser mais centrada na confiança mútua, o que supunha a paz duradoura entre as partes, o quadro não reflete a realidade complexa, tampouco substitui a questão do equilíbrio de poder. Ainda mais que a interdependência assimétrica pode gerar dependência e, consequentemente, sensibilidades e vulnerabilidade para a defesa.

No espectro da cooperação, China, Brasil e África do Sul participam do fórum de diálogos BRICS11, que, conjuntamente com Índia e Rússia, representam as potências emergentes. Conforme Cabral (2010), esse fórum defende a multipolaridade na ordem mundial, assim como a ação coordenada e a cooperação na busca de soluções internacionais.

Por sua parte, Abdenur (2014), conquanto destaque que o BRICS confere novo peso às reivindicações internacionais brasileiras, afirma que a plataforma é de conveniência, conforme o tema e a conjuntura, e que o alinhamento com seus integrantes pode inclusive distrair o foco ou mitigar a liberdade de ação de nossa política externa.

Nesse quadro pergunta-se: as estratégias brasileiras e chinesas no entorno do Atlântico são convergentes?

A China insere-se nesse entorno atestando o vigor de seu soft power. Sua perspectiva de cooperação abrange várias dimensões (econômica, jurídica, institucional, educacional, infraestrutura, saúde), através das quais a China passa a ser promissora alternativa em relação às tradicionais potências e expande sua presença: há mais de 130 mil chineses vivendo na África, há grande número na fronteira do Brasil com a Bolívia, existem escritórios e institutos chineses nos maiores países do entorno, empresas chinesas fazem prospecções no fundo marítimo africano, o maior exportador de armas para a África Subsaariana é a China. O maior provedor de petróleo para China é Angola, havendo, inclusive, comunicações aéreas diretas entre as capitais. (ABDENUR; SOUZA NETO, 2013; DUARTE, 2012).

Por seu turno, o Brasil reaproximou-se da África a partir de 2002, sob o diálogo “Sul-Sul”. Tal empreendimento tem componentes econômico, militar e político, destacando-se relações com Angola, Nigéria, Moçambique e África do Sul. Há parcerias e investimentos diretos no campo petrolífero, na extração de recursos minerais, no setor agrícola, na instrução militar, na construção naval, no campo da educação e cultura Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e nas tecnologias especiais. A presença da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON) e de empresas privadas estratégicas (Vale do Rio Doce, Embraer S.A.12) nesses empreendimentos ratifica a abrangência e o vigor dessa reaproximação brasileira (MIGON; SANTOS, 2013).

11 BRICS é um acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

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Nota-se, portanto, que os interesses de China e Brasil no entorno são mais concorrentes que convergentes. Mesmo sob o discurso “Sul-Sul”, ou sob o guarda-chuva dos BRICS, a concorrência a essas estratégias tendem a gerar controvérsias.

Nesse espectro, recobra-se o pensamento de Oliveira (2010, p. 99-100): Pequim, “embora almeje um desenvolvimento pacífico, cooperativo e harmônico, vislumbra como ameaça à sua segurança tudo o que possa comprometer seu processo desenvolvimentista [...] China não faz transigências, colocando acima de tudo a defesa do interesse nacional”.

Se analisarmos esse quadro a partir da(s) cultura(s) estratégica(s) da China, na espécie de seu quanbian, poder-se-ia configurar que, inicialmente, o país busca soluções pacíficas, enquanto ganha tempo para se capacitar para o emprego do hard power. E no Atlântico Sul?

Pressupostos da Teoria da China-Ameaça poderiam justificar essa possibilidade. Japão (MANWARING, 2011) e EUA (CHENG, 2011) percebem, em seus cenários prospectivos, que Pequim se prepara para o emprego direto da expressão militar. O que passa é que essa teoria é embasada no quadro da busca pela hegemonia, sobre a qual Mearsheimer (2004) postulou que a China não vai crescer de forma pacífica. Essa postura agressiva é estimada para a situação interna (Tibete e Xianjiang) e para os conflitos do Pacífico e Índico13, conferindo ao Atlântico Sul uma baixa prioridade geoestratégica (ABDENUR; SOUZA NETO, 2013).

Corroborando, Oliveira afirma que Pequim desenvolve sua esquadra naval para poder correlacionar forças em seu entorno, pois “o relacionamento entre China e Japão tem sido muito pior do que China e Estados Unidos.” (OLIVEIRA, 2010, p. 106). Nesse quadro de equilíbrio, Tóquio reforçara o acordo militar com EUA para manter o status quo asiático.

Na busca de ampliar possibilidades de interpretação, decidimos colher, de forma exploratória, a percepção de especialistas14 sobre a problemática. A partir das categorias deste estudo, elaboramos dois quesitos. O primeiro, enfocando a categoria herança cultural, foi em um horizonte de 20 anos, havendo controvérsias entre interesses econômicos brasileiros e chineses no Atlântico Sul, como Pequim buscaria solucionar essa controvérsia se as negociações entre Brasil e China falharem? Qual seria o papel do poder militar nas estratégias chinesas visualizadas?

13 Essa hipótese pode assumir a mesma cartografia do projeto “Colar de Pérolas”, em que Pequim negocia com os Estados do Índico o patrulhamento de regiões daquele entorno, já que os países não têm recurso técnico ou financeiro para assegurá-lo. (DUARTE, 2012). Duarte (2012, p. 509) ainda define o Colar de Pérolas como “uma verdadeira linha costeira artificial, formada por ‘pontos de suporte militar e diplomático ao longo das principais rotas de navios’ (de Myanmar ao Estreito de Hormuz), o que permite à China ‘controlar e monitorar o Oceano Índico’”.

14 Sete, entre professores universitários e oficiais-generais, responderam à pesquisa. Suas áreas de atuação são: Estratégia, Relações Internacionais; História Social; Geografia Humana; Ciências Militares, Políticas e Sociais.

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Sintetizando as respostas, o primeiro instrumento a ser usado será econômico. Forte ação de soft power chinês sobre nossa Nação, desde uma ação comercial mais incisiva, como a possibilidade de cancelar contratos. Ademais, Pequim provavelmente recorrerá às instâncias jurídicas e diplomáticas, onde será ator fundamental. Diante da nossa dependência em relação às importações chinesas, possivelmente haverá concessões.

É importante ressaltar que otimming sino é completamente distinto do ocidental. Pequim não vai renunciar ao hard power e nem a interesses estratégicos mais amplos (Taiwan e arquipélagos adjacentes). Tanto que se dedica a desenvolver a capacidade de reabastecimento aéreo e a rearticular sua Marinha de marrom para azul.

Conquanto, nesse recorte temporal, visualiza-se que Pequim não terá capacidade de projetar poder na região, devido a suas vulnerabilidades energéticas e militares. Além disso, os EUA e seus aliados buscarão limitar a ampliação de sua projeção na África Ocidental. A estratégia chinesa, nesse caso, seria mais efetiva a partir de seu potencial papel desestabilizador como maior detentora de títulos do tesouro estadunidense.

De nossa parte, Forças Armadas modernas e ágeis seriam fundamentais para desestimular qualquer aventura na região.

A segunda pergunta, baseada na categoria eventuais adversidades comportamentais em razão de compromissos internacionais, foi: em um horizonte de 30 anos, a China poderá ser ator proeminente de uma organização multilateral que, possuindo braço militar, poderá projetar poder no Atlântico Sul? Nessa condição, se houver controvérsias entre os interesses brasileiros e os dessa organização, qual seria a postura da China?

Em suma, as respostas indicam que, em 30 anos, Pequim provavelmente ainda terá problemas mais urgentes, como o do Mar Meridional da China. Logo, possivelmente, não terá capacidade de projetar poder por tempo considerável a longa distância.

Percebe-se que Pequim incrementará suas relações com Angola, inclusive com previsão de instalação de base militar. Todavia, as maiores tensões ocorreriam com EUA e seus tradicionais aliados, e não com Brasília. Somente o colapso estadunidense ou de sua aliança poderia ensejar cenários diferentes, o que é improvável.

Pequim pode admitir escalar, limitadamente, a crise com esses atores hegemônicos, mesmo que tenha de fazer concessões para introduzir uma cunha política-militar no Atlântico Sul.

Quanto ao Brasil, conforme apontam publicações sobre o serviço secreto chinês, é possível que a grande imigração chinesa, que atualmente domina pequenos comércios, tenha descendentes em cargos da administração pública brasileira, influenciando, inclusive, a diplomacia a ceder a interesses sinos.

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4 CONSIDERAçõES FINAIS

O objetivo deste estudo foi discutir se o confronto entre as perspectivas geopolíticas brasileiras para o Atlântico e a estratégia de inserção chinesa tenderiam ao conflito ou à cooperação, à luz de teorias da cultura estratégica.

De acordo com a(s) cultura(s) estratégica(s) chinesa(s), Pequim prioriza atacar a estratégia do oponente do que seu poderio militar, enfatizando o soft power. Seu ancestral quanbian reflete, numa vertente, a submissão do oponente sem empregar diretamente a força; em outra, em situações extremas, prefere ações diretas ofensivas.

Em um horizonte de vinte a trinta anos, dentro de um quadro de interdependência assimétrica, visualiza-se que o Brasil necessitará do apoio da China em suas demandas internacionais, o que causará até certo grau de dependência. Por outro lado, o gigante chinês não terá ainda condições de projetar poder bélico no Atlântico Sul de forma a coagir militarmente o Brasil ou de equilibrar poder com os EUA no Hemisfério Ocidental. O poder militar sino terá como prioridade solucionar questões no seu entorno, atendendo à cartografia do seu “Colar de Pérolas”.

Ainda que as estratégias brasileira e chinesa sejam concorrentes no Atlântico Sul, as soluções de controvérsias terão cunho soft, baseadas em pressupostos de cooperação, com o Brasil aceitando perdas que não mitiguem o apoio chinês em suas demandas internacionais, enquanto a China atenderá pedidos brasileiros para que não perca o apoio no Atlântico Sul. No caso de agravamento da crise, as instâncias dos organismos internacionais, como a Organização Mundial de Comércio, deverão ser o nível em que as soluções serão buscadas.

Enfim, deve-se destacar que, para o Brasil manter uma mínima condição de lograr seus objetivos no Atlântico Sul, deve possuir e dominar tecnologia de fabricação de materiais como submarinos de propulsão nuclear e equipamentos satelitais.

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