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O Mal-Estar na Civilização em Maíra

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Academic year: 2021

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Evandro Arruda Carneiro da Silva

O Mal-Estar na Civilização em Maíra

Estudante de graduação no curso de Sociologia e Política, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo

Resumo

Através deste trabalho, serão analisadas as personalidades das personagens Isaías e Alma, do romance Maíra de Darcy Ribeiro, focando em como a influência da moral imposta pela sociedade “civilizada” e pelas religiões interfere nos indivíduos que entram em contato com estas

e nos que fazem parte deste meio. Utilizando principalmente, os livros “O Mal-Estar na Civilização” de Sigmund Freud, “Os Índios e a Civilização” e “O Povo brasileiro” de Darcy Ribeiro.

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“Vocês nos trazem à existência, Deixando que o pobre se torne culpado, Depois o abandonam ao sofrimento, Pois toda culpa na terra se paga.”

Goethe, “Canções do Harpista”

O Mal-Estar na Civilização em Maíra

Em 1976, Darcy Ribeiro escreveu o romance intitulado Maíra, enriquecido por

uma enorme bagagem científica possuída pelo antropólogo. O autor inclui em sua obra um conhecimento etnológico muito denso em virtude do convívio e estudos realizados entre tribos indígenas e que devido à presença de fatos mitológicos gera-se uma dificuldade de se fazer uma leitura superficial.

Em Maíra, Darcy Ribeiro aborda a

história da pequena tribo dos índios mairuns e da investigação sobre a morte de Alma. O enredo foca-se dentre outros personagens, em Avá, rebatizado posteriormente como Isaías, um índio que futuramente seria o líder (tuxauarã) mairum, mas que ainda jovem foi retirado de sua aldeia e de sua vida simples, e foi levado para ser convertido, educado e catequizado entre a civilização, mais especificamente em Roma, para se tornar um sacerdote cristão.

Após um longo período distante de suas origens e de diversos conflitos psicológicos internos, Isaías resolve retornar à sua aldeia. Em seu trajeto de volta conhece Alma, uma psicóloga que decide servir em nome de Deus, por arrependimento da vida que levava anteriormente, e para que com isso pudesse redimir seus pecados. Como os dois possuem como mesmo destino Naruai, decidem seguir seus caminhos unidos.

Ao entrar em contato com a cultura indígena dos mairuns através de Isaías, Alma desiste de seus propósitos religiosos e após isso passa a conviver entre os índios, fazendo parte

do estilo de vida existente na tribo, o que a leva a ter relações sexuais com vários índios. Em consequência dessas diversas relações, Alma engravida de gêmeos, porém não possui certeza sobre a paternidade das futuras crianças. Por se considerar integrante da tribo, Alma decide ter seus filhos da mesma maneira que as índias mairuns, o que pode ter sido a causa de sua morte.

O romance possui várias vozes narrativas, criando um caminho de personagens conturbados pela influência da civilização. Uma delas e a mais ressonante do enredo é a de Isaías. Para Antônio Candido existe algum motivo para Darcy Ribeiro ter composto o romance desta maneira, causando uma existência incompleta das personagens:

[...] porque não se concentrou no universo tribal e preferiu, com plena consciência da situação presente, estabelecer o relacionamento deste com o mundo civilizado, que o cerca e destrói. Mais ainda: porque figurou o encontro de culturas na própria personalidade de um índio, iniciado nos saberes do branco, mas preso de tal maneira às origens que voltou à sua aldeia, na sua selva, para viver uma existência incompleta, diminuída, puxada para os dois lados. (CANDIDO, 2003, p. 384)

Freud em seu livro O Mal-Estar na Civilização, faz uma análise dos fatores causadores da instabilidade psicológica dos seres humanos em contato com a civilização, e a angústia causada pelas limitações exigidas pela convivência em sociedade dos instintos e das restrições dos sentimentos de felicidade e prazer. Na obra de Darcy Ribeiro, podemos reparar principalmente em Isaías e Alma, como os conflitos que essa imposição de valores sociais atua nas personalidades dos indivíduos. Freud em Novas Conferências Introdutórias nos diz o seguinte sobre o que é essa angústia sentida pelos homens:

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[...] angústia é um estado afetivo, ou seja, uma união de determinas sensações da série prazer-desprazer com as inervações de descarga a elas correspondentes e a percepção, mas provavelmente também o precipitado de um certo evento significativo, incorporado por hereditariedade, algo comparado ao surto histérico adquirido individualmente. (FREUD, 2011, p.224)

Freud demonstra que o ser humano busca em sua vida, formas de se alcançar um sentimento de felicidade, porém a vida em sociedade nos traz diversas frustrações e que alguns encontram na religião uma maneira de diminuir essa frustração.

A vida, tal como nos coube, é muito difícil para nós, traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Para suportá-la, não podemos dispensar paliativos. (FREUD, 2011, p.28)

Tanto em Isaías quanto em Alma, identificamos através da religião, uma busca desse “paliativo”, essa busca, Freud nos descreve da seguinte maneira:

É de particular importância o caso em que grande número de pessoas empreende conjuntamente a tentativa de assegurar a felicidade e proteger-se do sofrimento através de uma delirante modificação da realidade. Devemos caracterizar como tal delírio de massa também as religiões da humanidade. Naturalmente, quem partilha o delírio jamais o percebe. (FREUD, 2011, p.38)

Em Isaías podemos visualizar claramente, o sofrimento que os índios passavam ao entrarem em contato com culturas e religiões distintas das quais haviam sido criados. As grandes religiões, principalmente a católica, com seus ideais de catequizar e converter os descrentes através da imposição como verdade de seus conceitos, geralmente são as grandes responsáveis pelos

transtornos apresentados por estes índios que são levados para serem educados como homens civilizados.

A presença do conflito entre o mundo tribal do qual Avá foi retirado ainda criança e do civilizado e religioso, no qual este se tornou Isaías e passou a viver em Roma, seria o motivo de sua perturbação e também de sua falta de identificação com qualquer uma das duas culturas as quais ele entrou em contato.

Eu sou dois. Dois estão em mim. Eu não sou eu, dentro de mim está ele. Ele sou eu. Eu sou ele, sou nós, e assim havemos de viver. O velho confessor não estará jamais no futuro, esperando por mim, antes da missa para me esvaziar outra vez de mim. Eu também não estarei jamais tremendo de medo dessa hora da verdade, da antiga verdade, da verdade dos outros. Agora viverei com a minha verdade, a minha verdade entreverada. Deus do céu, meu pai e meu tio. Deus é Deus e Maíra. Maíra é Deus. (RIBEIRO, 2003, p.109)

Em seu livro, Freud expõe o que seria a fonte de energia a qual os diferentes sistemas religiosos utilizam para exercer um controle de seus seguidores, um sentimento que causa a sensação de eternidade. A construção desse sentimento de necessidade religiosa, para Freud, é encontrada desde a infância:

Um sentimento pode ser fonte de energia apenas quando é ele mesmo uma expressão de uma forte necessidade. Quanto às necessidades religiosas, parece-me irrefutável a sua derivação do desamparo infantil e da nostalgia do pai despertada por ele, tanto mais que esse sentimento não se prolonga simplesmente desde a época infantil, mas é duradouramente conservado pelo medo ante o superior poder do destino. (FREUD, 2011, p.25)

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No decorrer de Maíra podemos encontrar diversos fragmentos que demonstram as influências desses diversos fatores na construção da personalidade de Isaías.

[...] Todo o dia e toda noite já longa deste vôo revivi meus idos. Os de menino na aldeia, os de rapaz no convento de Goiás, os de homem feito e desfeito em Roma. Eles me marcaram duramente. É como se eu tivesse perdido minha alma, roubada pelos curupiras, e vivido por anos a fio como bicho entre bichos. Volto, agora que volto de verdade, me perguntando quem é o ser que levo a meu povo. Sei bem que não sou o anjo sem mácula que um dia quis ser, a ingenuidade mairuna submetida a todas as provações, mas intocada. Não sou inocente. Não sou culpado. Sou um equívoco. Quem volta não é a forma adulta do menino ignorante que os mairuns, na sua inocência, mandaram, um dia, com os padres aprender a sabedoria dos caraíbas. Quem volta não é também o catecúmeno esforçado de quem os missionários quiseram fazer a glória da Ordem. Quem volta sou apenas eu. Fui a ovelha do Senhor. Volto tosquiado: sem glória sacerdotal, sem santidade, sem sabedoria, sem nada. Tudo que tenho são duas mãos inábeis e uma cabeça cheia de ladainhas. E este coração aflito que me sai pela boca. (RIBEIRO, 2003, p.76)

Em seu livro O Povo Brasileiro, Darcy Ribeiro diz o seguinte sobre esse assunto referente a os índios que eram retirados de suas aldeias para serem educados e o impacto disto:

[...] com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitíssimos índios deitavam em suas redes e se deixavam morrer, como só eles têm o poder de fazer. Morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação mais horrível do passado, uma vida indigna de ser vivida por gente verdadeira.

Sobre esses índios assombrados com o que lhes sucedia é que caiu a pregação missionária, como um flagelo. Com ela, os índios souberam que era por culpa sua, de sua iniquidade, de seus pecados, que o bom deus do céu caíra sobre eles, como um cão selvagem, ameaçando lançá-los para sempre nos infernos. O bem e o mal, a virtude e o pecado, o valor e a covardia, tudo se confundia, transtrocando o belo com o feio, o ruim com o bom. Nada valia, agora e doravante, o que para eles mais valia: a bravura gratuita, a vontade de beleza, a criatividade, a solidariedade. A cristandade surgia a seus olhos como o mundo do pecado, das enfermidades dolorosas e mortais, da covardia, que se adornava do mundo índio, tudo conspurcando, tudo apodrecendo. (RIBEIRO, 1995, p.45)

A maior causa da angústia sentida por Isaías pode ter sido originada da coerção ao abandono de seus instintos sexuais pelas doutrinas religiosas, com relação no contraste observado por este durante sua criação infantil, de como era a vida sexual existente em sua aldeia. A forte repressão sexual existente em Isaías pode ser observada após Isaías retornar a aldeia mairum e se casar com uma índia, e mesmo a desejando, não consegue estabelecer relações sexuais com sua esposa e passa a sofrer por amá-la.

Senhor, meu Deus, castigador. Senhor, meu Deus, salvador. Ela é minha cruz, que tenho merecida, dá-me seu amor, por minha perdição eterna, dá-me. Seu amor, Senhor, é o paraíso único a que aspiro. Se com ela hei de perder-me, sem ela não quero salvar-me.

Dá-me, Senhor, o meu amor desventurado. Ainda que ele venha eriçado de todos os escorpiões do ciúme. Ainda que custe a condenação eterna de minha alma apaixonada. O seu amor, Senhor, ou minha morte, dá-me. (RIBEIRO, 2003, p. 352)

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Alma após a morte do pai, por arrependimento da vida que levava, a qual não era considerada digna por este, decidiu tentar através da religião honrar sua memória, mas para isso, acreditava que era necessária a ausência do contato com o mundo civilizado, que de acordo com Alma era repleto de “fome, sexo e maconha”, e da fuga para um lugar distante, para poder prestar seus serviços em nome de Deus. Alma nos conta que ao aceitar a vida religiosa como ideal, tenta fugir da conturbada vida sexual a qual ela supõe que se iniciou através de um amor edípico ao pai.

Lá na Missão, com as irmãzinhas, terei por fim a paz que nunca tive, afundada na paixão carnal, debaixo do peso do amor daquele meu pai sacrossanto. Ele só via em mim carinho e pureza. Oh! Meu pobre pai que está no céu e que de lá, talvez, me veja! Jamais, meu pai, jamais voltarei a buscar seu cheiro em alguém, como tantas vezes fiz sem saber: minha culpa, minha máxima culpa. Não tendo mãe que gastasse meu carinho, nem irmão que me ensinasse a ser mulher, nem amigos, por anos e anos só tive meu pai. Nele me concentrei totalmente. Vivemos do carinho e da dação por parte dele e dessa sofreguidão e angústia da minha parte. Nem sua morte me livrou. (RIBEIRO, 2003, p. 91)

Alma busca através de suas relações sexuais ser reconhecida como alguém, porém essa vida apenas a levou para uma triste solidão e que por influência disso acabou se perdendo no mundo das drogas e sendo internada. Após a internação Alma encontra através da fé sua salvação. Por um desejo estranho e repentino ela decide que deve passar a viver na missão do Iparanã, mas também começa a demonstrar confusões sobre o que espera de sua vida, mas independente do que seja, deseja apenas ser aceita.

Freud nos fala sobre como a busca da

felicidade através da vida sexual, pode nos causar angústias e neuroses, pois mesmo seguindo os instintos humanos, o amar nos deixa mais desprotegidos ante o sofrimento, e por isso buscamos caminhos diferentes para buscar a felicidade, esse pode ser descrito como o motivo para Alma decidir mudar de vida.

Afirmamos que a descoberta de que o amor sexual (genital) proporciona ao indivíduo as mais fortes vivências de satisfação, dá-lhe realmente o protótipo de toda felicidade, deve tê-lo feito continuar a busca da satisfação vital no terreno das relações sexuais, colocando o erotismo genital no centro da vida. Prosseguimos dizendo que assim ele se torna dependente de maneira preocupante, de uma parte do mundo exterior, ou seja, do objeto amoroso escolhido, e fique exposto ao sofrimento máximo, quando é por este desprezado ou o perde graças à morte ou à infidelidade. (FREUD, 2011, p. 64)

O édipo sentido pelo pai, pode ter sido outro fator importante tanto para a tomada da vida sexual quanto para a deixada dessa vida, pois um sentimento de culpa se manifesta em quem possui o complexo de édipo, o que impede os filhos de possuírem relações sexuais com os pais e os fazem buscar a satisfação amorosa em outras pessoas. Freud no mal-estar da civilização, discorre sobre o conflito de Eros e o instinto da destruição ou da morte:

Esse conflito é atiçado quando os seres humanos defrontam a tarefa de viver juntos; quando essa comunidade assume apenas a forma da família, ele tem de se manifestar no complexo de Édipo, instituir a consciência, criar o sentimento de culpa. Ao se procurar uma ampliação dessa comunidade, o mesmo conflito prossegue em formas dependentes do passado, é fortalecido e resulta uma intensificação do sentimento de culpa. (FREUD, 2011, p.104)

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Após a morte do pai de Alma, o sentimento de amor sentido por ele, reprime a busca da representação do pai em outros homens, o que faz Alma buscar sua satisfação através da realização dos ideais do pai amado.

Veja o nome que me deu, irmã Petrina: Alma. Dá uma medida da sua espiritualidade. Espiritualidade de que eu não fui digna até a sua morte. Agora quero me recuperar. Quero cumprir por atos, no serviço de Deus, todos os conselhos dele que não escutei. Ele morreu, a senhora sabe. (RIBEIRO, 2003, p.61)

Esse sentimento de culpa o qual Alma sentia por não corresponder as expectativas do pai, pode ter sido também a causa do envolvimento de Alma com as drogas, Freud escreve que as pessoas recorrem as drogas para alcançarem um prazer imediato e assim escaparem da sensação de sofrimento. Para Freud:

[...] mas os métodos mais interessantes para prevenir o sofrimento são aqueles que tentam influir no próprio organismo. Pois todo sofrimento é apenas sensação, existe somente na medida que o sentimos, e nós os sentimos em virtude de certos arranjos de nosso organismo [...] é fato que há substâncias de fora do corpo que uma vez presente no sangue e nos tecidos, produzem em nós sensações imediatas de prazer, e também mudam de tal forma as condições de nossa sensibilidade, que nos tornarmos incapazes de acolher impulsos desprazerosos. (FREUD, 2011, p.32)

Porém as drogas também nos afastam da realidade do mundo externo, o que seria a causa de Alma, após a sua reabilitação, desejar apenas ser reconhecida como alguém por este mesmo mundo exterior através de seus atos religiosos em memória do pai.

Tanto Isaías quanto Alma demonstram

no decorrer da obra uma ideia de retorno ao primitivo, Isaías com seu desejo de voltar a ser Mairum e reestabelecer seus contatos com a natureza, e Alma ao se reconhecer com a cultura indígena sexual dessa tribo. Freud nos descreve essa necessidade de retorno do homem ao primitivo como fuga da infelicidade causada pela civilização e hostilização gerada pelo estado civilizacional:

[...] boa parte da culpa por nossa miséria vem do que é chamado de nossa civilização; seríamos bem mais felizes se a abandonássemos e retrocedêssemos a condições primitivas. A asserção me parece espantosa porque é fato estabelecido – como quer que se defina o conceito de civilização – que tudo aquilo que nos protegemos da ameaça das fontes do sofrer é parte da civilização. (FREUD, 2011, p.44)

No livro Maíra, podemos encontrar vários pontos onde Isaías e Alma apresentam um sentimento de hostilização a civilização. Isaías nos mostra como o nosso mundo pode ser duro para um índio:

Do lado oposto, no nascente, está o mundo devassado de onde nos vêm a invasão, a doença, a brancura. É o lado onde estou agora, é o lado de onde vou indo para lá, voltando. (RIBEIRO, 2003, p.75)

Minha ambição é voltar ao convívio da minha gente e com a ajuda deles me lavar deste óleo de civilização e cristandade que me impregnou até o fundo. (RIBEIRO, 2003, p.168)

Darcy Ribeiro em seu livro Os Índios e a Civilização, nos conta sobre como após o impacto cultural da educação civilizada nos índios, estes tentavam retornar para suas vidas nas aldeias, mas não conseguiam mais não sofrerem, como era antes de suas partidas:

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vicissitudes da consciência indígena diante do impacto da civilização, podemos recapitular, agora, algumas das contingências de sua integração compulsória na sociedade nacional. Conforme vimos, numa primeira instância a tribo indígena posta em contato com a sociedade nacional procura defender e preservar o ethos que lhe provê a imagem orgulhosa de si própria como um povo entre os demais e até mesmo como um povo melhor que os demais. Depois de sucessivos embates que fazem ruir quase todo o orgulho tribal, sobrevêm, via de regra, esforços desesperados de retorno, de isolamento. (RIBEIRO, 1996, p.474)

A relação entre Alma e o retorno ao primitivo, foi mais simples que a de Isaías, pois esta encontrou na aldeia mairum, uma identificação com sua vida sexual anterior a morte de seu pai, e com isso acabou chegando ao ponto de desejar a ser uma das índias e recriminar fortemente sua origem civilizada, o que a levou a engravidar de um dos índios e a desejar ter seu filho como uma tribal, o que poderia ter acarretado sua morte. Freud em seu texto “Moral Sexual Civilizada e Doença Nervosa Moderna” nos diz sobre a falsidade da supressão sexual instintual, o que pode explicar a fácil desistência de Alma de sua sublimação sexual:

Quando o instinto sexual é muito intenso, mas pervertido, existem dois desfechos possíveis. No primeiro, que não examinaremos, o indivíduo afetado permanece pervertido e sofre as consequências do seu desvio dos padrões de civilização. No segundo, muito mais interessante, o sujeito consegue realmente, sob a influência da educação e das exigências sociais, suprimir seus instintos pervertidos, mas essa supressão é falsa, ou melhor, frustrada. (FREUD, 1976, p.35)

Já o retorno de Isaías a sua tribo não foi

um processo de reconhecimento com sua cultura, talvez pelas imposições sexuais criadas pela sua consciência de homem civilizado, o que o levou a continuar a sofrer e tentar a encontrar outro caminho através do sentimento de amor não correspondido com sua esposa mairum. Freud em o Mal-Estar na Civilização nos descreve sobre o perigo de sofrer por amar alguém:

Nunca estamos mais desprotegidos ante o sofrimento do que quando amamos, nunca mais desamparadamente infelizes do que quando perdemos o objeto amado ou seu amor. (FREUD, 2011, p.39)

Isaías demonstra um comportamento de distanciamento com seu próprio povo, e tenta através de atividades intelectuais, minimizar seu sofrimento por não ser o índio que esperavam que ele fosse e por não conseguir o amor de sua mulher:

Aqui estou na minha aldeia, devolvido a ela, mas não devolvido a mim mesmo. Começa a ser cada vez mais difícil sentir-me mairum dentro de minha pele. Passo a mão pelos cabelos que estão ficando ralos, como acontece com os brancos. Lavo os olhos do espírito com orações, como fazia antigamente, na esperança de que, limpos, vejam melhor. Mas não, estou cada vez menos a jeito dentro de mim e os outros também estão se cansando. Muitos passam e não me olham; se olham, não me vêem. (RIBEIRO, 2003, p.303)

Somente a vida intelectual me alimenta aqui. Ainda que reduzida à aridez de Gertrudez, com a sua geometria gramatical, e á exuberância demoníaca de Teidju, é só dela que eu vivo. (RIBEIRO, 2003, p.305)

Freud expõe como uma maneira eficaz de se chegar ao prazer ou a ausência de desprazer, mesmo que não tão potente quanto a realização

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dos desejos sexuais, o trabalho psíquico e intelectual:

O melhor resultado é obtido quando se consegue elevar suficientemente o ganho de prazer a partir das fontes de trabalho psíquico e intelectual. Então o destino não pode fazer muito contra o indivíduo. (FREUD, 2011, p.35)

Enquanto Darcy Ribeiro tenta através de sua obra nos passar a extinção da bela cultura indígena e sua substituição pelo homem triste e depressivo civilizado, Freud nos faz o seguinte comentário sobre os sentimentos desse homem:

[...] há diferentes caminhos que podem ser tomados, seja dando prioridade ao conteúdo positivo da meta, a obtenção de prazer, ou ao negativo, evitar o desprazer. Em nenhum desses caminhos podemos alcanças tudo o que desejamos. (FREUD, 2011, p.40)

Conclusão

Não é de hoje que vemos a doença espalhada pelo mundo, devastando civilizações e seus indivíduos, independente de credos, culturas, classes sociais, ou dos diversos outros modos que existem ou foram criados para nos distanciarmos de nossos iguais.

Infelizmente está doença a qual venho aqui expor minha opinião não é de uma simples forma de tratamento, estou falando de um forte transtorno psicológico causado principalmente pelo meio conturbado no qual vivemos. Uma doença de vício e de um ideal de comodismo. Uma doença de falta de compreensão e de desrespeito ao próximo. Onde leis são criadas para nos diferenciarem. Onde se é decidido se alguém deve ou não viver e de que maneira as pessoas devem viver. Uma doença de se instituir que não devemos nos importar com os sentimentos alheios.

A ideia de como nossa vida deveria ser é encravada em nossas mentes de uma forma tão impositiva, que se não for alcançado tal ponto pré-definido, ficamos frustrados e nos sentimos fracassados, angustiados. Regras e leis são criadas, para poder nos manter acorrentados ao método estipulado de estilo de vida ideal, negando assim nosso direito a liberdade dentro da grande prisão a qual chamamos de civilização. Mesmo para nós que já nascemos e somos colocados nesse mundo civilizado já é difícil sobreviver desta maneira, e assim como Alma, sofremos intensamente. Podemos tentar imaginar então, o quanto de dor, tristeza e depressão um índio, que assim como Isaías, foi inserido na nossa sociedade pode sentir. Podemos refletir sobre o choque cultural que este índio pode sentir ao ser retirado ainda pequeno de sua tribo, acostumado ao comunitarismo de sua aldeia, onde era criado com a bela natureza ao seu redor e possuidor de um simples estilo de vida, ao ser colocado para viver no nosso mundo individualista, cheio de regras, dogmas, disciplina e opressões.

Creio que Darcy Ribeiro, ao querer expor o drama sentimental dos índios civilizados, estava tentando nos mostrar de que maneira seria o fim do espírito indígena, não só através da devastação de suas terras, destruição de suas florestas e do desaparecimento de seus animais, mas que o fim do indígena estaria também, e talvez principalmente, na transformação destes em seres doentes, neuróticos, conturbados, ou melhor dizendo, em um de nós.

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Referências Bibliográficas:

CANDIDO, A. In RIBEIRO, D. Maíra. Mundos

cruzados. Editora Record, Rio de Janeiro, 2003, p.382

FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. In: Obras completas v. 18. São Paulo: Companhia das

Letras, 2011.

FREUD, S. Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise. In; Obras completas v. 18. São Paulo:

Companhia das Letras, 2011.

FREUD, S. Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna. In: Pequena coleção das obras de Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

RIBEIRO, D. Maíra. Rio de Janeiro: Editora

Record, 2003

RIBEIRO, D. Os índios e a civilização. São Paulo:

Companhia das Letras, 1996.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro. São Paulo:

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