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Gestão e legislação migratória brasileira nas migrações haitiana e venezuelana

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GESTÃO E LEGISLAÇÃO MIGRATÓRIA BRASILEIRA NAS MIGRAÇÕES HAITIANA E VENEZUELANA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Direito da

Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Karine de Souza Silva

Florianópolis 2019

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Este trabalho é dedicado à minha família.

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À Professora Karine de Souza Silva, pela oportunidade e orientação na elaboração deste trabalho.

À Universidade Federal de Santa Catarina e ao Programa de Pós-graduação em Direito pelo ensino público, gratuito e de qualidade.

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“They have no idea what is like To lose home at the risk of Never finding home again Have your entire life Split between two lands and

Become the bridge between two countries” First generation immigrant – Rupi Kaur

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fluxos migratórios de haitianos e de venezuelanos, e, em especial, verificar se a gestão migratória brasileira atual está articulada com a Lei de Migração. Para isso apresenta os estudos de casos das migrações haitiana e venezuelana ao Brasil. Relata a evolução da legislação migratória brasileira no período de 1808 a 2018, através da exposição dos aspectos teóricos e conceituais da migração, assim como dos principais instrumentos na ordem jurídica nacional, como o Estatuto do Estrangeiro, a Lei de Migração e a Lei de Refúgio. Em seguida, expõe para cada estudo de caso, tanto a gestão migratória brasileira quanto as legislações aplicadas, demonstrando como o governo federal atuou na regularização, acolhida e interiorização desses grupos. Dessa forma, a metodologia empregada é o estudo de caso. Ademais, o trabalho utiliza, como técnica de pesquisa, bibliografias e documentações. Como resultado e conclusão, verifica-se que a gestão migratória brasileira evoluiu quando se compara o tratamento despendido aos fluxos haitiano e venezuelano, bem como que a atuação do governo federal na gestão migratória atual não está completamente articulada com a lei de migração.

Palavras-chave: Migração. Gestão. Legislação. Haitianos. Venezuelanos

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of Haitians and Venezuelans, and in particular, to verify if the current Brazilian migratory management is articulated with the Migration Law. For this, is presented the case studies of Haitian and Venezuelan migrations to Brazil. Is reported the evolution of Brazilian immigration legislation from 1808 to 2018, through the presentation of the theoretical and conceptual aspects of migration, as well as the main instruments in the national legal order, such as the Statute of the Foreigner, the Migration Law and the Refugee Law. Then, is presented for each case study, both the Brazilian migratory management and the applied legislation, demonstrating how the federal government acted on the regularization, acceptance and internalization of these groups. In this way, the methodology used is the case study. In addition, the work uses, as research technique, bibliographies and documentation. In result and conclusion, it is verified that the Brazilian migratory management evolved when comparing the treatment expended to the Haitian and Venezuelan flows, as well as that the performance of the federal government in the current migration management is not fully articulated with the migration law.

Keywords: Migration. Management. Legislation. Haitians. Venezuelans.

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Figura 2 - Mapa da rota migratória venezuelana ao Brasil... 43 Figura 3 - Gráfico de Lee (1966) sobre os fatores nos locais de origem e de destino e obstáculos intervenientes das migrações. ... 56 Figura 4 - Símbolo da Operação Acolhida. ... 103

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– Abrigos e número de abrigados em Roraima ... 104 Tabela 2 – Número de migrantes interiorizados por cidades ... 106

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ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

CARICOM Comunidade do Caribe

CDC Centro de Controle e Prevenção de Doenças

CIDH Comissão Interamericana de Direitos

Humanos

CNIg Conselho Nacional de Imigração

CONARE Comitê Nacional de Refugiados

CPF Cadastro de Pessoas Físicas

FMI Fundo Monetário Internacional

GMDAC Global Migration Data Analyses GSI Gabinete de Segurança Institucional

MD Ministério do Desenvolvimento

MDS Ministério do Desenvolvimento Social

MINUSTAH Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti

MJSP Ministério da Justiça e Segurança Pública

MPF Ministério Público Federal

MRE Ministério das Relações Exteriores

MS Ministério da Saúde

OEA Organização dos Estados Americanos

OIM Organização Internacional para as Migrações

ONU Organização das Nações Unidas

PIB Produto Interno Bruto

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Desenvolvimento

PROVEA Programa Venezolano de Educación-Acción en Derechos Humanos

SINE Sistema Nacional de Emprego

SUNDDE Superintendencia de Precios Justos

TJS Tribunal Supremo de Justiça

UNFPA Brasil Fundo de População das Nações Unidas no Brasil

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2 MIGRAÇÕES HAITIANA E VENEZUELANA AO

BRASIL ...19

2.1 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS HAITIANOS AO BRASIL 19 2.1.1 Contexto da diáspora haitiana ... 25

2.1.2 A migração haitiana ao Brasil a partir de 2010 ... 27

2.2 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS VENEZUELANOS AO BRASIL 38 2.2.1 Contexto da diáspora venezuelana ... 38

2.2.2 A migração venezuelana ao Brasil a partir de 2015 ... 40

3 EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO MIGRATÓRIA BRASILEIRA DE 1808 A 2017 ... 45

3.1 MIGRAÇÕES: CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 45

3.1.1 O direito humano de migrar ... 51

3.1.2 Teoria das migrações ... 52

3.2 AS FASES DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE MIGRAÇÃO ... 62

3.2.1 Fase da migração europeia (1808-1930) ... 64

3.2.2 Migração restritiva (1930-1969) ... 67

3.2.3 Securitização da migração (1969-2017) ... 69

3.3 O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO (LEI Nº 6.815/1980) . 70 3.4 A LEI DE MIGRAÇÃO (LEI Nº 13.445/2017) ... 78

3.5 LEI DE REFÚGIO ... 83

4 GESTÃO E LEGISLAÇÃO MIGRATÓRIA BRASILEIRA NAS MIGRAÇÕES HAITIANA E VENEZUELANA ... 89

4.1 GESTÃO DA MIGRAÇÃO HAITIANA ... 89

4.1.1 Normas de regularização migratória adotadas ... 92

4.1.2 Análise do comportamento brasileiro na gestão dos fluxos migratórios haitianos ... 97

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4.2.1 Normas de regularização migratória adotadas ... 108

4.3 A LEI DE MIGRAÇÃO E A ATUAL GESTÃO

MIGRATÓRIA BRASILEIRA... 110 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 117 REFERÊNCIAS ... 120

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1 INTRODUÇÃO

O Brasil é conhecido e se vê como uma pátria de nações. A miscigenação de diferentes povos, atrelado ao histórico de migrações de diversas nacionalidades ao longo de sua história, colaboram para que a imagem do povo brasileiro seja sinônimo de acolhimento e solidariedade. Contudo, essa visão está sendo posta à prova pelo comportamento do governo federal e da sociedade brasileira na recepção das novas ondas migratórias. As denúncias de ataques e casos de xenofobia propagados por brasileiros descontentes com a chegada de outras nacionalidades, aliadas a introvertida atuação das esferas governamentais, colocam em dúvida a posição brasileira no trato migratório.

Nos últimos anos, a nacionalidade haitiana tem se destacado devido à grande quantidade de imigrantes que chegaram ao Brasil. Mais recentemente, o agravamento da qualidade de vida e dos aspectos socioeconômicos da Venezuela, também tem motivado um êxodo às terras brasileiras.

Esses dois fenômenos ocorreram na vigência de leis migratórias destoantes. A migração haitiana aconteceu enquanto estava em vigor o Estatuto do Estrangeiro, norma da época da ditadura militar e com viés securitário, sendo, assim, distante dos valores humanitários que regem o trato das migrações na atualidade. Esse diploma foi revogado pela promulgação da Lei de Migração, norma progressista e de cunho humanístico, que está vigente, na maior parte, da gestão migratória venezuelana em curso.

Exposto esse quadro, o presente trabalho tem como pergunta de pesquisa: Diante da evolução legislativa migratória brasileira, do Estatuto do Estrangeiro para a Lei de Migração, como o Brasil respondeu aos fluxos migratórios de haitianos e de venezuelanos, e, em especial, a gestão migratória brasileira atual está articulada com a Lei de Migração?

A hipótese levantada entende que, levando em consideração a vigência do Estatuto do Estrangeiro durante a vinda massiva da população haitiana e a atual vigência da Lei de Migração no curso dos fluxos venezuelanos, norma esta em consonância com a ordem constitucional vigente e os Tratados de direitos humanos assinados pelo país, a gestão migratória brasileira melhorou e segue os preceitos desta norma.

A escolha do tema se justifica por diversos motivos. Primeiramente, após anos de prevalência do Estatuto do Estrangeiro,

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legislação migratória desatualizada e contrária à ordem constitucional atual, o trato migratório brasileiro passou a ser regido pela Lei de Migração. Esta se mostra em conformidade com os preceitos humanísticos, que guiam o acolhimento e regularização de migrantes nos tempos atuais. Essa evolução normativa é aplaudida e representa um passo adiante na acolhida e tratamento humanitário fornecido aos migrantes.

Contudo, por mais avançada que seja a norma, é necessário verificar se ela está sendo devidamente aplicada. Por conta disso, a escolha do tema também perpassa pela demanda de análise da gestão migratória do governo brasileiro e se está articulada com as normas migratórias vigentes.

Ademais, o Brasil é visto como um país hospitaleiro de migrantes. Nos últimos anos recebeu milhares de haitianos, e no presente o fluxo migratório mais intenso constitui-se o da população venezuelana. A deterioração da qualidade de vida na Venezuela explica o deslocamento massivo dessa população. Dessa forma, mostra-se justificável analisar como está sendo o processo de acolhimento desses migrantes, sob o ponto de vista jurídico, em especial a aplicação da norma que regula a migração a uma situação concreta.

Outrossim, os estudos sobre a migração venezuelana ao Brasil estão no início, por ser um fenômeno recente e em constante mudança. Ainda são poucas as pesquisas voltadas a esse grupo, e ainda mais restritas as pesquisas que destacam os aspectos jurídicos do fenômeno. Da mesma forma, a nova legislação sobre migrações, nominalmente, a Lei de Migração, entrou em vigor somente em 2017, sendo, portanto, uma regulamentação recente, mas de grande impacto.

Entre as vantagens da Lei de Migração tem-se o olhar humanitário, o rol extensivo de princípios gerais para guiar a política migratória brasileira, as definições de tipos de migrantes e de vistos, as diversas possibilidades de documentos de viagem, entre outros elementos. Entretanto, apesar de se perceber seus aspectos positivos, é imprescindível ao objeto da pesquisa tecer algumas pontuações críticas ao colocar em prática a Lei de Migração na gestão migratória da acolhida de venezuelanos no Brasil. De fato, uma análise minuciosa evidencia algumas situações de desarticulação entre esses dois elementos. O Estado Brasileiro foi estabelecendo ao decorrer do tempo diferentes caminhos de regularização migratória, passando primeiramente pela solicitação de refúgio até chegar na possibilidade de residência temporária. Nessa trajetória, chama a atenção a ausência de uniformização dos procedimentos de regularização migratória, a demora

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na estratégia de atuação e os vetos à Lei de Migração. Apesar da evolução legislativa migratória, houve uma evolução na gestão migratória brasileira? Esta questão é de extrema importância, pois sua avaliação reflete na vida de milhares de migrantes e fornece subsídios para os defensores desse grupo demandarem melhoras ao governo.

Ademais, esta pesquisa almeja compor o acervo de trabalhos da Universidade Federal de Santa Catarina a contribuir com os estudos sobre migração. Ainda, este projeto enquadra o seu tema na área de Direito e Relações Internacionais do curso de pós-graduação em Direito da UFSC, cujo programa de mestrado este trabalho se submete, na linha Globalização, Regionalismo e Atores das Relações Internacionais, tendo em vista que analisa os fenômenos migratórios haitiano e venezuelano, dando ênfase a gestão migratória no Brasil e os instrumentos normativos de proteção ao migrante no ordenamento jurídico brasileiro.

O trabalho está estruturado em três capítulos, cada um com um objetivo específico, que auxiliará na resposta à pergunta de pesquisa. O primeiro capítulo objetiva apresentar os estudos de casos das migrações haitiana e venezuelana ao Brasil. Nele, é realizado um resgate histórico dos dois fluxos migratórios em questão, relatando-se o contexto que motivou a migração e as razões pela escolha de deslocamento ao Brasil. Outrossim, expõe-se as opções regulatórias de migração e as rotas mais utilizadas para a viagem. Ao final, relata-se tanto o perfil demográfico dos dois grupos, quanto o quadro das condições de vida no Brasil.

O segundo capítulo objetiva apresentar a evolução da legislação migratória brasileira no período de 1808 a 2017. Primeiramente, realiza-se uma exposição dos aspectos teóricos e conceituais da migração, assim como dos principais instrumentos na ordem jurídica internacional e da crescente perspectiva de um direito humano de migrar. Na mesma sessão, apresenta-se um panorama amplo das teorias da migração, explorando os apontamentos teóricos dos autores Ravenstein (1885), Lee (1966), Sayad (1998) e Salim (1991). Na sequência, examina-se as fases da legislação brasileira de migração no período de 1808 até 2017. Após, aprofunda-se o resgate histórico dos instrumentos jurídicos nacionais de migração, tratando do Estatuto do Estrangeiro, da Lei de Refúgio e da Lei de Migração.

Por fim, o terceiro capítulo tem como objetivo específico expor, para cada estudo de caso, tanto a gestão migratória brasileira quanto as legislações aplicadas, demonstrando como o governo federal atuou na regularização, acolhida e interiorização desses grupos e quais normas utilizou. Este capítulo endereça o aspecto da evolução do tema levantado na hipótese, no sentido de situar o leitor a respeito das ações

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desenvolvidas pelo Estado pátrio nos dois estudos de casos, além de dar subsídios para responder a pergunta de pesquisa.

Em relação à metodologia utilizada, optou-se pelo método de estudo de caso a fim de comprovar, empregando-se abordagem exploratória e descritiva, a evolução da atuação brasileira no trato migratório e sua articulação com a Lei de Migração. Igualmente, esta pesquisa classifica-se como um estudo qualitativo com uso de fontes primárias e secundárias, utilizando-se legislações internacionais e nacionais e referências bibliográficas tais como livros, documentos e relatórios oficiais de organizações internacionais, artigos acadêmicos e teses que versam sobre o assunto.

Finalmente, salienta-se que para a realização da dissertação foram utilizadas obras em idiomas estrangeiros, cuja tradução, em caráter não oficial, é de responsabilidade da autora deste trabalho.

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2 MIGRAÇÕES HAITIANA E VENEZUELANA AO BRASIL O objetivo deste capítulo é apresentar os estudos de casos das migrações haitiana e venezuelana ao Brasil. Nos últimos anos, a nacionalidade haitiana tem se destacado devido à grande quantidade de imigrantes que chegaram ao Brasil. Mais recentemente, o agravamento da qualidade de vida e dos aspectos socioeconômicos da Venezuela também tem motivado um êxodo às terras brasileiras. Diante desse cenário, mostra-se relevante ao objetivo geral do trabalho primeiramente compreender esses fluxos migratórios para que, num segundo momento, possa ser feito um diagnóstico da atuação brasileira no acolhimento e regularização dos novos habitantes do país.

À vista disso, para cumprir com o objetivo proposto para o presente capítulo, é realizado um resgate histórico desses dois fluxos migratórios. Primeiramente, descreve-se o contexto que motivou a migração, sendo que, no caso haitiano, é feito um resgate histórico do país para demonstrar como o sistema de escravidão e as intervenções estrangeiras moldaram a situação econômica, política e social do país na modernidade. Em seguida, apresenta-se, para ambos os fluxos, as razões pela escolha de deslocamento ao Brasil, as opções regulatórias de migração e as rotas mais utilizadas para a viagem. Ao final, expõe-se tanto o perfil demográfico dos dois grupos de migrantes, quanto o quadro das condições de vida no Brasil.

2.1 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS HAITIANOS AO BRASIL

A República do Haiti é um país caribenho localizado na ilha Hispaniola, compartilhada com a República Dominicana. A Pérola das Antilhas, como era conhecida pelo fornecimento da maior parte do café e açúcar consumidos na Europa, configurando-se como a colônia mais próspera (SILVA, PEROTTO, 2018), constitui o primeiro país latino-americano a declarar independência (CARRERA, 2014). Esse marco foi conquistado arduamente, uma vez que a história do Haiti é marcada pelo sistema de escravidão e ocupações estrangeiras.

De fato, a primeira demonstração disso ocorreu em 1697, quando a Espanha exterminou a população nativa da ilha Hispaniola. Em seguida, o território foi divido entre os reinos da Espanha e da França, sendo que esta adquiriu o território do atual Haiti, nomeou-o de Ilha de Saint-Domingue e estabeleceu uma economia de latifúndio voltada à exportação (PHILLIPS, 2008).

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Essa economia prosperou à custa da mão-de-obra escrava. Com efeito, no período de 1697 a 1804, estimam-se que mais de oitocentos mil escravos africanos1 tenham sido forçados a trabalhar nos latifúndios de Saint-Domingue. Insta destacar que esse montante necessitava ser renovado a cada vinte anos (LIBRARY OF CONGRESS, 2006) devido à alta mortalidade, em decorrência de doenças, excesso de trabalho, pouca alimentação e tratamentos cruéis (PHILLIPS, 2008).

A respeito do sistema de escravidão, Silva e Perotto (2018, p. 7) expõem:

Não bastasse, quando chegaram à América, foi-lhes apagado o passado, já não eram povos africanos, ao contrário, não passavam de „escravos‟, ou seja, eram coisificados, inferiorizados sob a égide da matrix colonial de poder que introduziu diversas formas de violências baseadas na concepção de raça e que alcançavam os planos materiais e não materiais, os aspectos físicos e intelectuais.

Nesse raciocínio, os povos não europeus e não brancos eram vistos como inferiores por conta do fenótipo, em uma posição que não só legitimava a dominação e submissão dos conquistados (QUIJANO, 2005), mas também desumanizava e invisibilizava esses indivíduos (FANON, 2008). Assim, a sociedade era estratificada em classes hierárquicas baseadas no fenótipo e na riqueza:

No final da escada social estavam os escravos africanos nascidos nas plantações; um pouco acima deles estavam os escravos crioulos, que nasceram no Novo Mundo e falavam o dialeto crioulo francês; os próximos dois degraus mais altos eram constituídos pelos escravos mestiços e

os affranchis, ou mulatos libertos,

respectivamente. Os brancos constituíam o topo da estrutura social, mas eram amplamente divididos entre o lojista de baixo escalão e a pequena classe (petits blancs) [pequenos brancos] e os donos de plantações de alto nível, mercadores ricos e oficias de alto escalão (grands blancs)

1 Esse montante representava mais de um terço do tráfico transatlântico de

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[grandes brancos]. (LIBRARY OF CONGRESS, 2006, p. 2, tradução nossa2) .

Enquanto isso, em 1790, transcorria a Revolução Francesa, pautada nos princípios da igualdade, liberdade e fraternidade. Esse movimento teve um impacto monumental em outras nações, incluindo a população da colônia de Saint-Domingue3. Com efeito, a Assembleia Nacional de Paris formulou o direito de sufrágio aos negros livres e a quem pagava imposto, porém a elite branca da colônia se recusou a cumprir com as ordens da metrópole, o que desencadeou vários movimentos de resistência negra e, consequentemente, intervenções militares, não só da França, mas também da Espanha e Reino Unido, para restabelecer a ordem (LIBRARY OF CONGRESS, 2006).

Com início em 1790 e término em 1804, a rebelião durou um pouco mais de uma década e venceu os exércitos franceses, espanhóis e ingleses. A estratégia francesa pautou-se na extinção da população masculina adulta da colônia. Isso posto, em novembro de 1803, foi enviada a maior frota naval para as Américas, com trinta e três mil soldados. Destes, somente três mil sobreviveram às doenças tropicais ou às forças rebeldes (PHILLIPS, 2008).

A Revolução Haitiana é vista como o levante de escravos mais exitoso da história global (SILVA, PEROTTO, 2018). Liderada por Toussaint L‟Ouverture, escravo letrado livre que aproximou os rebeldes pelos ideais de liberdade e de independência (VIEIRA, ASSUNÇÃO, 2007), a rebelião foi bem-sucedida e declarou a independência da República do Haiti em 1º de janeiro de 1804 (GEGGUS, 2002). No ano seguinte foi aprovada a Constituição, a qual consagrou uma gama de direitos:

2 Original: At the bottom of the social ladder were the African-born

plantation slaves; slightly above them were the Creole slaves, who were born in the New World and spoke the French Creole dialect; the two next highest rungs were made up of the mixed-race mulatto slaves and the affranchis, or mulatto freedmen, respectively. Whites constituted the top of the social structure but were broadly divided between the lower-ranking shopkeeper and smallholder class (petits blancs) and the high-ranking plantation owners, wealthy merchants, and high officials (grands blancs).

3 De acordo com James (1989) configura-se impossível tratar das duas

revoluções isoladamente, pois ambas iniciaram na mesma época e por meio elites coloniais, que se insurgiram contra as autoridades locais.

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[...] o princípio da autodeterminação dos povos, da soberania e independência nacional (art. 1º), sancionou a abolição da escravatura de forma pioneira (art. 2º), aclamou os direitos de igualdade perante a lei entre os haitianos (arts. 3º e 4º), de propriedade (art. 6º), liberdade religiosa (art. 50) e de culto (art. 51) (SILVA, PEROTTO, 2018, p. 11).

A vitória haitiana não foi bem vista pela antiga metrópole e demais potencias da época (PHILLIPS, 2008). De fato, nenhum país reconheceu a independência do Haiti por mais de duas décadas, porém, a recente nação permaneceu assunto central no âmbito internacional, sofrendo isolamento político e econômico, por meio de medidas que incluíam a interdição de abertura de portos estrangeiros aos navios haitianos e a presença de navios hostis na costa haitiana (HEINL et all, 2005).

Esse “processo de asfixiamento” (SILVA, PEROTTO, 2018, p. 4), juntamente com as consequências pela duração da guerra de libertação, que incluíam a morte de grande parte da população adulta masculina, a perda de plantações, a debilidade da economia, o estrago à infraestrutura das cidades (GEGGUS, 2002) e a luta interna pelo poder, foram pesados demais para o país. Dessa forma, o então presidente, Jean-Pierre Boyer, se reaproximou do rei Charles X da França no intuito de reintegrar a nação no sistema internacional (VIEIRA, ASSUNÇÃO, 2007).

Contudo, o fim do isolamento político e econômico veio a grande custo. O rei Charles X impôs uma indenização em contrapartida ao reconhecimento político e restabelecimento das parcerias econômicas (PHILLIPS, 2008). Essa indenização compreendia os seguintes elementos:

todas as terras; todos os bens físicos, os 500.000 cidadãos que foram anteriormente escravizados (incluindo os membros do gabinete que também eram valorizados porque eram pessoas escravizadas antes da independência), animais e todas as outras propriedades comerciais e serviços (MOCOMBE, 2010, p. 36, tradução nossa4)

4 Original: all lands, all physical assets, the 500,000 citizens who were

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Além disso, o acordo estabelecia que qualquer empréstimo para adimplir a dívida deveria ser contraído exclusivamente com bancos franceses (FORSDICK, 2013). Dessa forma, o país solicitou diversos empréstimos ao longo dos anos, o que só aumentou o montante devido. O “Débito da Independência” foi pago por mais de cem anos e quitado, finalmente, em 1947.

Segundo Mocombe (2010), a dívida imposta foi responsável pelo início da destruição sistemática do Haiti. Além da escravidão e da dívida, o país vivenciou intervenção estrangeira nos anos seguintes. Com efeito, somente no século XIX, foi ocupado por Espanha, França e Grã-Bretanha, sendo que, entre 1915 e 1934, estava sob o poder dos Estados Unidos da América (CARRERA, 2014).

O domínio estadunidense sob o Haiti ocorreu através da tomada de controle do Banco Nacional do Haiti, o que acarretou no poderio sob o aparelho estatal. Outrossim, um fator que auxiliou essa empreitada foi a Doutrina Monroe, que pregava a “América para os americanos”, e era, assim, contrária às intervenções europeias. O interesse pelo Haiti decorria de sua posição estratégica na rota do canal do Panamá e dos lucros econômicos pela sua produção agrícola. Dessa forma, os Estados Unidos da América ocuparam militarmente o país de 1915 até 1934. Durante esse período, realizaram mudanças na organização da sociedade haitiana, tais como a revogação da cláusula constitucional que proibia a aquisição de propriedades por estrangeiros, a expropriação de terras para plantações próprias e o estabelecimento de um centro de treinamento militar (VIEIRA, ASSUNÇÃO, 2007; MOCOMBE, 2010).

Após as ocupações estrangeiras, o país suportou uma longa fase de luta pelo poder. De 1957 a 1971, foi governado por Francois Duvalier e depois por seu filho,"Baby Doc" Duvalier, entre 1971 e 1986. Destituído do poder, o país ficou a cargo do Conselho de Governo e foi elaborada a Constituição de 1987, vigente até os dias de hoje. Em 1990 foi eleito como presidente Jean Bertrand Aristide (MOCOMBE, 2010), porém em 30 de setembro de 1991 foi rapidamente deposto por um golpe militar que colocou o Tenente General Rau Cedras, apoiador de Duvalier, no poder até 1994 (CARRERA, 2014).

Por conta do golpe militar, o país sofreu sanções internacionais, como embargo econômico e bloqueio pelas forças navais dos Estados Unidos da América e Canadá. A pressão e sanção internacional surtiram efeitos, e em 1996 ocorreu pela primeira vez no país, a mudança de

because they had been enslaved people before independence), animals, and all other commercial properties and services.

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poder de um presidente para outro, assumindo o cargo Rene Preval. Posteriormente, em 2000, foi reeleito Jean Bertrand Aristide, entretanto seu mandato terminou antecipadamente. Em 2004, houve uma nova ocupação por parte dos Estados Unidos da América e da França, conduzindo ao poder Boniface Alexandre (CARRERA, 2014; MOCOMBE, 2010).

Diante do turbulento cenário, a Organização das Nações Unidas decidiu implementar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH)5, por meio da Resolução CSNU nº1542/2004, com fins de promover a estabilidade política e econômica e os direitos humanos no Haiti (CARRERA, 2014; GUERRA, BLANCO, 2017). A decisão, tomada pelo Conselho de Segurança da ONU, teve como pilares “(1) segurança (treinamento policial, desarmamento e garantia de um cenário pacífico para a transição política); (2) processo político (promoção da governança democrática e capacitação institucional); e (3) garantia dos direitos humanos fundamentais” (GUERRA, BLANCO, 2017, p. 266). Ademais, a MINUSTAH contou com o auxílio de outras agências da ONU (PNUD, UNICEF, UNESCO, UN-HABITAT, UNOPS, ONU MULHERES etc.), organizações internacionais, tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comunidade do Caribe (CARICOM), além de organismos financeiros internacionais (FMI e Banco Mundial) e de organizações não governamentais (GUERRA, BLANCO, 2017). A operação perdurou até 5 de outubro de 2017, conforme a Resolução CSNU nº 2350/2017, e contou com a participação de trinta e sete mil e quinhentos militares brasileiros (NAÇÕES UNIDAS, 2017; MINUSTAH, 2017).

Modernamente, o Haiti configura-se como a nação mais pobre do Ocidente (WORLD BANK, 2018). Para Seitenfus (2016) a sucessão de intervenções estrangeiras e de regimes ditatoriais, aliada aos altos índices de pobreza, moldaram o país ao seu estado atual. Semelhantemente, Silva e Perotto (2018, p. 17) ponderam:

5 A MINUSTAH não foi a única operação de paz das Nações Unidas no

Haiti, também ocorreram: Missão das Nações Unidas no Haiti (UNMIH) (Resolução nº 867/1993); Missão das Nações Unidas de Suporte ao Haiti (UNSMIH) (Resolução CSNU nº 1063/1996); Missão das Nações Unidas para a Transição no Haiti (UNTMIH) (Relatório SGNU nº 564/1997); Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no Haiti (MIPONUH) (Resolução CSNU nº 1141/1997); Missão Internacional de Suporte Civil ao Haiti (MICAH).

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Atualmente, após duzentos anos de independência haitiana, o legado deixado pelas sistemáticas violações da soberania do país foi uma economia subdesenvolvida, a população carente e desprovida de qualidade de vida e um cenário político perpetuamente instável.

Dessa forma, a situação de grave fragilidade nas esferas política, econômica e social vivenciada pela sociedade haitiana foram forjadas pelo histórico do sistema de escravidão, das intervenções estrangeiras e da luta pelo poder. No próximo tópico, dá-se sequência ao relato sobre o fluxo migratório haitiano ao Brasil, expondo o contexto da diáspora haitiana e sua intensificação após o terremoto de 2010 que assolou o país caribenho.

2.1.1 Contexto da diáspora haitiana

De acordo com Silva (2013), há um histórico de emigração haitiana que decorre da produção internacional do capital. Nesse sentido, o país tem sido exportador de matérias primas e de mão de obra desde o período colonial. A migração por razões econômicas, em busca de melhores condições de empregabilidade é prática comum para a população haitiana. Nesse vértice, sempre houve a emigração no Haiti, entretanto, o número de pessoas desejosas de morar em outro país aumentou consideravelmente após o desastre natural de 2010.

Em 12 de Janeiro de 2010, aproximadamente às 16h53min, o Haiti foi assolado por um severo terremoto de magnitude 7.0, em especial a capital do país, Porto Príncipe (MOCOMBE, 2010). A baixa qualidade da infraestrutura local, somada à vulnerabilidade social encontrada no país, traduzida na violência sistemática, grande pobreza e na exclusão social (CARRERA, 2014), resultaram em um dos maiores desastres da atualidade, deixando em torno de 200 mil mortos, 300 mil feridos e mais de 2,3 milhões de desabrigados (BELLERIVE, 2010). Segundo Human Rights Watch (2011), 1.500.000 haitianos ficaram deslocados internamente.

A localização do país o torna suscetível a vários desastres naturais, pois está entre duas placas tectónicas (placa do Caribe e placa Norteamericana), o que o torna propenso a ocorrência de terremotos (CARRERA, 2014). De fato, o Haiti já tinha passado por pelo menos 20 desastres naturais nos 15 anos anteriores ao terremoto. Porém, o tremor de 2010 é classificado como o mais grave, pois destruiu a infraestrutura

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e prejudicou a capacidade de resposta do país para novos desastres (BOLTON, 2011).

Além disso, o episódio afetou os âmbitos econômico e habitacional do país como um todo, gerando um custo estimado à economia local de oito bilhões de dólares (CASTRO, FERNANDES, 2014). A capital, Porto Príncipe, altamente atingida, concentrava o governo, parte importante do setor privado e do comércio informal (CARRERA, 2014). Diante desse quadro, o desastre aumentou os riscos de saúde, a insegurança e a falta de recursos. Também, houve expansão da desigualdade social e êxodo urbano, pois o campo tinha mais oportunidades do que as cidades (CARRERA, 2014).

O terremoto e suas consequências dificultaram a permanência de vida no Haiti, que já era considerado como o país mais pobre do Hemisfério Ocidental, com 67% de sua população vivendo abaixo da linha da pobreza (WORLD BANK, 2018). A percepção local era de que o país estava condenado e que não havia esperança para um futuro melhor (CARRERA, 2014). Como consequência, ocorreu uma diáspora6 em massa, fazendo com que milhares de haitianos migrassem para países como Brasil, República Dominicana, Cuba, Estados Unidos, Canadá, Venezuela, França e Guiana Francesa (SILVA, 2013).

Contudo, o terremoto não pode ser visto como único fator da emigração. Jackson (2011) afirma que esse episódio se juntou a fatores de expulsão pré-existentes que motivaram a ampliação de uma diáspora haitiana. Esses fatores incluem a deterioração gradativa da situação econômica e social, a dificuldade de continuar os estudos, a violência e a falta de segurança (FERNANDES, CASTRO, 2014). Ainda, de acordo com Silva (2013), há um histórico de emigração haitiana que decorre da produção internacional do capital. A migração por razões econômicas, em busca de melhores condições de empregabilidade, é prática comum para a população haitiana. Sendo assim, após o terremoto de 2010, ela apenas se intensificou.

De acordo com o Banco Mundial (2011), 25% do PIB do Haiti advém do envio de renda por emigrantes, o que corresponde a 1,5 bilhão de dólares. Esse montante demonstra a significativa porção da

6 Conceito de diáspora: “Qualquer pessoa ou população étnica que

abandona a pátria tradicional da sua etnia, estando dispersa por outras partes do mundo” (OIM, 2009, p. 18). Já Handerson utiliza uma conceituação etnográfica: “O campo semântico e polissêmico do termo está articulado por três verbos associados a diáspora: residir no exterior, voltar ao Haiti e retornar ao exterior” (HANDERSON, 2005, p. 53).

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população haitiana no exterior, reafirmando o costume de migrar em busca de melhores condições econômicas, mas com o intento de prover para os membros da família que permanecem no país. Um parêntese a ser feito é o aspecto negativo na emigração haitiana de fuga de cérebros do país (METZNER, 2014). Segundo dados do Banco Mundial (2011), 85% da população com ensino superior já estava fora do Haiti em 2011, o que representa uma perda para o desenvolvimento pátrio.

Atrelado ao terremoto, em 2010, o acesso à água potável, que já era precário, ficou ainda mais prejudicado. Segundo avaliações na primeira semana do desastre, a destruição de grande parte da infraestrutura de abastecimento de água e de saneamento deixou metade da população sem acesso permanente à água potável, o que gerou um surto de cólera7. Foram tantos casos da doença (em torno de 470 mil) que o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) classificou o surto como o maior da história recente (CDC, 2011).

Dois anos mais tarde, o país foi assolado por dois furações, denominados Issac e Sandy, debilitando sobremaneira a agricultura do país (CASTRO, FERNANDES, 2014). Esses fatores agravaram uma situação de vida já debilitada e reforçaram os motivos para a emigração. Dessa forma, o próximo tópico apresenta a migração haitiana ao Brasil, destacando os motivos pela escolha deste país, as opções regulatórias de migração e as rotas mais utilizadas para a viagem, além de expor tanto o perfil demográfico desta nacionalidade quanto o quadro das condições de vida no Brasil.

2.1.2 A migração haitiana ao Brasil a partir de 2010

Tradicionalmente, os países escolhidos pelos haitianos para migrar são: República Dominicana (458.233 haitianos em 2015) (PERUSEK, 1984; OIM, 2015), Cuba (COUTO, 2006; CASTRO, FERNANDES, 2014), Estados Unidos (606.000 haitianos em 2012) (STEPICK, PORTES 1986; SCHILLER 1977; METZNER, 2014; OIM 2015), Canadá (entre 63.350 a 74.000) (CASTRO, FERNANDES, 2014; SILVA, 2013; METZNER 2014; OIM, 2015), Venezuela (SILVA,

7 Segundo o epidemiologista francês Renaud Piarroux, o qual realizou

pesquisa no Haiti, entre 7 e 25 de novembro de 2010, a epidemia se originou de uma estirpe da doença, trazida por um grupo de soldados do Nepal, para trabalhar na MINUSTAH, e se espalhou pelo Haiti (SEGUY, 2014).

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2013), França (77.000 haitianos em 2012) (SILVA, 2013; METZNER, 2014; OIM, 2015), Bahamas (METZNER, 2014) e Guiana Francesa (SILVA, 2013). Estados Unidos e República Dominicana são os mais procurados, este último por ser seu vizinho (CASTRO, FERNANDES, 2014; OIM, 2015). Na Europa o país de maior fluxo é a França (CASTRO, FERNANDES, 2014; OIM, 2015), por conta da língua francesa.

A migração é um fenômeno comum na sociedade haitiana. De acordo com Saint-Hubert (2012), pode-se dividir a história do país em quatro períodos migratórios. Primeiro, entre os anos de 1965 à 1977, época em que a classe média de profissionais migrou para os Estados Unidos da América. Após, de 1978 até 1985 predominou a migração irregular e de pessoas não qualificadas para outros países. Em seguida, no período de 1987 a 1992 houve o aumento da migração de pessoas não qualificadas. Por fim, de 1992 até o tempo presente, o processo migratório é marcado pela consolidação das migrações anteriores, ou seja, a continuidade da migração e a estabilização das pessoas no país de destino, sendo os migrantes majoritariamente de baixo grau de instrução (SAINT-HUBERT, 2012).

A escolha dos indivíduos de para qual país se deslocar leva em conta a legislação migratória de cada nação receptora. Sem pormenorizar, aquelas foram significativamente alteradas após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos (SILVA, 2013). Nessa tendência, alguns dos países tradicionais de migração do Haiti, como Estados Unidos e República Dominicana (PATARRA, 2012), intensificaram a restrição de entrada de haitianos, o que levou muitos indivíduos a traçarem novas rotas e destinos de migração (CASTRO, FERNANDES, 2014). Os Estados Unidos, por exemplo, têm imposto aos migrantes, em geral, leis migratórias rigorosas e fortes sanções àqueles que estão em situação de irregularidade em seu território (PÓVOA NETO, 2007). Já a República Dominicana tem um histórico de políticas restritivas e racistas, tanto no que se refere a imigração de haitianos quanto à permanência de descendentes haitianos no país8.

8 Em 1937 o ditador Rafael Leonidas Trujillo, da República Dominicana,

ordenou o genocídio da população haitiana que residia no país. Esse episódio, que matou de 20.000 a 35.000 pessoas, ficou conhecido como ”Massacre de Perejil” devido à dificuldade de pronúncia dos haitianos da palavra espanhola “perejil” (CARRERA, 2014). Outro acontecimento que elucida o xenofobismo contra os haitianos foi a decisão do Tribunal

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Em 2010, entre os países da América do Sul, somente Argentina, Chile, Equador e Peru não exigiam visto de turismo para a entrada de haitianos em seu território (CASTRO, FERNANDES, 2014). Vários migrantes utilizaram isso para fazer suas jornadas, quer passando por esses países temporariamente, quer permanecendo neles. A maioria, contudo, tinha o Brasil como destino final, e para realizar o percurso, saiam do Haiti de avião até o Equador e de lá seguiam até o Peru, em seguida para o Brasil, por meio das cidades de Tabatinga e Brasiléia (FERNANDES, CASTRO, 2014).

Então, o Brasil foi percebido pelos haitianos como uma possibilidade viável de migração, apesar de não estar nas escolhas tradicionais, configurando-se como um novo destino (CASTRO, FERNANDES, 2014). Algumas razões levaram a essa consideração. Primeiramente, os haitianos costumam procurar países com níveis de emprego razoáveis e facilidade de entrada, desse modo, o Brasil e outros países sul-americanos passaram a serem atrativos (METZNER, 2014). Outrossim, no Haiti pós-terremoto, havia uma noção generalizada de que no Brasil havia emprego para trabalhadores não qualificados, assim como facilidade em obter vistos e que o país não deportava migrantes irregulares (METZNER, 2014). Ademais, estrategicamente, o Brasil apresentava menor risco de deportação e menor custo de viagem em comparação com as opções tradicionais. Outras razões para a seleção do Brasil incluíam a reunificação familiar, possibilidade de emprego, melhor qualidade de vida, viabilidade de ajudar a família e oportunidade de estudar (FERNANDES, CASTRO, 2014). A esse respeito, segundo uma pesquisa conduzida por Metzner (2014), os migrantes entre 18 à 30 anos migravam ao Brasil pelas oportunidades educacionais, enquanto os de 31 à 45 anos de idade buscavam vagas de emprego.

Salienta-se que a maior parte dos haitianos se inteirou sobre o Brasil mais por indivíduos do que por fontes midiáticas, devido à escassez de informações objetivas (METZNER, 2014). Com efeito, Metzner (2014) relata que os migrantes souberam mais sobre o país por recrutadores de redes de traficantes do que por fontes oficiais brasileiras. O retrato que tinham do Brasil era proveniente de canais de

Constitucional da República Dominicana no processo nº 0168 de 23 de setembro de 2013, a qual retirou a cidadania de indivíduos nascidos na República Dominicana e filhos de imigrantes haitianos irregulares. A sentença completa pode ser acessada neste link: https://tribunalsitestorage.blob.core.windows.net/media/7592/sentencia-tc-0168-13-c.pdf

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comunicação que, na maior parte, falavam apenas de esportes, além de rumores feitos pelos coiotes e conversas dos trabalhadores da Construtora OAS, empresa brasileira que construiu várias estradas no sul do Haiti, e dos brasileiros à serviço da Missão de Paz da ONU para o Haiti (MINUSTAH). De fato, mais de 70% dos entrevistados por Metzner (2014) não procuraram verificar as informações obtidas.

A respeito da MINUSTAH, destaca-se a ação brasileira em liderar a missão que se estabeleceu em 2004 e continuou após o terremoto de 2010, o que Diniz (2005) atribui como parte dos interesses brasileiros na política internacional, notadamente de obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Além da MINUSTAH, na época, o Brasil estava crescendo economicamente e parecia atraente aos olhos dos trabalhadores haitianos (SILVA, 2013) diante do cenário de grandes obras em execução e da baixa taxa de desemprego (CASTRO, FERNANDES, 2014).

Havia, então, no imaginário haitiano, a ideia do Brasil como um país de oportunidades (CASTRO, FERNANDES, 2014). Esse imaginário foi reforçado pela realização do Jogo da Paz, uma partida de futebol entre Brasil e Haiti em agosto de 2004 na cidade de Port au Prince (FERNANDES, 2014), o qual, no entendimento de Silva (2011) visou a troca da imagem militarizada do Brasil pela de um país que auxiliava o restabelecimento da ordem com ações sociais e educacionais. Outra razão consiste no discurso de cooperação e o possível convite9 de emigrarem ao Brasil do então Presidente Lula, em fevereiro de 2010 em visita ao país (COSTA, P., 2016).

9 A cooperação e o possível convite estão no seguinte trecho do discurso:

“O segundo passo importante é que a minha vinda hoje aqui é porque é preciso ver com os olhos aquilo que a gente vê na televisão ou vê nas fotografias e reafirmar ao companheiro Préval que o governo brasileiro estará disposto a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance. E mais importante: fazer junto com o governo do Haiti. Porque é importante, neste momento, que a gente fortaleça o governo do Haiti, porque é através do governo que a gente precisa fazer a política de solidariedade. [...] Quero dizer aos companheiros Préval e aos membros de seu governo que se o Brasil já tem feito uma política de solidariedade muito forte, depois de ver com os meus próprios olhos o que está acontecendo no Haiti, companheiro Préval, esteja certo que, sob a sua orientação, nós iremos fazer muito mais do que vínhamos fazendo até agora, porque as coisas no Haiti são muito mais graves do que a gente imaginava” (BRASIL, 2010, p. 2)

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A regularização da migração haitiana ao Brasil tinha algumas alternativas. Ela é necessária para que essas pessoas possam permanecer no país e também para exercer alguns direitos sociais, como trabalhar. Isso posto, somente com a documentação adequada esses migrantes podem tentar a vida em outras cidades do Brasil.

Para migrar legalmente, era necessário o porte de visto de entrada ao Brasil, o qual era obtido no Haiti através da Embaixada brasileira. Seus requisitos são: (a) vivência contínua no Haiti, comprovada por atestado (b) ausência de antecedentes criminais, (c) pagamento de uma taxa de 200 dólares e (d) passaporte em dia (FERNANDES, FARIA 2017). Tendo em vista que essa opção era muito custosa para a maioria dos haitianos, foi pouco utilizada.

Outra possibilidade legal era o pedido de refúgio (SILVA, 2013). Este garante a permanência do migrante durante a análise do seu pedido. Além disso, como o Brasil é signatário de vários Tratados de direitos humanos, em especial a Declaração de Nova Iorque de 1951, o país é buscado por vários solicitantes de refúgio. De fato, muitos optaram pelo refúgio por ser uma opção legal fornecida pela Lei de Refúgio Brasileira (Lei nº 9.474/97). Este Diploma engloba as causas clássicas de refúgio presentes na Convenção de 1951, quais sejam, perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, e adiciona como motivo para o refúgio grave e generalizadas violações de direitos humanos, presente na Convenção de Cartagena de 1984, da qual o Brasil é signatário.

Ademais, estava vigente na época o Estatuto do Estrangeiro e, pela perspectiva deste, os haitianos que entravam no Brasil sem visto estavam ingressando de forma irregular (SILVA, 2013). Havia então duas normas sobre migração com vieses antagônicos, o que complicava ainda mais a gestão migratória do Estado brasileiro.

Outra opção, porém irregular, era a entrada por rotas clandestinas, através de “coiotes”, para não encontrar a Polícia Federal. Os migrantes não-documentados optaram por esse meio devido às dificuldades anteriores de conseguirem visto para países como Estados Unidos, Canadá e França (METZNER, 2014), e por terem conhecidos que migraram por coiotes e não foram deportados, demonstrando, para eles, que era uma opção viável e de menor custo.

A rota dos coiotes inicia em países da América Central ou do Sul que não exigem visto para o Brasil, por conta de acordos bilaterais entre os países ou pelo Acordo do Mercosul, ratificado no Brasil através do Decreto nº 6.975 de 2009, o qual isenta a necessidade do visto para seus

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signatários. Estes, incluem os países membros, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai; e, o os associados, Bolívia e Chile.

De acordo com o art. 1º do referido Diploma, os nacionais de um Estado Parte que desejem residir no território de outro Estado Parte poderão obter residência legal neste último, mediante a comprovação de sua nacionalidade e apresentação dos requisitos previsto no artigo 4o, in

vebis:

Artigo 4 - TIPO DE RESIDÊNCIA A OUTORGAR E REQUISITOS

1. Aos peticionantes compreendidos nos parágrafos 1 e 2 do Artigo 3o, a representação consular ou os serviços de migração correspondentes, segundo seja o caso, poderá outorgar uma residência temporária de até dois anos, mediante prévia apresentação da seguinte documentação:

a) Passaporte válido e vigente ou carteira de identidade ou certidão de nacionalidade expedida pelo agente consular do país de origem, credenciado no país de recepção, de modo que reste provada a identidade e a nacionalidade do peticionante;

b) Certidão de nascimento e comprovação de estado civil da pessoa e certificado de nacionalização ou naturalização, quando for o caso;

c) Certidão negativa de antecedentes judiciais e/ou penais e/ou policiais no país de origem ou nos que houver residido o peticionante nos cinco anos anteriores à sua chegada ao país de recepção ou seu pedido ao consulado, segundo seja o caso; d) Declaração, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes internacionais penais ou policiais; e) Certificado de antecedentes judiciais e/ou penais e/ou policiais do peticionante no país de recepção, quando se tratar de nacionais compreendidos no parágrafo 2 do Artigo 3o do presente Acordo;

f) Se exigido pela legislação interna do Estado Parte de ingresso, certificado médico expedido por autoridade médica migratória ou outra autoridade sanitária oficial do país de origem ou de recepção, segundo equivalha, no qual conste a

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aptidão psicofísica do peticionante, em conformidade com as normas internas do país de recepção;

g) Pagamento de uma taxa de serviço, conforme disposto nas respectivas legislações internas. Dessa forma, alguns migrantes optaram por permanecer temporariamente nos países membros ou associados ao Mercosul, para somente depois seguirem viagem ao Brasil. Outros, preferem se instalar em países que, tradicionalmente, acolhem um grande número de migrantes, como o Equador10.

No que tange a migração rumo ao Brasil, de modo geral, não possui uma rota única. Os trajetos são diversos e vão se alterando conforme a facilidade ou dificuldade de um em relação ao outro (FERNANDES, CASTRO 2014; PATARRA, FERNANDES, 2011; SILVA 2013). Aqueles que possuem visto e melhores condições financeiras costumam ir direto do Haiti para o Brasil, com uma conexão no Panamá. Outra rota possível é do Haiti até o Equador de avião e depois seguir até o Peru para chegar no Brasil. Para financiar a viagem, estimavam o custo entre 100 a 5000 dólares americanos. Já segundo Fernandes e Castro (2014) o custo médio da viagem era de 2.912,72 dólares. Diante da precária situação econômica no Haiti, grande parte necessitou de empréstimos, avaliados entre dois a cinco mil dólares. Esses empréstimos eram feitos desde familiares até traficantes com altas taxas de juros.

Perto da fronteira brasileira, os estados brasileiros tradicionalmente11 escolhidos pelos coiotes como sendo mais fáceis de entrar imperceptivelmente são o Acre e o Amazonas (SILVA, 2013). Através do Acre as opções são entrar no Brasil pelo Peru, na cidade de Brasil Assis e seguir até Brasiléia ou entrar pela Bolívia diretamente a

10 Segundo Barboza e Back (2014), em 2012, o Equador tinha mais de

cinquenta e dois mil refugiados.

11 Em 2018, prevaleceu uma migração de retorno ao Brasil, consistente na

rota de migração irregular Chile-Brasil, percorrendo as cidades de Santiago, Iquique, adentrando a Bolívia por Oruro, Cochabamba, Santa Cruz e Porto Quijarro, ingressando no território brasileiro pelo município de Corumbá, no estado do Mato Grosso do Sul. Entre janeiro e junho de 2018, 1.306 haitianos passaram pelo posto da Polícia Federal da cidade. O deslocamento foi motivado por fatores como alterações restritivas na Lei Migratória chilena, endividamento, falta de emprego, racismo e temperaturas frias (BARBOSA, 2018).

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Brasiléia. Pelo Amazonas, os migrantes saem do Peru, na cidade de Santa Rosa e vão de barco até Tabatinga (AM). Porém, outras alternativas são ao Sul, entrar pela Argentina ou Paraguai para as cidades de Foz do Iguaçu (PR) ou Uruguaiana (RS). Além de mais demorado, esse caminho é mais custoso, podendo chegar aos valores de três a cinco mil dólares (SILVA, 2013). A fonte monetária costuma ser de parentes ou amigos, o que demonstra que a decisão de migrar é coletiva e não individual, o que também reforça as teorias migratórias de redes sociais12 (SASAKI, ASSIS, 2000). Além disso, cabe mencionar que no Peru há constatações de violações de direitos humanos pela polícia aos migrantes, através de medidas como exigência de dinheiro, bens pessoais e ameaça de prisões para deixar passar (SILVA, 2013). A Figura 1 apresenta um mapa com as principais rotas migratórias descritas do Haiti ao Brasil:

Figura 1 - Mapa das rotas migratórias haitianas ao Brasil

Fonte: produzido pela autora.

12 Segundo a teoria das redes sociais, os migrantes não agem de forma

isolada e desconectada de suas redes sociais, isto é, os papéis que amigos e familiares desempenham no processo migratório, seja ajudando ou sendo auxiliado.

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Qualquer que fosse a escolha, a maioria precisava passar pela cidade de Brasiléia, pois é a mais perto da Polícia Federal, localizada na cidade vizinha de Epitaciolândia. Efetivamente, na Polícia Federal é possível fazer a solicitação de refúgio. Segundo o art. 10, §2º da Lei nº 9.474/97, o pedido de refúgio é feito na Polícia Federal e encaminhado ao Comitê Nacional de Refugiados (CONARE), órgão parte do Ministério da Justiça responsável pela aprovação das solicitações de refúgio. Enquanto o requerimento é analisado, os solicitantes podem obter, por meio do Protocolo de Refúgio, a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Carteira de Trabalho (BRASIL,1997). Esses documentos são indispensáveis, para que os migrantes possam exercer vários atos da vida civil, como alugar ou comprar uma casa, e, exercer direitos sociais, a exemplo de ser contratado para empregos.

Contudo, no caso dos migrantes haitianos, o CONARE entendeu que não poderiam ser enquadrados como refugiados pela ótica da Convenção de 1951. Por isso, encaminhou os pedidos de refúgio ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg). O CNIg, pela Resolução nº 08 de 2006, entendeu que poderia fornecer visto permanente de razões humanitárias a estrangeiros, por força do art. 1º, que dispõe:

Art. 1º Recomendar ao Comitê Nacional para os Refugiados - CONARE, Órgão vinculado ao Ministério da Justiça, o encaminhamento ao Conselho Nacional de Imigração - CNIg dos pedidos de refúgio que não sejam passíveis de concessão, mas que, a critério do CONARE, possam os estrangeiros permanecer no país por razões humanitárias.

Parágrafo único. A situação de estada no país dos estrangeiros, cujos pedidos sejam encaminhados pelo CONARE ao CNIg, será examinada ao amparo da Resolução Normativa nº 27, de 25 de novembro de 1998 , que dispõe sobre situações especiais e casos omissos.

Através dessa Resolução, os estrangeiros que não se enquadrassem na categoria de refugiados ainda poderiam permanecer no país se fossem admitidos pelo CONARE por razões humanitárias, não havendo um critério objetivo do que constituía essa categoria. Assim, adotou-se, preliminarmente, essa estratégia para regularizar a entrada de haitianos no Brasil.

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Dessa forma, os haitianos que migraram ao Brasil foram se instalando no país. Consoante ao perfil demográfico desse grupo, há um padrão de migrantes econômicos, consistente majoritariamente em jovens e homens. Entretanto, nos últimos anos tem crescido o número de migrantes mulheres. Esse aumento, dentre outros fatores, é explicado pela vinda de haitianos homens em anos anteriores e que já estão estabilizados para solicitarem a reunião familiar13. Dessa forma, conseguem trazer seus familiares, que costumam ser a esposa e os filhos.

Em Florianópolis, os migrantes haitianos representaram mais da metade dos atendimentos realizados pela Pastoral/NAIR-Eirenè14 entre 2015 e 2017. A propósito, em 2017, esse grupo se tornou o mais atendido pela instituição, representando 78,53% do total de indivíduos em 2017.

Via de regra, migrantes provenientes do Haiti costumam ter entre 20 e 39 anos de idade e possuir o equivalente no Brasil ao Ensino Fundamental incompleto (CASTRO, FERANDES, 2014). No Haiti, trabalhavam em construção civil, comércio, agricultura, e serviço de transporte. Já as mulheres trabalhavam em salões de beleza e em atividades informais, como vendedoras de comida (SILVA, 2013).

De modo geral, a maioria dos haitianos no Brasil vem da capital Porto Príncipe e redondezas, como Croix-des, des-Bouquets, Carrefour, Ganthier e Cabaret. Outras cidades são Gonaìves, Cap-Haitien and Port-de-Paix, fora da zona do terremoto, o que demonstra que a migração não é ocasionada isoladamente pelo desastre natural. Outro dado interessante é que grupos de haitianos saem juntos de uma mesma cidade,

13 Também chamado reunificação ou reagrupamento familiar é o processo

por meio do qual os membros de uma família, que se encontram separados por migração voluntária ou forçada, são reagrupados em um país distinto do país de origem (OIM, 2009). No Brasil, possui como requisitos comprovação de meio de subsistência legal e moradia.

14 A denominação “Pastoral/NAIR-Eirenè” se refere ao convênio firmado

entre a Pastoral do Migrante de Florianópolis e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por meio do projeto de extensão “Núcleo de Apoio a Imigrantes e Refugiados” (NAIR) vinculado ao “Eirenè: Centro de pesquisas e práticas Decoloniais e Pós-Coloniais aplicadas às Relações Internacionais e ao Direito Internacional. Além do projeto de extensão, o Eirenè também desenvolve atividades da Cátedra Sérgio Vieira de Mello para Refugiados (ACNUR/ONU).

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confirmando as teorias de redes sociais e a vontade de estabelecer formas de proteção (SILVA, 2013; SASAKI, ASSIS, 2000).

Em relação as opções de moradia, as condições costumam ser precárias. A maioria habita “kitnetes” ou locais de pequenos quartos com pouca ventilação e muita umidade chamadas de “vilas”. Somente quando conseguem emprego é que iniciam a mobiliar suas residências. Ademais, para baratear o custo de vida, dividem o aluguel com amigos (SILVA, 2013).

No tocante ao labor, a maioria está empregada em setores de baixa qualidade e remuneração, como construção civil; indústria de alimentos, serviços gerais, comércio, linha de montagem industrial, segurança, ajudante de cozinha e manicure (FERNANDES, CASTRO, 2014; MAGALHÃES, 2017). Há também aqueles em trabalhos informais, como na distribuição de propagandas e venda de comida nas ruas. Os serviços mais remunerados são em escolas de línguas e em fábricas, que pagam o dobro do salário mínimo. Ainda, os haitianos representaram a principal nacionalidade estrangeira no mercado formal de trabalho no ano de 2017, pois foram 22.221 admissões contra 13.398 demissões, o que configura um saldo positivo de 8.823 trabalhadores haitianos (CAVALCANTI, OLIVEIRA, MACEDO, 2018). Cabe mencionar, ainda, que a média salarial dos migrantes haitianos varia de 622 a 800 reais (FERNANDES, CASTRO, 2014).

Financeiramente, a situação no Brasil é distante da imaginada. Metzner (2014) explica que os haitianos esperavam conseguir emprego fácil, com salário suficiente para cobrir todos os gastos, comprar carro e casa e trazer a família do Haiti. Porém, a realidade demonstra que a renda obtida pelo trabalho não é suficiente nem para subsidiar um fluxo regular de remessas aos familiares e amigos no Haiti. Por conta disso, a maioria migra para outras cidades do Brasil, como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, onde acreditam ter salários melhores. Esse pensamento é logo mostrado falso, pois nestas cidades o custo de vida é maior e os problemas de encontrar emprego e moradia permanecem. De modo geral, a falta de qualificação e a recusa de aceitar serviços longe do domicílio contribuem para os casos de desemprego de haitianos. O indeferimento é justificado pela escolha de viverem em locais onde haja pessoas conhecidas. Para as mulheres a situação é pior, pois as empresas preferem contratar homens (CASTRO, FERNANDES, 2014; MAGALHÃES, 2017).

Apesar dessas adversidades, os haitianos afirmam que estão melhores do que estavam em sua terra natal. Essa conclusão é compartilhada por Castro e Fernandes (2014), pois os imigrantes

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entrevistados declararam que suas situações de vida no Brasil são preferíveis às condições em que estavam no Haiti. Além disso, na pesquisa de Silva (2013), a maioria diz que aceita qualquer trabalho para ter meios de subsistência próprios e da família.

Dando continuidade à apresentação dos estudos de casos, o próximo tópico expõe os fluxos migratórios venezuelanos ao Brasil. Primeiramente, descreve-se o contexto que motivou a migração, para então apresentar as razões pela escolha de deslocamento ao Brasil, as opções regulatórias de migração e as rotas mais utilizadas para a viagem. Ao final, expõe-se tanto o perfil demográfico quanto o quadro das condições de vida no Brasil.

2.2 OS FLUXOS MIGRATÓRIOS VENEZUELANOS AO BRASIL De modo geral, os fluxos migratórios não possuem uma composição única, ao contrário, são diversos e se modificam de acordo com a facilidade ou não da migração (PATARRA, FERNANDES, 2011; SILVA 2013; CASTRO, FERNANDES, 2014). Eles tampouco se restringem a alguma nacionalidade. Após a onda de migração haitiana ao Brasil, o país se vê novamente com um intenso fluxo de migrantes, desta vez oriundos da Venezuela. Dessa forma, remetendo-se ao objetivo geral desta pesquisa, a descrição do estudo de caso da migração venezuelana ao Brasil objetiva compreender esse fluxo migratório para que, posteriormente, possa elucidar as nuances desse grupo em comparação ao grupo haitiano e também para que possa ser feito um diagnóstico da atuação brasileira no acolhimento e regularização desses novos habitantes do país.

2.2.1 Contexto da diáspora venezuelana

A Venezuela está passando por uma intensa crise política, econômica e social desde 2015, com uma piora significativa no ano de 2017. A deterioração dos serviços públicos de saúde e da qualidade de vida são algumas das reclamações mais recorrentes da população. Diante disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), está particularmente preocupada com as mulheres, as crianças e adolescentes, os defensores dos direitos humanos e os migrantes e refugiados, por serem ultra vulneráveis no cenário atual do país (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017).

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Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2017), o início da crise na Venezuela ocorreu com a intervenção do Poder Executivo nos Poderes Legislativo e Judiciário, rompendo o princípio da separação dos poderes. Segundo esta organização, o TSJ publicou os atos nº 155 e 156, os quais permitiram que o órgão "levantasse as imunidades parlamentares aos deputados da AN, estabeleceu que os seus atos constituiam 'atos de traição à pátria', concedeu ao Poder Executivo amplos poderes discricionários e apropriou-se dos poderes do Poder Legislativo” (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2017, p. 19).

Para Pinto e Obregon (2018), o início da crise na Venezuela data de 2014 em 2014, quando o preço do barril de petróleo sofre queda de preço, influenciada pela resposta da Arábia Saudita, de exploração de petróleo, diante dos Estados Unidos da América terem se tornado o maior produtor independente de petróleo do mundo. Esse cenário desvalorizou o petróleo venezuelano, e, sendo a economia deste país baseada, principalmente, na exportação de petróleo, a Venezuela foi signatificamente impactada. Com efeito, o governo precisou reduzir importações, o que gerou escassez de vários itens e aumento da inflação (PINTO, OBREGON, 2018).

A população tomou as ruas para demonstrar seu descontentamento com as ações governamentais (OBSERVATORIO VENEZOLANO DE CONFLICTIVIDAD SOCIAL, 2017; PINTO, OBREGON, 2018). Segundo o Programa Venezolano de Educación-Acción en Derechos Humanos (PROVEA), as manifestações no país constituem a primeira rebelião popular venezuelana do século XXI (PROVEA, 2017a).

As ações governamentais impactaram diversos âmbitos da vida dos cidadãos venezuelanos. Nesse sentido, o país também sofre pela crise econômica. Apura-se que a economia está reduzida em 35%, desde o início de seu retrocesso em 2014. Ademais, supõe-se que o déficit fiscal esteja em 17% do Produto Interno Bruto (PIB) e a inflação em 2.700% no ano de 2017 (EL PAÍS, 2018; PINTO, OBREGON, 2018). As políticas econômicas do governo, acompanhadas da queda do preço internacional do petróleo, influenciam diretamente na crise humanitária (HUMAN RIGHTS WATCH, 2016; PINTO, OBREGON, 2018).

Conexa a isso, a crise econômica torna difícil a aquisição de alimentos. A Venezuela possui uma política de regulação e subsídio de preços desses, de responsabilidade da Superintendencia de Precios Justos (SUNDDE). Essa política segue os decretos nº 1.467 de 18 de novembro de 2014 e nº 1.467 de 18 de novembro de 2014. Com a

Referências

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