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PARTE I A HISTÓRIA DO DESIGN

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PARTE I

A HISTÓRIA DO DESIGN

O princípio da génese do Design enquanto disciplina por direito próprio ocorre com a Revolução Industrial em Inglaterra, no final do século XVIII. Se a criação e produção de artefactos nos remete para a interpretação da história da actividade humana desde os primeiros indícios da sua presença na terra, falar da origem do Design implica clarificar as causas e condições da tomada de consciência da existência de um território de criação, detentor de um processo cognitivo próprio, suporte de uma ideia de intenção, de uma ideia de projecto. O processo que ocorreu para esta tomada de consciência tem a sua origem no final do século XIX com o estabelecimento de um novo conjunto de condições, de cuja confluência resulta um profundo impacto sobre a actividade de criação de artefactos, revestindo-a de uma importância distinta daquela que possuía até então.

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Capítulo I

O SÉCULO XIX

1. Introdução

Falar da génese do design implica falar das transformações históricas que conduzem à existência de um novo território de criação, o território da concepção de artefactos industriais. As condições novas, reveladas pelo século XIX, assentam num dado profundamente transformador do estado civilizacional da cultura ocidental que se opera a partir do século XVIII - a introdução da máquina no processo de fabrico. Esta mudança trouxe a capacidade para produzir mais, mais rapidamente e em série, provocando uma mudança de paradigma civilizacional.

A transformação das condições de existência material do homem ocorre em virtude de revoluções fundamentais no modo de pensar, revelados com a Revolução Francesa (1789) cujo impacto mais visível se situa ao nível, sobretudo, da transformação da estrutura da organização social. Esta transformação faz despoletar novos modos de vida que se vinham desenhando há cerca de dois séculos e que a consolidação e sistematização de grandes progressos na ciência e na técnica contribuíram decisivamente para viabilizar. As condições para a emergência da sociedade industrial configuram-se e a quantificação da vida, pela multiplicação que é possível realizar com a produção mecanizada, toma lugar, arrancando a civilização ocidental de um longo período de estagnação assente na produção artesanal de pequena escala, fraca em recursos energéticos e sem realizações interessantes (Mumford:1950).

2. A emergência do design na mudança de paradigma provocado pela Revolução Industrial do século XIX

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técnica uma importância determinante na mudança civilizacional que desemboca no século XX na modernidade.

Desejando romper com o passado, a revolução industrial, trabalha com novos materiais, como o ferro, novas fontes de energia, o carvão, e introduz novos métodos. Deste modo configurou uma nova sociedade onde se desenvolvem novos interesses e novos valores que dão lugar a uma realidade distinta, o capitalismo industrial. A nova forma de produção material determinou uma diferente organização social e uma distinta relação entre o homem e a natureza. A revolução industrial não obedeceu a um plano prévio mas realizou-se por um motivo e com um motivo, na sua base estava uma revolução económica e social, guiada pelo desejo de aquisição de capital de uma classe burguesa. Os primeiros industriais queriam fazer produtos o mais eficientemente possível, produzindo o maior volume de bens para o maior número de pessoas. Na maior parte das indústrias isto implicava obrigatoriamente mudar de um sistema de trabalho manual para um de mecanização eficiente.

As novas condições das diferentes dimensões da vida desenhadas por esta mudança de paradigma estimularam outro tipo de produções intelectuais, políticas, culturais, artísticas e filosóficas. As grandes transformações físicas da envolvente, que se operaram em muito pouco tempo, produzem também alterações na personalidade humana, transformando modos de pensar e agir dos quais se destaca claramente uma condição radicalmente nova, a descolagem do homem do habitat natural pelo domínio das forças da natureza (Mumford:1967). A partir desta nova condição a construção do mundo artificial, que tem início no século XIX, desenvolve-se a um ritmo avassalador operando mudanças profundas na paisagem, explorando recursos e gerando resíduos. A personalidade humana é gradualmente condicionada pela máquina, que contagia as diferentes dimensões da vida, sendo vistos o progresso técnico e cientifico como fins em si mesmos e não como meios. O crescente interesse pela técnica permite o domínio das condições externas, estabelecendo-se uma nova ordem, um “novo equilíbrio”, onde as forças da natureza são controladas intensificando-se os esforços para o seu domínio e superação, alargando o Homem o seu poder pela expansão da sua eficiência física através da mecanização.

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parte trabalhadores não manuais e alfabetizados. Na tradição da ideologia Marxista, este grupo social carecia de uma relação específica com os meios de produção, detendo, no entanto, um papel empreendedor na gerência e controle de novos processos de produção. Esta condição permite-lhes alcançar poder aquisitivo, virtude de domínio sobre o capital que encontra na mecanização da produção a possibilidade de se afirmar com um espaço próprio nas esferas económica, política e social. Identificando já para si um padrão de vida e consumo, esta nova classe social revela-se um fenómeno típico do processo de industrialização iniciado no final do século XVIII em Inglaterra, na qual se inscreve uma noção de classe média, cuja primeira referência data precisamente do final deste século.

3. A nova organização social e as novas condições da actividade económica

Na nova organização social a força de trabalho que alimenta a indústria é oriunda dos campos agrícolas, que abandonou modos de vida de base rural, de tradição artesanal, para se constituírem em comunidades urbanas industriais. Esta mão-de-obra torna-se disponível pelo abandono de modos de vida e de trabalho a que se viu forçada pela substituição dos processos artesanais de fabrico pela produção industrializada, passando de uma cultura de artesanía e de agricultura para uma cultura industrial. O primeiro sector a sofrer profundas rupturas foi têxtil, passando a máquina a produzir mais e mais depressa. A máquina é agora a fonte de valor onde outrora o saber e labor artesanal ocupavam lugar central, condenando o trabalhador manual a concorrer com a máquina.

Esta mão-de-obra rural alimenta uma organização industrial do trabalho que altera definitivamente as condições vigentes até então, fazendo crescer a produção em massa de ano para ano, servindo uma procura também ela crescente.

Em Inglaterra, onde a agricultura foi a principal ocupação durante séculos, a revolução industrial

começou com os têxteis. Até aí a “indústria” consistia de artesãos que trabalhavam individualmente,

numa actividade paralela à agricultura, satisfazem as suas necessidades de artefactos materiais. Em

poucas décadas, esta “indústria rural” dependente da habilidade artesanal dos trabalhadores individuais

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ferramentas e da sua mestria para o fabrico de bens, as ferramentas de produção eram pessoais e ninguém o poderia desapossar das mesmas. No novo sistema capitalista de trabalho na indústria o trabalhador serve a máquina e é explorado pelo empregador (Mumford:1950), porque no sistema capitalista o operário não possui qualquer propriedade sobre as ferramentas nem intervém no que é produzido, é apenas força de trabalho, um meio de o industrial lucrar.

Esta tão profunda mudança foi motivada por uma rápida sucessão de aplicações práticas de inventos acumulados desde o século XVII, aplicados em novas tecnologias. Em meados de 1700 os trabalhadores rurais faziam rodar as suas rodas de fiar em suas casas, movimentado os pedais com as suas mãos e pés para fazer um fio de cada vez. A fiadora “Jenny”, patenteada em 1770, aumentou o número de fios de um para oito e depois para dezasseis e mais fios. Muitos outros modelos lhe sucederam, fiando mais de oitenta fios simultaneamente, tal como muitos outros equipamentos mecanizados aumentariam a produção a níveis muitíssimo elevados.

Mas as aplicações técnicas forneceram ainda outras condições para a expansão da massificação de produção de bens industriais criando uma economia baseada no ferro e no carvão. Nos tempos pré-industriais, os tecidos exportados viajavam de navio, atrasados pelas condições climatéricas e sofrendo pesadas taxas e leis restritas, sendo frequentemente vulneráveis à pirataria. Era de facto um milagre que a carga chegasse ao seu destino. Mas os desenvolvimentos no caminho de ferro e na navegação a vapor permitiram aos produtos serem deslocados mais rapidamente e para mais longe. Cerca de 1840 as fábricas que antes faziam centenas de artigos por semana possuíam agora os meios e a motivação para produzirem centenas de artigos por dia. Esta realidade faria aumentar o número de trabalhadores fabris de origem rural, que tendo-se deslocado para as cidades para estarem mais perto das fábricas onde eles e as suas famílias podiam trabalhar doze ou mais horas por dia, deixavam de cultivar os campos. As áreas urbanas espalharam-se, os bens proliferaram, e as populações citadinas aumentaram. A regra que se instalava era a de mais e mais empregos, pessoas, produtos, fábricas, negócios.

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outros avanços elevaram o conforto e a conveniência a um novo nível. Os avanços tecnológicos trariam às denominadas nações civilizadas enormes benefícios, incluindo o aumento da produtividade da terra agrícola proporcionados pela técnica, que aumentaram grandemente a abundância com as possibilidades de deslocação e armazenamento de alimentos às populações crescentes.

Mas o longo processo de transição das condições de produção artesanal para a produção mecanizada fez-se à custa de um elevado preço humano daqueles a quem a terra havia proporcionado o sustento e da qual se viram obrigados a afastar-se, procurando trabalho nos crescentes aglomerados urbanos em tornos das fábricas. Uma economia assente na transacção de bens ao nível comunitário, onde predominava a motivação inerente à satisfação de necessidades essenciais das famílias, dá lugar a um lógica económica que tem por base a acumulação de capital e a expansão do poder dos empresários industriais. Para estes primeiros industriais as novas actividades indústrias pareciam assentar sobre um infinito fornecimento de capital humano, pela exploração da mão-de-obra de origem rural, e natural pela exploração de recursos naturais que alimentavam a indústria: os metais, a madeira, a água, o carvão e as matérias primas necessárias a um sistema de produção para fazer bens em massa. Os recursos

pareciam infinitos, quer os humanos quer os “sempre” repostos pela mãe natureza.

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4. Sobre a História do Design

A história do design não se faz apenas da cronologia das suas produções materiais, com reflexão e análise crítica de soluções formais em objectos e imagens, mas também da compreensão dos modos de vida que se estabelecem virtude do que se reflecte da relação dos seres humanos com os objectos que produz e usa (Duarte:2010). Deste modo, a história do design também não é autónoma da história civilizacional, não podendo ser compreendidos os desenvolvimentos da actividade de configuração do artificial sem compreender o processo histórico de industrialização e urbanização que se opera essencialmente na Europa ocidental e nos Estados Unidos, a partir do século XVIII e por todo o século XIX e XX.

As novas relações sociais de produção, de organização do trabalho e de mercado, assentes na maximização do lucro e na acumulação de capital definem o enquadramento da actividade de design numa relação de interdependência. Estas condições, que configuram todo um território novo para a criação, definem a configuração de uma nova realidade artificial quer na arquitectura quer no universo dos artefactos materiais, que promove novos modos de vida, de cultura e de vivências sociais de cariz urbano. Os designers, desde os seus pioneiros, procuraram através da sua espontaneidade e inesgotável criatividade conciliar a arte com a técnica, procurando responder à necessidade humana de um mundo organizado, ordenado e previsível nestas condições de existência, insistindo em dotá-las de sentido e significado, qualidades que devem reflectir a marca da personalidade humana e não a do seu afastamento.

Mas as transformações que percorreram todo o século XIX, alterando radicalmente a fisionomia das sociedades, geraram consequências que contribuíram decisivamente para a consolidação do capitalismo de cariz industrial, dominado pelo poder aquisitivo permitido pelo acesso a produtos produzidos

industrialmente. Este “novos” produtos perseguiram inicialmente a tradição dos objectos artesanais até

então apenas acessíveis às elites mas agora a muito mais baixo preço, num fenómeno que virá a desembocar numa atitude de consumo dominante no século XX.

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5. As manifestações de resistência à mudança de paradigma provocado pela revolução industrial

Tal com todas mudanças de paradigma, este também encontrou resistência, que se expressou fundamentalmente nos intensos movimentos sociais que ocorreram sobretudo em Inglaterra, a partir do final do século XVIII. Uma nova organização da sociedade determina novas condições de produção material. Existe agora uma classe burguesa com poder, uma classe média, distinta da aristocracia, cujas acções incidem sobre a obtenção de capital através da intensificação da produção industrial, feita à custa da exploração da mão-de-obra de um proletariado que se constitui a partir do século XIX numa classe operária. A introdução da máquina no processo de fabrico substituiu a manufactura dividindo o trabalho, o trabalhador é reduzido a uma simples máquina no processo.

A gradual substituição do trabalho manual pela máquina promove o desenvolvimento de um proletariado rural, que se amontoa em aglomerados urbanos com péssimas condições sujeitando-se a brutais condições de trabalho uma vez que não têm alternativa para o seu sustento, que anteriormente se fazia numa economia local de base rural e sem exercício de concorrência. O aperfeiçoamento das máquinas, que acelera a partir do final do século XVIII, promove uma rápida queda de preços incrementando o comércio e por consequência a própria industria, conquistando cada vez mais mercados além fronteiras. A acumulação de capital assim permitida reforça o poder da classe média, destruindo-se qualquer ideia de propriedade com a inerente insegurança de uma classe operária a quem foi retirada a possibilidade de subsistência pelos seus próprios meios.

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Uma das expressões mais contundentes desta luta de classes expressa-se pela acção de Ned Ludd1, com camponeses que temem a perda do seu trabalho e experientes fabricantes de peças de vestuário que vêm nas sucessivas introduções de novas máquinas no processo de produção dos têxteis uma terrível ameaça. Os ludistas são conhecidos pela destruição de máquinas e equipamentos, procurando tornar a vida difícil aos inventores, tendo levado alguns deles a morrer ou a sofrer a miséria antes de poderem usufruir das suas novas máquinas. O protesto operário contra a tirania da classe possuidora, a burguesia, que vê a mão-de-obra como sua propriedade, como um bem material disponível e com o qual pode lucrar expressa-se através da acção violenta, marcando o século XIX em França e Inglaterra com uma nova acção - a greve - que acabava por funcionar como um estimulo a novas invenções que substituíssem o trabalho operário.

Mas a acção do proletariado industrial pouco ou nada conquistava com a sua luta, sendo o lento processo de aquisição de direitos obtido essencialmente à custa do uso da força, onde a possibilidade de organização em sindicatos vê por meados do século XIX um caminho para a obtenção de algumas vitórias que garantiram aos trabalhadores o alívio da brutalidade a que estavam sujeitos. Ao longo das sucessivas décadas do século XIX é clara a relação directa entre a introdução de inovações na industria, em novas máquinas e equipamentos, e a desordem social pela imposição de novas condições no contexto de trabalho que se traduzem em insegurança pela perda de valor da mão-de-obra. Na fase inicial do movimento os trabalhadores industriais dirigiram toda sua agressividade contra as máquinas, às quais culpavam pelo desemprego e pelo piorar das suas condições de vida. O movimento destruidor de máquinas conhecido como Ludismo foi duramente reprimido dando lugar a novos métodos de luta, baseados na organização sindical e nas cooperativas. A limitação da jornada de trabalho e o reconhecimento legal do direito de associação foram as principais reivindicações das trade unions (sindicatos), que já estavam perfeitamente organizados no Reino Unido na década de 1830.

A resistência à mudança do sistema de produção tocou não só na tecnologia mas também na vida espiritual e imaginativa. Os poetas românticos articularam a diferença crescente entre a paisagem rural natural e a das cidades, muito frequentemente em termos desesperados. Artistas e estetas como

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J.Ruskin e W.Morris temiam por uma civilização cuja sensibilidade estética e estruturas físicas estavam a ser reconfiguradas por uma forte concepção materialista.

Existiam outros problemas igualmente lastimáveis, a Londres vitoriana era notabilizada por ser “a grande

e suja cidade”, tal como lhe chamou Charles Dickens. Marcada por um ambiente muito pouco saudável,

onde as classes operárias, inferiores, sofredoras num contexto de trabalho hostil se tornaram referência da burguesa cidade industrial. O ar de Londres era tão sujo de poluentes, especialmente emissões da queima de carvão, que as pessoas e toda a cidade viviam sob um manto negro. Nas primeiras fábricas e em outras operações de cariz industrial, tal como nas minas, os materiais eram considerados bens de grande valor mas as pessoas eram frequentemente consideradas itens secundários, baratos e abundantes. As crianças tal como os adultos trabalhavam longas horas em condições deploráveis.

Os valores pecuniários estavam acima do valor da vida humana rompendo completamente com o passado e inaugurando um tempo de actividade industrial intensa em longas jornadas, incessantes e monótonas, num ambiente sórdido. As pessoas viviam e morriam na mina ou na tecelagem fabril do algodão, onde homens, mulheres e crianças passavam toda a sua vida. A subsistência era difícil com os salários diminutos além do sofrimento com a ameaça permanente da máquina. As crianças nasciam para trabalhar nas minas ou nas fábricas, destinadas a uma pobreza perpétua (Mumford:1950). A barbárie promovida pelos interesses capitalistas traduziu-se em fenómenos únicos na história da civilização humana. O progresso era obtido à custa da degradação humana de uma classe inferiorizada e da conquista da natureza pela exploração dos seus recursos a níveis sem precedentes até então, tudo para uma ideia de perfeição humana.

Mas o espírito em geral dos primeiros industriais - e de muitos outros na altura – era de grande optimismo e fé no progresso da humanidade. À medida que a industrialização explodia outras instituições emergiram para auxiliaram a sua ascensão: os bancos comerciais, a troca de acções e a imprensa comercial, todos abriram oportunidades de emprego para uma nova classe média, de serviços, apertando a rede social à volta do crescimento económico (MCDounough e Braungart:2002).

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5.1. A inevitável transição

As grandes rupturas sociais iniciadas do século XVIII, traduzindo a mudança do pensamento sobretudo na Europa, trouxeram novas e diferentes ambições no quotidiano das comunidades, já urbanas, estimulando o seu rápido desenvolvimento. Assiste-se a descobertas sem precedentes na ciência, sendo as novas invenções utilizadas em novas aplicação. Originários de séculos anteriores, os avanços técnicos e científicos são absorvidos para a mecanização da produção, configurando-se no século XIX em máquinas e ferramentas que facilitam a produção de praticamente qualquer objecto, permitindo ampliar a oferta de produtos. Estes novos recursos permitiram a transformação das matérias primas em produtos acabados alterando a lógica vigente até então. O que antes saía das mãos laboriosas do artificie dá lugar agora a uma quantidade colossal de produtos industriais. O resultado é um crescimento industrial com poder para transforma o mundo.

A ciência aplicada na técnica começou a ser compreendida como sendo um meio para governar o mundo e cedo se tornou instrumento contra as classes dominantes desde tempos ancestrais, os senhores proprietários da terra na Idade Média.

As inovações na metalúrgica (a fundição do aço por exemplo) e a invenção do motor a vapor dão conta deste rápido e impetuoso crescimento industrial. Tratando-se a Inglaterra do país líder da Revolução Industrial as inovações fazem-se sobretudo à custa das aplicações inglesas de ciência e técnica em máquinas e ferramentas.

As consequências imediatas deste rápido desenvolvimento são uma sequência encadeada de causas e efeitos que transformam radicalmente a fisionomia, sobretudo da Europa, rumo à modernidade:

- Aumento da produção;

- Exigência de mais mão de obra; - Grande aumento da população;

- Crescimento rápido e desorganizado das cidades; - Maior número de mercados a serem satisfeitos; - Maior procura;

- Mais e maior produção;

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A indústria torna-se a marca de uma classe burguesa, oponente à Igreja e à Nobreza enquanto pilares de um sistema social medieval, conquistado a partir da Revolução Francesa num lento processo em preparação há mais de dois séculos. Esta profunda mudança social arrasta também a organização da estrutura produtiva que se tinha suportado na tradição artesanal, ela era fundamental para a concretização da ambição de mudança social liderada pela burguesia. A figura do artesão experiente e culto, que possui o conhecimento e a técnica de produção dos objectos e cujo estatuto social estava associado às classes detentores de poder económico e cultural na organização social vigente é afastado, assistindo-se à dissolução no fim do século XVIII de escolas, associações e oficinas artesanais. Nascem novas escolas que preparam para a indústria em vez de preparar para a artesanato, em França tal como em Inglaterra onde encontraram uma maior resistência.

The transition from the medieval to the modern state of applied art was reached somewhere about the end of the eighteenth century. After 1760, a sudden acceleration in technical improvements set in. This no doubt was due to that profound change of mind which began with the Reformation, gathered strength during the seventeenth century, and was dominant in the eighteenth. Rationalism, inductive philosophy, experimental science, were the determining fields of european activity during the Age of Reason.2

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6. Porquê a Inglaterra

A nação vitoriana era na Idade Média um dos países mais atrasados, situando-se à margem da grande civilização ocidental, limitada no desenvolvimento cívico e intelectual que tinha lugar no sul da Europa a partir do século X (Mumford:1950).

No século XVIII a Inglaterra apresentava um desenvolvimento semelhante ao que outros países na Europa tinham apresentado cem a trezentos anos antes. No entanto, este estado de situação altera-se a partir do século XVII com Henrique VIII, produzindo a Inglaterra pensadores e cientistas importantes. Este conjunto de condições exibidos pela Inglaterra colocam-na numa posição muito favorável para encetar mudanças profundas a partir do século XVIII. Oferecendo menos resistência a mudar, uma vez que apresenta condições bastante atrasadas, mostra-se aberta a novos métodos e a novos procedimentos uma vez que rompe com muito menos coisas, abandonando uma lógica ultrapassada e vislumbrando uma oportunidade de liderança na Europa. A ruptura com o passado é desejada e facilmente concretizável. Numa Inglaterra onde a propriedade da terra estava confinada a uma classe aristocrática, a existência de um proletariado rural sem terra e sem tradição que se desenvolveu a partir do século XVI, encontra-se em condições de se envolver no trabalho na indústria como modo de subsistência, libertando-se do jugo do senhor da terra.

A Inglaterra inicia este processo de transformação da sua realidade económica e política contagiando o resto da Europa e do mundo ocidental, com condições de um novo paradigma civilizacional que altearria radicalmente a realidade a partir daí.

 Boa localização geográfica;

 Solos ricos em matérias primas (hulha e carvão);  Uma burguesia dinâmica;

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7. A Exposição Universal de 1851 e a necessidade de reforma

O impacto da revolução industrial no quotidiano da vida das populações urbanas na segunda metade do século XIX era já bem visível nas mudanças reveladas pelos novos modos de vida. A Inglaterra apresentava-se como fornecedora do mundo, com empresas livres, invenções livres e acesso livre aos mercados (Mumford:1950). Claramente uma nova economia se desenhava, assente na energia do carvão, substituindo as fontes tradicionais e determinando uma nova organização da vida.

Os desenvolvimentos proporcionados pela técnica seguiram para um aperfeiçoamento de processos e de produtos a um ritmo acelerado, justificado pela ambição de ganhos rápidos numa ideologia de posse, com efeitos nefasto no ambiente e originando uma vida em permanente tensão. Tudo foi acelerado para uma concepção material da vida, com consequências humanas inevitáveis tal como já aqui fizemos referência. A fase adolescente da industrialização revela-se de grandes tensões e de luta pela exploração dos recursos, numa crença no progresso técnico para alcançar a perfeição que acabará por desembocar num conflito entre nações, a primeira grande guerra em 1914.

Assumindo a liderança do processo de industrialização a Inglaterra revelava cidades concentradas em torno de aglomerados industriais e que eram extensão da mina da qual necessitavam estar próximas. As cidades de Londres e Liverpool deixam a sua marca na poluição do ar. A vida degradou-se, quer empresários quer operários vivem subjugados pela máquina, que impõe uma racionalidade psicológica que leva à inação dos sentidos. A máquina ocupou o lugar de todas as outras fontes de valor de outrora. O operário era mantido ignorante para continuar a trabalhar na indústria, para aceitar as condições num estado geral de apatia. A luta pela vida é a luta no mercado, a concorrência e a força de trabalho do operário são fundamentais para alimentar essa nova lógica económica, porque a máquina era o elemento mais progressistas nesta nova economia.

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Renascença, a Arábia primitiva, os mares do sul e as intocadas florestas. Esta fuga a uma realidade degradante procura uma simplicidade que não pode ser encontrada no caminho de ferro nem nas oficinas, a emoção e os valores básicos da vida não se revelam nos ganhos técnicos da época como alguns apontaram. Quando uma boa parte das descobertas científicas e invenções fundamentais estavam feita em 1850, é realizada entre 1875 e 1900 uma aplicação mais detalhada destas invenções à industria.

A stodgy and complacent optimism was de frame of mind prevailing in England about 1850. Here was England, thanks to the enterprise of manufacturers and merchants, wealthier than ever, the workshop of the world and the paradise of a successful bourgeoisie, governed by a bourgeois queen and an efficient prince consort3.

Em 1851 a Inglaterra decide realizar em Londres a primeira Feira Mundial para exibir matérias primas e produtos técnicos de nações de todo o mundo, nações que se industrializaram, organizada pelo príncipe Alberto levado por uma onda de expansão do optimismo que os feitos da época revelavam.

Fig. 1 – Conjunto de utensílios de mesa em prata

As figuras 1 e 2 representam alguns dos produtos expostos nesta exposição universal, bens que eram reflexo de classe social elevada, objectos da primeira industrialização que são responsáveis por um excitamento visual que provoca a imaginação popular que a eles agora tem acesso.

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Mas a exposição universal de 1851 foi essencialmente importante por revelar o estado da qualidade das primeiras produções da indústria. Se por um lado se revela a existência de um estado de condições de vida social onde alguns têm acesso ao conforto enquanto outros, à custa de quem o progresso tem lugar, vivem com muitas dificuldades, por outro lado as próprias produções da indústria deixam desgostosos os seus produtores. Objectos excessivamente ornamentados e apontados como de notório mau gosto, que muitos se haveriam de aperceber na altura, terão levado à procura de modelos de arte autêntica no passado (Raizman:2003).

Mas a possibilidade de produzir o que quer se fosse deu liberdade ao produtor, que levado pela euforia colocou nos mercados em florescimento enormes quantidades de produtos que revelam pouco cuidado na sua criação, toscos e de má qualidade. Criou-se um ciclo vicioso de produção e consumo do qual eram

vitimas quer os produtores quer os consumidores, como um “fanatismo tecnológico”.

Fig. 2 – Padrão de carpete

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Uma das vozes de denúncia desta situação que mais se destacou foi a da John Ruskin, tendo exercido muita influência naqueles tempos. No final do século XIX, Ruskin desfere um ataque verbal violento a este estado de situação, concretamente na relação da arte com a moral e as preocupações sociais. Em contraponto à indústria, Ruskin diz admirar o artesanato pela sua visão elevado do trabalho, que ele via destruída pela mecanização. A divisão do trabalho imposta pelo sistema capitalista alienava o trabalhador dos produtos do seu esforço (Raizman:2003). A existência de um mercado de consumo, que estimulava uma produção mais barata e mais rápida, privava as pessoas da satisfação de fazer produtos na óptica de Ruskin. A relação entre o artista e o material, marca das produções da Idade Média espelhadas no Gótico, revelavam a alegria no trabalho onde a imperfeição e a marca da mão do trabalhador eram parte integrante. Ideias completamente opostas à produção em massa e em escala do final do século XIX preconizando Ruskin um voltar ao passado da Idade Média, reconhecendo nas artes decorativas dessas épocas um veículo de encantamento e de mudança social.

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8. A Arquitectura da cidade do final do século XIX

Para além dos objectos a própria arquitectura era sujeita aos desenvolvimentos fruto da industrialização. Surge uma paisagem gradualmente dominada pelos edifícios industriais, fábricas, e estações de caminho de ferro que configuram uma visão de urbanidade que reclama igualmente por uma reforma.

Para a exposição universal de 1851 foi criado uma edifício em ferro e vidro que procurou ser um primeiro exemplo do afastamento dos estilos históricos na arquitectura. O Palácio de Cristal erguido em Sydenham em 1851, construção de Joseph Paxton, um não arquitecto, é o primeiro edifício inteiramente pré-fabricado, desenhado para ser produzido em partes à escala industrial.

Fig. 3 – Palácio de Cristal

Com a extinção do artesão medieval a forma e aparência dos objectos foi deixada o produtor industrial, sem formação ou educação para o fazer. Assiste-se à reprodução pela máquina dos estilos históricos, com uma grande sobrecarga decorativa, ao mesmo tempo que se assistia ao surgimento de novas soluções formais, mais limpas e despojadas, originárias das possibilidades abertas pela industrialização como é exemplo as partes em ferro para a arquitectura.

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Todos estes aspectos foram levados em consideração na exposição universal de 1851 elevando-se as vozes de um grupo de homens do lado das preocupações estéticas, no qual se inclui John Ruskin, para a necessidade de reforma. Uma das acções reveladoras desta intenção foi a publicação em 1849 do Journal of Design and Manufactures, por Henry Cole, que desenvolveu um programa sobre a ornamentação dos objectos, considerando que a mesma devia ser secundária à coisa decorada devendo existir uma coerência entre o objecto e a decoração na direcção de uma ideia de funcionalidade.

O circulo de homens enérgicos que reclamou a necessidade de uma reforma nos objectos e na arquitectura, que faziam parte do circulo de Henry Cole, como refere Pevsner (1991), baseavam-se nas ideias formuladas anteriormente por August Pugin (1841) sobre verdadeiros princípios, definindo duas grandes regras: num edifício não deveriam existir características que não fossem necessárias para a sua construção; e que todo o ornamento deveria consistir no enriquecimento da construção essencial do edifício. No entanto, estes princípios de Pugin estavam associados ao uso que os edifícios góticos fizerem desses mesmos princípios, mantendo uma ligação a linguagens do passado numa clara reprodução dos mesmos. Os trabalhos de Pugin inspiraram a teoria de John Ruskin, para uma honestidade na arquitectura e nas artes decorativas (expresso na sua obra “The seven lamps of architecture”, 1849, Londres.)

A exposição universal de 1851 testemunhou perante os olhos de todos aquilo a que no final do século XIX

se podia assistir. A ciência aplicada em tecnologia funda uma ideia de “massas”, ou seja, transportes de

massas, produção e consumo de massas, comunicação de massas, que significa no campo das artes visuais a predominância de uma actividade como o design e a arquitectura sobre as belas artes. Ainda

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9. O movimento Arts and Crafts em Inglaterra

Mas de todas as vozes reclamando reforma aquela que se elevou como a de um verdadeiro reformista foi a de William Morris, discípulo de Ruskin e o mais acérrimo defensor das suas ideias e princípios.

Morris dirige no final do século XIX uma campanha contra a completa falta de sentido para a unidade essencial da arquitectura numa reacção sobre os edifícios que o rodeavam, considerando-os vulgares, grosseiros e sobrelotados de ornamento. Segundo Morris estes edifícios eram responsabilidade da revolução industrial e das teorias estéticas criadas desde 1800.

O que destaca Morris das restantes figuras do círculo de Cole não é apenas a sua genialidade mas sobretudo o reconhecimento que faz da indissolúvel unidade de uma época e dos seus sistemas sociais (Pevsner:1991).

O ponto de partida da doutrina de Morris (1877-1894) é a condição social da arte, considerando que desde o final do século XVIII e especialmente durante os anos da revolução industrial, a arte não tinha uma rota para seguir, o artista tinha-se desligado da vida real quotidiana alienando-se em círculos fechados onde se cria arte para a arte, arte para os artistas. Perdendo a ligação com o público, dispensando-o, o artista perde a noção da sua utilidade. Mas Morris afirma a existência de um tempo em que nada disto se passava – a Idade Média – onde o artesão, artista, tinha orgulho em executar qualquer trabalho com a sua melhor habilidade.

Perseguindo a visão de Ruskin, Morris reafirma o valor das ideias que prevaleciam na Idade Média sobre a relação com o trabalho:

- O prazer do trabalho desprovido de qualquer outro interesse; - Trabalho artesanal e não inspiração iluminada do artista; - O valor do artesanato gótico.

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Mas a acção de Morris não se ficou apenas pelas formulações teóricas fundando um efectivo movimento contra a produção mecanizada através do revivalismo do artesanato, o movimento reformista Arts and Crafts (1880-1910), em Inglaterra, que influenciou a arquitectura e as artes decorativas. A base deste movimento centrou-se na empresa criada por Morris onde eram produzidos manualmente uma série de produtos desde mobiliário, têxteis, cerâmicas etc, dando o exemplo pessoal da necessidade de o artista se tornar ele próprio um artesão, onde as formas decorativas resultam de um trabalho laborioso com expressão própria. Mas apesar do sucesso da sua empresa Morris estava a ficar desiludido com a impossibilidade de o seu esforço produzir os efeitos desejados de mudança social, revelando-se pela impossibilidade de fazer chegar as suas ideias e os seus intentos junto da própria classe trabalhadora. Por esta razão, em 1880 Morris envolve.se activamente com o movimento socialista em Inglaterra na esperança de criar igualdade social e reduzir as pressões da produção e consumo que alimentavam o sistema capitalista (Raizman:2003).

No entanto, o exemplo de Morris e a sua acérrima condenação da máquina vão distanciando-o dos acontecimentos imparáveis à sua volta, sobretudo, a impossibilidade de inverter a atração crescente pelo consumo em todas a classes. Por outro lado, as ideias de Morris revelam uma incongruência: ao eleger a máquina como seu inimigo, destrutiva do prazer de fazer, destrutiva da qualidade e condições de vida, Morris é incongruente quando defende a ideia de arte das pessoas para as pessoas, como considerava serem os princípios da produção artesanal. As criações de Morris imbuídas neste espírito eram inacessíveis para grande parte das pessoas. Sendo o trabalho manual consideravelmente mais caro do que a produção mecanizada, além do facto de as suas criações estarem comprometidas com os estilos anteriores ao próprio século XIX, a sua empresa só tinha sucesso num mercado exclusivo.

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desenvolvimento na Europa continental e nos Estados Unidos, com transformações e interpretações. Mas as suas ideias sobre o prazer do trabalho artesanal não eram de todo compatíveis com uma produção industrial.

Morris mantém a sua posição inalterada contra os modernos métodos de produção, afirmando que o baixo custo como regra da produção mecanizada só se faria à custa do baixo custo da vida humana e do trabalho, uma vez que a arte nunca poderia ser barata. A doutrina de Morris e os seus aspectos medievais acabam por ser abandonados mas foi fundamental ao chamar a atenção para a necessidade da qualidade dos objectos, reclamando valores e princípios fundamentais na arte das pessoas para as pessoas e no valor da espontaneidade da criação, basilares para o desencadear das acções futuras na procura de sentido da oportunidade da produção mecanizada.

9.1. Uma ideia de reforma pela reconciliação entre arte e indústria no final do século XIX

O final do século XIX revela um processo de industrialização em amadurecimento e procurando aceder a uma idade adulta pela ultrapassagem das suas falhas e pela consolidação da oportunidade de transformar a realidade, atribuindo sentido e, acima de tudo, valor às suas produções. As vozes reclamando a necessidade de uma reforma, ou seja, do estabelecimento de um primado de qualidade, que era visto essencialmente através da revalorização da arte, das artesanías e das artes decorativas

tinha alguma dificuldade em perspectivar para além da ideia de “regresso” ao passado. Assim foi toda a acção efectiva do movimento liderado por William Morris, assente em ideias teóricas que preconizavam a necessidade de reconhecer o valor do trabalho humano pelo restabelecimento da relação do trabalhador com o objecto do seu trabalho pela sua artísticidade, habilidade e criatividade.

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Os artistas reflectiram e procuraram responder com linguagens formais que fossem um reflexo do novo tempo que se configurava perante os seus olhos. Este movimento procurara a sua base na pureza das linhas da natureza e na limpeza das formas, num organicismo consequente. “As características que estão presentes sempre que se fala em Arte Nova são as formas assimétricas derivadas da natureza e manipuladas com obstinação e vigor, e a recusa em aceitar qualquer ligação com o passado”4, este era o projecto da Arte Nova (1883-1888), na pintura, na escultura, na arquitectura e nas artes decorativas. Os artistas, arquitectos e artesãos franceses, primeiro, desenvolveram uma linguagem formal, fortemente decorativa, onde a noção de simplicidade é uma marca de renovação e de corte com os estilos do passado e simultaneamente uma resposta para as novas condições de produção mecanizada. A popularidade do estilo arte nova, numa tentativa de desenvolver um estilo para a indústria revelou-se capaz de iniciar esse corte com o passado associado a uma lógica com a qual definitivamente se considerava o rompimento e a transição para uma nova era. O movimento arte nova estendeu-se aos países do centro da Europa, onde sofreu interpretações que integraram as diferentes particularidades estéticas e culturais de cada um dos países.

Também a cidade chamou à atenção enquanto objecto de estudo pela necessidade do seu planeamento prévio, numa tentativa de resolver as problemáticas inerentes aos aglomerados urbanos de cariz industrial que no final do século XIX eram lugares onde a qualidade de vida se encontrava muito abaixo de patamares de dignidade. A cidade era uma realidade nova, tendo surgido de forma desordenada e frequentemente caótica era o resultado da ruptura com a vida no campo e com o abandono de hábitos e vivências que não encontram nesta nova realidade de vida em comum uma resposta adequada. A cidade era no final do século XIX um objecto disfuncional e responsável pela degradação da vida humana, paredes meias com uma realidade industrial à qual vivia colada.

É precisamente da constatação dos efeitos desta ruptura com a vida no campo que se procuraram soluções que tornassem estes novos lugares aprazíveis, lugares à escala humana e à medida das necessidades humanas e das exigências funcionais de uma vivência em colectivo urbano. Assim é o

projecto da “Cidade Jardim”, através do qual em 1898 em Inglaterra Ebenezer Howard procurou dotar de

sentido a vivência urbana aproximando-a da qualidade de vida desfrutada outrora no campo. Num meio termo entre a cidade e o campo procurou eliminar as desvantagens de viver numa cidade e integrar as vantagens da vida no campo, assumindo no desenho da cidade as zonas verdes num espaço que era sujo

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e desorganizado. Inaugurando o planeamento das cidades, o projecto da “Cidade Jardim” assenta numa

filosofia que vai de encontro a uma nova ordem para sociedade humana sob a égide da máquina, na transição para o século XX.

Procurando o equilíbrio entre crescimento económico e crescimento urbano, numa fase de grande

expansão da cidade como aconteceu no final do século XIX, o movimento das “Cidade Jardim” pretende

resolver os problemas sociais inerentes a uma cidade onde abundava a pobreza, a falta de habitação, de recolha de lixo e de redes de água e esgoto. Com ruas estreitas que impediam a circulação de ar e do sol,

com casas amontoadas onde o ar era poluído e faltavam espaços para lazer, em suma um ambiente

urbano degradado e padecendo da falta de recursos naturais.

A visão de Ebenezer Howard para a cidade foi uma importante chamada de atenção para os impactos

sociais do crescimento económico e uma referência fundamental para o complexo cidade. Considerada

utópica, para além de outros aspectos pela impossibilidade de conciliar uma lógica de organização da

sociedade assente numa nova economia de base capitalista onde o tempo livre, a liberdade e a

disponibilidade de meios para disfrutar de um espaço de vivência aprazível estavam longe de serem

reconhecidos a toda uma massa de operários que habitava grande parte das cidades que iam crescendo

na Inglaterra do final do século XIX e cuja principal preocupação era a longa e dura jornada de trabalho

diário.

Claramente posicionados do lado das preocupações humanas estes movimentos na fase de transição para o século XX tinham como intenção gerir o processo de mudança em curso, procurando honrar uma produção e consumo à escala humana. Herdeiros do movimento Arts and Crafts liderado por W. Morris na segunda metade do século XIX as ideias de reconciliação da indústria com a arte, ou seja, de uma dimensão racional com uma dimensão emocional e estética, fundam uma abordagem humana à realidade produtiva mecanizada. Ao contrário de W. Morris a condenação da máquina e o preconizar do regresso ao passado de uma realidade produtiva de base artesanal não tinham fundamento. O desafio era a conciliação entre as inegáveis oportunidades de uma produção em massa com uma ideia de qualidade e adequação humana dos objectos, dos edifícios e das cidades. Poderemos considerar que se trata de incorporar na proposta estética revelada nas ideias de W. Morris uma escala de produção em massa.

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controle apertado e pela intervenção na concepção de sistema de produção mais eficientes e entre outros com visões mais abertas que integram nestas preocupações questões inerentes à concepção de objectos e do valor da marca, numa resposta à emergência de novos mercado concorrenciais além fronteiras (Raizman:2003). No início do século XX assiste-se à coexistência no mesmo espaço de uma produção massificada, insensível, liderada pelo controle de custos e uma produção artesanal refinada, à escala humana, de bens e serviços de base local.

Todas estas preocupações desenrolam-se num ambiente de forte espírito de rigor científico que tinha como objectivo último o aperfeiçoamento da sociedade. O mundo herdado do século XIX estava tecnologicamente caduco e socialmente defunto (Mumford:1950). Era necessário um novo espirito e novas tácticas para o novo. A fase adulta da industrialização apoiava-se no método científico, permitido pelo progresso nas matemáticas e nas ciências físicas. A realidade torna-se objecto de investigação nas suas diferentes dimensões, desde a sociedade humana ao mundo natural, o biológico e o social. Paralelamente a automatização crescente da produção e o recurso a novas fontes de energia diminuem a importância do operário na produção. As aplicações da electricidade e os novos materiais, os compostos sintéticos que substituem o papel, o vidro e a madeira, criam novas condições que permitem continuar a fazer crescer a produção. Uma nova fase para o século XX, a idade adulta da indústria, onde se verificam novas modificações na paisagem, no traço da cidade, na utilização de determinados recursos em detrimento de outros, no favorecimento de determinados bens e de certos campos de actividade, numa transformação da herança recebida dos séculos anteriores em novas aplicações.

A preocupação com o rigor científico aplicados aos sistemas de produção, que motivou um crescimento rápido da empresa moderna no século XX, desenvolve-se em teorias que entusiasmaram os industriais, alterando profundamente a organização do trabalho no complexo fabril no sentido de uma maior eficiência. O controle de custo encabeça a lista de razões para a adopção de novas lógicas de organização dos sistemas de produção assentes na divisão do trabalho. A criação da linha de montagem é claramente uma resposta ao controle de custos, trazer os materiais aos trabalhadores em vez de levar a mão de-obra aos materiais reduz drasticamente o tempo de produção, tornando possível uma produção em massa com a produção centralizada.

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mão de obra desqualificada disponível o empresário viu nesta abordagem rigorosa à organização das tarefas a possibilidade de superar a desqualificação do trabalhador imprimindo uma outra lógica à produção com supervisão superior de desempenhos. Com enfase na racionalização do trabalho, assente na divisão das tarefas dos trabalhadores, o Taylorismo substituiu os métodos empíricos de gestão pelos métodos científicos de organização do trabalho traduzindo-se em grandes ganhos de eficiência produtiva.

O Taylorismo foi aplicado primeiro ao sector de produção de automóveis no início do século XX quando Henry Ford funda a Ford Motor Company em 1903, para fazer carros para o trabalhador americano moderno – não apenas para os abastados. Ford compreendeu que necessitaria de fazer carros baratos e

em grandes quantidades criando o modelo “Ford T” em 1908 : construído com os melhores materiais,

com o desenho mais simples que os moderno engenheiros conseguissem conceber e com um preço tão baixo que nenhum homem com um bom salário deixaria de o ter (NcDonough e Braungart:2002).

Sendo até aí objectos produzidos manualmente num lento processo artesanal, os automóveis eram peças únicas, personalizadas e em reduzido número, cujo custo final os tornava acessíveis apenas a um grupo restrito de consumidores.

Rapidamente esta lógica contagia outros sectores produtivos. O “Ford T” era democrático uma vez

acessível a um grande número de consumidores, simples e linear no funcionamento, simbolizando o objectivo geral dos primeiros industriais: fazer um produto que é desejável, acessível e que podia ser utilizado por qualquer pessoa, em qualquer lugar, que durava algum tempo e que podia ser produzido barato e rapidamente.

Tendo Ford demonstrado o modo de viabilizar objectivos importantes na perspectiva dos sistema económico, através da concepção de um objecto que era prático, lucrativo, eficiente e linear, contribui, simultaneamente, para a compreensão das condições a que deveriam responder as soluções formais dos produtos para serem produzidos industrialmente com sucesso, tal como ja vinha sendo apontado por outros há algum tempo. O sucesso de Ford no universo automóvel transformou profundamente a maneira de fabricar na indústria, revelando na prática a importância de uma abordagem mais rigorosa e racional ao processo de produzir quando introduz pela primeira vez a linha de montagem dando consequência à produção em partes e à estandardização, contribuindo para o crescimento da produção em massa.

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10. O início da era moderna

A moderna civilização que se começou a construir no final do século XIX residia na máquina e nenhum sistema para encorajar o talento pelo ensino das artes poderia fazer sentido se não o reconhecesse (Pevsner:1991). Este axioma, pronunciado por Ashbee em 1910 (discípulo de Morris) aquando do seu abandono da doutrina de Arts and Crafts, é uma das premissas adoptadas pelo Movimento Moderno. Esta noção construíra-se a passos largos na viragem para o século XX. O abandono das ideias de retorno ao passado, como sendo o único tempo verdadeiramente de qualidade, inspirando as soluções da arquitectura e das artes havia perdido fôlego perante a admiração crescente da máquina. As manifestações a favor da máquina e a inevitabilidade da sua intervenção, constatada pelo facto de o público querer o trabalho da máquina, apagam as resistências e eliminam a manutenção dos revivalismo do passado.

A compreensão do carácter essencial da máquina e das consequências da sua relação com a arte e a arquitectura fomentavam espaços de discussão num crescendo de apoiantes da máquina e da necessidade de uma estética própria, uma estética industrial (um território para o que virá ser consciencializado como a actividade de design).

O reclamar de uma estética para a máquina inicia-se num grupo isolado na América, de cujo evidente reflexo é o manifesto da forte convicção de Frank Lloyd Wright em 1901 - “The arts and crafts of the machine” .

(…) our age of steel and steam … the machine age, wherein locomotive engines, engines of

industry, engines of light or engines of war or steamships take the place works of art took in previous history. (…) Today, we have a Scientist or an Inventor in the place of a Shakespeare or a Dante ”5

Na Europa aqueles que reclamavam um novo estilo para o século XX encontraram muito pouca resposta antes da primeira grande guerra. Após a morte de William Morris a Inglaterra põe fim às actividades que se afiguravam de preparação do Movimento Moderno deslocando-se estas para o continente americano e

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após um pequeno período a Alemanha torna-se o centro dos acontecimentos, o centro do progresso. Os primeiros arquitectos a admirar a máquina e a compreender o seu carácter essencial e as suas consequências na relação da arquitectura e do design com a ornamentação são dois Austríacos, dois Americanos, um Belga e um Inglês mais tarde: Otto Wagner (1841-1918), Adolf Loos (1870-1933), Louis Sullivan (1856-1924), Frank Lloyd Wright (1869-1959), Henri van de Velde (1863-1957) e Oscar Wilde (1854-1900).

O desenvolvimento de uma estética própria para a era da máquina, substituindo as linguagens tradicionais do passado, procurou responder à necessidade da qualidade nos objectos e na arquitectura num espaço já de produção e consumo de massas. As exigências de um processo produtivo industrial induziam linguagens formais de resposta à estandardização e seriação. Produção em partes para um baixo custo era uma resposta ao crescimento de mercados, moeda de troca de um intenso processo de industrialização que estava a ser levado a cabo. As inevitabilidades tornaram-se um desafio para a criação do novo e a eliminação das formas antigas enquanto marcas de passado. O objectivo era o desenvolvimento de um novo assentará numa nova visão do mundo igualmente boa e bela.

Imagem

Fig. 1 – Conjunto de utensílios de mesa em prata
Fig. 2 – Padrão de carpete
Fig. 3 – Palácio de Cristal

Referências

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