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Bolsa família: consumo e desigualdade social

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Academic year: 2021

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Leticia Souza Tavares

Bolsa família: consumo

e desigualdade social

Pós-graduanda em Sociologia e Política pela FESPSP (leticia_souza_tavares@yahoo.com.br)

Resumo

Em 2013 o Programa Bolsa Família completou dez anos entre criticas e elogios,

alcançando o status de maior programa de distribuição de renda condicionada que o país já teve. Além de tirar milhões de brasileiros da miséria, proporcionou a entrada dos mesmos no mercado consumidor.

Este trabalho apresenta, a partir de uma análise da bibliografia sobre o assunto, uma reflexão a respeito dos diferentes aspectos que o acesso ao consumo proporcionou aos

beneficiários do Programa Bolsa Família. Nesse sentido, acredita-se que, mesmo após

11 anos de existência do Programa, essa escolha politica de combate à pobreza ainda não produziu impactos relevantes no que diz respeito à diminuição da desigualdade social existente no Brasil.

Palavras-chave

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Abstract

In 2013 the Bolsa Família Program completed ten years with criticism and praise,

becoming the largest conditional cash distribution program that the country has ever had. To the program lift millions of Brazilians out of poverty and provided their entry in the consumer market.

This work presents, analyzing the subject, a reflection on the differents aspects that

access to the consumption provided to Bolsa Família Program beneficiaries. In this

sense, it is believed that even after 11 years, this political program to combat poverty has not yet produced significant impacts on the reduction of social inequality in Brazil.

Keywords

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1. Introdução

De acordo com a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Humano e Social (SEDES, 2014), a transferência de renda, repasse financeiro feito pelo Estado para a população, é uma das seguranças que a política de Assistência Social deve garantir, ou seja, um direito social que assegura a sobrevivência de famílias em situação de pobreza e promove a autonomia destas.

Os benefícios de transferência de renda se popularizaram, aumentando significativamente o número de famílias atendidas na última década, de acordo com os dados da Folha de Pagamento1 referente

ao ano de 2014 da Caixa Econômica Federal, banco responsável pelo fornecimento da infraestrutura, organização e manutenção do Cadastro Único2 e pelo

seu sistema de processamento de dados. O programa de maior abrangência, e também mais conhecido, é o Programa Bolsa Família (PBF), que atualmente, atende

mais de 13,9 milhões de família (MDS, 2014).

O PBF foi implantando durante o primeiro mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e sancionado em 2004 pela Lei 10.8363. O PBF

tem por finalidade unificar a transferência de renda de diferentes programas criados até então: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-gás.

Desde sua criação até os dias de hoje, o programa sempre teve como objetivo atender

1 Folha de pagamento do PBF SENARC/MDS. Diponível em: < http://aplicacoes.mds.gov.br >. Acessado em 26 de abr de 2015. 2 O Cadastro Único é um instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda, atendidas entendidas como aquelas que têm: renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa; ou renda mensal total de até três salários mínimos. Disponível em: < http://www.mds. gov.nr/bolsafamilia/cadastrounico >. Acessado em 02 de jan de 2015. 3 Lei disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato20042206/2004/lei/l10.836.html >. Acessado em: 02 de jan de 2015.

“unidades familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza” (Lei. 10.836/2004). Porém, no decorrer desses anos gerou-se grandes polêmicas fundamentadas no senso comum, a respeito dos benefícios, como por exemplo, a ligação entre não trabalhar e ter mais filhos para os pais das famílias recorrerem aos recursos oferecidos, ou ainda, que o PBF não incentiva o trabalho formal, cria “vagabundos”, gera dependência ao programa, entre outras que são esclarecidas e discutidas por Campello e Neri (2013).

Contudo, o programa que está em vigor há tantos anos, beneficiando inúmeras famílias e que mesmo assim é alvo de muitas críticas, chama nossa atenção para um fato notável, mas pouco discutido que é a consequência e/ou efeitos que o consumo proporcionou a essas “unidades familiares”, e também que esses resultados se tornem de conhecimento público (saiam do âmbito universidade – pesquisador) para que as discussões sejam fundamentadas em dados reais.

Thomé, em O Bolsa Família e a Social-Democracia

(2013), afirma que o Programa acabou sendo a porta de entrada de milhões de brasileiros no mundo da cidadania e do consumo. De acordo com Rego e Pinzani (2013) a partir do momento em que vivemos numa sociedade capitalista poderíamos afirmar que o acesso à cidadania se faz pelo poder de aquisição de bens e serviços, tornando-nos iguais, uma vez que “o dinheiro como mero meio de pagamento nivela tanto seus portadores como seus consumidores” (REGO, e PANZINI,2013, p. 206).

(...) Dessa forma se pode inferir que a monetarização das relações sociais realiza, ainda que de forma contraditória, um principio de individuação, pois como

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indivíduos munidos da forma universal da riqueza (que se revestiu da forma de dinheiro) os seres humanos se individualizam, se transformam em seres que interagem (na forma da troca monetária de bens e serviços) como “iguais e livres” (MARX, 1971 apud REGO, PINZANI, 2013, p. 73).

Sendo assim, sabendo que o PBF é resultado de uma estratégia econômica que visa atender socialmente os estratos mais pobres da população, através da transferência direta de renda resultando no consumo, esse artigo tem por objetivo refletir sobre diferentes aspectos que o acesso ao consumo, propiciado pelo programa, gera aos seus beneficiários.

Para isso, o artigo baseia-se em pesquisas bibliográficas sobre o PBF e outros programas de transferência de renda, além de textos sobre desigualdade social e consumo.

2. Programa Bolsa Família: a estratégia

econômica que beneficiou os mais pobres

Entre 2004 e 2010 a economia brasileira apresentou mudanças significativas no que diz respeito aos avanços econômicos. A renda per capita4 do brasileiro aumentou em 3,3% a.a., acompanhados do aumento geral de emprego (5,5% a.a.), bem como a redução da desigualdade na distribuição da renda do trabalho (10,7% a.a.), em um quadro de crescimento econômico e melhoras sociais (POCHMANN, 2012). Singer (2012) afirma que durante essa mesma década analisada por Pochamnn, o Brasil se encontrava numa posição econômica favorável

4 Soma dos rendimentos dos componentes da família, exclusive empregados e pensionistas dividida pelo número de membros da família. Disponível em: < http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/pdfs/ definicoes_sociais.pdf >. Acessado em 13 de jan de 1025.

devido à conjuntura internacional, que associada a uma decisão do governo em apostar na redução da pobreza com ativação do mercado interno, estratégia que Lula, presidente em vigor na época, durante os seus dois mandatos investiu, possibilitou aos mais pobres o “poder” de consumir.

É relevante recordar que o governo Lula manteve a política econômica herdada do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), fundamentada no repasse de dinheiro às famílias pobres. Lula criou o PBF esperando que esse fosse um investimento que em curto prazo traria benefícios rápidos a economia do país, uma vez que, de acordo com Neri:

Os efeitos multiplicadores são maiores quanto mais focalizados são as transferências aos mais pobres, porque estas famílias possuem maior propensão marginal a consumir, mesmo que se considere que uma parcela importante do seu consumo independe da renda (NERI, 2013, p.202).

Sendo assim, logo que foi eleito, o ex-presidente Lula criou, no mesmo período que o PBF, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), que

visa a diminuição da pobreza e tem como missão promover a inclusão social, segurança alimentar, assistência integral e renda mínima de cidadania às famílias que vivem em situação de pobreza (MDS, 2015). Coordenado pelo MDS e com o objetivo de atingir e fazer um trabalho ainda mais focalizado, o

Plano Brasil Sem Miséria (BSM) foi criado em 2011,

com atuação em três eixos com o objetivo de elevar a renda e as condições de bem-estar da população. Para garantir a elevação da renda o programa de maior abrangência e também mais conhecido é o PBF (BSM, 2015), que passou a integrar o BSM, e que

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exige algumas condicionalidades para com os seus beneficiários, tais como: frequência escolar mínima de 85% para crianças de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos; na área da saúde os responsáveis por crianças menores de 7 anos devem acompanhar o cartão de vacinação das crianças e mulheres entre 14 e 44 anos devem fazer acompanhamento médico, e se gestantes ou lactantes devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebe (MDS, 2015).

Os resultados concretos dessa aposta econômica – a “política social” – demonstram que um gasto adicional de 1% do PIB no PBF, resulta no aumento de 1,78% na atividade econômica do país. Esse resultado só é possível a partir do momento em que o dinheiro investido entra em circulação através do consumo, onde o efeito da transferência de renda:

(...) é aumentar a renda das famílias. Parte deste aumento transforma-se em consumo, e outra parte vaza do sistema (poupança e tributos diretos). A parte destinada ao consumo inicia uma série de efeitos indiretos, estimulando a produção, a renda dos fatores impulsionando ainda mais o rendimento das famílias. Ao final de cada ciclo de efeitos indiretos, o aumento da renda das famílias é menor que o consumo adicional, pois parte dos recursos vaza durante o processo produtivo sob a forma de importação e o pagamento de tributos indiretos (NERI, 2013, p.196).

Contudo, durante esse período em questão, o número de famílias beneficiadas pelo PBF aumentou para além do dobro (Tabela 1 e 2), confirmando os dados apresentados por Pochmann (2012), e ressaltados pelas pesquisas realizadas por Meirelles e Athayde (2014), nas quais os pesquisadores afirmam

que a economia gerada dentro das favelas brasileiras chegam a movimentar 63 bilhões de reais por ano.

Muitas vezes a renda do Bolsa Família é

associada a outras fontes de renda (trabalho formal e informal), o que permite que a renda do programa entre no orçamento familiar como “um a mais”, permitindo que a família, além de expandir a variedade de sua dieta alimentar, possa vir a adquirir bens duráveis, tais como: televisão, geladeira e outros eletrodomésticos (MEIRELLES; ATHAYDE, 2014). A compra desses produtos mais caros e que normalmente são realizadas “em muitas vezes” (parcelamento) revelam um sentimento de cidadania em muitas mulheres (principais beneficiárias do PBF), que agora por possuírem conta em banco e consequentemente “crédito na praça” conseguem “circular” por um ambiente antes inimaginável (REGO; PINZANI, 2013). Além do sentimento de

Tabela 1. Quantidade de famílias beneficiadas no primeiro ano do programa (2004)

Localidade Código

IBGE (ano) Data Quantidade de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF)

Valor total repassado do PBF (R$) Brasil 0 2004 6.571.839 3.791.785.038,00 Norte 1 2004 527.652 324.921.190,00 Nordeste 2 2004 3.320.446 2.173.475.460,00 Sudeste 3 2004 1.730.675 824.748.603,00 Sul 4 2004 700.661 337.537.203,00 Centro-oeste 5 2004 292.405 131.102.582,00

Fonte: CAIXA, Folha de Pagamentos do Programa Bolsa Família (PBF). Disponível em: < http://aplicacoes.mds.gov.br >. Acessado em 12 de nov de 2014.

Tabela 1. Quantidade de famílias beneficiadas no primeiro ano do programa (2004)

Tabela 2. Quantidade de famílias beneficiadas em setembro de 2014

Localidade Código

IBGE (mês) Data Quantidade de famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) Valor total repassado do PBF (R$) Brasil 0 2014-09 13.983.099 2.378.560.947 Norte 1 2014-09 1.685.094 323.459.574 Nordeste 2 2014-09 7.124.331 1.242.218.456 Sudeste 3 2014-09 3.438.305 544.127.509 Sul 4 2014-09 979.797 150.298.722 Centro-oeste 5 2014-09 755.572 118.456.686

Fonte: CAIXA, Folha de Pagamentos do Programa Bolsa Família (PBF). Disponível em: < http://aplicacoes.mds.gov.br >. Acessado em 12 de nov de 2014.

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cidadania, muitas mulheres se libertaram das amarras matrimoniais (pautadas em submissão e muitas vezes em violência física), por terem adquirido autonomia financeira para manter a casa e os filhos sem se submeter à dependência de seus maridos.

Assim, é possível observar que o PBF tem um impacto considerável na renda das pessoas mais pobres, possibilitando a elas uma melhoria, mesmo que pequena, nas condições de vida e proporcionando, para muitos, autonomia para abdicar de empregos precários, de condições de trabalho submissas e, principalmente, do trabalho infantil.

3. O consumo oriundo do Bolsa Família

Se por um lado os efeitos produzidos pelo PBF podem ser quantificados em consumo de bens e serviços é necessário lembrar que o sentimento de independência e autonomia, tem reflexo maior do que o simples consumo, pois isso reflete à mudança de postura de toda uma classe que teve seus direitos privados desde que o Brasil se constituiu.

Entre as décadas de 1930 e 1980 o Brasil passou por um período de mobilidade social que favoreceu principalmente os trabalhadores formais, os quais foram beneficiados pelos direitos trabalhistas que visavam a proteção social pública (saúde, previdência, crédito imobiliário e educação), porém metade da população estava vinculada ao setor de trabalho informal, gerando assim uma divisão nítida de desigualdade, que ultrapassa a concentração de renda, o que, além de outros fatores, fomentou a grande luta da população para a ampliação dos direitos de cidadania (COSTA, 2013; POCHMANN, 2014).

Na década de 1990, com a promulgação da

Constituição Federal de 19885, os direitos sociais, até

então assegurados somente para os trabalhadores formais, passaram a ser direcionados para toda a população brasileira, no entanto mesmo com esse avanço da constituição, não foi possível avançar em outras áreas, pois a economia inflacionada derivada da ditadura militar, que tiveram seus reflexos até o fim da década de 90, gerando um grande índice de desemprego dos trabalhadores formais e, portanto, agravando a situação econômica do país, o que intensificou a desigualdade social, deixando o trabalhador informal cada vez mais sem espaço dentro da sociedade e excluído do mundo do consumo (COSTA, 2013).

Foi somente no governo Lula (2003), que decisões políticas foram tomadas a fim de promover a repartição da renda como um dos principais fatores para desenvolver o crescimento econômico e assim difundir o consumo em massa. Programas de transferência de renda foram implantados, o que possibilitou uma incorporação socioeconômica da população brasileira de baixa renda, que até então era destinada ao subconsumo (POCHMANN, 2014).

Na década de 2000, além do comportamento positivo no emprego e no rendimento médio real do trabalhador, constata-se também a ampliação da renda média das famílias, sobretudo daquelas situadas na base da pirâmide social. Em decorrência do papel ativo das políticas públicas, especialmente dos programas de garantia de renda fortalecidos mais recentemente, o rendimento médio familiar per capita no topo da distribuição de renda (entre os 10% mais ricos) cresceu 1,6%, em média, entre 2003 e 2008, enquanto o rendimento médio familiar per capita na base da distribuição de renda (entre os 10% mais pobres) cresceu 9,1% por ano. (POCHMANN, 2014, p.96).

5 Disponivel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/contituicao/ constituicaocompilado.html >. Acessado em 15 de jan de 2015.

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O PBF foi um marco da política do ex-presidente Lula, o programa beneficiou, e ainda beneficia, as pessoas dentro dos critérios já citados. Sendo assim, toda uma classe esquecida pela nossa história, agora possuidora minimamente de uma renda, passou a adquirir bens materiais e serviços que eram excluídos de boa parte da população na base da pirâmide social.

Entre 1996 e 2009, segundo dados apresentados por Pochamnn (2014) as famílias brasileiras diminuíram significantemente o consumo de bens industrializados (alimentação, artigos residenciais entre outros), contudo quando analisamos esses dados por estratos de renda verificamos que as famílias com renda de até dois salários mínimos foram as que menos reduziram o peso relativo do orçamento familiar (Tabela 3 e 4) com os itens supracitados. Essa redução no consumo de bens industriais, mesmo que sensível, possibilitou a essa camada da população o acesso a bens culturais que no mesmo período representam 57% no consumo total das famílias brasileiras.

No entanto, a possibilidade de consumir não alterou o status dessa população, mas fomentou o surgimento de uma nova classe de consumidores, que agora pode adquirir bens duráveis tais como: televisão, geladeira, fogão, computador, entre outros (POCHMANN, 2014).

Contudo, segundo dados da PNAD (2014) apenas 64,3% da população brasileira dispões de serviços de rede coletora de esgoto, sendo que a região Norte do país possui apenas 19,3% dos domicílios atendidos.

Sendo assim, podemos dizer que o PBF eleva a renda das famílias e melhora as condições de bem-estar, conforme se propõe mas não atinge outros aspectos multidimensionais que também compõem a pobreza, tais como saneamento básico, por exemplo, necessário, e porque não dizer vital, para promover a ascensão social dessa população.

4. A desigualdade social no Brasil que o

Bolsa Família atende, mas não supre

Os inúmeros benefícios provenientes e associados ao recebimento do PBF teriam como base assegurar os direitos dos cidadãos, no entanto, em 1988 o Brasil teve a chance de criar um espaço jurídico

Tabela 3. Brasil: Distribuição dos gastos com alimentação por classe de rendimento em relação ao total das despesas correntes monetárias e não monetárias

médias mensais das famílias

Itens Despesas das famílias em % Variação em % 1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009 Até 2 s.m. 40,2 32,8 27,8 -18,4 -15,2 De 2 a 3 s.m. 38,0 33,4 24,8 -12,1 -25,7 De 3 a 6 s.m. 32,1 29,1 20,9 -9,3 -28,2 De 6 a 10 s.m. 27,1 24,2 16,7 -10,7 -31,0 De 10 a 15 s.m. 23,4 18,9 13,7 -19,2 -27,5 De 15 a 25 s.m. 16,1 16,2 11,7 0,6 -27,8 Mais de 25 s.m. 12,1 12,4 8,5 2,5 -31,5 Média geral 26,6 22,9 16,1 -13,9 -29,7 Fonte: Pochmann (2014).

Tabela 3. Brasil: Distribuição dos gastos com alimentação por classe de rendimento em relação ao total das despesas correntes monetárias

e não monetárias médias mensais das famílias

Tabela 4. Brasil: Distribuição dos gastos com artigos de residência por classe de rendimentos em relação ao total das despesas correntes monetárias e não monetárias

médias mensais das famílias

Itens Despesas das famílias em % Variação em % 1987 1996 2009 1987-1996 1996-2009 Até 2 s.m. 6,3 7,1 6,0 12,7 -15,5 De 2 a 3 s.m. 7,2 6,6 5,4 -8,3 -18,2 De 3 a 6 s.m. 7,6 7,4 4,9 -2,6 -31,8 De 6 a 10 s.m. 6,7 6,1 4,3 -9,0 -29,5 De 10 a 15 s.m. 7,3 5,9 3,6 -19,2 -39,0 De 15 a 25 s.m. 6,5 4,9 3,4 -24,6 -30,6 Mais de 25 s.m. 6,4 4,0 2,9 -37,5 -27,5 Média geral 6,9 6,1 4,1 -11,6 -32,8 Fonte: Pochmann (2014).

Tabela 4. Brasil: Distribuição dos gastos com artigos de residência por classe de rendimentos em relação ao total das despesas correntes

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de direitos a essa população aqui referida, a partir da Constituição Federal já citada, e como demonstra a história do país, essa camada da população nunca teve espaço para sequer ter ciência de seus direitos (REGO; PINZANI, 2013). A pobreza e o pobre são inerentes ao surgimento do Brasil, mas nunca tiveram representatividade política relevante que lutasse com e/ou por eles, pelos seus direitos assegurados, tornando-se então uma classe sem voz (VIANNA, 2006).

O sucesso do PBF foi determinante para a materialização do lulismo6, que muitas vezes foi

associado ao populismo varguista dos anos 1950. Essa comparação se dá uma vez que a continuidade das políticas econômicas neoliberais associadas à distribuição de renda para os pobres poderia ser resultado do flerte entre mundos distintos (capital e social). Sobre as características neoliberais iniciadas no governo FHC e continuadas no governo Lula, Vianna (2006) ressalta que:

Deixaríamos para trás o populismo da Era Vargas, com suas práticas manipulatórias, a partir de sindicatos de tutelados pelo Estado, dos trabalhadores organizados, quando se concediam direitos sociais aos assalariados urbanos a fim de incluí-los na malha da estrutura corporativa e interditar a sua autonomia, para ingressarmos em um tipo de populismo cujo objetivo não mais é o cidadão (que se queria regular ‘por cima’), e sim o consumidor de bens de mercado e serviços sociais prestados por agências estatais, nos dois casos dependentes da razão tecnocrática e das ações da intelligenzia responsável por sua adequação ao mundo. O populismo do neoliberalismo, ao contrário da prática prevalecente na Era Vargas, ignora as instituições de intermediação do Estado com a sociedade civil, consequência, aliás, 6 Ver André Singer, Raízes sociais e ideológicas do lulismo in Os sentidos do lulismo (2012).

natural para quem entende a dimensão da economia deve prevalecer sobre a da política (VIANNA, 2006, p.48).

Singer (2012) descreve o lulismo como

o fenômeno que o ocorreu no pleito do ex-presidente Lula em 2006, no qual pela primeira vez o subproletariado e as massas populares, excluídas das relações de consumo, aderiram a um partido de esquerda devido aos benefícios que vinham sendo oferecidos para essas classes e consequentemente o afastamento da classe média do Partido dos Trabalhadores (PT).

É inegável que o PBF beneficiou e continua beneficiando milhões de brasileiros dentre os exemplos já citadas ainda podemos incluir a frequência dos filhos na escola, diminuição do trabalho infantil. Entretanto, não negamos que o capital econômico tenha uma relevância maior entre as demais capitais, e sim que a ausência de um conjunto deles (inclusive o econômico) resulta no que Souza (2012) denomina de ralé:

(...) uma classe inteira de indivíduos, não só sem capital cultural nem econômico em qualquer medida significativa, mas desprovida, esse é o aspecto fundamental, das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação. É essa classe social que designamos neste livro de “ralé” estrutural, não para “ofender” essas pessoas já tão sofridas e humilhadas, mas para chamar a atenção, provocativamente, para nosso maior conflito social e político: o abandono social e político, “consentido por toda a sociedade”, de toda uma classe de indivíduos “precarizados” que se reproduz há gerações enquanto tal. Essa classe social que é sempre esquecida enquanto uma classe com uma gênese e um destino comum, só é percebida no debate público como um conjunto de

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“indivíduos” carentes ou perigosos, tratados fragmentariamente por temas de discussão superficiais, dado que nunca chegam sequer a nomear o problema real, tais como “violência”, “segurança pública”, “problema da escola pública”, “carência da saúde pública”, “combate ‘á fome” etc. (SOUZA, 2012 p.25).

É dessa “ralé” que os programas sociais se

ocupam, mas não conseguem promover impactos relevantes que se traduzam em diminuição da desigualdade social, que é um reflexo real, diário e inato do Brasil (Tabela 5), uma vez que a queda da desigualdade econômica não resulta em acesso a direitos, a saúde pública, saneamento básico etc.

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No entanto, lembrando que o status de pobreza

não se dá somente devido a privação de dinheiro e

7 O Coeficiente de Gini significa o número de pessoas em domicílios com renda domiciliar per capita inferior à linha de extrema pobreza (ou indigência ou miséria). A linha de extrema pobreza aqui considerada é uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos como o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da FAO e da OMS. São estimados diferentes valores para 24 regiões. Série calculada a partir das respostas à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE). <http://www. ipea.gov.br> consultado em 09/11/2014.

recursos materiais é também privação de capacidades e não desenvolvimento das funções humanas importantes, o que torna a pobreza ainda mais pobre (REGO; PANZINI, 2013). Entender que a pobreza não é consequência apenas da falta de dinheiro, nos faz pensar se os benefícios de transferência de renda seriam a melhor solução para erradicação da desigualdade social.

Pesquisas acadêmicas reunidas por Campello e Neri (2013) e dados oficiais do MDS apenas evidenciam os benefícios que o programa trouxe para parte significativa da população brasileira, como por exemplo, a diminuição da pobreza extrema (Tabela 6), provando o sucesso de um programa que, após dez anos, mostra seu esgotamento e também gera questionamentos sobre a saída da pobreza desse grupo de pessoas beneficiadas.

Souza (2014) afirma que esse esgotamento é consequência de um modelo econômico mais inclusivo que vingou na esfera política nos últimos 12 anos, ainda que longe de “deter a hegemonia na esfera pública que constrói a opinião pública” e o controle da prática econômica e social não é detida efetivamente, Tabela 5. Coeficiente Gini

Data (ano) Coeficiente de Gini

2012 0,53 2011 0,54 2009 0,55 2008 0,55 2007 0,56 2006 0,56

Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

Disponível em: < http://aplicacoes.mds.gov.br >. Acessado em 09 de nov de 2014.

Tabela 5. Coeficiente Gini

Tabela 6. Número de indivíduos extremamente pobres - Linha de Pobreza Baseada em Necessidades Calóricas

Ano Número de indivíduos extremamente pobres

2003 26.242.672 2004 23.577.095 2005 20.889.220 2006 17.315.355 2007 16.504.043 2008 14.032.928 2009 13.597.606 2011 11.772.648 2012 10.081.225 2013 10.452.383

Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: < http://aplicacoes.mds.gov.br >. Acessado em 09 de nov de 2014.

Tabela 6. Número de indivíduos extremamente pobres - Linha de pobreza baseada em necessidades calóricas

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afinal, existe limites claros para um Estado reformador em meio a uma sociedade conservadora. O modelo econômico até então dito como “social” mesmo que tenha incluído de modo precário e instável cerca de 20% da população no mercado de consumo e assim, consequentemente, aumentado a aquisição de bens materiais, o desenvolvimento da política perdeu o controle no que se diz respeito ao seu planejamento. Souza afirma que:

A fragilidade das conquistas realizadas pelo modelo (de Estado atual) é explicada pela manutenção da força social e econômica do modelo (iniciado em 1964, com o golpe, até o fim da gestão FHC), as quais se mantiveram intocadas mesmo depois da eventual perda do poder político (SOUZA, 2014).

Em seu livro Souza (2012) ainda diz que:

O senso de distinção é uma faculdade das classes dominantes. Ele se define de forma peculiar a partir do peso relativo dos capitais – especialmente dos capitais econômico e cultural – que os indivíduos e frações de classe possuem, assim como pela sua trajetória social que define o “modo de aquisição” e, por consequência, estrutura o modo de se relacionar com cada um dos capitais. A oposição mais importante entre as frações da classe dominante é aquela existente entre as frações que incorporam paradigmaticamente o capital econômico ou o capital cultural. Bourdieu expõe, com base nesse raciocínio, as relações implícitas e opacas entre consumo cultural e estilo de vida como forma de garantir privilégios, reconhecimento social e autoestima (SOUZA, p.59, 2012).

Ou seja, decisões políticas refletidas e impressas em 20% da população, agora com condições financeiras mínimas de garantir sua alimentação, não

garantem o fim da pobreza, uma vez que entendemos que a pobreza tem caráter multidimensional. Mesmo que um programa como o PBF permita à milhões de famílias o acesso ao consumo através da renda. Esse fator isolado não é suficiente para promover a “igualdade” entre as classes, uma vez que as mesmas possuem características de distinção que não perpassam apenas a renda, mas um conjunto de diferentes tipos de capitais.

5. Considerações finais

Contudo que foi dito neste presente trabalho, é inegável o quanto o Programa Bolsa Família tem

ajudado inúmeras famílias durantes estes 10 anos. É incontestável o consumo oriundo deste programa; as famílias conseguem ter uma diversificação alimentar dentro de suas casas e determinados “confortos” que antes pareciam inatingíveis como conservar alimentos em geladeiras, dormir em colchões, lavar roupa em máquinas de lavar e até assistir televisão sentado no sofá da sua casa, isso, com certeza, trouxe uma qualidade de vida para milhões de brasileiros.

No entanto, como dissemos ao longo do texto, o consumo ou a renda propriamente dita de uma família não é o único parâmetro para definir uma classe social, pois a relação consumo versus pobreza

não podem ser tomados um pelo outro.

Quando falamos em desigualdade social estamos nos referindo à qualidade da escola que essa família possui, acesso a cultura, saúde, condições de moradia e trabalho, saneamento básico, entre outros quesitos, que apesar de serem garantidos por lei, e alguns deles exigidos como contrapartida para o recebimento do PBF, são sucateados e não atende

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a demanda da população, por isso, dizemos que a desigualdade social continua marcante no nosso país.

Podemos dizer, portanto, que o Programa Bolsa Família não atinge a “raíz” do problema dos brasileiros

que são beneficiados, pois não promove a mobilidade social necessária para diminuir a desigualdade, e que apesar do consumo as classes continuam distantes e com oportunidades descaradamente distintas. E assim deixamos a reflexão: programas sociais, como o PFB ajudam a população? Sim, mas até quando o governo irá tratar a realidade brasileira a partir do topo? Possibilita o consumo exacerbado e assim assegura a ilusão para que se sintam inseridos na sociedade, mas quando começará a busca de soluções, a fim de realmente possibilitar a diminuição da desigualdade social no Brasil? Ou seja, quando o governo passará das políticas focalizadas para as políticas universais, que abrangem o conjunto da sociedade, garantindo assim mais do que acesso ao consumo, mas a plena cidadania a população brasileira?

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Tabela 1. Quantidade de famílias beneficiadas no primeiro  ano do programa (2004)
Tabela 3. Brasil: Distribuição dos gastos com alimentação por classe  de rendimento em relação ao total das despesas correntes monetárias
Tabela 5. Coeficiente Gini

Referências

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