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Rubem Fonseca: o homem em questão

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Academic year: 2020

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Alexandre Pacheco

Rubem Fonseca sempre procurou manter distância da imprensa a partir do grande sucesso que alcançou nos anos 1970, mesmo quando veio a ganhar notoriedade junto à imprensa, crítica e público, a partir do episódio da censura de seu livro Feliz Ano Novo, em 1976.

Com o passar dos anos, porém, devido em parte à notoriedade con-quistada com a censura do livro – juntamente com a luta para reverter sua proibição – começaram a aparecer nos jornais e revistas diversos questionamentos sobre seu silêncio e a relação que o mesmo poderia ter com uma suposta participação no golpe de 1964.

Ao contrário dos seus defensores, que sempre representaram a pos-tura silenciosa como uma reação napos-tural da personalidade do escritor, os críticos de seu silêncio passaram a interpretá-lo como uma maneira de tentar ocultar suas ligações com as forças políticas e econômicas que vieram a apoiar o golpe de 1964.2

Esse posicionamento da crítica, à revelia das justifi cativas do es-critor, forneceu-nos aquilo que a sociologia contemporânea a partir de autores como Sérgio Miceli afi rmou ser a incorporação de certas dispo-sições dos intelectuais brasileiros diante de suas relações com o poder.

Nesse sentido, a postura do silêncio por parte do escritor Rubem Fonseca, por um lado, representou o desprezo histórico que os intelec-tuais atrelados ao poder sempre tiveram em relação ao debate público; por outro, uma posição conservadora e individualista voltada ao ocul-tamento do trabalho de dominação que muitos intelectuais realizaram dentro dos interesses das classes proprietárias e dirigentes, sempre con-tando com a proteção do Estado.3

Disposições, por exemplo, que pudemos perceber através da reação de Rubem Fonseca diante da tentativa da jornalista Regina Coelho, do

Correio da Manhã, em arrancar-lhe uma entrevista no fi nal da década de

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ousadia a tentativa da jornalista em tentar descobrir quais as relações possíveis que poderiam existir entre o cidadão executivo da Light – à época possuindo íntimas relações com o poder instituído – e o escritor.

Diríamos que Rubem Fonseca é um autor carioca nascido em Minas. Ao lhe perguntarem qual o cargo que ocupa na Light, respondeu: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz no ministério da Educação?” Um perfi l de uma pessoa é composto de tudo aquilo que ele faz ou o que ele é. (Segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz.) E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função, na vida. “Não tenho nada a dizer”. Silêncio. Depois a pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” Claro que vai, mas profi ssionalmente a gente se vira, não precisa fi car com com-plexo de culpa. “Bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”. (...) Lamenta-se que um homem com um tremendo poder de comunicação queira se comunicar, apenas, através de seus contos.4

É sintomático que Rubem Fonseca cite Carlos Drummond de An-drade, já que este também esteve entre os intelectuais que sempre pro-curaram silenciar as relações que a inserção de suas obras literárias teria com o poder das classes dirigentes no período de Vargas.5

Intelectuais como Rubem Fonseca, que mantiveram relações polí-ticas com as elites contrárias a João Goulart, direta ou indiretamente, viram suas carreiras benefi ciadas no espaço de produção literária pós 1964, não só por serem bem recepcionados por editores, mas por serem recepcionados pela imprensa ligada a essas mesmas forças políticas con-trárias ao populismo de João Goulart. Nesse sentido, podemos falar de nomes como Augusto Frederico Schmidt, Raquel de Queiroz, Odylo Costa, fi lho.6

Essas considerações fi zeram-nos entender que a análise e descrição da trajetória de Rubem Fonseca, enquanto cidadão e intelectual ligado ao poder das elites contrárias ao presidente João Goulart, poderiam nos revelar ligações disposicionais entre o homem e o escritor. Entendimen-to que nos levou naturalmente ao estudo da obra de Réne Armand Dreifuss, 1964: A conquista do Estado.7

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Nesse livro, a partir de uma pesquisa minuciosa, o autor descreveu a participação de uma série de agentes políticos que haviam trabalhado no Instituto de Pesquisa em Estudos Sociais – IPES. Entre eles encon-tramos o nome de Rubem Fonseca como tendo participado da estrutura formal de autoridade do IPES/Rio de Janeiro, na década de 1960. Mas o que veio a constituir esse órgão aparentemente voltado aos estudos da realidade social brasileira da época?

De acordo com Dreifuss, o IPES tinha como objetivo, enquanto complexo de forças políticas reunidas em torno dos interesses das elites contrárias a João Goulart, não só incitar as forças empresariais a terem participação política mais efetiva nos destinos da nação, como também “proclamava que as necessidades básicas do homem, tais como alimen-tação, abrigo e saúde, podem ser satisfeitas de melhor forma em um sistema de empresa privada”.8

O IPES constituiu-se então em uma organização político-militar composta por uma elite de intelectuais e militares que formaram uma classe de tecnoburocratas voltados aos interesses multinacionais e as-sociados. Classe disposta a aceitar o liberalismo apenas no campo eco-nômico e não no campo político, de forma que se desenvolveu “como o ‘partido’ dos novos interesses, (...) já que (...) organizava atividades públicas e encobertas nas áreas civis e militares”.9

A partir da infl uência e do poder do Complexo Escola Superior de Guerra/Forças Armadas, no interior do Estado brasileiro, o IPES, segundo Dreifuss, pôde atuar de forma a dissimular suas verdadeiras características de movimento classista voltado aos interesses da burgue-sia brasileira associada ao capital estrangeiro e sua intenção de tomar o poder do Estado nos anos de 1960.10

Dessa forma, o IPES, como movimento classista, voltou-se a uma tentativa de redução do que Dreifuss designou como “imponderabili-dades” que poderiam surgir diante das intenções da burguesia nacio-nal associada ao capital estrangeiro em tomar o poder do Estado. Im-ponderabilidades que poderiam surgir de suas lutas não só contra as forças políticas ligadas aos movimentos populares nos anos de 1960, como também em relação às forças políticas populistas que ainda de-tinham o poder do Estado na fi gura de João Goulart, sendo que, nesse

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sentido, contou com vários grupos de estudos e ação contra o Estado populista.

Diante desse contexto, Rubem Fonseca teria participado da estru-tura formal de autoridade do IPES nos anos de 1960, como um dos líderes do Grupo de Opinião Pública – GOP. Grupo que teve como meta a “disseminação dos objetivos e atividades do IPES, por meio da imprensa falada e escrita”, de forma que procurasse levar “à opinião pública os resultados de suas pesquisas e estudos”.11

Dreifuss também relata que uma das funções do GOP era a de retro-alimentar o Grupo de Levantamento e Conjuntura – GLC, que obteve grande importância para os interesses dos ipesianos, pois ao retro-alimentar com avaliações e dados o Grupo de Levantamento e Conjuntura, o GOP forneceu suporte às pesquisas do GLC nos campos político e social que visaram fi xar diretrizes para outros grupos de ação dentro do IPES que operavam no Congresso: sindicatos, estudantes, Igreja, camponeses, Forças Armadas e a mídia.

Assim,

A tarefa imediata do GLC era acompanhar todos os acontecimentos políticos em todas as áreas e setores, avaliando, apurando e fazendo estimativas quanto a seu impacto político e esboçando mudanças táticas para acompanhar a evolução de qualquer situação e infl uenciar seu processo. Em suma, ele era responsável pelo pla-nejamento estratégico e informações e por preparar a elite orgânica para a ação.12

Dentro desses serviços de informação e contra-informação, o GLC visou monitorar a atividade comunista por todo o país, ao mesmo tem-po em que procurou incitar os militares contra o executivo e contra os movimentos populares.

O GLC teria grampeado, só no Rio, cerca de três mil telefones. O GLC do Rio ocupava quatro salas das treze salas que o IPES havia alugado no vigésimo andar do Edifício Avenida Central, onde também funcionava o escritório do CONCLAP e onde ativistas de direita paramilitar haviam alugado salas para suas operações. Nessas quatro salas, o GLC mantinha arquivos com informações sobre dezenas de milhares de pessoas.13

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Arquivos que, retendo dados sobre a vida de 400.000 brasileiros, após o golpe de 1964, foram levados pelo chefe do GLC, general Gol-bery do Couto e Silva, para Brasília, passando a compor a base da rede do SNI – Serviço Nacional de Informações.14

Relacionado de forma operacional também ao GOP estava o Gru-po de Operações/Editorial – GPE. Nesse outro gruGru-po, de acordo com Dreiff uss, Rubem Fonseca teria desempenhado a função de supervisor encarregado de realizar a unifi cação editorial dos materiais de divulga-ção impressos ou fi lmados que contivessem ideias favoráveis aos inte-resses do IPES. Nesse grupo, dividiu com Odylo Costa, fi lho (poeta e jornalista), Raquel de Queiroz, Wilson Figueiredo (editor do Jornal do

Brasil à época), entre outros escritores e pessoas de destaque, funções

no sentido de

estimular e, quando possível, sincronizar os esforços de propaganda por parte de indivíduos e grupos, cujos objetivos coincidiam com os do IPES, ou cuja ativi-dade era útil às metas da elite orgânica. (...) Como também estavam nas funções desse grupo disseminar (...) material impresso e visual com a mensagem ideoló-gica “apropriada” pelos quatro cantos do país. Juntamente com o (...) Grupo de Opinião Pública, o GPE conduzia de fato uma campanha de guerra psicológica organizada pelo IPES.15

Como vemos então, as participações de Rubem Fonseca em órgãos como o GOP e o GPE se deram a partir de ações que seriam peculia-res ao seu talento como intelectual e homem de letras (planejamento de informações e editoria). Ações socialmente repartidas com outros intelectuais e homens de letras que também desenvolveram atividades semelhantes para divulgação dos valores do liberalismo econômico, como também dos valores políticos das elites presentes no IPES. Ações que denotaram a representação da incorporação social dos interesses econômicos expressos pela ideia da livre empresa por parte das elites econômicas, como também do autoritarismo das elites políticas presen-tes no IPES.

Nesse sentido, as maneiras de agir do escritor em termos de sua dis-tância da imprensa, do público, a não concessão de entrevistas nos anos

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1970, 1980 e 1990, não se pode dizer que foram estranhas aos modos de agir tanto do próprio Rubem Fonseca, como dos intelectuais, em-presários e políticos que fi zeram parte do IPES nos anos 1960. Ambos os momentos na vida do escritor confi guram-se como representativos de sua disposição em assimilar os valores e interesses de classe de uma parcela das elites políticas e proprietárias que tomaram o poder pós 1964. Elites que sempre desprezaram o debate público de idéias, como também sempre contribuíram para a instabilidade política do que po-deria ser uma esfera pública burguesa no Brasil. Tais posições destas elites sempre foram bem assimiladas, de uma forma geral, pela grande imprensa nos últimos anos da história recente do país.

Rubem Fonseca, na fi gura do escritor, sempre conseguiu impor, com a ajuda da imprensa, valores individualistas, não só a partir das representações constantes em sua própria literatura, que Alfredo Bosi designou como brutalista, mas também a partir de sua postura silencio-sa – de forma que, com seu silêncio, recusou-se a estabelecer um debate público sobre sua obra e as relações que o cidadão Rubem Fonseca pos-suiria com ela.

Essa postura arredia e peculiar a muitos homens das letras no Brasil também pôde ser percebida através da manifestação de afi rmações ambí-guas, como quando algumas vezes afi rmou “que tudo o que teria a dizer ao público estaria em sua obra”. Sendo que afi rmações como essas nos de-monstraram como sua representação como escritor incorporou posturas semelhantes às formas de agir dos intelectuais que pensaram o IPES.

Vejamos estas palavras do autor em uma conferência nos Estados Unidos, em 1984:

O fato de, antes de ser escritor, eu ter participado do IPES (...), ter sido empre-sário e, mais do que isso, diretor de uma empresa canadense (...) – o que fazia de mim uma espécie de entreguista – criou uma mitologia em torno de meu nome, até um certo folclore que preocupou meus amigos. Esse assunto nunca foi tabu para mim.16

Anos mais tarde, novamente de forma ambígua, o autor procurou desmentir, em rara entrevista na Folha de São Paulo, sua suposta

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colabo-ração com as forças ligadas aos militares, de forma que não só procurou negar sua participação política nos fatos relacionados à implantação da ditadura em 1964, como também não fez menção à sua participação no IPES, como havia feito em 1984: “Já ouvi que eu teria colaborado com o governo militar, o que é uma deslavada e estúpida falsidade. Se algum papel desempenhei durante a ditadura, foi [o] de vítima”.17

A partir dessas disposições do homem e do escritor Rubem Fon-seca diante do debate público, por outro lado, não causaria surpresa, nem desmereceria o grande talento do escritor, perceber como tanto sua inserção como a de sua obra no espaço de produção literária tiveram relações com o ambiente ipesiano e com os laços clientelistas que ali foram tecidos com homens como o poeta Odylo Costa, fi lho, e o editor Gumercindo Rocha Dorea.

Rubem Fonseca, segundo o jornalista Oswaldo de Camargo, foi assessor do General Golbery do Couto e Silva, fi gura da mais alta importância no IPES, fato que se colocou como importante para sua inserção como escritor no mundo das letras pelas mãos do editor Gu-mercindo Rocha Dorea. E por quê? Porque Rubem Fonseca, de forma não deliberada, acabou por se encontrar em uma situação privilegiada diante dos contatos que Golbery do Couto e Silva tinha com Rocha Dorea no IPES, pois a este editor, proprietário das Edições GRD, coube a publicação de vários livros para aquele órgão a pedido de Golbery.18

Assim, a partir da presença do homem Rubem Fonseca na estru-tura formal do IPES, desenvolvendo atividades burocráticas voltadas aos interesses conservadores das elites contrárias a João Goulart, em consonância com as disposições do editor Gumercindo Rocha Dorea em editar livros subsidiados pelo IPES e de acordo com os ideais deste órgão (disposição que lhe reverteu, inclusive, a possibilidade de editar obras da literatura brasileira),19 fez com que percebêssemos que a

inser-ção da literatura de Rubem Fonseca não só tivesse dependido do editor e de seu bom gosto em publicar obras de qualidade, mas também das possibilidades proporcionadas a ele pelo campo de relações objetivas em que esteve enredado a partir dos interesses das elites políticas e econô-micas presentes no IPES.

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O próprio Gumercindo Rocha Dorea afi rmou em entrevista reali-zada em 200520 que, ao frequentar o gabinete do general Golbery do

Couto e Silva, fi cou sabendo, através da secretária de Rubem Fonseca, da existência de alguns contos deste autor. O editor insistiu em conhe-cê-los e, vencida a resistência da secretária em ceder os textos, levou-os para São Paulo, onde rapidamente confeccionou um piloto para a edi-ção de Os Prisioneiros, de 1963.

Vejamos como o editor se referiu a esse episódio após perguntar-mos em entrevista como havia conhecido o escritor e resolvido editar sua obra:

Lá, exatamente no gabinete do General Goubery do Couto e Silva (...). Eu não tinha nenhum relacionamento com ele. Ele trabalhava também na Light. Ago-ra, a secretária dele... um dia chegou... não me recordo bem como foi, como cheguei à secretária dele, a Fernanda, não me recordo (...). Ela virou e disse: o Rubem tem aí uns contos muito interessantes na gaveta.21

A partir disso, Rocha Dorea sugeriu à secretária que intercedesse junto ao escritor para que pudesse ter acesso aos contos:

Você tem possibilidade de falar com ele... (...). Tempos depois, dias depois me entregou os originais... Quando eu li... (...) pelo primeiro conto... (...) nem vou ler até o fi nal porque isso aqui eu sei que é uma obra séria e de grande repercus-são... (...) mandei compor o livro, cheguei a ele, entreguei... pronto, daí o livro foi embora... Relacionamento maior nunca tive com o Rubem.22

Dessa forma, a inserção social do escritor Rubem Fonseca fez com que percebêssemos como certas disposições relacionadas com certas de-pendências materiais e institucionais sempre foram determinantes para o sucesso da produção literária no Brasil, independentemente de suas relações com um mercado de bens culturais, fato revelado a partir tam-bém das relações entre certos agentes produtores e as elites proprietárias ou dirigentes, como foi demonstrado por Sérgio Miceli em seu livro

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Em muitos desses postos os intelectuais prestam serviços estritamente burocrá-ticos que não guardam, por vezes, qualquer relação com o trabalho intelectual propriamente dito que continuam a desenvolver paralelamente às suas atividades funcionais. Em outros casos, os laços entre uma e outra atividade permeiam a própria defi nição do trabalho intelectual. De qualquer maneira, instaura-se uma situação de dependência material e institucional que passa a determinar as rela-ções que as clientelas intelectuais mantêm com o poder público cujos subsídios sustentam as iniciativas na área da produção cultural, colocam os intelectuais a salvo das oscilações de prestígio, imunes às sanções de mercado, defi nem o volu-me de ganhos de parte a parte.23

Situação de dependência material e institucional que pudemos per-ceber também quando Rubem Fonseca, a partir de suas relações com o poeta Odylo Costa, fi lho (resultado também do compartilhamento de certas posições políticas e ideológicas com o poeta no IPES), teve realizada a inserção pública de alguns de seus textos na revista Senhor, em 1962.24

Em discurso de 1975, Odylo Costa, fi lho, apesar de não ter men-cionado os trabalhos que repartiu com Rubem Fonseca no IPES, pro-curou demonstrar que teria publicado o autor devido tanto ao talento do escritor como também por questões relacionadas à sua amizade com ele. Fato que procurou demonstrar através da insistência em conhecer os textos dele, bem como com a suposta rapidez em publicá-los:

Considero Rubem Fonseca um amigo fabuloso (...). Um motivo de vaidade profi ssional minha é ter descoberto que ele era o escritor que é, e ter sido eu o primeiro a divulgar um texto seu. Um dia cheguei para ele e disse, você deve ter coisas escritas. Relutou, eu insisti, e acabou confessando. Publiquei então na revista Senhor alguns dos seus contos (que depois fi gurariam em Os Prisioneiros) com as iniciais J.R.F.25

Assim, a publicação dos primeiros textos de Rubem Fonseca, bem como as edições de suas primeiras obras estão dentro das discussões que procuram afi rmar como a inserção do texto do autor literário perma-nece dependente em nossa sociedade contemporânea da infl uência das

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relações pessoais mediadas por determinados interesses do poder das elites e classes dirigentes.

Castro Rocha, analisando as relações entre literatura e cordialidade, chegou às seguintes conclusões sobre a inserção de muitos escritores em nossa sociedade:

Afi nal, se para o estudo dos intercâmbios entre literatura e sociedade não basta examinar “a maneira como os textos representam as relações sociais engendradas por determinado modo de produção, mas importa, também e principalmente, [examinar] a forma como o texto encena sua inserção no sistema de produção” (...), numa sociedade de homens cordiais, esta inserção é precedida pela do escri-tor na República das Letras.26

Tanto Odylo Costa, fi lho, como Gumercindo Rocha Dorea tive-ram papel fundamental no lançamento do escritor Rubem Fonseca no mundo das letras, pois à revelia de suas intenções declaradas subsidia-ram a inserção social da produção escrita de Rubem Fonseca, livrando-o do espinhoso caminho percorrido pela maioria dos escritores que, não possuindo relações institucionais de qualquer tipo, sempre tiveram o acesso ao mundo das letras negado.

Para concluirmos, o constante hábito do escritor em negar o es-tabelecimento de uma discussão pública de sua obra na imprensa, de forma alguma, como demonstramos, colocou-se como estranho à con-dição que acabou por aprisionar a inserção pública de sua produção literária a partir das ligações institucionais em que esteve envolvida. O silêncio do autor, e a forma como foi inserido socialmente seu texto, po-demos afi rmar como exemplos possíveis das formas de funcionamento da chamada República das Letras diante de suas relações com o poder no Brasil contemporâneo.

Notas

1 Título de uma matéria da jornalista Regina Coelho no Correio da Manhã, em 1970. Essa jornalista, a partir de um telefonema ao próprio autor, tentou desvendar quais as relações que o homem Rubem Fonseca teria com a sua obra. Indignado e irritado, o escritor se negou a

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responder qualquer pergunta. Regina Coelho foi talvez a única jornalista que teve a coragem de tentar desvendar na imprensa o que estaria por trás do silêncio do escritor. COELHO, Regina. O homem em questão. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 ago. 1970.

2 Entre os muitos críticos que relacionaram o silêncio do escritor Rubem Fonseca com sua suposta participação no golpe, encontra-se Ariovaldo José Vidal, em um artigo que escreveu para a O Estado de São Paulo em 1990: “A participação no golpe de 1964, seja lá como se tenha dado, a insistente e nada inocente recusa em dar entrevistas, apontam para uma matéria que poderia render ainda boas obras, caso o mercado não tivesse criado um fórmula cômoda para o escritor”. Ver VIDAL, Ariovaldo José. Rubem Fonseca, o romancista (do desespero feroz à ironia mordaz). O Estado de São Paulo, São Paulo, 09 mar. 1990. p. 7.

3 MICELI, Sérgio. Intelectuais e classes dirigentes no Brasil (1920-1945). São Paulo; Rio de Janei-ro: Difel Difusão Editorial, 1979.

4 COELHO, Regina. O homem em questão. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 ago. 1970. 5 MICELI, op. cit., p. 152 e 158.

6 DREIFUSS. René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Editora Vozes Ltda., 1981. p.194.

7 Ibidem, p. 194. 8 Ibidem, p. 197. 9 Ibidem, p. 208. 10 Ibidem, p. 208. 11 Ibidem, p. 192. 12 Ibidem, p. 186. 13 Ibidem, p. 188 e 189. 14 Ibidem, p.186, 188, 189, 193 e 422. 15 Ibidem, p. 197.

16 VOLTOLINI, Ricardo. Rubem Fonseca: O que eu penso dos meus leitores. Playboy, São Paulo, p. 179, dez. 1988.

17 VIANNA, Luis Fernando. José, 80. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 mai. 2005. Ilustrada, p. E4.

18 DREIFUSS, op. cit., p. 196.

19 CAMARGO, Oswaldo. O homem que fareja tesouros brasileiros. Jornal da Tarde, São Paulo, 30 ago. 1986. Cadernos de Programas e Leituras, p. 6.

20 Gumercindo Rocha Dorea, atualmente com 86 anos, concedeu-nos entrevista em seu aparta-mento no bairro da Aclimação, em São Paulo, no dia 28 de julho de 2005. Nessa ocasião, GRD, um pouco magoado com Rubem Fonseca, reclamou que o escritor nunca procurou divulgar na imprensa o fato de que foi ele o primeiro editor a publicá-lo. Fato que nos levou a levantarmos a hipótese de que, entre outras coisas que deveriam ser guardadas pelo silêncio do autor, estaria a publicação de seu primeiro livro pelas mãos de GRD.

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21 Entrevista com Gumercindo Rocha Dorea. São Paulo, 28 de jul. 2005. Inédito. 22 Ibidem.

23 MICELI, op. cit., p. 158.

24 Odylo Costa, fi lho, foi jornalista e editor da revista Senhor nos anos de 1960.

25 COUTINHO, Edilberto. Mas os amigos falam sobre Rubem Fonseca. O Globo, Rio de Janeiro, 18 out. 1975.

26 ROCHA, João Cezar de Castro. Literatura e cordialidade: o público e o privado na cultura brasileira. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. p. 30.

Resumo

Neste artigo procuramos discutir o silêncio histórico do escritor Rubem Fonseca como representação da incorporação das disposi-ções e interesses hegemônicos provindos dos poderes políticos e econômicos que parte das elites que tomaram o poder pós 1964 passou a impor no campo da cultura, em especial da literatura.

Palavras-chave

Rubem Fonseca; silêncio; disposições; elites; poder.

Recebido para publicação em

15/07/2009

Abstract

Th is article seeks to discuss the historical si-lence of the writer Rubem Fonseca as repre-senting the incorporation of the hegemonic interests and coming of political and econo-mic power that some of the elites who took power after 1964, has imposed in the fi eld of culture, particularly literature.

Key words

Rubem Fonseca; silent; provisions; elites; power.

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